As modalidades de governança territorial no estado de São Paulo: especificidades institucionais, políticas públicas e lógicas de desenvolvimento


Elson Luciano Silva Pires
Professor Titular do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Campus Rio Claro).

1. Introdução

A noção de governança não é nova. Ela perpassa por diversos períodos da história e assume significados específicos em determinadas épocas e em diferentes países (TORRE; WALLET, 2011; HERMET et al., 2014, p. 126). No Brasil, a referência direta ao tema da governança territorial foi inicialmente adotada, de forma ainda introdutória, em Dallabrida e Becker (2003). O tema foi relacionado com a prática do planejamento do desenvolvimento na perspectiva da institucionalização de um processo de concertação público-privada, inserido no debate sobre a dinâmica do desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2003). Posteriormente, o autor esclarece que 

[...] a governança poderia ser entendida como o exercício do poder e da autoridade para gerenciar um país, um território ou região, compreendendo os mecanismos, processos e instituições através das quais os cidadãos e grupos articulam seus interesses, incluindo como atores as representações dos agentes estatais (p. 16-17).

Em uma perspectiva para além da análise do poder do Estado e da autoridade dos governantes, procuramos detalhar que a governança territorial no Brasil deve ser entendida como estrutura incompleta e diferenciada de divisões de poderes, de administração e inovação de gestão dos recursos, capazes de negociar conflitos e pilotar processos e expectativas de planejamento estratégico do desenvolvimento dos territórios locais e regionais (PIRES; MÜLLER; VERDI, 2006; PIRES; NEDER, 2008). No estado de São Paulo, as modalidades de governança territorial foram incentivadas pelo poder do estado na construção de Câmaras, Circuitos, Comitês, Conselhos e Fóruns, como tentativas de coordenações mais descentralizadas, participativas, equilibradas e democráticas (PIRES et al., 2011). Este artigo se insere nesta segunda perspectiva, e tem como objetivo realizar uma análise crítica do funcionamento dessas modalidades de governança em curso no estado.

Com a valorização generalizada de conceitos como descentralização, participação, coordenação, cooperação e redes, um novo entendimento de uma governança multinível vem sendo introduzido no debate da nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional no Brasil, ampliando a análise das regras e formas de comportamento externas que influenciam a coordenação das relações da organização das atividades econômicas com o seu meio, região ou território (OCDE, 2013). Assim, envolvendo relações de poder, hegemonias e conflitos, a governança territorial no Brasil se coloca como tentativa de organizar demandas, de compatibilizar ou equilibrar diferenças através de acordos parciais e provisórios. Geralmente, os acordos de governança começam com objetivos pontuais, e, conforme adquirem maior legitimidade social e política, passam a adicionar um conjunto maior de temas com os quais buscarão lidar em sua dinâmica, dando a entender que a comunidade local dá ao respectivo elemento de governança um nível de credibilidade para coordenar os conflitos dos problemas coletivos públicos (PIRES, 2014, p. 11).

Em tais circunstâncias, é necessário pensar além do “local” como suporte geográfico isolado, já que o essencial é introduzir os emaranhados das formas institucionais, políticas e econômicas na análise da regulação das especificidades dos territórios. Faz-se necessário interrogar conjuntamente uma nova articulação entre o nível municipal (micro), o nível nacional (macro), mas que não se reduza às antigas mesorregiões geográficas. Nesse caso, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) surgem como aglomerações que agregam simultaneamente especializações econômicas e cidades médias, sendo exemplos desta nova construção coletiva do território, na reprodução do espaço urbano-regional e no desenvolvimento desigual da economia brasileira (VERDI; PIRES, 2008). Nesse contexto, em meio a uma vasta literatura nas ciências sociais, parece ser mais adequado pensar o território como o novo motor do desenvolvimento regional no Brasil, em termos de espaços socialmente organizados, possuidor de ativos e recursos, gerais e específicos, capazes de materializar inovações, gerar conflitos e sinergias positivas, entre grupos de interesses organizados nos novos processos de desenvolvimento endógeno: administração pública (tecido estatal), agentes econômicos (tecido empresarial), atores sociais e comunidade (tecido cidadão). Nesse sentido, o território é a base material da governança, uma espécie de campo de forças sociais coletivas em constante mudança, um lugar do exercício de dialéticas entre as escalas geográficas e o poder político do Estado. Ele acolhe conflitos e coerências com os compromissos estabelecidos, e se organiza segundo um conjunto de regras e de instituições que são parcialmente elaboradas no nível local ou regional, no ambiente institucional do Estado nacional (PIRES; MÜLLER; VERDI, 2006, p. 442). 

Esta compreensão nos remete à ideia de que o desenvolvimento territorial pode ser visto como um fio condutor das ligações entre organizações, instituições e atores sociais na produção coletiva do espaço. Ele pode ser entendido como um processo de mudança social de caráter endógeno, capaz de produzir solidariedade e cidadania comunitária, que possa conduzir de forma integrada e permanente à mudança qualitativa e à melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou uma região. Nesses processos, o desenvolvimento territorial é dinamizado por expectativas de vantagens locacionais, no qual o território é considerado um recurso específico ou o ator principal do desenvolvimento econômico regional, a um só tempo disponível e a ser criado; quando disponível, tratar-se-ia de sua difusão no território, quando ausente, de sua criação (invenção e inovação). O desenvolvimento territorial é uma ação coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação territorial, portanto, uma ação associada a uma cultura, a um plano e instituições locais, tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais (PIRES; MÜLLER; VERDI, 2006, p. 448). Essa perspectiva de articular a análise do território ao desenvolvimento vem ganhando força no Brasil, reforçando o debate da nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional em questão (OCDE, 2013; PIRES, 2015; TOPPAN, 2015).

Com bata nessa problematização, procurou-se priorizar os parâmetros que condicionam a análise da cooperação e da coordenação espacial, mas também as decisões políticas e econômicas que ocorrem nas modalidades de governança territorial no estado de São Paulo, a partir da descentralização prescrita na Constituição de 1988 e da abertura comercial nos anos 1990. Ao menos em parte, tais processos democráticos tornaram o estado e os municípios da federação mais responsáveis pelo seu próprio desenvolvimento, gerando novos ordenamentos espaciais e políticas públicas que, por sua vez, especificamente no interior do estado de São Paulo, levaram a novas dinâmicas e configurações territoriais, marcadas pela diversidade da intervenção do Estado e dos interesses dos grupos mais organizados.

Durante a realização da pesquisa de campo foram utilizadas entrevistas não diretivas com as lideranças, a observação-participação nos grupos estudados e a análise qualitativa de textos, atas e documentos. A opção por entrevistas e pela participação direta nas reuniões das governanças públicas (metodologia de grupos focais) procurou enfrentar o desafio metodológico de identificar quais os agentes econômicos e atores sociais hegemônicos que participavam das diferentes modalidades, e como eram realizados os processos de tomada de decisão.

Com base nos principais resultados obtidos desta pesquisa, o objetivo deste artigo é explorar o funcionamento das modalidades da governança do desenvolvimento territorial no interior do estado de São Paulo. Os critérios de escolha das modalidades estudadas foram embasados em fatos consistentes, verificados empiricamente pelos pesquisadores do grupo de pesquisa, com apoio das instituições públicas e de organizações de interesses corporativos e privados. Foram pesquisados os casos mais representativos do interior do estado, geralmente em regiões urbanizadas e industrializadas com conflitos socioeconômicos divergentes, mas com interesses convergentes de regulação própria dos seus territórios, perceptíveis nos debates nas estruturas de governanças.

Além desta introdução, o artigo está organizado em quatro seções. Na primeira, são abordados os processos de desconcentração espacial e de desencentralização política no contexto do desenvolvimento regional na Constituição de 1988, que impulsionaram a construção das diferentes modalidades da governança territorial no interior do estado de São Paulo. Na segunda seção, são analisadas as evidências empíricas que mostram as diferentes formas de coordenação da governança territorial no estado. Na terceira estão destacados os princípios que fortalecem a governança territorial, mas que no estado de São Paulo mostram fragilidades e desafios dos atores na sua execução. Na quarta e última seção estão agrupadas as principais conclusões do artigo, apresentando as falhas institucionais e fragilidade das estruturas locais e seus principais desafios, características da governança territorial incompleta e truncada

2. O processo de desenvolvimento regional e as escalas territoriais da governança

As atuais modalidades de governança setorial e territorial existentes no estado de São Paulo foram influenciadas por três processos econômicos e políticos fundamentais, que provocaram mudanças específicas nos rumos da metrópole paulistana e do interior do estadse alastrando-se por outras regiões do território nacional.

O primeiro deles, no contexto regional iniciado nos anos 1970, foi caracterizado como um processo de desconcentração produtiva, com a deslocalização de grandes empresas da Região Metropolitana de São Paulo em direção a algumas regiões e cidades médias do interior do estado, mas também para outras regiões mais próximas da Região Sudeste e, em menor proporção, para algumas regiões do Nordeste (OLIVEIRA, 1990; CANO, 2008). Aqui reforçamos as suposições da tendência elevada dos custos do uso do solo urbano/metropolitano para a indústria tradicional de manufatura da grande empresa fordista, das externalidades negativas da urbanização descontrolada da metrópole, e das pressões da legislação urbana e ambiental à aglomeração da indústria na(s) metrópole(s). No fim da década, este processo já dava indícios do esgotamento do modelo de desenvolvimento regional baseado na grande empresa fordista e implantado de cima para baixo (do nível federal para o estadual e/ou municipal). 

O segundo processo, no contexto nacional, foi marcado pelo debate sobre a descentralização político-administrativa do Estado e das políticas sociais no Brasil, impulsionado pela Constituição de 1988. A descentralização virou panacéia de todos os problemas relacionados à execução de políticas públicas, quase que um fim em si mesma (AFFONSO, 2000). Nesse período era evidente a falta de coordenação e cooperação entre a União e os entes federados, mediante políticas definidas nacionalmente qse envolvessem todas as esferas governamentais com auxílio técnico, adminstrativo e financeiro (BECOVICI, 2003, p. 182). Em meados desta década, como veremos adiante, os programas de descentralização da gestão pública foram implantados no estado de São Paulo, envolvendo algumas atividades econômicas e respectivas sociedades locais e regionais. Apesar de inúmeros problemas de funcionamento, partimos da hipótese de que esses novos arranjos institucionais que estão organizados formalmente, mesmo consentidos informalmente, contribuíram para promover uma maior descentralização do estado e para ampliar os mecanismos de participação política e cidadã, nos processos de tomada de decisão e de gestão pública no uso do território paulista (PIRES et al., 2011).

O terceiro processo, no contexto internacional, que emerge da combinação dos anteriores, foi caracterizado pelo neologismo de “glocalização”, proposto para explicar a articulação entre territórios locais e a economia mundial através de fatores econômicos, sociais e culturais iniciado nos anos 1990 (BENKO, 2001, p. 9; BENKO; PECQUEUR, 2001). Neste caso, as especificidades dos territórios locais são importantes para a sua inserção nos fluxos globais de inovação, investimentos, produção e consumo globais. No estado de São Paulo, ao final desta década esse processo já possibilitava o novo modelo de desenvolvimento territorial – local e regional – baseado na pequena e média empresa, mas ainda longe de ser implementado de “baixo para cima” (do nível municipal e/ou estadual para o federal), como nas experiências que se consagraram exitosas. 

Esse novo cenário do Brasil na globalização, iniciado no final dos anos 1990, vem se desdobrando no início deste século em um novo padrão de concentração de aglomerações produtivas de setores industriais fora da metrópole, sob uma pressão de atores internos e externos na direção de uma regulação descentralizada da governança do território. Esse fenômeno se inscreve no interior paulista em algumou cidades-médias (SPOSITO; SOBARZO, 2006), consolidando aglomerados urbano-industriais e agroindustriais com predominância de micro, pequenas e médias empresas, que atuam em redes hierarquizadas de municípios. Nesses casos, partiu-se da suposição de que esses novos arranjos produtivos locais – organizados espacialmente para explorar e ampliar as economias de escala e escopo, associadas aos usos que fazem dos recursos e ativos específicos presentes e criados nos territórios locais – seriam todos eles os novos demandantes dos novos arranjos institucionais de gestão e governança territorial, para se ajustar aos novos mecanismos de produção, distribuição e consumo das mercadorias.

Essas sequências históricas dos processos de desconcentração e especialização produtiva das atividades industriais e agroindustriais consolidaram no estado de São Paulo, a partir dos anos 1990, uma gradativa estruturação de uma grande aglomeração espacial da indústria (a sudeste, leste e centro-leste do estado), polinucleada e hierarquizada. Segundo Selingardi-Sampaio (2009, p. 18-19), esta entidade geográfica revela um multicomplexo territorial industrial (metropolitano/urbano) paulista. Ela congrega a esmagadora maioria dos municípios mais industrializados do país e, não por acaso, encontra-se indissociavelmente integrada ao grande aglomerado metropolitano/urbano paulista (três metrópoles oficialmente delimitadas, outros aglomerados urbanos metropolizados, inúmeras cidades grandes e médias). Essa concentração industrial, urbana e metropolitana constituíram um extenso e múltiplo complexo territorial de diversificadas produções industriais e agroindustriais, gradualmente espacializado e conformado por meio de: a) extensão territorial de aglomerações industriais menores preexistentes; e b) estabelecimento de uma espessa trama de relações interindustriais intrassetoriais e intersetoriais. 

Esse contexto de dinâmica territorial com forte reestruturação produtiva, urbana e industrial induziu as regiões do interior do estado de São Paulo para um novo e complexo contexto político e econômico, marcado pelas preocupações ambientais e sociais na busca por outro estilo de desenvolvimento regional. Esse novo contexto diz respeito à busca por qualidade e qualificações dos recursos humanos, por equidade social e proteção ambiental, ou seja, um desenvolvimento que deve ser territorial e sustentável.

Influenciado pela ideia de sustentabilidadte esse novo contexto regional expõe uma rede intrincada de interesses conflituosos entre diversos atores sociais como, por exemplo, organizações de defesa do meio ambiente, empresários, sindicatos, universidades, organizações associativas de naturezas diversas e governos em seus vários níveis. Cada um deles com objetivos diferentes que, ora os levam à cooperação, ora ao conflito. Como agravante, em âmbito regional, nenhes desses atores tem a capacidade de ditar o rumo do desenvolvimento de dada região (FIGUEIREDO FILHO, 2012). 

Essa nova realidade impõe a necessidade de coordenação das ações dos atores que atuam em âmbito regional, para construir ou aproveitar as competências regionais. Assim, a percepção inicial é a de que os atores regionais são obrigados à cooperação, pois isoladamente não possuem os recursos econômicos, cognitivos, gerenciais e políticos para, sozinhos, enfrentarem os desafios e as responsabilidades inerentes ao novo modelo de desenvolvimento em gestação. Assim, a cooperação é vista como recurso fundamental, a partir da qual os atores regionais demandam mecanismos que favoreçam a coordenação para encaminhamento de interesses comuns e de resolução de conflitos.

Para fins deste artigo, é plausível supor que entre as diferentes modalidades de governanças estudadas no estado de São Paulo, a governança territorial pública tripartite dos comitês de bacias hidrográficas pode ser considerada como o principal instrumento para as decisões coletivas de mobilização dos territórios para o desenvolvimento territorial sustentável, uma espécie de recurso específico e intransferível de coordenação das articulações entre localidades de atores locais em redes, que caracteriza a mobilidade do capital social do território através de seus compromissos, acordos e convenções solidárias. Nesse contexto, foi possível observar que, conforme o nível de compartilhamento público das decisões, maior o nível de satisfação dos integrantes da governança diante da contemplação de seus objetivos. 

Nesse contexto, supomos que o êxito possível do desenvolvimento territorial no interior do estado está associado a três aspectos fundamentais: primeiro, à ampliação da participação de governos, empresários, organizações associativas de naturezas diversas, universidades, sindicatos etc.; segundo, à existência e funcionamento de mecanismos de regulação dessa participação ampliada; e terceiro, à mobilização de interesses dos vários atores em torno de um projeto econômico e social comum (PIRES et al., 2011). Desta forma, os comitês de bacia hidrográfica, os circuitos turísticos, os arranjos produtivos locais e as câmaras setoriais são as estruturas de governança identificadas, nas quais as decisões e ações dos atores conformam um território caracterizado pelas relações de poder entre eles, e que podem ser descritas como um jogo social de interesses diversificados (FIGUEIREDO FILHO, 2012, p. 143). No Brasil, diferentemente de países da Europa, a evolução dessas estruturas descentralizadoras de poder se dá em um ambiente de centralização da repartição dos tributos em poder da União (58%), seguida dos estados (24%), e, por último, dos municípios (18%). Na prática, fraquezas da descentralização do Estado e pouca margem de manobra da política pública “por baixo”.

3. As formas de coordenação da governança territorial

Como explorado na introdução deste artigo, a aplicação do conceito de governança territorial revela, na prática, estruturas diversificadas de formas de coordenação do território, conforme o tipo de articulação entre os atores e o grau de hegemonia presente nessas estruturas. Com base nas modalidades possíveis de coordenação a partir dessas concepções, é possível supor a existência de quatro tipos de governança territorial no estado de São Paulo: privada, privada-coletiva, estatal-privada e pública-tripartite. Trata-se de situações mistas de coordenação, com autonomia relativa de decisões e hegemonias diferentes dos atores envolvidos, conforme definidas no Quadro 1.

No caso do território do Comitê de Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), pode-se afirmar que a governança é pública-tripartite, isto é, quando as instituições públicas e as organizações privadas e da sociedade civil impulsionam a coordenação compartilhada de recursos e estratégias territoriais, nos projetos de desenvolvimento. O Comitê PCJ possui autonomia relativa, sem domínio unilateral aparente de nenhum dos atores componentes do comitê (MANCINI, 2012).

Quadro 1– As formas de coordenação da governança territorial

No caso dos territórios das Câmaras Setoriais, pode-se argumentar que a governança territorial é privada-coletiva, isto é, uma situação em que o Estado aparece como a instituição formal que agrupa operadores privados, e impulsiona a coordenação setorial e corporativa de recursos e estratégias de domínio público. Encontra-se neste caso os sindicatos patronais e empresariais que agrupam operadores privados, que estruturam o espaço produtivo local e regional (SINDICAFÉ, IBRAF, SINDUSVINHO).

O grau de representatividade das Câmaras Setoriais é assimétrico, constituindo um tipo de governança truncada, embora o grau de associação tenha crescido. Mesmo que a articulação seja coletiva, elas são pouco democráticas, em função da ausência de representantes de elos da cadeia produtiva, dadas certas dificuldades de participação dos agentes nas reuniões. Além disso, registra-se certa fragilidade institucional das Câmaras Setoriais, em decorrência de alguns desafios, tais como: subordinação aos interesses da gestão em vigor; lacunas no tratamento das demandas; falta de ativação, por parte da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA), dos canais internos competentes, como as Comissões Técnicas; algumas demandas extrapolam a competência da SAA. Todas estas fragilidades têm contribuído para desestimular a participação e o comprometimento do papel das Câmaras Setoriais na formulação de políticas públicas. No campo das lideranças, percebe-se que ainda não estão amadurecidas para participar dessa forma de gestão compartilhada, pois, geralmente os agentes que têm maior habilidade social, detêm maior poder (VERDI; OTANI; SOUZA, 2013).

No caso dos territórios dos Circuitos Turísticos das Águas e das Frutas, ambos exercem um tipo de governança estatal-privada, quer dizer, quando o Estado e as instituições públicas impulsionam a coordenação de recursos e estratégias territoriais com o setor empresarial. Neste caso, os Circuitos Turísticos se estabelecem através de consórcios municipais dos órgãos públicos, das autarquias e serviços coletivos, demandados por atores públicos ou privados do território (FUINI, 2013).

Nos territórios dos APLs, as governanças privada e privada-coletiva são as formas predominantes da coordenação dos interesses empresariais, através de entidades autodeterminadas por eles próprios como “Comitês Gestores”, com apoio do Estado. Trata-se de governanças corporativas distintas quanto às suas estruturas, setores e organizações, além de que, em muitos casos, há pouca presença e participação das empresas nos processos de decisão, quando ocorrem. Na prática, os Comitês Gestores, diferentemente como constam no Programa dos APLs, são organizações empresariais dominantes que impulsionam e pilotam os dispositivos existentes de coordenação, com objetivo claro de apropriação privada dos recursos do território. Na maioria delas, o ator chave é uma organização patronal que impulsiona a coordenação de recursos e estratégias. Nesses casos, são autodenominados substitutos dos Comitês Gestores dos APLs, não eleitos pelos pares, como: POLO TECTEX (Polo Tecnológico da Indústria Têxtil) de Americana; ALJOIAS (Associação Limeirense de Joias); APLA (Arranjo Produtivo Local do Álcool) de Piracicaba; SINBI (Sindicato das Indústrias de Calçados e Vestuário de Birigui); SINDICALÇADOS (Sindicato das Indústrias de Calçados) de Jaú; ACICET (Associação Confecções Cerquilho); SINDICOBI (Sindicato das Indústrias e Comércio de Bordados de Ibitinga). A apreciação dos pleitos para desembolso pela Secretaria de Desenvolvimento do Estado para o Programa dos APLs não inclui variáveis-chave acerca da sustentabilidade econômica dos projetos no tempo, como também são evidentes a falta de conhecimento sobre os principais problemas enfrentados pelas empresas (FIA, 2012, p. 10-11).

Diferentemente desses casos, a governança na grande indústria Aeroespacial de São José dos Campos e no APL de Equipamentos Médico-Hospitalar de Ribeirão Preto pode ser considera como governança estatal-privada. Nesses casos, trata-se de uma situação em que um ator chave, como uma organização patronal formal, agrupa operadores privados e impulsiona a coordenação de recursos e estratégias. Encontra-se nesses casos os sindicatos patronais e empresariais que agrupam operadores privados, que estruturam o espaço produtivo local e regional. Assim, pode-se citar o CECOMPI (Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista), e a FIPASE (Fundação Instituto Polo Avançado da Saúde).

Neste cenário, a coordenação entre diferentes atores em cada modalidade de governança é um desafio. Na maioria dos casos analisados, a governança é mais eficaz quando está sob a responsabilidade de uma instituição pública com poder político para tomar decisões e firmar compromissos, por ex., Comitês de Bacias, Câmaras Setoriais e Circuitos Turísticos. Sabe-se que o envolvimento dos empresários e dos governos municipais na formulação das políticas leva tempo, pois estes se negam a perceber que os benefícios a médio e longo prazos compensam os custos da participação e coordenação.

4. Os dispositivos básicos (princípios) da governança territorial em questão

Nas diferentes modalidades analisadas no estado de São Paulo, as pistas da literatura consultada, acrescida dos fatos colhidos nas pesquisas de campo, nas reuniões e documentos consultados, todos eles acabaram remetendo os pesquisadores à discussão dos dispositivos (princípios) básicos que fortalecem a governança territorial e que, portanto, permitem alcançar resultados significativos na interpretação do grau de adesão das estruturas e da participação dos seus atores à logica coletiva da governança territorial, conforme apresentados no Quadro 2. Não se trata apenas de recuperar uma abordagem ideal típica dos dispositivos da “boa governança” territorial, mas de buscar as mediações empíricas necessárias para avaliação dos conceitos recuperados da literatura. É por meio deles que nos referimos à confiança, à aproximação e à configuração de redes de atores que caracterizam, através de seus compromissos, o sucesso dos acordos e convenções em determinado território. Portanto, pode-se afirmar que, conforme o nível de compartilhamento das decisões seja público em uma estrutura de governança territorial, maior o nível de satisfação dos integrantes da governança diante da contemplação de seus objetivos.

Quadro 2 – Dispositivos básicos que estruturam os compromissos da governança territorial

Com relação ao foco, falta clareza na definição dos objetivos da estrutura institucional que facilite a atuação dos gestores e participantes na maioria das modalidades de governança. Normalmente, falta visão estratégica e um plano para o futuro, que delineiem, de forma clara, os objetivos e os meios previstos para alcançá-los. De uma maneira geral, os processos decisórios realizados no âmbito das estruturas de governança analisadas não se articulam com as secretarias nas políticas públicas em vigor no estado, e, muito menos, com os ministérios e as políticas nacionais da União.

Com relação aos mecanismos, não existe uma agenda coletiva de trabalho com divisão de tarefas para os atores envolvidos. Portanto, há poucos dispositivos que buscam divulgar e operacionalizar os princípios da governança territorial (reuniões, grupos de trabalho, audiências, mesas de negociação etc.), direcionados às expectativas dos agentes.

No quesito transparência, não foi verificado amplo acesso do público às informações geradas nas estruturas de governança, ou nas relações entre os atores. Portanto, é baixa a qualidade das informações das relações sociais entre os atores e as lideranças, com a publicação e acesso público às informações e dados.

Com relação à participação, nem todos os atores são convidados ou inseridos nas estruturas de governança. Nesse caso, prevalecem os interesses de algum grupo ou ator dominante em detrimento de outros grupos ou atores. Portanto, fica comprometida a qualidade e equilíbrio da composição da representação social e política, que permite o ato de tomar parte nos processos decisórios, respeitando-se as condições de igualdade/desigualdade dos atores, organizações e instituições.

Na questão da representatividade, é marcante a ausência de determinados grupos ou atores não-proprietários de terras ou empresas nas estruturas de governança analisadas. Nesse caso, a baixa representação dos sindicatos de trabalhadores é notada em quase todas as modalidades. Portanto, fica comprometida a qualidade da participação social e política dos atores, que garanta aos representantes um discurso coletivo que permita saber o que e quem participa, como participa e as consequências da participação.

Com relação à accountability, há pouca disposição das lideranças em prestar contas, divulgar dados e, principalmente, justificar ações que deixaram de ser empreendidas. Assim, fica comprometida a qualidade da responsabilidade e obrigação de geração de informações e dados, de prestação de contas, de interação de argumentos e de justificativa das ações que deixaram de ser empreendidas.

Na coerência, não se observou integração dos agentes com o foco, das estruturas de governança ou atitudes dos atores capazes de fortalecer a coerência e promover acordos relacionados ao projeto de desenvolvimento local. Dessa forma, também fica comprometida a qualidade das ações e da integração dos agentes com o foco, capazes de fortalecer a prática de gestão territorial descentralizada para promoção de acordos e ajustes relacionados ao projeto de desenvolvimento.

A confiança depositada nas lideranças é muito restrita e só ocorre entre poucos atores participantes das estruturas de governança. Na maioria dos casos, os grupos ou atores excluídos da modalidade não expressam confiança nas estruturas de governança. Portanto, fica comprometida a efetividade e consenso das ações, segurança ou crédito depositado nas lideranças e gestores, que inspirem boas práticas para a promoção de acordos e ajustes relacionados ao projeto de desenvolvimento da governança.

Com relação à subsidiariedade, a ausência de distribuição de tarefas nas estruturas de governança impossibilita que as ações de um grupo ou ator fortaleça e/ou reforce a ação de outros grupos e atores. Portanto, ficam comprometidos os recursos da estrutura para auxílios, agentes ou elementos que reforçam ou complementam outro de maior importância. Finalmente, com relação à autonomia, as estruturas de governança analisadas são desprovidas de poder para tomar decisões cruciais, que afetam a sobrevivência dos grupos e atores locais. Dessa forma, fica comprometida a faculdade relativa da estrutura de se reger por si mesma, em relação ao Estado e às políticas públicas.

Os resultados das avaliações foram alcançados no confronto dos princípios apresentados na teoria com a reflexão dos fatos vivenciados na realidade da pesquisa pelos pesquisadores – participação dos pesquisadores em eventos, feiras e reuniões públicas das modalidades investigadas, além de entrevistas com os agentes públicos e privados envolvidos nos processos de tomada de decisões.

Esta avaliação sinalizou a percepção da equipe de pesquisadores envolvidos para utilização de critérios subjetivos de avaliação. Para isto foram utilizadas as cinco medidas que revelariam diferentes níveis de forças e fraquezas da governança investigada, tais como: Baixa/Fraca, Média-Baixa/Fraca, Média, Média-Alta/Forte, Alta/Forte. Como fica registrado no Quadro 3, a opção para enfatizar estes resultados da governança territorial, procurou atender aos objetivos propostos da pesquisa, que conduziu a investigação para mostrar as diferentes modalidades (dispositivos/mecanismos) de governança territorial, mas também como se manifestam nas realidades dos territórios a partir do apoio político de algumas atividades econômicas mais destacadas nos municípios e nas políticas públicas, incentivadas pelo SEBRAE, governo estadual e governos municipais. Dessas estratégias surgem as especificidades institucionais e as lógicas setoriais das governanças territoriais do desenvolvimento local e regional.

No Comitê das bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) a análise da governança foi considerada a mais positiva, variando de média e média-alta em quase todos os princípios. Criado a partir da Lei Estadual de São Paulo nº 7.663/91, o CBH-PCJ foi o primeiro a ser instituído no Estado. Além dele, foram criados e instalados, segundo a Lei Federal nº 9.433/97, o Comitê PCJ Federal e, segundo a Lei Estadual de Minas Gerais nº 13.199/99, o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba e Jaguari (Comitê PJ). Em 2008, estabeleceu-se, por meio de deliberação, uma forma de atuação integrada dos três comitês (CBH-PCJ / PCJ Federal / CBH-PJ), além de se uniformizar a denominação como “Comitês PCJ”. As reuniões são realizadas conjuntamente com pauta única, no mesmo local, data e horário, convocação conjunta. As decisões ocorrem por meio de deliberações conjuntas e com verificação de quórum.

Quadro 3 – Avaliação dos princípios da governança territorial no estado de São Paulo

Quadro 3 – Avaliação dos princípios da governança territorial no estado de São Paulo

Fonte: Pesquisa direta.

Nas Câmaras Setoriais, a análise dos princípios foi avaliada em duas direções: de um lado, considerada média nas CS de Café e Frutas, e, de outro, baixa nas CS de Uva e Vinho e de Lazer e Turismo Rural. Porém, destaca-se a avaliação positiva de alta confiança nas lideranças e gestores da CS de Café, e de avaliação negativa de baixa confiança e representatividade na CS de Uva e Vinho.

Nos Circuitos Turísticos, a análise oscila entre média e média-alta, respectivamente no Circuito das Águas e no Circuito das Frutas. Porém, destaca-se em ambos a alta participação dos atores e a baixa autonomia das decisões.

Diferentemente, nos APLs, a análise dos princípios da governança é muito baixa, com exceção do APL de Aeroespacial e Defesa de São José dos Campos, e do APL de Equipamentos Médico-Hospitalar de Ribeirão Preto. Como abordado anteriormente, os sindicatos patronais nos APLs assumem a condição de Comitês Gestores.

Com base nesses resultados, em um cenário de baixa confiança e representatividade restrita, é plausível supor que as diferentes formas de cooperação encontradas nas estruturas de governança não podem ser caracterizadas sem uma análise mais profunda da matriz institucional regional, isto é, da combinação de práticas de dominação econômica misturadas com dominação política e de autoridade, exercidas desde a formação à contemporaneidade da sociedade local, no contexto do Estado e da Sociedade brasileira. Trata-se de um fenômeno antigo, que exige novas reflexões para a análise da governança dos territórios locais e regionais, com foco nas influências da tradição e costumes, nos comportamentos individuais e coletivos. A este fenômeno se agregam as formas institucionais locais historicamente determinadas.

5. Conclusões

Este artigo procurou mostrar e caracterizar o funcionamento das modalidades de governança territorial em curso no estado de São Paulo, interrogando se tais lógicas espaciais de instituição coletiva constituem um elemento inovador nas políticas públicas deste Estado. Inicialmente, as análises da pesquisa revelam pelo menos três conclusões gerais: Diversidade de modalidades entre setores e territórios da agroindústria e da indústria de transformação; Desarticulação entre órgãos e secretarias do setor público nas diferentes esferas (estado e municípios); Baixa participação do Estado e de agentes econômicos e atores sociais locais, nas modalidades de governança analisadas.

As investigações dos processos estudados revelam sobreposições de modalidades de governanças, com potencial reduzido de articulações entre escalas que dificultam a coordenação multinível do desenvolvimento. Um único município pode pertencer simultaneamente a uma mesorregião diferenciada, ao território do Comitê de Bacia Hidrográfica, a uma Câmara Setorial ou ao recorte espacial de um APL. Os resultados apontam que a falta de opções para nomeações tem proporcionado a escolha de um mesmo representante para as várias instâncias de governança setorial e territorial.

As experiências revelam ainda uma multiplicidade de órgãos e instituições nos níveis municipal, estadual e federal, onde cada secretaria/ministério setorial tem sua própria visão territorial e não se articula necessariamente com outras secretarias, nem com os ministérios afins. Do ponto de vista horizontal, esses órgãos fazem parte do “feudo” de cada “governo de coligação”, que fragmenta a política e o funcionamento da máquina do Estado. Essa multiplicidade de instituições dificulta a comunicação e a coordenação entre os agentes, aumenta os custos operacionais e reduz a transparência, impondo uma pressão adicional sobre recursos humanos, dado que muitos municípios (atrasados ou não) não dispõem de pessoal qualificado para participar das várias modalidades.

Na maioria dos casos estudados, observou-se que, a despeito de formas e desenhos diferentes, os atores que integram as governanças são praticamente os mesmos, com destaque para as Prefeituras, FIESP, SEBRAE/SP e FATECs. Em cada modalidade de governanças os atores participantes se reconhecem, mas a entidade não tem agenda e meios de rodízio de poder, nem estatutos ou formas de tomada de decisão planejada, sendo em grande parte desarticulados. A participação das secretarias estaduais e das universidades públicas é pontual.

Ao invés da construção de acordos unitários sólidos de estruturas de governança territorial centralizado, ao contrário, dada às características ainda frágeis do ambiente institucional e organizacional, os atores locais e regionais constroem diferentes governanças territoriais setorializadas, que coexistem com acordos fragmentados, parciais e provisórios. Na maioria deles, ainda prevalecem as práticas de oportunismo dos atores e de patrimonialismo político do governo do Estado, nas relações de proximidade política partidária com os atores hegemônicos que vêm “por cima”, em conflito e com a desconfiança nas relações com os atores que vêm “por baixo”.

Com base nesses resultados, pode-se concluir que, na maioria das estruturas de governança identificadas no interior do estado, a cooperação entre o Estado, os agentes econômicos e os atores sociais ainda é muito baixa. Ela é desprovida de participação cidadã ativa e de processos transparentes de decisões democráticas no uso dos recursos públicos. Esses novos arranjos foram concebidos para ampliar os mecanismos de participação política e cidadã nos processos de tomada de decisão e de cogestão da política pública, e deveriam estar associados à legitimidade da representação e da organização de interesses de grupos locais e regionais.

Nesses casos, a baixa participação também é evidenciada pela ausência de uma agenda de trabalho que defina a divisão de tarefas, grupos de trabalho, audiências e negociações, o que torna os processos decisórios restritos a poucos atores. Na realidade, nem todos eles são convidados a participar de dada estrutura, prevalecendo o interesse de poucos nos processos decisórios. A consequência é uma baixa confiança entre os participantes no funcionamento da estrutura e na sua liderança. A restrita disponibilidade das lideranças em prestar contas e justificar as ações ou a ausência delas, também reforça o desestímulo à participação, inclusive de sindicatos de trabalhadores em quase todas as estrutras analisadas.

As assimetrias de informação também são evidenciadas pelo pequeno grau de transparência das relações entre atores percebidas pelas ações erráticas direcionadas aos objetivos, na falta de clareza das funções e responsabilidades dos atores envolvidos e na restrição de acesso público às informações e dados. Também não há articulação entre as ações realizadas no âmbito das estruturas e com as políticas públicas em vigor no estado e na União.

Em um ambiente de poder político estabelecido desde o início da democratização do país, parece que no estado de São Paulo as classes dominantes atuam com forte aprovação da classe média do interior do estado, para as quais fornecem uma “direção moral” e, física, porque também estão à frente de organizações das administrações públicas do Estado, de modo direto ou indireto, e das estruturas de governanças das grandes empresas estatais no âmbito local e regional. Portanto, parece que assim comandam a política estadual, regional e municipal, pois dispõem de poderosas bancadas nas Câmaras dos Deputados e de Vereadores de cidades importantes do interior. Nesse contexto, parece ainda que a economia paulista não só está estabilizada e planejada, mais que ainda continua sendo a locomotiva isolada do desenvolvimento do Brasil, mesmo quando a desconcentração econômica e a descentralização dos poderes são conflitantes e se colocam no coração da nova questão federativa. No centro desta integração, estão as estruturas de governança territorial, interagindo diferentes interesses setoriais, atores e escalas.

Portanto, do ponto de vista da análise política e institucional, a maioria das estruturas de governança territorial no estado de São Paulo ainda funcionam de maneira truncada, especialmente no que se refere à participação cidadã e à redução das assimetrias de informação entre os agentes. Daí as bases da regulação centralizada, sem descentralização do poder e sem incentivos à participação democrática.

Em meio a tantas ações isoladas e pontuais das políticas do Estado, aliadas aos inúmeros problemas considerados no funcionamento delimitado do Plano Plurianual (PPA) e na governança das políticas públicas territoriais observadas na pesquisa, não se visualiza, em nenhum momento, uma política estadual de desenvolvimento regional e/ou territorial. Ao contrário, verifica-se uma prática de atendimento às demandas específicas via pleitos de governanças públicas, como ocorre nas Câmaras Setoriais e Circuitos Turísticos, que se articula com a Secretaria Estadual da Agricultura e a Secretaria Estadual de Turismo, e de governanças privadas, com práticas de repasse de verbas para os sindicatos patronais, através dos fundos do Programa APLs da Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia.

A partir desses elementos, para um aperfeiçoamento possível da governança territorial multinível, democrática e tripartite no Estado de São Paulo, é necessário enfrentar pelo menos quatro desafios: (1) Superar os conflitos em relação às questões do federalismo e ao desafio de lidar com a autonomia financeira e política dos governos estaduais e municipais, isto é, da capacidade fiscal e política dos entes da federação cumprirem suas obrigações, sobretudo os municípios; (2) Superar a fragmentação multidimensional no desenho da política pública (fragmentação setorial, política e geográfica), que não correspondem mais às antigas estratégias e áreas funcionais; (3) Superar as assimetrias de informação, e promover o fortalecimento da capacitação institucional e administrativa em nível subnacional (em especial nos municípios carentes), monitorando a implementação das políticas, avaliando os seus resultados e estimulando a participação da sociedade civil. (4) Superar a baixa participação dos representantes dos agentes nas instâncias e processos de tomada de decisão.

Notas

1 Este artigo se nutre do relatório final da pesquisa “As modalidades de governança territorial no estado de São Paulo: territórios, políticas públicas e desenvolvimento”, realizado com auxílio financeiro da FAPESP (Processo 11/50837-9), pelo Grupo de Pesquisa Estruturas de Governança e Desenvolvimento Territorial, no Laboratório de Desenvolvimento Territorial da UNESP/IGCE/Rio Claro. Participaram dessa pesquisa, além do autor deste artigo (coordenador), os seguintes pesquisadores: Lucas Labigalini Fuini (UNESP), Adriana Renata Verdi (APTA), Maria Célia de Souza (IEA), Malimiria Otani (IEA), Nelson Staud (IEA – in memorian), Eugênio Mendes (UEFS – aposentado), Wilson Figueiredo Filho (AFA), Rodrigo Furgieri Mancini (Aequitas). Também participaram como estagiários os alunos José Rubens Guido Junior, Tiago Teixeira, Ricardo Nagliati Toppan e José Renato Ribeiro.

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