Estratégias e instrumentos de redução das desigualdades regionais: um breve levantamento das políticas regionais em marcha na última década


Carolina Simões Galvanese
Doutoranda em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC. Temas de interesse: planejamento territorial e desenvolvimento regional, conflitos ambientais, instituições, participação e políticas públicas. Atua na região do Vale do Ribeira-SP, em questões relacionadas à organização rural, à agricultura familiar e ao cooperativismo.

1     Introdução
A temática das desigualdades regionais sempre foi foco da preocupação de governos e de debates sobre as formas de intervenção pública mais eficazes para seu enfrentamento. Diferentes visões sobre os processos, fatores e mecanismos envolvidos em suas origens e permanências embasam as variadas estratégias governamentais postas em marcha a partir da segunda metade do século passado. Desde os anos 1960 e com os enfoques centrados na dispersão das atividades econômicas, diferentes respostas em termos de políticas regionais foram elaboradas pelos Estados, de forma que é extenso e vasto o cardápio de políticas e de racionalidades envolvidas em sua formulação. Nos últimos anos, contudo, elas vêm sendo altamente questionadas por uma literatura que se dedica a apontar seus limites na redução ou mitigação das crescentes assimetrias regionais em grande parte dos países, indagando até que ponto estratégias de combate às desigualdades e de promoção de formas balanceadas de desenvolvimento deveriam, de fato, estar entre as prioridades governamentais (BANCO MUNDIAL, 2009; OECD, 2011).
A atenção às desigualdades regionais e a busca de estilos de desenvolvimento mais harmônicos ao longo dos territórios nacionais são significativas por, ao menos, dois motivos. O primeiro deles encontra respaldo em análises que apontam para a insustentabilidade, em longo prazo, de processos de crescimento econômico e de desenvolvimento espacialmente desiguais e sua ameaça à performance das nações como um todo. Sob o ponto de vista da eficiência econômica, a redução das desigualdades regionais pode ser vista como possibilidade de inserção e aproveitamento de recursos e de um potencial humano pouco aproveitado pelos sistemas econômicos, com importantes desdobramentos para o desempenho das economias nacionais. O segundo motivo tem a ver com um componente ético-político relativo à crescente importância do enfrentamento das desigualdades no mundo contemporâneo, entendida como restrição das liberdades e do leque de oportunidades humanas (Sen, 1999). Além disso, a existência, nos últimos anos, de casos em que se pôde observar melhoras simultâneas no crescimento econômico e em indicadores de bem-estar, pobreza e desigualdade, como é o caso de alguns territórios da América Latina (Berdegué et al., 2012), mostra que as assimetrias não são nem necessárias nem desejáveis e relacionam-se, fortemente, com a forma pela qual diferentes Estados, em articulação com o setor privado e com fatores internos aos territórios, contribuem para a mitigação ou para o aprofundamento das desigualdades existentes.
Entender como os Estados absorvem a questão das desigualdades espaciais e traduzem-nas em políticas pode contribuir para o entendimento dos limites das estratégias em marcha e para o desenho de instrumentos e políticas mais efetivas para redução das desigualdades espaciais. O principal objetivo aqui posto é o de realizar um primeiro esforço de levantamento das experiências e práticas de diferentes Estados em termos de políticas regionais, com base em artigos publicados em periódicos internacionais – esforço que será aprofundado em etapas posteriores da pesquisa1. A ideia que guiou esse levantamento e que parece ter-se confirmado, como será mostrado adiante, é a de que as desigualdades e políticas regionais são temas, em geral, tratados a partir de sua dimensão econômica, não tendo incorporado, até o presente momento, as evoluções recentes observadas nas teorias que enfatizam as dimensões não monetárias do desenvolvimento (Sen, 1999, Stiglitz et al., 2009). Como consequência, estaria havendo uma mudança de foco das políticas regionais, que passam a ser formuladas como extensões da política econômica, abandonando a lógica tradicional de busca da redução das assimetrias e do desenvolvimento balanceado entre as diferentes regiões.
O artigo é dividido em três partes. A primeira dedica-se a uma rápida apresentação do estado atual dos debates sobre políticas e desigualdades regionais, explicitando as diferentes correntes teóricas neles envolvidas, e a algumas considerações sobre a metodologia de pesquisa bibliográfica aqui adotada. Em seguida, são expostas as principais experiências de políticas tratadas pela produção bibliográfica dos últimos dez anos, explorando os diferentes tipos de racionalidades e aportes teóricos que as sustentam. Por último, o trabalho esboça os primeiros desdobramentos da busca realizada e alguns pontos para uma futura agenda de pesquisas sobre o tema.

2     Aporte teórico e breves notas metodológicas
As desigualdades regionais foram foco de diferenciadas estratégias e políticas governamentais ao longo do tempo, sendo cada uma delas vinculada a diferentes formas de entendimento sobre seus determinantes e sobre os processos concretos que as fundamentam. A literatura voltada à temática regional permite a apreensão de três momentos distintos na evolução dos debates sobre as políticas e instrumentos de planejamento desde os anos 1950. Entre os anos pós Segunda Guerra e a década de 1970, os debates se concentravam em torno do aumento das desigualdades regionais em um contexto de rápida industrialização dos países centrais, em que as regiões eram diferentemente incorporadas aos processos de expansão da economia mundial. Com base na importância da dimensão espacial das políticas de desenvolvimento econômico (Markusen, 2001), havia uma preocupação explícita com a equidade e com o desenvolvimento balanceado entre as várias regiões dos países (Markusen, 2001; OECD, 2010), o que resultou em estratégias e instrumentos de redistribuição de riquezas por transferência dos governos nacionais, acompanhadas de grandes investimentos públicos nas áreas desfavorecidas (OECD, 2010). A partir dos anos 80, uma sucessão de choques econômicos e uma crescente concentração geográfica do emprego e das atividades produtivas fizeram com que as intervenções públicas passassem a apoiar investimentos em regiões de desemprego e a descentralização urbana, buscando uma maior dispersão das atividades econômicas ao longo dos territórios nacionais. Durante esses dois períodos, o foco das intervenções governamentais eram investimentos em infraestrutura nas regiões em desvantagem, com base na ideia de que a convergência não poderia, simplesmente, ser alcançada através de mecanismos de mercado (Markusen, 2001).
O fracasso dessas iniciativas, juntamente dos crescentes níveis de desemprego e aumento da pressão sobre os gastos públicos durante a década de 1980, sugeria uma nova forma de pensar o papel dos Estados centrais que, mais ou menos explicitamente, abandonam as tentativas de redução das assimetrias regionais (Markusen, 2001; OECD, 2010). Nos últimos 20 anos, a evolução dos processos de descentralização e das discussões acerca das formas de governança regional, somada às rápidas transformações em escala mundial e ao baixo impacto das políticas regionais tradicionais, fez com que uma crescente literatura de áreas como a geografia e economia questionasse em que medida o bom desempenho de uma região dependeria de forças além de suas fronteiras2 (Markusen, 2001). Nesse contexto, esforços de desconcentração econômica passam, cada vez mais, a ser entendidos como potenciais entraves ao bom funcionamento das economias nacionais. Por sua vez, a concentração econômica e as desigualdades espaciais – foco da preocupação das políticas regionais tradicionais – passam a ser aceitas como processos inevitáveis e inerentes ao desenvolvimento econômico. Isso fez com que as estratégias redistributivas de redução das assimetrias e de desenvolvimento balanceado fossem saindo, de maneira crescente, da lista de prioridades dos governos centrais, dando lugar a abordagens e instrumentos preocupados com o aprimoramento da competitividade econômica das nações em um mundo globalizado (Markusen, 2001; OECD, 2010).
Essa mudança na orientação das políticas regionais é, em grande medida, tributária de reflexões desenvolvidas pela Nova Geografia Econômica3 (NGE). Esta ganhou diversos adeptos e grande proeminência entre as reflexões a respeito do desenvolvimento regional, por oferecer uma representação teórica de seus arranjos e dinâmicas territoriais através de parâmetros-chave, como integração de mercados, economias de escala, custos de transporte e mercados domésticos, os quais se combinariam favorecendo a concentração das atividades econômicas em regiões centrais. Através do reestabelecimento de um modelo centro-periferia de localização das atividades econômicas, essa vertente se dedicou a explicar o funcionamento localizado das economias e o papel dos ambientes locais na busca por inovação e eficiência econômica em um contexto de transição de um padrão de maior dispersão das atividades econômicas, para um padrão de crescente concentração das atividades produtivas e empregos, característico da passagem dos anos 1980 para os 1990 (Krugman, 1991, 2010; Richardson et al., 2011).
A incorporação dessa visão e a alteração do objeto de preocupações das políticas regionais – que passam a apoiar processos de concentração das atividades produtivas com respaldo na ideia dos retornos crescentes provenientes da aglomeração econômica e das economias de escala – vêm sendo processadas em diversos graus e intensidades entre os países desenvolvidos. O relatório Regional Development Policies in OECD countries (OECD, 2010) mostra que o chamado novo paradigma da política regional convive, ainda, com as antigas preocupações do desenvolvimento balanceado em um grande número de países, embora o crescimento e a competitividade econômica venham tomando lugar central nas preocupações prioritárias de suas políticas regionais. O debate recente em torno da importância, ou não, dessas políticas indica as divergências e a falta de consenso internacional acerca das dinâmicas regionais em marcha e de quais seriam os formatos mais indicados de intervenção estatal4. Por um lado, há países que mantêm o enfoque na importância de intervenções a favor do desenvolvimento balanceado e da incorporação dessa preocupação às políticas setoriais, que devem ser espacialmente sensíveis. Por outro, há aqueles que, apostando no modelo econômico de equilíbrio e convergência da NGE, entendem que esse tipo de intervenção poderia reduzir a eficiência econômica das nações, devendo estar focada no aprimoramento da competitividade em um mundo globalizado.
Partindo desse debate e de estudos recentes5 que assinalam a importância do Estado na configuração das desigualdades espaciais – e contrariando os posicionamentos recentes que subvalorizam a importância de investimentos públicos para seu enfrentamento –, trata-se de entender como os diferentes Estados lidam com o tema, quais os tipos de instrumentos por eles utilizados e de que forma a questão das desigualdades regionais é por eles absorvida. Como dito, é amplo o leque de experiências e de racionalidades e objetivos ligados às políticas regionais. Uma investigação de seus formatos e determinantes pode fornecer pistas dos caminhos mais efetivos para combater as desigualdades regionais.
Considerando isso, procedeu-se a uma investigação bibliográfica de artigos publicados em periódicos e revistas científicas nacionais e internacionais voltados à análise de práticas e estratégias de enfrentamento das desigualdades regionais em marcha de 2003 até o presente momento6. Esse recorte temporal permitiu o acesso a produções científicas publicadas durante o período em que o foco da política regional teria migrado das tentativas redistributivas de desconcentração econômica para enfoques e estratégias direcionados ao aprimoramento da competitividade das nações por meio da maximização dos retornos provenientes da concentração espacial de suas atividades econômicas. A próxima seção do trabalho apresenta os primeiros resultados desse mapeamento da bibliografia disponível.

3     Coesão territorial, desigualdades e políticas regionais
Na busca realizada, salta aos olhos o fato de que a maior parte dos artigos sobre coesão territorial, desigualdade regional e políticas regionais encontra-se publicada em periódicos cuja área de concentração não é a de Planejamento Urbano e Regional e Demografia, mas a de Economia7. Essa primeira constatação vai ao encontro da segunda: em geral, as políticas tendem a ser elaboradas por meio de um olhar sobre a dimensão econômica das desigualdades regionais, em torno de indicadores como PIB, renda e produtividade, representando, como apontam os críticos dessa visão e as recentes transformações nas dinâmicas territoriais em processo, apenas parte do problema (Davezies, 2008; Del Campo et al., 2008; Vanolo, 2010). Além disso, nota-se, como mostram os debates anteriormente apresentados, uma predominância do enfoque em clusters e processos de concentração das atividades produtivas fortemente informados pela NGE e sua ideia de equilíbrio e convergência de longo prazo, apoiada no conceito de mobilidade de trabalho e capital.
Para entender quais racionalidades fundamentam as diferentes formas de intervenção pública, quais os instrumentos priorizados e quais as principais perspectivas teóricas utilizadas e suas implicações normativas, optou-se por apresentar os textos agrupados de acordo com os tipos de políticas que eles se propõem a analisar. Isso significou o traçado de quatro grandes grupos: a) políticas de coesão territorial; b) políticas de ciência, tecnologia e inovação; c) políticas de localização industrial e alocação, transferência e redistribuição de investimentos, e d) descentralização e formas de governança. Esse modelo de agrupamento funciona como uma tentativa de encontrar possíveis complementaridades, contradições ou traços comuns entre as diferentes racionalidades, com vistas a contribuir para a construção de uma visão ampla sobre o cardápio de experiências existentes e de um framework mais completo sobre as formas correntes de intervenção governamental nas assimetrias regionais.
Na busca do termo “coesão territorial”, os artigos mais citados tratam, em sua maioria, da Política de Coesão Territorial da União Europeia (Faludi, 2004a, 2004b, 2007, 2009; Faludi et al., 2005; Schon, 2005; Doucet, 2006; Schout et al., 2007; Evers, 2008; Vanolo, 2010; Fabro et al., 2010; Servillo, 2010; Luukkonen et al., 2012; Cotella et al., 2012; Trasca et al., 2013; Ionescu et al., 2013; Saghin et al., 2013). Inicialmente voltada à unificação do mercado europeu, essa política passou a ser vista como um importante instrumento para alcançar os objetivos inscritos na Estratégia de Lisboa (2007), que assume a coesão territorial como um dos pilares para o fortalecimento da competitividade econômica do continente nos mercados globais. Com foco no apoio às regiões atrasadas, que poderiam funcionar como entraves à competitividade, e em investimentos em regiões com alto potencial econômico e competitivo, essa política utiliza o PIB per capita como principal indicador para a classificação das diferentes regiões – são consideradas atrasadas as regiões que apresentam menos de 75% do PIB per capita médio europeu e com alto potencial de competitividade e emprego, aquelas com PIB per capita superior a 75% da média. O foco nas desigualdades econômicas medidas em termos de PIB per capita é visto como um importante limite dessa política à efetiva promoção da coesão territorial, já que não leva em conta fatores potenciais de desenvolvimento, como densidade populacional, distribuição demográfica ou qualificação do trabalho, presentes em parte das regiões consideradas atrasadas, que continuam sendo o ponto de intervenções e subsídios diferentes daquelas classificadas como detentoras de alto potencial econômico.
Os textos que discutem políticas de inovação, ciência e tecnologia (Todtling et al., 2005; Benneworth et al., 2005; Laranja et al., 2008; Gonçalves et al., 2009) agregam um conjunto de abordagens e instrumentos de políticas cuja ênfase recai, quase sempre, na importância de incentivos à criação de clusters de conhecimento e inovação. Os instrumentos daí derivados variam e apresentam diferentes lógicas e objetivos. A existência de diferentes racionalidades envolvidas em sua formulação ao longo dos últimos anos é sistematizada de forma interessante no artigo de Laranja et al. (2008). Nele são organizados quatro approaches teóricos que explicam, por diferentes fatores e mecanismos, os processos de desenvolvimento regional:
1)     approach neoclássico: entende as políticas como instrumentos de correção das falhas de mercado na alocação de recursos privados para ciência, difusão e trans­­­ferência de tecnologias e inovação e aposta na eliminação de barreiras às forças de mercado para a redução das disparidades econômicas entre as regiões;
2)     teoria schumpeteriana de crescimento endógeno e a ênfase na promoção de altos níveis de investimentos privados em pesquisa e inovação e na formação de capital humano altamente qualificado: não considera as características dos processos de criação e difusão do conhecimento, o enraizamento social e institucional dos processos de evolução tecnológica nem o fato de que o mecanismo de retornos crescentes e as políticas de pesquisa e desenvolvimento poderiam resultar na concentração espacial e no aumento das disparidades regionais;
3)     approaches neomarshallianos e reflexões sobre clusters e distritos industriais: apontam para as condições sociais, culturais e institucionais de crescimento de uma região; e
4)     approaches institucionais do desenvolvimento regional: dedicam-se ao entendimento do contexto institucional que promove e molda as interações entre os agentes econômicos (Laranja et al., 2008).
No mesmo sentido, os artigos que tratam das políticas e instrumentos de localização industrial (Crozet et al., 2004; Morosini, 2004; Sternberg et al., 2004; Harris et al., 2005; Dall´erba et al., 2005; Fromhold- Eisebith et al., 2005; Baldwin et al., 2006; Devereux et al., 2007; Ulltveit-Moe, 2007; Bernini et al., 2011) e de alocação, transferências e redistribuição de investimentos (Chen et al., 2013; Arcalean et al., 2012; Sheard, 2012; Becker et al., 2010) entendem os clusters geográficos como fenômenos econômicos importantes (Morosini, 2004). Partindo da aglomeração de atividades econômicas como evidência empírica, as políticas em marcha têm sido elaboradas sob a ideia de que a transferência de subsídios regionais para firmas, indivíduos e infraestrutura nas regiões pobres teria impactos positivos na redução das desigualdades regionais. Porém, boa parte dessa literatura aponta os limites desse tipo de intervenção, que pode ter resultados negativos para as regiões subsidiadas em longo prazo (Dall´erba et al., 2005; Devereux et al., 2007; Becker et al., 2010). Tributárias dos approaches teóricos da NGE e do modelo centro-periferia de localização da atividade econômica, essa literatura defende que a política regional não deve buscar atrair atividades econômicas para fora das regiões-chave, sob pena de aumentar as desigualdades. Em vez disso, ela deve canalizar os subsídios para regiões com grande potencial para suportar a produção, com base na ideia de que a redução das desigualdades não passa pela redistribuição espacial da produção e subsídios, mas pela facilitação à mobilidade dos trabalhadores da indústria através da redução dos custos de transporte, o que resultaria em uma convergência dos níveis de bem-estar em longo prazo. Uma vez que a localização só seria determinante para o bem-estar de trabalhadores imóveis – portanto aqueles envolvidos com a agricultura –, o foco das políticas regionais para redução das desigualdades deveria ser as regiões rurais (Sheard, 2012).
Por último, os artigos que trabalham as questões de descentralização e governança regional (Perkmann, 2003; Rodríguez-Pose et al., 2010; Batory et al., 2011; Tuncer, 2012; Marinko, 2012; Biela et al., 2012; Li et al., 2012) abordam uma variedade de temas. Um dos que mais aparecem se refere ao relacionamento entre a União Europeia e os Estados membros, às atribuições de competências de cada escala de governança e à questão da importância da participação de atores subestatais nos processos de tomada de decisão e formulação de políticas (Tuncer, 2012). Outros autores apresentam análises acerca das regiões transfronteiriças e da formação de redes regionais transnacionais e os novos formatos institucionais que elas pressupõem para a governança pública e multiescalar da União Europeia (Perkmann, 2003). Sobre os temas do federalismo e da descentralização, os artigos mostram como ambos podem ter efeitos negativos do ponto de vista da redução das desigualdades regionais. Biela et al., (2012) apontam que, uma vez que o federalismo induz atores subnacionais a adotarem posições divergentes e defenderem interesses individuais nos processos de tomada de decisão em nível nacional, os custos de transação das tomadas de decisão aumentam e podem acarretar entraves à formulação das políticas (Biela et al., 2012). No mesmo sentido, autores como Rodríguez-Pose et al. (2010) afirmam que processos de descentralização em países de alta renda relacionam-se à redução das desigualdades regionais, enquanto em países de média e baixa renda ela promove um aumento das disparidades impossível de ser compensado pela descentralização política (Rodríguez-Pose et al., 2010).

4     Os limites das estratégias em marcha
Entre os artigos mais citados, nota-se, primeiramente, que a maior parte das experiências analisadas associa-se ao contexto europeu (poucos deles contêm análises sobre os países em desenvolvimento). Com exceção da China, que, por apresentar dinâmicas diferenciadas de aglomeração, parece ser um bom caso de estudo (Huang et al., 2010; Li et al., 2012), os casos trabalhados não se debruçam sobre as dinâmicas específicas e as diferentes formas com que os países em desenvolvimento vêm lidando com suas crescentes desigualdades regionais nos últimos anos, o que sugere a necessidade de aprofundamento de levantamentos acerca dessas experiências. Na maioria deles, também se observa a quase completa ausência de abordagens acerca das regiões rurais, das relações entre áreas rurais e urbanas e da dimensão ambiental do desenvolvimento regional, além de um foco quase exclusivo em aglomerações e na articulação de fatores como densidade, produtividade, inovação e economias de escala, o que denota ser esse o tema dominante entre essa produção acadêmica, quase sempre concentrada, ressalte-se, na área de Economia. Essas ausências representam uma importante limitação, já que uma crescente literatura vem apontando para a heterogeneização recente das dinâmicas territoriais e, em grande parte dos casos, para uma alteração dos fluxos migratórios tradicionais, com redução da perda de habitantes das áreas rurais em favor das grandes áreas metropolitanas, tanto nos países desenvolvidos (Davezies, 2008) quanto naqueles em desenvolvimento (Berdegué et al., 2012; Favareto et al., 2014). Essa é uma forte lacuna das abordagens focadas apenas na promoção da eficiência econômica e da competitividade de densas regiões industriais e de desenvolvimento tecnológico.
Em segundo lugar, verifica-se que, quase todos os textos e políticas analisados, as desigualdades regionais são tratadas segundo sua dimensão econômica, as assimetrias medidas através de indicadores como PIB e renda e as recomendações para políticas dadas no sentido de facilitar o funcionamento de mecanismos de mercado. Novamente, a literatura que aponta para as recentes transformações das dinâmicas territoriais mostra que a dimensão econômica é apenas parte do problema quando se trata de desigualdades espaciais, porquanto, diferentemente das dinâmicas tradicionais em que as regiões de maior PIB e renda eram também as de melhores condições de vida, os últimos anos vêm assistindo a um crescente descolamento entre as dimensões de renda e bem-estar, devido a processos de “circulação invisível de riquezas” que modelos como o da NGE não conseguem captar (Davezies, 2008)8. Políticas que deixem de lado aspectos relacionados a outros tipos de desigualdades entre as regiões podem responder por seu descolamento das dinâmicas territoriais concretas e por uma possível piora da performance dos países em termos de coesão territorial – entendida de forma mais ampla do que a simples convergência de indicadores de renda.
Em terceiro lugar, vale sublinhar a existência, ainda hoje, de racionalidades mais distributivas guiando a formulação e a implementação das políticas regionais, que convivem, lado a lado, com racionalidades mais puramente econômicas, como é o caso da política regional europeia ou das tentativas chinesas de combate às crescentes desigualdades espaciais. Porém, elas vêm sendo altamente questionadas diante de seus aparentemente baixos impactos na promoção de convergências entre as diferentes trajetórias regionais de desenvolvimento. A maior parte dos artigos aqui trabalhados se dedica aos limites das políticas tradicionais, tomando-os como base para o argumento a favor da redução da intervenção governamental nas disparidades regionais. No entanto, o fato de as políticas tradicionais terem falhado na redução das desigualdades não significa que qualquer tipo de racionalidade distributiva seja dispensável na forma como se concebem as políticas regionais ou setoriais, como defende boa parte dos autores. Ao contrário, estudos recentes indicam o papel central de investimentos governamentais na configuração das desigualdades regionais, assim como frisam a necessidade de sensibilização de políticas e intervenções públicas favoráveis à negligenciada dimensão territorial como uma estratégia de redução das desigualdades – algo que ganha ainda mais relevância nos países em desenvolvimento (NAÇÕES UNIDAS, 2010; Berdegué et al., 2012).
Este breve esboço apresentou uma rápida exposição das políticas regionais em marcha e dos conceitos e teorias que informam seu desenho, implementação e formas de avaliação. Apontou para o predomínio teórico de vertentes econômicas, como a NGE, que, apoiadas em realidades e dinâmicas empíricas, ganham cada vez mais caráter normativo nas recomendações sobre as formas de intervenção governamental nos processos de desenvolvimento regional, inspirando a priorização de determinados instrumentos, instituições e espaços para a ação política que, hoje, parecem ser a forma predominante de tratamento na produção acadêmica dedicada ao assunto. A questão que aqui se coloca é que o framework econômico que inspira a transformação das racionalidades implicadas nas políticas regionais é restrito e, como base de ações governamentais, apresenta importantes consequências às dinâmicas regionais e às formas como são desenhadas as políticas a elas endereçadas.
A principal constatação dessa primeira incursão à produção recente sobre as políticas regionais é o fato de que os avanços dos últimos anos nas teorias do desenvolvimento – que basearam a construção de indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano e renderam o prêmio Nobel de Economia a Amartya Sen no final da década de 1990 – não parecem ter sido absorvidos, até o momento, pelo subcampo científico dedicado às políticas para o desenvolvimento regional. Trata-se, assim, de aprofundar em estudos capazes de iluminar o importante potencial das políticas regionais para a promoção do bem-estar e de melhoras nos indicadores sociais, econômicos e ambientais dos diferentes territórios. Isso deve passar pela construção de visões que possam basear novas formas de intervenção pública e pela retomada do debate por parte de áreas de conhecimento para além da Economia.

 

Notas
1    O presente trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, vinculada ao projeto “Coesão territorial para o Desenvolvimento” (CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, UFABC e RIMISP – Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural), cujo questionamento central consiste em entender em que medida e por quais instrumentos os países em desenvolvimento vêm lidando com as desigualdades territoriais crescentes frente à expansão recente de suas economias, bem como quais seriam as políticas e formas de ação estatal capazes de favorecer a convergência de indicadores de desenvolvimento entre seus diferentes territórios.
2    Sobre esse ponto, ver as contribuições da literatura do desenvolvimento regional “endógeno”: Bagnasco e autores italianos voltados aos distritos marshallianos; Pecqueur e a economia da proximidade; ou a literatura anglófona e a ideia de clusters ou arranjos produtivos locais, em autores como Piore&Sabel e Porter, por exemplo.
3    Para muitos críticos, a melhor denominação para essa vertente seria Nova Economia Geográfica. Eles argumentam que pouco seria de fato novo nessa vertente, cuja principal limitação residiria no sobrepeso da dimensão econômica e na negligência dos determinantes sociais, culturais e institucionais das performances e trajetórias de desenvolvimento regional. Ver: Benko e Lipietz (2000).
4    Esse debate pode ser apreendido em duas publicações recentes. Para posicionamentos contrários às intervenções públicas pró-coesão territorial e defensores de políticas espacialmente cegas, ver o relatório Spatial Disparities and Development Policies (BANCO MUNDIAL, 2009). Para posicionamentos em defesa das políticas espacialmente sensíveis e da busca pela redução das assimetrias regionais, ver o relatório Building Resilient Regions for Stronger Economies (OECD, 2011).
5    É o caso do Programa Dinâmicas Territoriais Rurais, coordenado pelo RIMISP, que reuniu investigações sobre as dinâmicas territoriais em 11 países da América Latina entre 2008 e 2012.
6    Foram buscados artigos relacionados aos temas da coesão territorial, das desigualdades regionais e políticas regionais no portal da CAPES e no Scopus. Em seguida, selecionaram-se os primeiros 20 artigos mais citados e relevantes em cada um dos portais para cada um dos três temas pesquisados, em um total de 120 artigos.
7    As publicações na área de PUR e na área Interdisciplinar são exceção, não passando de 20%.
8    O próprio Paul Krugman, considerado o fundador da NGE nos anos 90, publicou um artigo em 2010 em que assume os limites desse modelo frente às transformações recentes do continente europeu. Ainda assim, essa vertente segue inspirando recomendações normativas acerca das políticas regionais nesses países.
9    Todos os artigos consultados podem ser acessados no Portal de Periódicos CAPES, no endereço: http://www.periodicos.capes.gov.br/

 

Referências
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