A atual região serrana fluminense e seus espaços: economias perdedoras, institucionalidades desarticuladas e realidades sociais perversas


Daniel de Oliveira Costa
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ

Daniel de Miranda
Geógrafo. Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Jorge Luiz Alves Natal
Doutor em Ciências Econômicas, professor aposentado do IPPUR/UFRJ e pesquisador do CNPq

1.  Localizando o espaço-objeto1: traços gerais

É comum a associação da região serrana fluminense às cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Por suposto, municípios menos destacados poderiam ser arrolados. Tal listagem depende, é certo, da regionalização adotada. Aqui, resolveu-se, de início, escolher a listagem fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E isso foi feito por uma razão: essa instituição é a mais importante produtora de dados estatísticos do e sobre o país. Isso pontuado, segue a listagem das cidades que compõem, neste artigo, a região serrana: Bom Jardim, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Sumidouro, Teresópolis e Trajano de Morais. Como se verifica, o espaço-objeto analisado abarca 14 municípios.

Vencida a etapa de definição dos municípios com que trabalhar, impõe-se um novo desafio: eles devem ser considerados em bloco ou dispostos conforme as microrregiões do IBGE? Nesse quesito, os autores seguiram a segunda alternativa, tendo como referência suas experiências e leituras prévias sobre a realidade serrana. Os municípios foram, então, dispostos nos seguintes agrupamentos: Nova Friburgo (Bom Jardim, Duas Barras, Sumidouro e N. Friburgo); Serrana (Petrópolis, ­Teresópolis e S. J. do Vale do Rio Preto); Santa Maria Madalena (São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Santa Maria Madalena); Cantagalo-Cordeiro (Carmo, Macuco, Cantagalo e Cordeiro). Por fim, mais uma vez com base em experiências pessoais e estudos anteriores, essa regionalização foi redefinida, obtendo a formação exposta no Quadro I.

O quadro apresenta três mudanças: criação de duas novas sub-regiões – Petrópolis e Teresópolis; eliminação da microrregião serrana; inscrição do município de São José do Vale do Rio Preto na sub-região de Petrópolis. As explicações desses rearranjos são as seguintes: Nova Friburgo possui uma relação mais forte com os municípios mencionados na primeira coluna do quadro anterior, pelo fato de ser uma espécie de “capital regional”; a interação de Nova Friburgo com os municípios de Teresópolis e, especialmente, de Petrópolis é quase inexistente; o município de São José do Vale do Rio Preto, antes fração territorial de Petrópolis, tem neste último município, dada a fragilidade econômica, sua “capital regional”; Teresópolis, em função de sua geografia e de seus vínculos econômicos, guarda relações mais estreitas com a Baixada Fluminense, via Guapimirim, que propriamente com seu entorno regional serrano; por último, conquanto a microrregião serrana reúna os três municípios mais conhecidos da chamada RS, é mais ou menos evidente que estes possuem nexos frágeis ou mesmo irrisórios. 

Para visualizar melhor a redefinição da região serrana com seus municípios e sub-regiões, vide o Quadro II.

O Quadro II mostra que, em um total de 805.627 habitantes (soma das populações totais), há sub-regiões mais adensadas, como é o caso, nesta ordem, de Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis, graças aos seus “municípios capitais”, como também sub-regiões relativamente esvaziadas, tal como Santa Maria Madalena e, em menor grau, Cordeiro-Cantagalo. Se, de um lado, sobressaem os “municípios capitais”, de outro, estão os casos das cidades situadas na faixa de apenas 10 mil habitantes (Macuco, São Sebastião do Alto, Duas Barras, Trajano de Morais e Santa Maria Madalena). Partindo-se do princípio de que a população vai para onde o capitalismo se dirige (MARX, 1968), pode-se afirmar que esse espaço-objeto é marcadamente desigual do ponto de vista (estrito) da geração de riqueza – fato que pode ser apreendido através de uma comparação entre os municípios mais e menos populosos.

Outros aspectos poderiam ser adicionados à localização da região serrana, como sua proximidade à região metropolitana fluminense e sua ligação rodoviária com essa última região pela BR-040 e pela Rota 116. Não obstante, os elementos apresentados são suficientes para os objetivos deste artigo.

2.  Realidade econômica perdedora no contexto estadual: uma primeira aproximação analítica

É necessário examinar, ainda que sucintamente, a expressão realidade econômica perdedora. Aqueles que militam no campo do planejamento urbano e regional e os estudiosos das ciências territoriais devem reconhecer que essa referência é aqui usada como contraposição ao termo regiões que ganham, de George Benko e Alain Lipietz (1992). Nesse trabalho, inserido na crise do chamado fordismo (1970-80), os dois autores mostram que nem todos os lugares dos países centrais estavam na mesma situação de desalento, isto é, de crise econômica e de elevadas taxas de desemprego.

Para oferecer o adjetivo perdedora à região serrana, é preciso ter em conta que o Rio de Janeiro experimentou, a partir de meados dos anos 1990, certa dinamização da vida econômica, com especial destaque para os espaços das regiões2 Norte, das Baixadas Litorâneas e da Costa Verde3. A esse respeito, os dados do Quadro III são bastante ilustrativos:

No Quadro III, observa-se que três regiões apresentaram desempenho inferior ao da região serrana: o Médio Vale do Paraíba, a Metropolitana e o conjunto do estado. Tal fato não surpreende. E isso é explicado pelos seguintes fatores: a região metropolitana era, no período, uma região saturada economicamente e os investimentos verificados em seus domínios eram mais do tipo capital intensive que labor intensive; o Médio Vale do Paraíba, apesar de seu dinamismo, assentado grosso modo no Complexo Metal-Mecânico, mostrava-se amplamente como poupador de mão de obra; e, por fim, a dinâmica do estado era resultado da reduzida capacidade de geração de postos de trabalho das regiões economicamente menos dinâmicas e dos investimentos baseados em tecnologias que dispensavam trabalhadores – como tudo isso é trivial, sua média foi puxada para baixo. Os 39,9% da região serrana comprovavam que no quesito emprego formal seu desempenho estadual era mesmo preocupante, quando considerada à luz de outras regiões de governo.

Já no caso da comparação dos Produtos Internos Brutos (a preços de mercado), excluindo-se a região metropolitana, com seus 19 municípios, dado seu inegável peso econômico, pode-se dizer que a situação da RS não é das piores. No ranking, ela supera a região Noroeste, a Centro-Sul e a Costa Verde. Superar à região Noroeste não é um fato surpreendente, na medida em que, historicamente, essa região é fragilíssima em termos econômicos. Tampouco surpreende que a RS ultrapasse a produção de riqueza da região Centro-Sul, posto que, tratando-se de produção de riqueza social, o desempenho desta última se aproxima ao da Noroeste. Quanto à Costa Verde, superá-la não é, igualmente, espantoso. Embora aí estejam ocorrendo importantes investimentos, economicamente essa região se resume, no limite, ao município de Angra dos Reis.   

Considerando esses aspectos, com exceção da região metropolitana fluminense, é razoável afirmar que a RS não soube ou não pôde acompanhar o dinamismo econômico vigente no Rio de Janeiro nas últimas décadas – tanto que ficou atrás até mesmo de regiões outrora débeis, como a Baixada Litorânea e a Norte. Ela também continuou atrás do Médio Vale do Paraíba, com seu passado industrial atualizado a partir de meados dos anos 1990, em função, entre outros, dos investimentos automobilísticos que aí foram realizados. Vale ressaltar, novamente, que, conquanto tenha superado a região da Costa Verde, parece razoável não valorizar esse desempenho pelas razões já aludidas. 

O descompasso econômico da região serrana no âmbito do estado fica ainda mais flagrante quando se considera a Receita Corrente Líquida Per Capita (Quadro V).

Os valores anteriores são impressionantes. A RS supera apenas a RM, e a razão disso é simples: tal região apresenta valores baixos pelo evidente gigantismo da sua população, que possui baixo poder de compra.

Certamente outros dados poderiam ser aqui expostos a fim de sustentar a tese de que a RS é perdedora no contexto estadual. Mas isso é desnecessário; não há nenhuma novidade no fato de ela se apresentar desse modo. Vale relembrar apenas que, durante a passagem do café pelo seu espaço na segunda metade do século XIX, tal produto nunca se mostrou um tradeable; ela também não soube realizar qualquer take off econômico, quando da industrialização do século XX. Em outras palavras, seu histórico de economicamente perdedora é, em termos agregados, antigo.

Concluindo, essa região nunca se mostrou capaz de fazer frente às transformações econômicas dos últimos 150 anos. No entanto, a novidade das duas últimas décadas é que, com o relativo soerguimento da economia fluminense, até mesmo regiões antes frágeis lograram acompanhar ou mesmo contribuir para a nova dinamicidade – esse não foi o caso da região serrana. É verdade que tal dinamicidade se deu, em parte, por desígnios da natureza, como acontece com a cadeia de petróleo e gás. Não obstante, nada disso pode servir de desculpa para o “atraso” por ela acumulado ao longo do tempo, inclusive nessa última conjuntura.

Como toda e qualquer região economicamente fragilizada, a RS deveria ser objeto de ações públicas urgentes, o que está, infelizmente, longe de acontecer. Acrescente-se que há aspectos relativos à sua história e às suas forças sociais que ainda carecem de estudos que desvelem os porquês mais profundos do fato de ela ser, há séculos, economicamente perdedora.

Pode-se argumentar que houve, em alguns dos municípios serranos, determinadas e bem-sucedidas experiências industriais, especialmente se se considera os casos de Petrópolis e Friburgo; porém, suas existências relativamente curtas e  concentradas em dados setores/atividades anunciam a combinação de dois fatos: sua incapacidade de arrasto econômico e/ou sua fragilidade face ao dinamismo de experiências industriais (com seus ganhos de escalas etc.) de outros lugares do país, notadamente as do Estado de São Paulo em quase todo o século XX. Enfim, os protagonismos desses setores/atividades foram, principalmente, locais/regionais.

Cumpre acrescentar que as extraordinárias transformações tecnológicas, financeiras e comerciais ocorridas desde 1970 em todo o mundo, somadas à abertura comercial procedida no país a partir dos anos 1990, atingiram dramaticamente a estrutura produtiva existente na região serrana, agravando, assim, sua quase secular fragilidade, sobretudo quando ela é comparada com a região metropolitana fluminense e com os dados de São Paulo (CANO 1977; MELLO, 1984).  

3.  Realidade política e político-institucional desarticulada: uma segunda aproximação analítica

É razoável afirmar que os lugares possuem representatividade política em função de três critérios, isolados ou combinados: importância econômica, existência de político(s) que fale(m) por eles e contingente populacional traduzível em voto.

No que concerne ao primeiro critério, os apontamentos efetuados na seção anterior indicam que a região serrana é frágil economicamente, sendo incapaz de retirar daí uma base que a projete no cenário estadual e, menos ainda, no nacional (por exemplo, no nível das lutas federativas). Pode-se pensar, trivialmente, em municípios isolados capazes de falar, ainda que não em nome da região, pelo menos para si mesmos, tendo em vista a importância econômica deles. Logo, cabe a pergunta: existe na RS algum município com essa força? Pela sua importância na região, preliminarmente, o único que poderia desempenhar esse papel seria Petrópolis – esse tema será retomado adiante.

Já em relação ao segundo critério, observa-se que praticamente inexiste uma voz política que fale pelo município e/ou região. O Estado do Rio de Janeiro, como todos os estados da federação, possui três senadores (atualmente, Lindberg Farias, Francisco Dornelles e Marcelo Crivella), os quais detêm razoável expressão política no cenário nacional. No entanto, é mais ou menos consensual que nenhum deles tem a representatividade necessária nos governos estadual e federal para fazer frente às necessidades regionais de um modo geral. A isso, é preciso adicionar que seus domicílios eleitorais e bases de apoio/voto estão concentrados no município do Rio de Janeiro e entorno metropolitano. Quanto aos deputados federais, os 14 municípios analisados, com seus 805.627 habitantes, possuem, formalmente, somente dois deputados federais – Hugo Leal e Glauber Braga. O primeiro deputado federal é, em parte, vinculado ao município de Petrópolis, embora seus votos sejam distribuídos por toda a região; o segundo é um claro filho de Nova Friburgo, com votos na área de influência dessa mesma sub-região. Em resumo, há evidentes dificuldades nesse quesito, com implicações ligadas à atração de recursos para o espaço-objeto, bem como para a formulação de políticas que contribuam efetivamente para a definição de algum projeto regional de desenvolvimento.

Referente ao terceiro critério, é notória a inexistência de um contingente populacional traduzível em voto (Quadro VI).

Esses dados confirmam o óbvio: I) a grande participação populacional da região Metropolitana no conjunto – ela abarca 74% do contingente populacional; II) a participação diminuta das regiões Centro-Sul e Costa Verde; III) a participação relativamente equilibrada da região Serrana, das Baixadas Litorâneas e do Médio Vale do Paraíba e Norte. O resultado disso é que, com exceção da RM, as regiões examinadas possuem populações relativamente limitadas na contagem de voto. Considerando o exposto, além da fragilidade econômica, a RS tem dificuldade de eleger um número expressivo de parlamentares estaduais e, principalmente, federais, como mostra o Quadro VII:

Assinale-se que não é somente a população relativamente limitada que, dados os problemas estruturais já apresentados, dificulta o soerguimento da economia da RS, mas também o fato de ela ser uma região historicamente desarticulada no âmbito político-institucional. Deve ser exposto que os termos “região” ou “região de governo” serrana foram empregados – emprego também feito por outros autores e por diversas instituições – mais por força do hábito que por efetivo rigor conceitual, sem contar que as bases de dados usadas seguem esses recortes. Dito de forma mais sucinta: a RS é um mosaico desarticulado, sendo quase uma ficção (o que não é uma exclusividade dessa região no âmbito estadual fluminense).

Possivelmente, a evidência mais marcante do que foi exposto seja a relação estabelecida entre os três principais municípios da RS (Petrópolis, Teresópolis e N. Friburgo), que, ao fim e ao cabo, são estranhos uns aos outros. Petrópolis, por exemplo, interage com centralidade apenas em relação a S. J. do Vale do Rio Preto; por outro lado, embora ele seja relativamente autossuficiente, em especial no que tange aos chamados serviços, também interage, de maneira expressiva, com o município do Rio de Janeiro – mas este último não pertence legalmente à sua região. Além desses dois municípios, Petrópolis se relaciona com Areal e Três Rios, que, igualmente, não pertencem a essa sub-região, bem como com Juiz de Fora, cidade localizada em Minas Gerais. Sendo essas suas principais interações, fica evidente seu “afastamento” regional. O município de Teresópolis, por sua vez, parece mais próximo da capital do estado, via Guapimirim (e, por conseguinte, Duque de Caxias), que de seu entorno regional serrano. N. Friburgo é o caso mais distinto. Como já destacado, esse município desempenha o papel de capital regional para Bom Jardim, Duas Barras e Sumidouro – ampliando um pouco mais, pode-se dizer que ele ocupa tal papel também para os municípios da sub-região de Sta. Maria Madalena. No entanto, frise-se que essa última sub-região, ou melhor, seus municípios, vem crescentemente se aproximando de Macaé, pertencente à microrregião Norte, devido ao seu recente crescimento econômico e à proximidade geográfica.

A RS é, portanto, praticamente uma ficção – isso fica claro quando a análise avança para além da chamada geografia física e do campo político-administrativo. O pouco de história em comum, especialmente a da época de passagem do café pelos seus domínios no século XIX e início do século XX, não sedimentou, em definitivo, qualquer identidade que pudesse levar a uma práxis de sonhos e projetos compartilhados. Tampouco sua expansão industrial deixou de ser, além de concentrada em poucas atividades/setores, restrita espacialmente. Outra expressão dramática é a extrema raridade de foros de discussão, inclusive para debater sua mais evidente característica: a de ser, de longa data, uma região perdedora econômica, política e institucionalmente.

4 Realidade social dramática: uma terceira aproximação analítica

Na terceira aproximação analítica, foram selecionados alguns elementos para examinar a realidade social da RS fluminense. Eles foram organizados em grupos, a partir dos seguintes aspectos: relação entre cor e raça; apropriação da riqueza gerada; escolaridade; acesso a serviços de consumo coletivos e à saúde.

Para a dimensão cor e raça, em comparação à apropriação da riqueza social, são apresentados os seguintes quadros e análises.

Os dados do Quadro VIII atestam a prevalência branca da região serrana: Nova Friburgo, 70,7%; Petrópolis, 63,7%; Teresópolis, 58,6%; Cantagalo-Cordeiro, 51,9%; Santa Maria Madalena, 50,3%. Como o item cor e raça é registrado pelo IBGE através da autodeclaração do entrevistado, não sendo incomum que uma parcela de pardos eleja a opção de raça branca (embora esse tipo de “desvio” venha diminuindo sensivelmente), há uma tendência a superestimar o total de brancos e a subestimar o de pardos. Apesar disso, percentualmente, é claro o fato de que a população serrana, no quesito analisado, se aproxima mais do Sul do país que propriamente da Região Sudeste, da qual ela faz parte. Isso posto, vale a pena observar, ainda, que esse mesmo espaço apresenta marcada discriminação de rendimento, quando considerada a população preta e parda vis-à-vis à branca. Em relação a esse ponto, como uma espécie de proxy regional, tendo em vista apenas o município de Petrópolis, economicamente mais dinâmico, vide o Quadro IX:

No que concerne à educação, foram considerados, conforme o Quadro X, dois indicadores: I) pessoas alfabetizadas de cinco anos ou mais de idade, seguido de sua referente taxa em percentual; II) pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível de instrução.

Na coluna da alfabetização das pessoas de 5 anos ou mais de idade, observa-se que metade dos municípios da região alcança um percentual superior a 90%, dos quais, excetuando-se São José do Vale do Rio Preto e Macuco, cinco emprestam seus nomes às sub-regiões em que estão inscritos. Por outro lado, dos sete municípios com percentuais inferiores a 90%, três deles registram taxas em torno de 85% (Sumidouro, S. S. do Alto e Trajano de Morais), sendo dois deles da sub-região de Santa Maria Madalena, a que apresenta o mais problemático dinamismo econômico. No geral, pode-se dizer que, pelo menos nesse quesito, a situação serrana é boa.

Para uma análise mais aprofundada, vale reler a terceira coluna, referente às pessoas com 25 anos ou mais de idade por nível de instrução, em termos percentuais (Quadro XI):

Da leitura, constata-se que as taxas de alfabetização relativamente altas do Quadro X mascaram a realidade social da região, na medida em que, como mostra o Quadro XII, na média, aproximadamente 45% da população com 25 anos ou mais não possui qualquer grau de instrução ou somente possui o Ensino Fundamental incompleto5, isto é, a população, na média, possui menos que oito anos de escolaridade. Caso somados os percentuais constantes da terceira coluna do Quadro XI, que considera o Ensino Fundamental completo e o Ensino Médio incompleto, verifica-se que o percentual precedente sobe para quase 55% (45% + 9,43%). Em outras palavras: pouco mais da metade da população serrana possui, no máximo, 11 anos de escolaridade, sendo que desta população mais ou menos 45%, quando muito, alcança oito anos de presença nos bancos escolares. Por outro lado, relativo ao Ensino Superior completo, com exceção de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, que alcançam o percentual de 9%, e de Cordeiro, com seus 7%, os demais municípios possuem no máximo 5% da população com esse nível de escolaridade. Sublinhe-se que anos de escolaridade, especialmente nas primeiras séries, não equivale, sempre, ao efetivo conhecimento do período escolar cursado.

Os dados analisados revelam per se mais um tipo de constrangimento ao desenvolvimento, de um modo geral, da região e, em particular, à qualificação de sua economia, sobretudo relativo à gestão propriamente dita e à realização de operações que demandam níveis de escolaridade mais elevados.

Para os chamados serviços de consumo coletivos por domicílios, foram utilizados os seguintes indicadores: existência de energia elétrica; tipo de esgotamento sanitário; forma de abastecimento de água; destino do lixo (Quadro XII).

Os números sobre a existência ou não de energia elétrica (segunda coluna) são expressivos. Eles revelam que energia elétrica não é um problema da região examinada. Já no que diz respeito aos demais aspectos (colunas 3, 4 e 5), são verificados diferentes problemas, e estes são graves. Veja-se o caso do tipo de esgotamento sanitário: em Nova Friburgo, por exemplo, as formas inadequadas, apesar das suas variações, chegam a 1/3 da considerada adequada (rede geral de esgoto). Há casos em que as percentagens das formas inadequadas são até mesmo superiores às adequadas, como em São José do Vale do Rio Preto, Teresópolis, entre outros.

Em relação ao abastecimento de água, a situação é um pouco menos grave que a do esgotamento sanitário; no entanto, ela não pode ser tida sequer como razoável. Na verdade, é ruim, como exemplificam os resultados de São José do Vale do Rio Preto e de Santa Maria Madalena. O mesmo pode ser dito para o destino do lixo, como ilustrado por Duas Barras e Petrópolis6.

No quesito saúde, muitos indicadores poderiam ser aqui alinhados, e, a partir deles, demonstrar que a situação da RS apresenta aspectos positivos, razoáveis e, no pior dos casos, dramáticos. Para uma apreciação mais ampla, ainda que o que se segue seja relativamente antigo, o Plano Estadual da Saúde/Ministério da Saúde (2007) destaca o seguinte:

Em que pese a data do diagnóstico, o fato de a reunião de 2007 se basear no quadro anterior sugere que o que nele constava em 2001 era ainda tido como válido. De qualquer maneira, o problema da validade do diagnóstico, associado aos anos transcorridos desde o período de sua formulação até os dias correntes, sempre levanta a suspeita de desatualização. Não obstante, consideradas as dificuldades regionais assinaladas em outras partes, a carta-compromisso (Quadro XIV) da região serrana fluminense, constante do mesmo documento de 2007 (p. 65), não dá margem para dúvidas quanto à realidade da saúde na região.

Por fim, cumpre considerar as informações do parecer do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) de 2013, no qual, em uma escala de zero a dez, o Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) da região oscila ao redor de 5. Petrópolis, tendo em vista o Programa Estratégia da Família, recebeu do IDSUS uma avaliação bastante dura: foram feitas críticas à admissão irregular de pessoal, à composição irregular das equipes de saúde, ao descumprimento das condições de acessibilidade às unidades de saúde, à ausência de mobiliários e equipamentos mínimos, à aquisição e ao armazenamento inadequado de medicamentos, entre outros.     

Em conclusão, os dados analisados revelam quão dramática é a situação da RS e quanto ainda precisa ser feito para que ela supere esse quadro.

5.  Considerações finais: o desenvolvimento regional e o lugar das maiorias populacionais. O que fazer?

Em linhas gerais, a análise demonstrou que a região serrana é: a) historicamente perdedora em termos econômicos; b) desarticulada nos âmbitos políticos e político-institucionais; c) socialmente perversa com as suas maiorias populacionais. Tais características não podem ser entendidas sem um exame profundo da história da formação social e do padrão ou padrões de desenvolvimento de cada uma delas, respeitando, ressalte-se, as diferenças que elas mantêm entre si. Tarefas desse tipo não são simples – e não podem ser abordadas neste artigo. No entanto, parece razoável afirmar que o soerguimento da RS exige a redefinição das suas relações econômicas, políticas, institucionais e sociais, a fim de que seja estabelecido um novo padrão de desenvolvimento para ela.

As chamadas vias do desenvolvimento são múltiplas. Nas falas de muitos políticos profissionais e de associações empresariais, embora não exclusivamente, é comum a defesa da atração de grandes empresas, da montagem de distritos industriais, da definição de políticas favoráveis à estruturação de polos tecnológicos e da formação de mão de obra qualificada como “as” soluções para os problemas da RS. Mesmo supondo que essas tentativas, isoladas ou em combinação, sejam bem-sucedidas, é necessário observar que elas não garantem a construção de um padrão de desenvolvimento que dê voz, de forma efetiva e democrática, à região e que gere reais efeitos encadeados de desenvolvimento e de justiça sociodistributiva. Afinal, crescimento econômico, sobretudo quando é concentrador e “excludente”, está longe de poder ser identificado com construção societária “equilibrada” espacial e economicamente.

O fosso social, ou melhor, o fosso de classe, existente na região serrana fluminense ainda merece um pouco mais de atenção. A esse respeito, observe o Quadro XV:

Entre outros aspectos, esse quadro mostra que menos de 3% das pessoas de 10 anos ou mais, segundo a posição na ocupação, são empregadores. Por regiões, esses percentuais são os seguintes: Nova Friburgo, 2,9%; Petrópolis, 2,8%; Teresópolis, 2,7%; Cantagalo-Cordeiro, 1,8%; Santa Maria Madalena, 1%. Nesses percentuais, há empregadores com importâncias econômicas bem distintas, o que tende a reduzir, por vezes drasticamente, o número dos verdadeiros “donos da região” – ou seja, os que se apropriam das maiores parcelas da renda e da riqueza regionais.

Esses dados apontam para a natureza marcadamente concentradora da economia da região. Pode-se argumentar que essa assertiva é falsa, dado o expressivo contingente de trabalhadores por conta própria. Nesse grupo, pode haver profissionais altamente qualificados, estando alguns deles inscritos nas redes de proteção social trabalhista e previdenciária. Todavia, quem estuda criticamente a formação social brasileira sabe que esse não é, certamente, o caso da maioria dos trabalhadores que integram/definem essa posição na ocupação. Na mesma linha, também é assustador o fato de que quase 20% (73.321) do total da última coluna do quadro (392.665) seja constituído por Trabalhadores Sem Carteira Assinada, ou seja, sem qualquer tipo de inscrição nas redes supracitadas. Acrescente-se que, nesse último grupo, estão 2% das pessoas Não Remuneradas e que produzem para seu Consumo Próprio, isto é, aqueles que estão à margem de uma sociedade que é generalizadamente mercantil (a sociedade capitalista).

A adição analítica desse corte de classe (de inspiração marxista, sublinhe-se), que aponta para a apartação social, de renda e de riqueza, em sociedades periféricas e economicamente frágeis, como é o caso da RS, não pode ser olvidada. Nesse sentido, não se pode negar que há uma questão de classe que ajuda, igualmente, a desvelar o porquê da manifesta iniquidade presente na região – iniquidade que é ética, política e ideologicamente inaceitável, posto que a região poderia ser estruturada de maneira diversa.

Levando em consideração os argumentos acima, uma pergunta deve ser feita: quais são os donos da região serrana? Dito de outro modo, quem são os sujeitos sociais que integram os referidos 3%? Embora essa questão não possa ser respondida aqui, ficando, pois, para um próximo estudo, não resta dúvida de que ela é uma pergunta-chave. Afinal, não há processo social sem sujeitos sociais, assim como não há processo social sem beneficiários. Além disso, em trabalhos posteriores, precisam ser examinadas as articulações de tais sujeitos em escalas que ultrapassem a região serrana, como a estadual, por exemplo. Assinale-se, mais uma vez, a necessidade de reconhecer que o processo de desenvolvimento – notadamente de regiões como a RS, com populações que possuem alto grau de fragilidade social – exige políticas públicas estaduais e nacionais territorializadas e evidentes enfrentamentos sociais.

Uma última indagação: como município mais populoso e economicamente mais importante da RS, o que, substantivamente, Petrópolis pode fazer para o soerguimento societário serrano? Essa é, sem dúvida, uma questão importante. Contudo, pelo exposto e baseados em outro estudo (NATAL, 2015), os autores deste artigo expressam certo desânimo em relação a esse propósito. Tal posicionamento advém, entre outros, do descolamento de Petrópolis em relação à região, do conservadorismo e da miséria intelectual de grande parte de sua elite e também da limitada participação social das suas maiorias populacionais, largamente seduzidas por idealizações mistificadoras construídas a partir da etiqueta de “Cidade Imperial, Cidade Aprazível e Turística”.     

Notas

1     Há uma discussão subjacente a esse termo, qual seja: o debate sobre a noção de região. Ainda que seja cara aos geógrafos, neste artigo, os autores não a retomam, pois esse movimento é desnecessário ao argumento desenvolvido.

2     Aqui, e nas seções seguintes, será utilizada apenas a categoria regiões de governo usada pelo governo do Rio de Janeiro. Esta categoria está presente em muitas das análises e publicações do governo, as quais, por sua vez, seguem as bases de dados do IBGE.

3     Nas duas primeiras regiões, é de grande importância a cadeia de petróleo e gás; na terceira, sobressai a reativação da indústria naval. No caso das Baixadas Litorâneas, pode ser sublinhada a melhoria das finanças públicas de seus municípios. Para outras informações, ver: Município em Dados, da Secretaria de Planejamento do ERJ.

4     Os termos cor e raça são utilizados em conformidade com a classificação do IBGE.

5     Tais 45% resultam da soma dos percentuais constantes da segunda coluna, dividida por 14 (o número de municípios da região-objeto).

6     A esse respeito, embora com uma regionalização diferente da aqui utilizada e com referência ao ano de 2007, ver: Brasil, Ministério da Saúde, 2007.

Referências

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