Planejamento regional e o desafio da sustentabilidade


Fernando Negret Fernandez
Professor e pesquisador das Faculdades Alfa de Goiânia.

1 Introdução

A presente pesquisa tem como objetivo geral propor, a partir de uma análise de conceitos, instrumentos, práticas e instituições relacionados com planejamento, gestão e sustentabilidade, princípios e diretrizes para o planejamento regional desenvolvido no Brasil. Além disso, ela pretende apontar e avaliar algumas das principais experiências internacionais e brasileiras orientadas a instaurar processos mais sustentáveis de planejamento regional.

No desenvolvimento do artigo, pode ser verificado que o tema da sustentabilidade no planejamento do desenvolvimento regional é complexo e implica a presença de numerosos assuntos de não muito fácil manejo e/ou resolução. De fato, a busca de um menor impacto social e ambiental nas atividades produtivas e nos serviços relaciona-se com o papel do Estado, com a solidez e decisão das instituições públicas para aplicar as normas de controle e fiscalização das práticas socioeconômicas, com os diversos interesses dos agentes sociais e com a educação socioambiental. Tais elementos determinam, em conjunto, as possibilidades de gerar atividades econômicas e sociais com maior ou menor sustentabilidade.

O texto apresenta, inicialmente, uma conceitualização dos termos planejamento, gestão e sustentabilidade, que têm tido importante presença em momentos históricos específicos e significantes mudanças de enfoque e paradigma em diferentes países e sociedades desde inícios do século XX. Em seguida, inclui-se uma análise das principais experiências internacionais e brasileiras de políticas e iniciativas de desenvolvimento regional sustentável. Fundamentado na avaliação dessas iniciativas e também em outros estudos, são elencados, na parte final deste trabalho, alguns princípios e diretrizes voltados para um planejamento regional com um aproveitamento mais sustentável dos recursos naturais.

2 Metodologia

Os aspectos conceituais, institucionais e instrumentais relacionados a planejamento regional, gestão e sustentabilidade desenvolveram-se com base em pesquisa bibliográfica e documental. Os temas e questões aqui tratados, assim como as experiências e políticas internacionais ou nacionais sobre desenvolvimento regional e desenvolvimento sustentável, encontram-se, em sua maioria, disponíveis em documentos oficiais de instituições públicas.

A análise e a formulação dos princípios e diretrizes para a constituição de planos de desenvolvimento regional sustentável também foram fundamentadas em fontes bibliográficas e documentais. Alguns dos princípios e diretrizes apontados estão contidos nos ideários de correntes de pensamento que se debruçaram sobre a temática do desenvolvimento sustentável ou, ainda, em análises de políticas e experiências/iniciativas já realizadas. Igualmente, diversos princípios, notadamente da área ambiental, estão expressos em documentos oficiais de agências internacionais ou em relatórios de conferências que abriram espaço para a divulgação de novas orientações/diretrizes sobre os procedimentos que devem ser tomados quando a problemática é sustentabilidade.

3 Resultados

3.1 Aspectos conceituais e institucionais do planejamento regional, da gestão e da sustentabilidade

3.1.1 Origem histórica dos conceitos de planejamento, gestão e sustentabilidade

Como instrumento de orientação, ordenamento e administração do desenvolvimento nacional, a ideia de planejamento teve sua origem na Rússia, em 1922, com a criação da Comissão Estatal de Planejamento Econômico – conhecida como Gosplan –, a qual centralizou tanto a execução da política econômica quanto o planejamento. Segundo Betty Mindlin (2003, p. 9), “[a] União Soviética adotou o primeiro plano quinquenal em 1929, e era, antes da guerra, o único país que usava o planejamento de maneira sistemática”.

Com a estatização dos meios de produção e a eliminação do mercado, o planejamento centralizado tornou-se um instrumento indispensável para orientar e administrar todas as atividades econômicas e sociais do país. Bettelheim (1977, p. 9) afirma que “na economia socialista não exist[ia] nem mercado de trabalho, no sentido próprio do término, nem mercado de capitais; por tal razão, no funcionamento e no desenvolvimento dessa economia, os mecanismos do mercado [cederam] fundamentalmente seu lugar ao planejamento”.

Nos países capitalistas, o planejamento originou-se no período de pós-guerra, mais especificamente entre os anos 1920 e a crise de 1929. Matus (1978, p. 7), considerando esse fato, assinala que “a reconstrução criou as condições materiais para que surgisse o planejamento, o qual, como resposta a essas necessidades da época, privilegiou o desenvolvimento das técnicas de curto prazo”.

Para o autor, nos países ocidentais, com suas economias de mercado, o planejamento “constitui uma opção para racionalizar o processo cuja alternativa seria a orientação que determinasse o próprio mercado e a rotina da administração estatal” (MATUS, 1978, p. 7).

O planejamento, em termos gerais, pode ser entendido como um esforço de maximização da racionalidade para otimizar as relações entre meios e fins. Ou seja, trata-se de racionalizar as ações ou a forma de atuação na realidade regional ou urbana, a fim de melhor aplicar os recursos disponíveis e, assim, alcançar determinados objetivos e resultados com mais eficiência.

A gestão, conceito mais recente que planejamento, pode ser definida como o processo pelo qual a sociedade civil e os agentes sociais interessados são consultados e incorporados, ativamente, na orientação, manejo e planejamento do seu destino, do seu ambiente natural ou construído, das suas localidades ou de qualquer território urbano ou rural, por exemplo. Dessa maneira, a gestão, como conceito, está intimamente ligada à consulta e participação da população, comunidade e/ou sociedade em geral nas escolhas sociais. O planejamento foi questionado por sua metodologia tecnocrática autônoma, pela falta de articulação social, operacionalização e resultados. A gestão, tendo os atores sociais como parte imprescindível da análise, programação e execução das ações, sempre propostas de maneira coletiva e democrática, veio para dar-lhe uma nova perspectiva de trabalho, para fundamentar seu conhecimento da realidade e para instrumentalizá-lo.

O Guia Metodológico de Capacitação em Gestão Ambiental Urbana para Universidades da América Latina e Caribe (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1997, p. 19) pontua que:

[a]ntes de falar de planejamento, tem de se fazer uma tarefa de consulta para conseguir uma verdadeira participação das pessoas em todos os níveis. O conceito de gestão está intimamente ligado ao conceito de desenvolvimento. Enfatiza-se a obtenção do desenvolvimento descentralizado, ou seja, o desenvolvimento da escala humana em ambientes locais e regionais. Esse é um dos elementos básicos do que se denomina desenvolvimento sustentável.
O documento do PNUD também sublinha que os paradigmas que regiam as diferentes formas de gestão comunitária têm evolucionado de modo notável. Hoje, é assumida a “necessidade de considerar os seres humanos como atores do seu próprio destino” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1997, p. 19). Com efeito, os novos princípios de planejamento e gestão acentuam que os agentes sociais devem ser consultados em todas as etapas, desde as análises e debates para determinar prioridades de ação até a execução das propostas, o monitoramento e a avaliação delas. Consonante o PNUD, é fundamental o protagonismo dos governos locais e a participação das organizações representativas, dos agentes sociais e dos habitantes de regiões e cidades.

Na atualidade, a gestão social é um processo de articulação entre diferentes agentes sociais e instituições públicas e/ou privadas, que visa a conciliar interesses diversos dos cidadãos e a obter, através disso, acordos para o planejamento do desenvolvimento local e regional. É nesse sentido que Fischer (2002, p. 42) postula que

[...] [g]overnos locais, empresas, organizações sociais, articulam-se dentro de uma trama singular de interesses criando modelos de ações coletivas, traduzidos em desenhos organizativos complexos, onde [sic] o poder flui diferentemente, conforme a verticalização ou horizontalização das relações, guardadas as contradições destes processos e jogos de interesses de atores.
Também são diversos os mecanismos que a constituição brasileira instituiu para garantir a participação direta dos cidadãos no Poder Público, tais como: a iniciativa popular, o referendo, o plebiscito, as consultas e audiências públicas, os conselhos de gestão de políticas e serviços públicos. Esses mecanismos já vêm sendo utilizados em diversas iniciativas de planejamento dos órgãos públicos e, particularmente, nos projetos de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) dos estados que têm realizado propostas relacionadas a esse tipo de delimitação. O Estatuto da Cidade, que regulamenta o Capítulo da Política Urbana da Constituição Nacional, inclui instrumentos de democratização da gestão urbana e os chamados “Pressupostos Constitucionais da Gestão Democrática da Cidade” (2002, p. 205).

Pelo que foi apresentado até aqui, é possível afirmar que a gestão é um novo paradigma do planejamento, no sentido de que é um componente intrínseco, é seu ponto de partida e deve estar presente em todas as etapas do processo. Ela permite que o planejamento seja participativo e democrático, pois incorpora, no processo, a consulta, as convocatórias e o debate de todos os agentes sociais públicos e privados. Isso quer dizer que, nela, se reconhece que a opinião das comunidades é fundamental: estas últimas, por conhecerem sua própria realidade, devem participar, organizar e orientar o trabalho para o futuro que elas mesmas almejam.

Com relação ao conceito de “sustentabilidade”, as primeiras discussões sobre o assunto partiram da institucionalização e divulgação do termo “desenvolvimento sustentável”, sendo um dos aspectos mais debatidos e controvertidos das últimas décadas.

Negret Fernández (2011, p. 19) afirma que “[d]esde a sua inserção no âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1983, e divulgado amplamente no Relatório Brundtland, ‘Nosso Futuro Comum’, dessa comissão em 1987, os termos desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, como conceitos, têm sido incorporados às diversas disciplinas e áreas do conhecimento”. No Relatório Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável está consignado como processo socioambiental ou relação sociedade-natureza que deve “[a]tender às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das futuras gerações em prover suas próprias necessidades” (NEGRET FERNÁNDEZ, 2011, p. 19).

Posteriormente, foi cunhada a trilogia “Sustentabilidade Ambiental, Social e Econômica’, cujas diferentes interpretações referem-se, em conjunto, ao manejo ambientalmente correto dos recursos naturais, ao desenvolvimento socialmente justo e economicamente viável. Nessa perspectiva, a sustentabilidade ecológica é entendida como uma espécie de estabilidade sem mudanças dos recursos naturais e do meio ambiente; a econômica, como uma rentabilidade permanente do capital; e, por fim, a social, como uma vida digna e estável para todos. É claro que essas “sustentabilidades” representam uma situação desejável, porém são idealistas: não existe estabilidade ou permanência absoluta em nenhum processo natural, nem nas interações das sociedades com a natureza, muito menos nas relações sociais de produção entre membros das sociedades atuais. As drásticas desigualdades nas condições de vida e a pobreza extrema de alguns países e regiões mostram a insustentabilidade real de grande parte da população mundial.

Vale acrescentar que, como é sabido, as próprias mudanças naturais são permanentes e que não existe governabilidade sobre as leis da natureza, em constante movimento na terra e no cosmos. Ao mesmo tempo, todas as sociedades, pelo simples fato de existirem, criam demandas de recursos naturais, bens e serviços, e, consequentemente, ocasionam impactos ambientais, agravados com a promoção do consumo fútil e exacerbado no sistema capitalista – fato que diminui as possibilidades de uma maior sustentabilidade

3.1.2 Planejamento regional e gestão na busca por maior sustentabilidade

A gestão, como processo de mobilização e organização dos diversos agentes sociais e de articulação institucional em todas as fases de planejamento regional, é indispensável para que as atividades socioambientais tenham maior sustentabilidade, menor degradação e impacto. Para planejar e levar a cabo iniciativas de desenvolvimento regional com manejo racional dos recursos naturais, do consumo consciente e da defesa do meio ambiente, é preciso incorporar, no processo, a participação permanente dos agentes sociais e da comunidade. Um ponto importante a ser ressaltado é que ainda não foram integradas a dimensão ambiental e a busca pela sustentabilidade em todas as políticas setoriais que mantêm uma relação necessária com o planejamento do desenvolvimento regional.

A ideia da transversalidade e presença da dimensão ambiental nas políticas públicas e programas setoriais é fundamental e deve ser uma iniciativa estimulada, pois a questão ambiental é um problema relacionado a todos os setores econômicos e sociais. Nesse sentido, a gestão ambiental também é transversal; a tarefa de assumir e incorporar a dimensão ambiental nos setores da vida social em sua integralidade corresponde ao Estado e às instituições públicas, os quais necessitam incluir, em suas políticas, modalidades de educação formal e informal sobre meio ambiente.

Segundo Cunha e Coelho (2012, p. 43-44), “a gestão ambiental faz parte de um processo mais amplo de gestão do território, aspecto para o qual ainda não se deu a devida relevância”, sendo isso – eles continuam – produto da “incapacidade do estado brasileiro de implementar políticas de transformação e regulação de comportamentos individuais e coletivos”. Os autores têm razão em enfatizar a necessidade da gestão ambiental do território, porém cumpre lembrar que o território é a base material na qual são desenvolvidas todas as atividades socioeconômicas que exigem gestões ambientais específicas. Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um desafio complexo a ser assumido pelo planejamento regional.

Com relação às deficiências da gestão ambiental e a degradação dos recursos naturais, Viola (1987, apud BERNARDES; MIRANDA, 2003, p. 37) afirma que “o que falta, no Brasil, além de maior conscientização por parte das elites e do poder público, é uma penetração mais ampla da preocupação ecológica nas classes mais populares”. Conforme suas conclusões, o país carece de uma maior conscientização em todos os âmbitos da sociedade.

3.1.3 O papel do estado no planejamento regional e na gestão ambiental do território

O Estado tem sido, nas circunstâncias conflitantes atuais, o principal promotor e gestor de formulações e execuções de políticas e planos de desenvolvimento regional e gestão territorial orientados para a defesa de uma maior sustentabilidade. Assume-se que o planejar e gerir são ações que devem contar com a participação ativa dos agentes da sociedade civil; entretanto, não existe uma instituição externa ao Estado com a capacidade de estruturar, autonomamente, o processo de planejamento regional e gestão de um território de dimensões significativas, pois as leis e as normas ambientais nacionais cabem ao Estado fazer cumprir.

Isso não quer dizer que o Estado e suas instituições tenham cumprido as expectativas criadas com relação ao planejamento e a gestão de territórios e regiões; pelo contrário, os resultados têm ficado, na maioria das vezes, abaixo do nível esperado. Também não quer dizer que comunidades autônomas de cidadãos, camponeses ou etnias indígenas não possuam a capacidade de realizar a autogestão de seus territórios, o que acontece é que, por questões de manejo – supostamente justo e igualitário – dos recursos naturais em todo o território nacional, o Estado é o ator que trabalha em função do cumprimento das leis. Não obstante, é sabido que as normas voltadas para defesa e conservação do meio ambiente, garantidoras de uma maior sustentabilidade, são violadas por todas as classes sociais em circunstâncias diferentes e desiguais. Os empresários, por exemplo, continuam desmatando e poluindo para aumentar a produção e a acumulação de capital, já os pobres – que desmatam e contaminam proporcionalmente bem menos que os ricos –, para poder subsistir em meio à pobreza, utilizam os recursos naturais sem uma preocupação com o manejo.

Como dito anteriormente, o processo de planejamento/gestão deve incorporar diferentes agentes sociais, mas somente o Estado tem a capacidade de realizar a mediação e negociação entre tantos interesses contrários e em disputa. É no momento de gerir a intermediação entre diversos agentes sociais que o planejamento regional se insere, e aí ele tem a possibilidade de obter os melhores resultados. O que se pretende ratificar – e isso pode parecer ilusório – é que cabe ao Estado conduzir o processo de planejamento/gestão, realizando, através de suas instituições, a mediação entre os diversos agentes sociais e criando as condições para a negociação e aceitação dos princípios, normas, diretrizes e ações que integram o plano de desenvolvimento regional. Nesse processo, é função dos agentes sociais atuar no monitoramento, avaliação e regulação dos acordos estabelecidos nos planos de desenvolvimento de território, pois, normalmente, as instituições públicas não defendem de maneira igualitária os direitos de todos. Como relembra Harvey (2005, p.82), é enganoso pensar que “o Estado expressa os interesses comuns de todos”.

No Brasil, a questão ambiental tem assumido crescente importância na sociedade, possuindo uma diversidade de atores sociais defensores de interesses conflitantes. Isso obriga o Estado a atuar ativamente no campo da legislação, promoção da participação social, consulta pública e regulação de conflitos. Não obstante, o Estado, em casos muito debatidos e divulgados pelas imprensas brasileira e internacional, tem também atuado de maneira pouco decidida em favor das questões ambientais e, por isso, sido criticado pelos efetivos defensores do meio ambiente, como, por exemplo, nas discussões em torno do código florestal, dos transgênicos, da construção de hidrelétricas e da invasão de terras indígenas ou unidades de conservação por grandes produtores. Todos esses aspectos têm repercussões de grande impacto ambiental e interferem, necessariamente, nas formas de concretização do desenvolvimento regional.

3.1.4 As possibilidades e os obstáculos de um planejamento regional com maior sustentabilidade

O planejamento em sentido mais amplo e, mais particularmente, o regional são instrumentos fundamentais para a orientação de um desenvolvimento nacional e regional de maior sustentabilidade. Porém, as iniciativas e ações preventivas para um manejo adequado dos recursos naturais defrontam-se com diversos obstáculos em sua aplicação prática. No Brasil, as dificuldades mais recorrentes no estão relacionadas com a falta de recursos e, por vezes, com a incapacidade de fiscalização e monitoramento dos regulamentos ambientais por parte do Estado, sobretudo na preservação das áreas de reserva legal, no controle do desmatamento, no uso da água, do solo ou de agrotóxicos, na localização de empreendimentos e no destino de resíduos.

Os incentivos fiscais poderiam constituir um instrumento para obter resultados relevantes na aplicação de planos orientados para um desenvolvimento regional com aproveitamento mais sustentável dos recursos, caso fossem utilizados para condicionar a localização e o funcionamento dos projetos regionais produtivos. Em referência ao uso dos incentivos fiscais para a localização adequada de projetos em defesa do meio ambiente, Haddad e Resende (2002, p. 33) assinalam que

[...] o maior problema está na ausência de direcionamento. Apesar das tentativas de incluir a dimensão espacial na seleção de projetos, esta variável não é determinante no processo de aprovação. Como o governo não direciona projetos, a iniciativa de quais projetos executar e onde localizar o empreendimento é inteiramente do empresário.
Dessa forma, tais incentivos não constituem uma verdadeira contribuição – como realmente poderiam ser – para um planejamento e ordenamento territoriais pautados em critérios ambientais.

Vale acrescentar, ainda, que o funcionamento eficiente de um planejamento regional orientado por princípios de menor impacto sobre os recursos naturais e sobre o meio ambiente é obstaculizado também, e principalmente, pela imposição dos interesses dos proprietários das terras, dos recursos naturais e dos capitais direcionados aos empreendimentos, uma vez que eles são, normalmente, as classes dominantes do poder político, e o Estado, por essa razão, tende a operar ao serviço deles.

3.1.5 Principais políticas e normas ambientais brasileiras que apoiam o planejamento com maior sustentabilidade

O Brasil tem uma longa trajetória histórica na promulgação de normas e políticas dirigidas à defesa dos recursos naturais e do meio ambiente, bem como de programas nacionais direcionados para práticas de manejo e produção agrícola e industrial de menor impacto ambiental e maior sustentabilidade. Cunha e Nunes (2003, p. 48-50) apresentam o processo histórico da criação, formulação e promulgação das “políticas ambientais brasileiras”, classificadas em regulatórias, estruturadoras e indutoras. Essas normas e políticas, elaboradas a desde a primeira metade do século XX, trazem um conjunto significativo de instrumentos jurídicos e institucionais em defesa dos recursos e do meio ambiente.

Dentre as políticas regulatórias, destacam-se as seguintes: Código Florestal, das Águas e de Minas, de 1934; criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), em 1956; Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DENOCS), de 1963; Códigos de Pesca (1965), Minas (1967) e Florestal (1967); fundação da Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), em 1973; criação do Ministério do Desenvolvimento, Urbanização e Meio Ambiente, em1985; Resolução sobre a obrigatoriedade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), de 1986; promulgação das leis de crimes relativos ao uso de agrotóxicos e à poluição, em 1986; criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1990; fundação do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, em 1993; transformação do MMA em Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, em 1995; instituição do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em 1997; promulgação da Lei dos Crimes Ambientais, em 1998; criação da Agência da Água (ANA), em 2000; criação do Sistema de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000; criação do Conselho do Patrimônio Genético, em 2001. No ano de 2013, houve uma reformulação do Código Florestal, através da qual se flexibilizouo a ocupação de áreas de preservação permanente.

As políticas estruturadoras incluem a criação de diferentes tipos de Unidades de Conservação no país em diferentes anos, além da formulação da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981 e 1989, a Política Nacional de Integração da Amazônia Legal em 1995, as políticas nacionais de Recursos Hídricos, de Conservação de Ecossistemas com Proteção da Biodiversidade e a Política Ambiental para Amazônia e elaboração do Zoneamento Econômico Ecológico, ambas em 1999.

Como políticas indutoras os autores mencionam algumas estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais endereçados à recuperação ambiental e manejo dos recursos naturais em 1999, bem como da construção da Agenda 21 em 1992, o fomento ao manejo florestal e promoção da educação ambiental em 1990 e implantação da certificação ambiental selo verde e das ISOs (CUNHA; NUNES, 2003, p. 48-50). Esses instrumentos são úteis e necessários para conduzir práticas de manejo de menos impactantes, contribuem para proteger o meio ambiente e apoiam processos produtivos sustentáveis no âmbito do planejamento regional.

3.3 Experiências de Planejamento Regional na busca de Maior Sustentabilidade

O desafio do planejamento regional para atingir maior sustentabilidade não está exatamente no conteúdo do que se deve fazer, porquanto a ciência já avançou suficientemente em práticas socioprodutivas e de manejo dos recursos naturais de menor impacto ou de impacto reduzido, mas, sim, em como fazer, em determinar qual é a estratégia possível para que os agentes sociais manejem os recursos racionalmente e de maneira menos degradante. Entende-se que o problema é complexo, tanto pelas necessidades sociais de consumo de bens e serviços de subsistência, quanto pelos interesses do desenvolvimento capitalista; no entanto, é indispensável mudar os paradigmas e as práticas de produção e consumo.

A política regional da União Europeia (EU) incorpora, claramente, a questão da sustentabilidade e do manejo dos recursos naturais. Em uma publicação oficial de 2009, no item “lidando com os desafios das mudanças climáticas e da sustentabilidade“, encontra-se a seguinte afirmação

[...] o princípio da sustentabilidade – ou seja, o alcance do equilíbrio entre prioridades econômicas, sociais e ambientais – guiou, por muito tempo, a política de desenvolvimento regional da UE. A política regional lida com a agenda ambiental em quatro aspectos principais: investindo diretamente na infraestrutura ambiental, como estações de tratamento de água; garantindo que todos os programas relevantes sejam submetidos a análises estratégicas ambientais (SEAs); garantindo que uma análise de impacto ambiental seja realizada na preparação de todos os grandes projetos; encorajando expressamente o envolvimento de representantes de grupos ambientais ativistas e agências no preparo e na supervisão dos programas (UNIÃO EUROPEIA, 2009, p. 6).
Os aspectos principais da política regional da UE, como destacado no trecho acima, são o tratamento da água, as análises ambientais estratégicas, as investigações a respeito dos impactos ambientais dos programas e projetos mais relevantes e, por fim, o incentivo à participação de grupos e ONGs de ativistas que lutam pela defesa dos recursos naturais.

Concernente ao uso e cuidado da água, outra publicação da UE (2008, p. 3) pontua que os grandes investimentos estão destinados também a “financiar infraestrutura de água e tratamento de resíduos, descontaminação de terrenos a fim de prepará-los para uma nova utilização econômica e proteção contra riscos ambientais”. Outros aspectos da política regional europeia com relação à sustentabilidade e ao meio ambiente dizem respeito à “mobilidade sustentável das pessoas e bens, assegurando eficácia e segurança e minimizando os efeitos negativos sobre o meio ambiente” (UNIÃO EUROPEIA, 2008, p. 12).

Já para a questão das regiões inovadoras, assume-se que “o crescimento econômico sustentável está cada vez mais associado à capacidade das economias regionais para mudar e inovar. Isto significa que é preciso um esforço muito maior para criar um ambiente que incentive a investigação, o desenvolvimento e a inovação” (UNIÃO EUROPEIA, 2008, p. 14). Em resumo, a publicação defende que as políticas regionais devem ser sustentáveis, sugerindo, dentre outras coisas, que “[o] ambiente pode ser uma fonte de crescimento econômico, quer porque incentiva tecnologias limpas inovadoras, fomenta uma utilização eficiente da energia e desenvolve turismo ecológico, quer porque, simplesmente, os habitats naturais aumentam a atração das regiões” (UNIÃO EUROPEIA, 2008, p. 16).

Pelo que vê, as tecnologias limpas, além de estar a favor da sustentabilidade, são, atualmente, um setor de grande relevância. Nesse sentido, alternativas energéticas e o uso eficiente delas são ações importantes em termos financeiros e ambientais, sendo múltiplas as regiões, do mundo e do Brasil, cuja principal atividade econômica e fonte de desenvolvimento são as atrações realizadas em cenários naturais.

O documento afirma que a política regional da UE pode contribuir para a sustentabilidade ao promover a produção de tecnologias compatíveis com o meio ambiente nas áreas do transporte, energia e infraestrutura. Ele acrescenta, ainda, que os estados-membros devem realizar avaliações de impacto ambiental e consultar as autoridades e o público, quando da realização de obras e empreendimentos. Pautada na participação democrática da população, tal consulta visa a permitir um controle social dos processos produtivos e do manuseio dos recursos e do meio ambiente.

No II Fórum Internacional de Desenvolvimento Territorial: Articulação de Políticas Públicas e Atores Sociais (IICA, 2007, Rio de Janeiro), foram apresentadas as experiências de políticas regionais de desenvolvimento rural sustentável em Portugal, Espanha e França.

Em termos ambientais, os três países mostraram-se preocupados em preservar as zonas rurais, ampliar a produção no campo, evitar o esvaziamento das pequenas cidades e conter a concentração urbana. Isso é entendível quando se considera que, em todos eles, o êxodo rural e o crescimento das cidades são grandes desafios para o ordenamento territorial e à gestão ambiental, bem como para o manejo e distribuição da água.

Principais experiências brasileiras de planejamento regional com maior sustentabilidade

São diversas as experiências brasileiras de planejamento e ordenamento territorial e regional orientados a uma maior sustentabilidade; dentre elas, podem ser elencadas as seguintes:

Programa Nacional de Zoneamento Ecológico Econômico – PNZEE

O ZEE, como é conhecido, é um programa nacional de amplos antecedentes históricos e territoriais. Foi proposto no Programa Nossa Natureza, em 1988, com a meta de ser desenvolvido em todo o território nacional. Em 1999, a coordenação dele passou para o MMA e, por conseguinte, foi incorporado aos Planos Plurianuais, obtendo uma dimensão nacional.

O PNZEE tem uma equipe de gestão central no MMA e seu objetivo geral é “integrar os sistemas de planejamento em todos os níveis da administração pública e gerenciar, em diversas escalas de tratamento, as informações necessárias à gestão do território” (BRASIL, 2006, p. 27). Ele subsidia a formulação de políticas de planejamento, ordenamento e gestão do território nos três níveis da administração publica, no intuito de que sejam adotadas políticas convergentes com as diretrizes do planejamento nacional, com a proteção ambiental, a melhoria das condições de vida e a redução de riscos de perda do patrimônio natural. Segundo Becker e Egler (1991, p. 21), esse programa “é um instrumento político e técnico do planejamento cuja finalidade última é aperfeiçoar o uso do espaço e as políticas públicas”.

O número de projetos de ZEE já formulados é notável. No âmbito do Programa de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7, foram feitas ações de zoneamento em todos os estados da Amazônia Legal. No Centro-Oeste, os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul desenvolveram seus projetos de ZEE a partir de amplas pesquisas e consultas, apesar disso, ainda houve conflitos durante a aplicação das propostas. Outros estados brasileiros têm elaborado projetos específicos de zoneamento, porém ainda não se alcançou o avanço desejado. Os obstáculos principais estão relacionados à ocupação e ao uso do solo de zonas de reserva legal ou de preservação ambiental por parte de proprietários e ocupantes ilegais da terra.

O Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7

Esse programa, desenvolvido entre os anos 1995 e 2006, buscava efetivar, por meio de projetos experimentais, práticas de manejo sustentável dos recursos naturais da Amazônia e Mata Atlântica. Foram aprendidas diversas experiências e lições sobre manejo florestal e de recursos pesqueiros, sobre projetos demonstrativos agroflorestais, extrativismo vegetal, proteção e gerenciamento de terras indígenas e várzeas. Atualmente, tais aprendizagens são utilizadas em projetos de desenvolvimento local e regional – o que também fazia parte de seu objetivo.

Plano Amazônia Sustentável – PAS – Diretrizes para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia

O PAS foi lançado em maio de 2008, tendo como objetivo geral “promo[ver] o desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira”, mediante um modelo de ação baseado nos recursos da própria região. Por meio dele, foram propostos investimentos em tecnologia e infraestrutura, assim como em atividades dinâmicas, inovadoras, geradoras de emprego e renda e, ao mesmo tempo, compatíveis com o manejo sustentável dos recursos naturais e preservação dos biomas (BRASIL, 2008, p. 55).

Os objetivos específicos do PAS são: trabalhar em prol do ordenamento territorial; resolver o problema da grilagem e dos conflitos fundiários; controlar a exploração predatória dos recursos naturais; proteger os ecossistemas regionais; fomentar atividades econômicas com maior sustentabilidade e agregação de valor; subsidiar o planejamento; financiar infraestrutura de energia, transporte e comunicação e equipamentos urbanos; estimular o emprego e a renda; fortalecer a inclusão social; e, finalmente, reduzir as desigualdades.

Cumprir todos esses propósitos é, indubitavelmente, um desafio enorme, uma vez que eles exigem a realização de drásticas mudanças nas formas de produção e no manejo atual dos recursos naturais, assim como dependem de vultosos investimentos em infraestrutura e, sobretudo, em desenvolvimento de pesquisas que possam resultar em atividades econômicas condizentes com as potencialidades e vulnerabilidades da região amazônica.

Em fevereiro de 2013, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) trouxe para o debate o Plano de Ciência e Tecnologia para a Amazônia, cujo intuito é contribuir para uma utilização intensiva dos conhecimentos sobre a biodiversidade do bioma da região e, consequentemente, estabelecera as vias para a concretização de um novo paradigma de desenvolvimento com sustentabilidade.

Plano de Desenvolvimento Sustentável da BR-163

Instituído em 2007, esse plano é uma experiência pioneira de desenvolvimento regional sustentável na área de influência da rodovia BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Sua zona de atuação abrange 1.232.000 Km² – 14, 4% do território nacional – e é integrado por 73 municípios, sendo 39 de Mato Grosso, 28 do Pará e 6 do Amazonas.

É estruturado levando em consideração três elementos principais: a) manejo das florestas públicas do Distrito Florestal Sustentável da BR-163; b) apoio às iniciativas de produção sustentável; c) fortalecimento da sociedade civil e dos movimentos sociais. Ele foi formulado a partir de uma ampla consulta e participação social. Em uma avaliação realizada em 2011, quatro anos depois de sua fundação, as lideranças da região denunciaram que o plano não estava sendo cumprido e que obras do PAC, como a construção das hidrelétricas de Belo Monte e Tapajós, tinham ocasionado grandes mudanças na região, incluindo nisso a expansão desordenada das cidades. Várias opiniões coincidem em afirmar que os objetivos dessa importante iniciativa não estão sendo atingidos.

 

Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado – PPCerrado

Inicialmente, o objetivo geral do PPCerrado era “[p]romover a articulação do Ministério do Meio Ambiente e suas instituições vinculadas visando a redução do desmatamento do Cerrado” (BRASIL, 2008, p. 59). Em 2011, ele recebeu aperfeiçoamentos, passando a ter como meta principal “[p]romover a redução contínua da taxa do desmatamento e a ocorrência de queimadas e incêndios florestais no bioma Cerrado, por meio da articulação de ações e parcerias entre União, estados, municípios, sociedade civil e setor empresarial” (BRASIL, 2011, p. 5). O plano apresentou, desde sua fundação, três eixos temáticos ou, conforme designação posterior, macro-objetivos: a) monitoramento e controle; b) áreas protegidas e ordenamento territorial; c) fomento às atividades sustentáveis.

O documento do MMA, com os ajustes do PPCerrado (BRASIL, 2011), incorporou um conjunto de novos objetivos, dentre os quais: aprimorar o monitoramento da cobertura florestal e do desmatamento em áreas especiais, como nas Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs); prevenir e controlar queimadas e incêndios de florestas; fortalecer, criar e consolidar UCs e demarcar e homologar as TIs; fomentar o planejamento territorial do bioma e a plantação de florestas; recuperar áreas degradadas. Em 2013, a Comissão Executiva do PPcerrado reuniu-se com a intenção de ampliar o período de duração do plano para atender as exigências da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), na qual está estabelecido que o Brasil deve reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e diminuir em 40% a taxa de desmatamento do cerrado. O plano pode vir a ter uma reformulação de suas propostas.

Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas

Em nota técnica sobre os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (2013), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) assinala, citando a Little (2006), que a “noção de gestão territorial e ambiental de terras indígenas combina a dimensão política de controle territorial com a dimensão ambiental de ações voltadas para a sua sustentabilidade, envolvendo atividades tanto de ordenamento territorial quanto de gestão ambiental” (p. 1-2).

Esses dois atributos da gestão de TIs têm permitido a sua conservação e o planejamento de maneira diferenciada no território brasileiro. As TIs ocupam 12,64% do território nacional e destacam-se como áreas “bem conservadas frente à expansão da fronteira agrícola e o desmatamento, reforçando seu papel estratégico na conservação da biodiversidade e na manutenção de funções ecossistêmicas” (p. 2). No intuito de fortalecer e coordenar tal papel, foi elaborada, em 2012, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), tendo como instrumentos de atuação os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs).

Os PGTAs valorizam o patrimônio indígena e o uso sustentável dos recursos naturais existentes em suas terras e, dessa forma, asseguram certa melhoria nas condições de vida dos índios e a reprodução física e cultural de suas atuais e futuras gerações (op.cit, p.3).

Segundo a FUNAI (2013, p. 3), esses planos têm o potencial de contribuir, dentre outros aspectos, para “a redução de conflitos e o estabelecimento de acordos para a gestão de terras indígenas; auxiliar os processos de reivindicação e defesa do território e seus recursos naturais; para gerar alternativas econômicas; para promover a utilização sustentável dos recursos naturais; para a redução das ameaças sobre as terras indígenas”.

Cumpre destacar, por fim, que pelo fato de o etnozoneamento ser realizado pelos próprios indígenas e de existir mais possibilidades de consenso nas ações conduzidas no interior de suas terras, o planejamento e a gestão ambiental, nesses territórios, possuem grande chance de sucesso nos diversos planos já formulados ou efetivados e também naqueles que ainda estão em execução.

3.4 Princípios e diretrizes para a busca de um desenvolvimento regional com maior Sustentabilidade

3.4.1 Princípios socioambientais para propiciar um planejamento regional mais sustentável

São diversas as áreas de conhecimento que devem ser consideradas para estabelecer princípios para um planejamento regional com vistas a uma maior sustentabilidade. De acordo com Sachs, “relevância social, prudência ecológica e viabilidade econômica são os três pilares do desenvolvimento sustentável” (2007, p.35). Em outros termos, desenvolvimento sustentável é aquele em que há, como postula Bruseke (1996, p. 115-119, apud MOREIRA, 2000), eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica. É claro que atingir essa desejável trilogia é um grande desafio, considerando as dificuldades decorrentes da propriedade privada da terra e dos recursos naturais, da falta de garantias do papel do Estado no exercício da justiça social e dos conflitos de interesses entre agentes sociais que impedem uma efetiva gestão ambiental.

Não obstante esses obstáculos estruturais do capitalismo, para um planejamento regional sustentável é necessário por em prática, entre outros, os seguintes complexos e desafiantes princípios e premissas para a efetivação de um planejamento regional sustentável:

O primeiro princípio, estabelecido pela Constituição Federal, é o do “direito ao meio ambiente equilibrado” para todos. Embora esse equilíbrio não exista na natureza, a ideia é a de preservar as propriedades e funções intrínsecas do meio ambiente de forma a permitir o desenvolvimento saudável dos seres vivos. Como princípio constitucional, deve ser um instrumento fundamental para o planejamento;
Atrelado ao princípio anterior, está o do meio ambiente como um bem de uso comum do povo, sendo, portanto, indevido apropriar-se de partes dele para consumo privado. Tal princípio serve de suporte legal para o planejamento com maior sustentabilidade
A participação democrática e popular é, igualmente, um direito constitucional de caráter político indispensável para a formulação e execução de qualquer plano ou iniciativa de desenvolvimento regional e local;
O direito à informação é constitucional e permite que todo cidadão receba informações de órgãos públicos sobre o ambiente onde mora. Ele é essencial para o controle e a fiscalização social coletiva da preservação do meio ambiente;
Para Sachs, “o aproveitamento sustentável dos recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial”. Pode-se, então, estipular o manejo com maior sustentabilidade possível dos recursos naturais renováveis com um princípio;
Aceitando a asserção de Harvey (2005, p. 82), de que é ilusório pensar que o Estado defende os interesses de todos é lícito e necessário reivindicar, como princípio, a aplicação justa de normas e leis ambientais por parte do governo e a distribuição equitativa dos benefícios adquiridos por meio dos recursos naturais e ambientais;
Utilizar os incentivos fiscais como um instrumento poderoso para o manejo adequado e o aproveitamento sustentável dos recursos naturais, cabendo aos poderes públicos estabelecer critérios e mecanismos para concessão e monitoramento deles;
O princípio do poluidor-pagador, incorporado na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, consiste na obrigação de pagar por um dano ambiental e, assim, mitigar a ação causal. Num paradigma de desenvolvimento sustentável, não se trata de tolerar ou facilitar, mediante um pagamento, a degradação dos recursos naturais; o objetivo deve ser evitar a poluição e a degradação ambiental, de forma a contribuir para que haja uma real sustentabilidade.
3.4.2 Diretrizes para orientar planos de desenvolvimento regional em busca de maior sustentabilidade

As especificidades socioambientais regionais são condicionantes do planejamento; por essa razão, os planos regionais devem considerar as prioridades e riscos da população, bem como as especificidades ambientais, em termos de potencialidades e vulnerabilidades, para o aproveitamento sustentável dos recursos naturais;
Os planos para o desenvolvimento regional devem ser formulados e executados com a participação da população e dos agentes sociais locais, pois estes conhecem as potencialidades, fragilidades e necessidades locais;
As pesquisa com tecnologias avançadas sobre a problemática ambiental e as informações estratégicas disponíveis devem ser subsídio fundamental para complementar o conhecimento das populações e agentes sociais durante a formulação dos planos de desenvolvimento regional;
O planejamento regional e local deve ocupar-se também do controle e da fiscalização social da ocupação do solo e do manejo dos recursos naturais comuns, da localização dos empreendimentos, do uso da água, a autorização do desmatamento, do emprego de agrotóxicos, do destino final dos resíduos, dentre outras atividades de risco ambiental;
A formulação e execução de planos de desenvolvimento regional com maior sustentabilidade exigem a divulgação e a incorporação, em suas ações, de programas de educação ambiental e de capacitação em gestão ambiental para a população em geral e para os agentes sociais locais;
Os planos devem cumprir todas suas etapas (mobilização, diagnóstico, planejamento, programação das ações e execução) com participação social, incluindo também o monitoramento e a avaliação permanente de seu desenvolvimento;
O zoneamento ecológico econômico é um instrumento útil para o planejamento regional, sobretudo por determinar áreas com potencialidades e vulnerabilidades específicas e, por conseguinte, definir as formas de manejo adequadas para o uso de seus recursos. No entanto, devem ser evitadas numerosas categorias de zonas para não produzir dificuldades de delimitação, monitoramento e fiscalização;
Zoneamento de Prioridades Socioambientais, isto é, estabelecimento de áreas ou zonas onde não são satisfeitas as necessidades de sobrevivência elementares, como aquelas relacionadas a serviços básicos, educação, saúde e transporte. Uma vez que tais elementos determinam as condições de vida da população, eles devem ser incorporados nos planos de desenvolvimento regional como objetivos prioritários, caso se queira atingir uma sustentabilidade social digna.
4 Conclusões

Avançar na busca de um planejamento regional orientado para um aproveitamento mais sustentável dos recursos naturais é um desafio que exige o consenso e a contribuição de todos;
É de responsabilidade do Estado – e esta é uma reivindicação social prioritária – oferecer os meios e instrumentos necessários para garantir, a todos, o direito constitucional de um meio ambiente saudável;
Nos processos de planejamento regional, é indispensável promover e motivar a mobilização social em defesa do meio ambiente e do aproveitamento sustentável, democrático e justo dos recursos naturais;
O Brasil dispõe de uma quantidade suficiente de normas e instrumentos legais para a defesa e conservação do meio ambiente, as quais devem ser utilizadas e incorporadas mais sistematicamente no planejamento regional;
A pesquisa sobre características e processos regionais socioambientais estratégicos deve ser apoiada de maneira mais enfática, constituindo-se como um instrumento fundamental nos planos de desenvolvimento das regiões e cidades;
A conscientização e a educação sobre a problemática ambiental necessitam fazer parte dos planos de desenvolvimento regional;
O planejamento regional urbano deve incorporar diretrizes e ações operacionais que facilitem o controle e a fiscalização social das atividades de maior risco para o meio ambiente;
A participação social na gestão territorial e regional é uma prática que deve estar incorporada em todas as etapas do planejamento, pois, com a mobilização para o diagnóstico, a programação, a execução, o monitoramento e a avaliação, os planos regionais têm maiores possibilidades de desenvolvimento e resultados.
As diversas experiências brasileiras de manejo racional dos recursos naturais, aplicação do ZEE, produção mais sustentável, formulação e execução de PGTAs em terras indígenas pela FUNAI, dentre outras, precisam ser criteriosamente avaliadas, a fim de que sejam identificados os avanços e entraves existentes no caminho rumo a um planejamento regional com maior sustentabilidade socioambiental.
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