Envelhecimento da população e planejamento urbano: estudo sobre a reorganização espacial da cidade de São José dos Campos


Valéria Regina Zanetti
Doutorado em História Social pela PUC de São Paulo; Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Planejamento Urbano e Regional do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba)

Débora Wilza de Oliveira Guedes
Doutora em Planejamento Urbano e Regional da UNIVAP; Professora da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)

Cilene Gomes
Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo; Docente-pesquisadora do PPG-Planejamento Urbano e regional (PLUR) da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)

REVISTA POLÍTICA E PLANEJAMENTO REGIONAL – RPPR – Rio de Janeiro, Vol. 8, No. 2, maio a agosto de 2021, p. 320 - 341   ISBN 2358-4556

Submetido em:  13.08.2020; aprovado em 20.07.2021

 

1. Introdução

O envelhecimento da população é uma realidade em todo o mundo. Além de ressaltar a tendência ao envelhecimento da população mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem apontado para a correspondente questão da saúde pública global e para o fato de que, em um futuro não distante, “teremos, pela primeira vez na história mundial, o número de pessoas com mais de 60 anos, maior que o de crianças até cinco anos” e que, 80% dos idosos viverão em países de baixa e média renda (OMS, 2014).

A OMS considera um país envelhecido quando 14% da sua população (ou mais) possui mais de 65 anos. Considerando também que o ritmo do envelhecimento da população em diferentes países tem sido historicamente variável, a dinâmica intensa do crescimento demográfico de países em desenvolvimento, desde a segunda metade do século XX, ajuda a aferir que, no Brasil, esse processo não levará mais do que duas décadas, pois estima-se, para 2032, que 32,5 milhões dos mais de 226 milhões de brasileiros terão 65 anos ou mais (SBGG, 2019).

Dessa forma, a exigência de fluidez das ordens e de processos econômicos repercute e se reproduz nas dinâmicas sociais por eles comandadas, o que se contradiz com o ritmo não acelerado da população idosa, mas não, todavia, destituído de dinamismo. Nesse contexto, averígua-se a hipótese de que o espaço e as políticas públicas ainda não atendem de forma inclusiva às populações idosas, em desrespeito ao direito de pertencerem à sociedade e à cidade na condição de sujeitos ativos e aptos à construção de seu espaço, com o direito de usufruto e/ou participação da vida social urbana e de reflexão sobre ela. A construção social da visão sobre o envelhecimento e o lugar de vida para a população idosa constituem discussões necessárias e oportunas, cuja dimensão utópica e política do planejamento urbano se impõe, conforme a contribuição do presente estudo.

O artigo tem como objetivo evidenciar o fenômeno demográfico de envelhecimento da população e, com base no estudo da realidade urbana de São José dos Campos (SP), discutir as relações entre a cidade que se tem e a que se deseja, cotejando-as à dimensão utópica, política e normativa do planejamento urbano.

A metodologia utilizada inclui procedimentos de apropriação compreensiva de bibliografia selecionada, quantificação com base em dados estatísticos de fontes oficiais, recursos de geoprocessamento, análise factual fundada em bases documentais, amparados por base teórica da utopia/distopia.

2. Longevidade e envelhecimento: panorama da população brasileira e o caso de São José dos Campos

 

Entendendo a longevidade como a esperança de uma vida longa e o envelhecimento como etapa natural de transformações biopsicossociais, é fundamental a reconstrução social da concepção acerca da velhice, na contemporaneidade.

Uma análise inicial de base estatística ajuda a compor a demografia do envelhecimento no Brasil, na região Metropolitana de São Paulo e com recorte específico de estudo no município de São José dos Campos. A pirâmide etária da população brasileira revelou uma tendência clara ao envelhecimento de 1980 a 2010 (Gráfico 1), com a diminuição da base da pirâmide e o alargamento dos patamares intermediários e superiores correspondentes às faixas etárias de adultos e idosos em 2010.

Gráfico 1 – Pirâmide Etária no Brasil em 1980 e 2010

 

Fonte: Adaptado de IBGE, 2018.

Ou seja, observa-se a redução da natalidade e um aumento da longevidade, que tende a se acentuar ainda mais, conforme projeção para 2060 feita pelo IBGE (Gráfico 2), com alargamento bem mais acentuado dos patamares etários acima dos 50 anos e consequente redução da base da pirâmide.

Gráfico 2 – Projeção da pirâmide Etária no Brasil, 2060

 

Fonte: Adaptado de IBGE, 2018.

A evolução das taxas de envelhecimento da população no Brasil, Estado de São Paulo e município de São José dos Campos, mostra a nítida tendência ao aumento da participação da população com idade acima de 60 anos nos respectivos totais populacionais. Enquanto no Brasil e em São Paulo este percentual chega a 10,8% e 11,6% respectivamente, em São José dos Campos a população idosa, representada por esta mesma faixa etária, alcançou os 9,8% em 2010, quando se tinha, em 1980, apenas 4,4% de idosos (Gráfico 3).

 

Gráfico 3 – Evolução da taxa de envelhecimento da população, de 1980 a 2020

 

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010.

Observando-se em separado a população idosa masculina e feminina, verifica-se que os percentuais correspondentes à população feminina são, em todas as escalas geográficas, mais altos do que aqueles representativos da população idosa masculina (Quadro 1), o que indica maior longevidade alcançada pelas mulheres.

Quadro 1 – Evolução percentual da taxa de envelhecimento da população acima de 60 anos de idade, por sexo, de 1980 a 2010

Escala

Gênero

1980

1991

2000

2010

Brasil

Total

6,1

7,3

8,6

10,8

Brasil

M

2,9

3,3

3,8

4,8

Brasil

F

3,2

3,9

4,7

6,0

SP

Total

6,3

7,7

9,0

11,0

SP

M

2,9

3,4

3,9

5,0

SP

F

3,4

4,3

5,0

6,0

SJC

Total

4,4

5,4

6,6

9,8

SJC

M

2,0

2,4

2,9

4,4

SJC

F

2,3

3,0

3,7

5,4

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010.

Considerando o período de 1940 a 2015, o gráfico 4 mostra o movimento ascendente da expectativa média de vida, no Brasil, passando de menos de 50 anos em 1940 a cerca de 74 anos em 2010 e com estimativa de 75,5 anos para 2015.

Os dados mostram que, de 2000 a 2010, tem aumentado a expectativa média de vida, tanto das mulheres quanto dos homens, com esperança de vida maior entre as mulheres, ao atingir 77,3 anos de idade em 2010 em relação a 71,7 anos em 2000, quando os homens apresentaram uma evolução de 64,7 anos em 2000 a 69,7 em 2010 (PNUD, 2013).

Gráfico 4 - Expectativa de vida no Brasil

 

Fonte: IBGE. Tábuas completas de mortalidade do Brasil, 2015.

Em relação ao Brasil, a esperança de vida dos homens e mulheres que vivem no estado de São Paulo é mais elevada nas duas datas censitárias. Se, no ano 2000, a esperança de vida do homem era de 68 anos de idade, a da mulher era de 75 anos, elevando-se em 2010 a 79 anos a esperança de vida das mulheres e a dos homens a quase 72 anos de idade (PNUD, 2013).

No Brasil, entre 2000 e 2010, constata-se que a população de pretos e pardos apresenta maior expectativa de vida, mas, em relação à população branca, essa esperança de vida é um pouco menor, igual a 73 anos de idade em relação à expectativa de 75 anos de vida da população branca (Gráfico 5). Constata-se uma evolução positiva de 2000 a 2010 para os idosos brancos, pretos e pardos e uma esperança de vida dos pretos e pardos menor (73 anos) do que a dos brancos (75 anos) em 2010 no Estado de São Paulo (Gráfico 6, pagina seguinte).

 

Gráfico 5 – Esperança de vida dos idosos segundo a cor no Brasil e Estado de São Paulo, de 2000 a 2010 

 

Fonte: PNUD, 2013.

Considerando-se que há um baixo índice de idosos autodeclarados pretos e pardos no Brasil, esses dados, certamente estão sub-representados, evidenciando-se as desigualdades sociais e os inúmeros problemas enfrentados pela população de cor preta e parda no país (MENEZES, 2018).

Gráfico 6 – Esperança de vida dos idosos segundo a cor no Estado de São Paulo, de 2000 a 2010

 

Fonte: PNUD, 2013.

Sobre a distribuição da população idosa no Brasil segundo a situação de domicílio urbano ou rural, nota-se um movimento de diminuição de idosos residentes em zona rural até 2000 e um pequeno aumento até 2020, em simultâneo a um crescente aumento dessa mesma população em área urbana, entre 1991 e 2010 (Gráfico 7). 

 

Gráfico 7 – Evolução da população idosa, segundo a residência urbana e rural 

no Brasil, de 1991 a 2010

 

           Fonte: IBGE. Censos demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010.

 

  Estudo realizado por Cunha (2004, p. 107) revelou que “a cidade se tornou um atrativo de esperança e de melhoria da qualidade de vida”, sobretudo ligada ao acesso da rede pública de saúde. Essa situação se justifica em razão da diminuição da infraestrutura da zona rural diante das necessidades peculiares das pessoas idosas, tanto na área da saúde quanto da necessidade de socialização e contato com familiares. Com o aumento da expectativa de vida, torna-se cada vez mais comum a vulnerabilidade dos indivíduos com idade avançada. Na área rural há o agravamento desta situação com as limitações de transporte, distância dos recursos sociais e de saúde. Baseado nisso, admite-se a hipótese de que os idosos, assim como a população em geral, se deslocam para as cidades em busca de melhor qualidade de vida e possibilidade de acesso aos serviços públicos.

A Fundação SEADE (2016) levantou os dados da população idosa na Região Metropolitana de São Paulo nas últimas décadas. Com relação às formas da inserção da população idosa no mercado de trabalho, destacou-se a maior participação feminina e um decréscimo da presença de jovens, bem como a influência dos rendimentos do idoso na manutenção do seu sustento e/ou padrão de vida familiar. De acordo com o SEADE (2016, p. 4-5), em 2015, 

o grupo etário de 60 anos e mais representava 13,19% da população paulista e estima-se que, em 2030, essa proporção alcance cerca de 20,0%, com uma expectativa de vida ao nascer de aproximadamente 75,7 anos. No biênio 1986/87, 78,7% dos idosos estavam na condição de inativos, percentual que diminuiu para 76,9%, em 2014/15. A maior parte dos idosos que se mantinham economicamente ativos permanecia ocupada e não desempregada. Viver da ajuda de parentes e/ou conhecidos era uma situação mencionada por cerca de 2% dos idosos de 60 anos e mais como motivo de inatividade em 2014/15, proporção que, em 1986/87 chegava a quase o triplo (5,7%), indicando crescente, embora lenta, independência dessa parcela. 

Seguindo movimento semelhante ao do total do mercado de trabalho na RMSP, a taxa de participação das pessoas de 60 anos e mais, entre os biênios 1986/87 e 2014/15, aumentou de 10,5% para 14,9%, entre as mulheres, e variou de 35,3% para 34,9%, para os homens. 

No biênio 2014/15, a maior parte dos idosos de 60 a 64 anos era assalariada, principalmente no setor privado com carteira de trabalho assinada, e, a partir dos 65 anos de idade, inseriram-se de forma mais intensa como autônomos.

 

3. Perfil do envelhecimento no município de São José dos Campos

A evolução da taxa de envelhecimento de São José dos Campos de 1980 a 2010. Em 2010, a taxa de envelhecimento da população era de 9,8% da população total do município, sendo que 5,4% correspondiam à população feminina e 4,4% à população masculina. Este percentual de idosos era menor no município do que no Estado de São Paulo (11,6) e no Brasil (10,8) revelando um ritmo menos intenso do envelhecimento da população.

Quadro 2 - Evolução percentual da população idosa do município de São José dos Campos, de 1980 a 2010

 

1980

1991

2000

2010

População total

301.618

458.670

539.313

629.921

Pop. com mais de 60 anos

13.145

24.715

35.492

61.905

% de idosos

4,4

5,4

6,6

9,8

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010.

Outra visualização do mesmo fenômeno é a evolução da pirâmide etária, conforme mostra o Gráfico 8, com a tendência de diminuição das taxas de natalidade, aumento da longevidade e consequente crescimento da população nas faixas etárias de adultos e idosos.

Gráfico 8 – Evolução da pirâmide etária de São José dos Campos, de 1991 a 2020

Fonte: SEADE, 2020

 No que se refere à evolução percentual do total da população idosa residente no município, segundo a situação urbana e rural, de 1991 a 2010, constata-se uma diminuição desse segmento até 2000, seguida de um pequeno aumento até 2010 de idosos residentes na zona rural e um aumento progressivo do percentual do mesmo segmento residente na zona urbana, passando de 5,6 a 9,5%. A tendência ao aumento de idosos em área urbana é similar à situação do Estado de São Paulo, enquanto aqui o percentual de idosos residentes em área rural permanece praticamente igual, com um pouco mais de 0,45% (Gráfico 9).

Gráfico 9 - População idosa em área urbana e rural no Estado de São Paulo e em São José dos Campos (1991, 2000 e 2010)

 

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. 

 

A figura 1 mostra a taxa de envelhecimento da população de São José dos Campos segundo diferentes áreas geográficas. Nota-se a concentração de pessoas idosas na área central 1 (Centro 1) e na região Sul (Sul 2 e Sul 3) da cidade. De outro lado, é interessante observar que a taxa de envelhecimento da população feminina é maior que a masculina em toda a área urbana da cidade (em vermelho) e o inverso na região Norte 2 e Norte 3, que correspondem, em boa parte, ao território rural da cidade, onde a taxa de envelhecimento da população idosa masculina é maior que a da mulher.

Figura 1 - Taxa de envelhecimento da população do município por áreas geográficas (à esquerda) e gênero (à direita)

 

 

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.

A esperança de vida da população do município, segundo o gênero, em 2010, é maior para as mulheres, com uma expectativa de 79,6 anos de vida, do que para os homens, que é de 72,8 anos (PNUD, 2013).

Em síntese, o estudo quantitativo do envelhecimento da população demonstra que, nas duas últimas décadas, mantém-se o aumento de pessoas idosas no Brasil, no Estado de São Paulo e no município de São José dos Campos. As mulheres e homens brancos vivem mais do que as mulheres e homens pretos e pardos, o que se relaciona com a questão do racismo estrutural e suas diversas manifestações de desigualdade sócio racial. Por fim, constatou-se que os idosos e idosas residem, em sua maioria, na zona urbana do município e estão concentrados na região central e em parte da região sul da cidade.

4. São José dos Campos: expansão urbana e contradições socioespaciais

 

O município de São José dos Campos configura-se hoje como um dos pontos nodais do sistema urbano-regional do Vale do Paraíba que inter-relaciona, a Leste do estado paulista, suas três regiões metropolitanas (São Paulo, Campinas e Baixada Santista) com o importante eixo de desenvolvimento urbano que se tornou a Via Dutra após 1950.

Historicamente integrado à expansão metropolitana de São Paulo, São José dos Campos mantém-se ainda hoje em sua posição junto às centralidades mais importantes do estado e da macrometrópole paulista. Esse grau de integração se intensifica e consolida, sobretudo a partir de meados dos anos de 1970, por meio de importantes ações de planejamento regional, articulações viárias, descentralização de unidades produtivas, desconcentração demográfica e reprodução de modelos de urbanização e urbanidade (TAVARES, 2018).

No contexto de uma revisão da legislação municipal (1951) para atração de novas indústrias e da providência do governo estadual para um convênio firmado com o Centro de Planejamento e Estudos Urbanos - CPEU da FAUUSP, em 1958, São José dos Campos passa a dispor do primeiro Plano Diretor (publicado em 1961), que buscava preparar a cidade para os impactos socioespaciais e urbanísticos causados pela rodovia e grandes empresas (SANTOS, 2006a, p. 66) sobre o tecido urbano.

Nesse momento, já tinha sido instalada a sede do Centro Tecnológico da Aeronáutica – CTA e, em 1961, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe, bem como a Empresa Brasileira de Aeronáutica - Embraer (1969) e, novas grandes unidades industriais passaram a se localizar nas imediações da Via Dutra, com destaque aos setores de telecomunicações, químico e farmacêutico, automobilístico, eletroeletrônico, aeronáutico e bélico, e do refino de petróleo, com a instalação da Refinaria Henrique Laje, da Petrobras, em 1982 (IBID, p. 50 - 55).

As propriedades rurais, situadas às margens da Via Dutra “passaram a ser, gradativamente, objeto de grande especulação imobiliária e, em especial, as glebas mais próximas da área urbanizada” (SANTOS, 2006a, p. 50 – 51). Na zona rural, novos espaços foram reservados para a expansão da urbanização. Uma nova cidade surgiu de ambos os lados da rodovia e, aos retalhos, se firmou num tecido urbano nitidamente fragmentado (IDEM, p. 66).

O processo de urbanização provocado pela dinâmica econômica a partir de 1950, estimulou a vinda de pessoas das mais diferentes regiões do país e, junto com ela, se desdobrou a questão da moradia, com o surgimento de loteamentos clandestinos.

Ao mesmo tempo em que a cidade reafirmava a sua importância nacional, consolidando-se como parque industrial diversificado e especializado, em amplo processo de verticalização (SANTOS, 2006a, p. 68), o Plano Diretor Integrado, publicado em 1969/1970, já enfatizava a necessidade de controle da expansão urbana.

Na década dos anos 80, o país viveu um período de estagnação, que se formou com uma retração agressiva da produção industrial. Nesse contexto, ocorreu a ampliação e predominância do setor de serviços, com consequências expressivas na reestruturação espacial de São José dos Campos. O crescimento da mancha urbana passou a se dar mediante formas de urbanização descontínuas ou espraiadas.

Nesse sentido é que se entende a tendência à aprovação de loteamentos fechados de alto padrão, a partir dos anos 1980, com uma concentração clara na região Oeste da cidade e, recentemente, na região Norte (MARIA, 2008). Por outro lado, a região Leste da cidade registrou a maior concentração de loteamentos clandestinos, enquanto a região Sul, e mais particularmente, os bairros Chácaras Reunidas e Eldorado, tendem a abrigar uma estrutura dispersa de microempresas e pequenas indústrias.

Em um período marcado pelas privatizações (telecomunicações, Dutra, Embraer), ao incremento das grandes unidades comerciais e de serviços e à ampliação de mercados informais, a cidade tornou-se objeto de novas redefinições normativas, mas nem por isso deixou de crescer pelos mesmos mecanismos de retenção especulativa e posterior ocupação dos vazios urbanos e de ampliação de suas bordas urbanizadas, como bem nos mostra os cálculos de Costa (2001).

No início dos anos 2000, 43% dos domicílios de São José dos Campos continham rendimentos mensais de até três salários-mínimos, sendo que este percentual chegava a 70% justamente nas áreas de favelas e ocupações irregulares, no extremo Sul e Leste da cidade, bem como em algumas outras localidades mais periféricas ao Norte. De outro lado, mais de 60% dos domicílios com renda superior a 10 salários-mínimos localizavam-se, na mesma data, em bairros do eixo Centro-Oeste da cidade (Vila Adyana, Esplanada, Aquarius e Urbanova) e, ainda, nos bairros de Vista Verde (Leste 2) e Jardim das Indústrias (Oeste), ambos localizados nas imediações da via Dutra (PMSJC, 2003) (Figura 2).

Figura 2 - Rendimento médio das pessoas acima de 60 anos por área de ponderação

 

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.

Já para o ano de 2010, constata-se que a distribuição do rendimento médio das pessoas com idade acima de 60 anos, segundo as regiões da cidade, praticamente se mantém inalterada. Conforme mostra a figura 2, as regiões do eixo Centro-Oeste (Centro 2 e Oeste) são as que os idosos apresentam melhor condição de renda, enquanto nas regiões Norte e Sul 1, temos a situação menos desejável com um rendimento médio dos idosos chegando no máximo a R$930,00.

Embora não se tenham dados mais atualizados, a tabela 1 é ilustrativa por trazer o número de idosos responsáveis pelos domicílios no município de São José dos Campos de 1991 a 2000. 

Tabela 1 - Idosos responsáveis pelos domicílios no município de São José dos Campos de 1991 a 2000.

 

Fonte: Cunha, 2004, p. 179.

Analisando a situação dos responsáveis pelos domicílios com 60 anos ou mais e com rendimento até um salário, constata-se em 2010 a pior condição de renda dos idosos nas regiões Sul 3 e Norte 1, em seguida, Centro 1, Sul 2 e Sul 3, e ainda na região Leste 1 (Figura 3). Além disso, verifica-se a predominância de mulheres idosas responsáveis pelos domicílios com baixa renda em todas as regiões urbanas do município, exceto na região Leste 3, onde os responsáveis idosos homens de baixa renda estão em maior número. 

Figura 3 – Distribuição geográfica dos responsáveis pelos domicílios com renda até 1 salário-mínimo, em São José dos Campos, em 2010

 

 

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.

 

No outro extremo da condição de alta renda, a situação dos responsáveis idosos pelos domicílios revela pouca alteração em 2010, com uma concentração na região Centro 2, região Oeste, e agora, também, na região Sul 2 da cidade (Figura 4). Interessante observar a predominância de idosos responsáveis pelos domicílios com alto rendimento do sexo masculino em praticamente todo o território municipal, evidenciando a clássica desigualdade de renda entre homens e mulheres.

Em pesquisa realizada por Guedes (2020) com idosos do município de São José dos Campos, muitos disseram ser responsáveis financeiramente por suas famílias e se submeterem a subempregos para aumentar a renda mensal. Por outro lado, também se evidenciou idosos que, em situação de vulnerabilidade ou fragilidade, ficam dependentes da ajuda financeira de seus filhos, com o intuito de complementar a sua renda mensal para cobrir gastos com médicos, medicamentos e, até mesmo alimentação; realidade dos idosos que ainda não alcançaram a aposentadoria.

Figura 4 – Distribuição geográfica dos responsáveis pelos domicílios com renda até 1 salário-mínimo, em São José dos Campos, em 2010.

 

 

Fonte: IBGE. Censo Demográfico de 2010.

Estudando a distribuição espacial da pobreza em São José dos Campos, Borges (2003) conclui que, embora São José dos Campos seja um município desenvolvido, rico e sede de empresas de alta tecnologia, o mapa da pobreza urbana revela uma grande desigualdade socioespacial e uma “cidade oculta” de pobres, “largados à própria sorte, morando de forma irregular, à margem da lei, sem acesso à infraestrutura, além de terem baixa escolaridade e baixa renda” (BORGES, 2003, p. 330).

Em sua dimensão macroeconômica, São José dos Campos constitui-se como grande polo concentrador de produção de riqueza e empregos. Tavares (2020) mostra que São José dos Campos está entre os 10 municípios privilegiados do estado paulista com um PIB de mais de 10 milhões de reais em 2017. Sua posição macroeconômica no contexto macro metropolitano se revelou igualmente, em 2017, pela concentração de empregos em indústrias de base tecnológica e em serviços intensivos em conhecimento. Além disso, está também entre os quatro municípios com alto IDHM em 2010, na faixa entre 0,8 e 1,0, ao lado de São Paulo, Campinas e Santos (TAVARES, 2020, pp. 142 e 145; pp. 150 e 156).

Dessa forma, entende-se melhor o crescimento da oferta de serviços em geral e, aos idosos, em específico. Considerando a distribuição de equipamentos sociais e parques urbanos, de interesse aos idosos (Figura 5), observa-se a relativa melhor distribuição das unidades básicas de saúde em regiões com relativa ausência de hospitais, ou em outros termos, percebe-se a concentração de hospitais nas áreas mais ricas da cidade, assim como a existência da Casa do Idoso em três localidades e os parques urbanos onde as condições de vida são melhores.

Levando em conta que a mobilidade interurbana para os pobres e os idosos é estruturalmente mais difícil em cidades que cresceram segundo um modelo socialmente desigual e urbanisticamente espraiado e fragmentado, a concentração de equipamentos e parques acontece justamente onde as condições de mobilidade são as melhores e que, no caso de São José dos Campos, coincide com as regiões onde há maior presença de idosos de alta renda e apenas em parte maior predominância de idosos residentes (Centro 2), não coincidindo, portanto, com as regiões onde há maior presença de idosos de baixa renda.

Figura 5 – Distribuição de equipamentos sociais e parques urbanos

 

Fonte: Prefeitura Municipal de São José dos Campos, 2020.

Dessa forma, pode-se constatar a existência de segregação socioespacial e admitir sua produção deliberada pelo poder público e outros agentes sociais que dele obtiveram, de alguma forma, seus favorecimentos. A imagem projetada da cidade de São José dos Campos como polo tecnológico, com elevado IDH, não é coerente com as reais necessidades das pessoas que vivenciam o processo de envelhecimento nos mais variados lugares desta cidade. Neste sentido, cabe refletir se há de fato políticas sociais e urbanas preocupadas em atender às demandas dos idosos e, sobretudo, de uma população que tende a envelhecer nas próximas décadas.

5. Envelhecimento, marcos regulatórios e dinâmica de reorganização do espaço social e urbano

 

Em relação à atenção à pessoa idosa, o artigo 1.1, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS, 2012), aponta a articulação interinstitucional entre competências e ações com os demais aparelhos de defesa de direitos humanos, em específico com aqueles de defesa de direitos de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, negros e outras minorias; proteção às vítimas de exploração e violência; adolescentes ameaçados de morte, promoção do direito de convivência familiar.

O item Benefícios do SUAS (2012) consta no Benefício de Prestação Continuada: previsto nos artigos 20 e 21 da LOAS, promovido pelo governo federal, que consiste no repasse de um salário-mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprove não ter meios para suprir sua sobrevivência ou de tê-la suprida por sua família (BRASIL, 1993). Esse benefício compõe o nível de proteção social básica, sendo seu repasse efetuado diretamente ao beneficiário.

A União disponibilizou “o Piso Básico Variável”, valor de referência para o cofinanciamento voltados ao atendimento, dentre outros segmentos, dos idosos (BRASIL, 1993). Também foi disponibilizado o Piso de Alta Complexidade II, que “trata dos usuários em situações específicas de exposição à violência, elevado grau de dependência”, incluindo idosos (BRASIL, 1993). O Decreto nacional de n. 1605 de 25 de agosto de 1995, em seu Artigo 1o estabelece mudanças quanto ao cofinanciamento do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), ao “proporcionar recursos e meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar serviços, programas e projetos de assistência social” (BRASIL. Decreto n. 1605/95, Art. 1o). E, em dezembro de 2003, a IV Conferência Nacional de Assistência Social, deliberou nova forma de financiamento a ser instituído,

ultrapassando o modelo convenial e estabelecendo o repasse automático fundo a fundo no caso do financiamento dos serviços, programas e projetos de assistência social. Essa nova sistemática deverá constar na Norma Operacional Básica que será elaborada com base nos pressupostos elencados na nova política (BRASIL, PNAS/2004, 2005).

 A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) “visa a garantia da vida, a redução de danos e a prevenção da incidência de riscos” com “garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) (BRASIL, 1993).

No item V do Art. 20 da Lei nº 12.435 (BRASIL, 2011), consta que “a condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada” (BRASIL, 2011), estipulando-se “que os programas voltados para o idoso e a integração da pessoa com deficiência serão devidamente articulados com o benefício de prestação continuada, estabelecido no Art. 20 desta Lei” (BRASIL, 2011).

No contexto das Políticas Públicas sobre Assistência Social, que constam na Lei Orgânica do Município de São José dos Campos, no Capítulo V, Seção I, “Do Transporte Coletivo Urbano”, consta a importância do “acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência física, às grávidas, aos idosos e às crianças, inclusive quanto às catracas”. Na Seção III, “Do Idoso”,

é dever da família, da sociedade e do Município o amparo às pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, garantindo-lhes direito à vida, à saúde, à cultura, à dignidade, ao respeito, ao bem-estar, à convivência familiar e social, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Parágrafo Único: Para assegurar a efetividade das garantias constantes neste artigo, o Município, em convênio com a iniciativa privada e instituições de defesa dos idosos, valer-se-á dos seguintes meios:

I – Construção de moradias populares destinadas à habitação de pessoas idosas e condizentes com suas reais capacidades econômicas; II – provimento de lares comunitários dotados de infraestrutura médica, odontológica e psicológica e voltados para o desenvolvimento e de atividades condizentes com as condições físicas e psíquicas dos idosos necessitados economicamente (PMSJC. LOM. Art. 300, 09/11/2017).

 

No Art. 301 dispõe ainda que “são garantidos aos idosos programas especiais de alfabetização e acesso aos diferentes níveis de ensino junto à rede pública municipal” e que “é dever do município garantir aos idosos o acesso aos meios de transportes coletivo urbano, facilitando sua participação na vida social e cultural”. Pelo mesmo dispositivo “são asseguradas às pessoas idosas condições apropriadas que permitam o acesso, a frequência e a participação em todos os serviços e programas culturais, educacionais, recreativos e de lazer”. A seção III “Do Esporte e Lazer”, item VII do Art. 339 faz referência “à adequação de locais já existentes, na criação de novos espaços esportivos, planejando a construção de ambientes estruturados para prática de esportes aos portadores de deficiência, idosos, de maneira integrada aos demais cidadãos” (PMSJC, 2017).

Em análise geral dos principais Marcos Regulatórios da Política Urbana no país e em São José dos Campos/SP, o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - PDDI (PMJSC, 2018), fica perceptível que não apresentam correspondência, na prática, com os direitos da pessoa idosa.

No Brasil, existem instrumentos legais importantes que intervêm nos processos sociais e urbanos e, especialmente, na produção do espaço, regulamentando, controlando e direcionando-os. É o caso do Estatuto da Cidade que regulamenta o capítulo da Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 1988) que trata da Política Urbana (Artigos 182 e 183) e estabelece os princípios da função social da cidade e da propriedade, o direito à cidade e à cidadania e a gestão democrática da cidade (garantia da participação popular). Com relação ao Estatuto da Cidade, cabe enfatizar o Capítulo IV, que trata sobre o “Desenvolvimento Social”, observando, particularmente, o item III do Art. 42, que se refere à implantação da Casa do Idoso como espaço de convivência e serviços voltados à pessoa idosa.

Sabe-se que os Marcos Regulatórios dos municípios são compostos por instrumentos de Planejamento Urbano que deveriam, do ponto de vista social, organizar os espaços, visando garantir uma cidade mais equilibrada, inclusiva e, sobretudo, com qualidade de vida. No entanto, constata-se, por outro lado, que esses instrumentos definem o uso, desenho e ocupação dos espaços da cidade, atrelados à racionalidade da dinâmica do mercado. Os limites atuais da Política Urbana e sua lógica perversa nos impõe refletir sobre o capítulo da Gestão Democrática, previsto no artigo 43, do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) segundo o qual a política urbana deve ser exercida como "gestão democrática, por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano" (BRASIL, 2001).

No que se refere ao Plano Diretor do Município de São José dos Campos, no Capítulo IV, Item III, “Da Assistência Social”, preconiza-se sobre a importância de fortalecer e ampliar o acesso a programas, projetos e ações à população idosa, considerando o aumento gradativo dessa população. No item IX deste mesmo Capítulo, consta o fortalecimento dos Conselhos Municipais em geral (do Idoso, da Mulher, da Igualdade Racial, dos Direitos da Criança e Adolescente) e Conselhos Tutelares, assim como demais organizações relacionadas à luta pela melhoria da qualidade de vida.

É por meio da elaboração do Plano Diretor que se questiona se as diretrizes e os instrumentos de política urbana estão sendo efetivos para o desenvolvimento urbano e se a cidade que temos está próxima da que queremos e, se não está, quais as implementações necessárias para que se atinja esse objetivo. O lema das “Cidades inclusivas, participativas e socialmente justas” define quatro eixos temáticos: O Brasil urbano: a cidade que temos; a função social da cidade e da propriedade; o Plano Diretor, e a cidade que queremos (PMSJC, 2018).

 

 

6. Perspectivas e tendências - reflexões e considerações

Uma pequena investida nos marcos regulatórios da política de assistência social e urbana em São José dos Campos, sobretudo no que diz respeito à assistência ao idoso, nos leva a transitar entre a utopia e a distopia, onde a teoria (aqui tomada pelos princípios e diretrizes dos marcos regulatórios) se distancia, e muito, da realidade concreta.

No entanto, sabendo-se que é a realidade vivida que condiciona a imaginação a criar o espaço ideal para a manutenção plena da vida, é nesse sentido que a projeção utópica preenche a imaginação e nos conduz a pensar em situações em que o desejável se torne realidade. O utópico desejo de alcançar algo ou algum lugar, mesmo que pela imaginação, tornou, o não-lugar, um lugar que ainda não é, mas que move intenções e desejos de alcance.

São José dos Campos, município desenvolvido, rico e sede de empresas de alta tecnologia, escancara uma grande desigualdade socioespacial e uma “cidade oculta”, invisível às políticas públicas de acesso à infraestrutura e direitos sociais. Por mais apregoado que seja o direito do idoso, ele se dá apenas no campo formal. Embora seja possível reconhecer algumas conquistas no plano social, não é possível falar em igualdade de dignidade e de direitos num município tão marcado pelas desigualdades como o município de São José dos Campos. 

Nesse sentido é que a Utopia, neologismo que surge com Thomas Morus no contexto da Inglaterra de 1517, que significa etimologicamente o “não-lugar”, resistiu à passagem do tempo, emprestando seu significado às condições idealizadas, implausíveis, impraticáveis. Como bem observou Marilena Chauí (2008), só há utopia quando há a representação de uma outra sociedade que negue, ponto a ponto, a sociedade existente. Pensada de forma orgânica, a utopia não é um programa de ação, mas um exercício de imaginação.

Distante de Morus há mais de 500 anos, a utopia se mantém como perspectiva para remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades, enquanto a distopia segue como recurso para definir a nossa realidade negativa e disfuncional.

Os dados da longevidade e do envelhecimento estrutural da sociedade nos leva a questionar se a maneira que vivemos poderia ou não ser melhorada. Nesse sentido, o presente se torna mecanismo de projeção e nos aponta para o quadro ideal da nossa condição humana.

Ao se utilizar o conceito de utopia, ligado à projeção de um mundo ideal, propõe-se uma ruptura, uma prática organizadora e crítica da sociedade existente; ou seja, os dados da longevidade nos conduzem a refletir sobre mudanças de concepção e propõem a desmistificação das ideias que cercam a velhice, sua marginalização e a negligência sofrida pelos idosos nos desafiando a pensar em nosso próprio futuro.

Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que, historicamente, a disjunção entre ideais, projetos de transformação e sua concretização sempre existiu, ou seja, princípios ideais e teorias são eles próprios fatos históricos (JOVCHELOVITCH, 2008), sempre abertos, portanto, a transformações e a reconsiderações confluentes às escolhas políticas.

No caminho da construção do que é socialmente necessário e desejável para uma população de um dado lugar, tomada em seu todo e sua heterogeneidade, e de acordo às reais condições de vida nesse lugar, não se pode ignorar a dinâmica ininterrupta de inter-relações entre o Estado (ordem político-institucional) e a sociedade civil. Se, particularmente, existe a tendência ao envelhecimento da população, ela deve ser considerada, discutida e enfrentada, sim, mas em perspectiva abrangente que a integre no contexto mais amplo de respeito aos direitos da população tomada em toda a sua diversidade e condição socioespacial desigual.

Nesse sentido, o planejamento urbano deve ser repensado, simultaneamente, em sua dimensão utópica e política, de consideração de possibilidades e da intenção política e institucional de conduzir os processos de transformação.

Experiências diversas de insurgência contra o status quo - de uma sociedade distópica que carrega o estigma de heranças coloniais na mentalidade, no poder político e no cotidiano, sem a devida consideração ao problema central da formação social de individualidades fortes e cidadãos – tendem a se tornar cada vez mais evidenciadas junto a indícios de um futuro desejável e já em experimentação (HOLSTON, 2016). Em um período de crise global da democracia, o resgate do ideal democrático tende a se tornar não apenas propagado como praticado em certa medida em todo o mundo. Segmentos sociais diversos aliam-se aos movimentos de base popular (originários em condições claras de desfavorecimento socioeconômico e moral), ampliando e dinamizando o debate social em outras bases dialógicas de conscientização social e política.

Entre a cidade que se tem e a que se almeja, os desafios parecem maiores do que as forças sociais organizadas e coordenadas para a sua superação. As dinâmicas de reorganização da sociedade e do espaço são ensaiadas em toda parte segundo orientações e motivações as mais diversas. Mas o que há de fato é a incerteza dos rumos que poderão tomar, no contraponto entre utopia e distopia, os processos sociais perspectivados por mais humanidade, democratização e justiça social, incluindo aqui, especificamente, a questão do envelhecimento por um outro planejamento urbano, menos comprometido com as ideologias perversas da razão neoliberal, e mais contemplados no difícil passo do que pode ser socialmente pactuado e construído.

Assim, o artigo procurou explicitar uma relação de análise entre o fenômeno do envelhecimento da população brasileira, particularmente no município de São José dos Campos (SP), as condições e contradições socioespaciais desse município e os marcos regulatórios recentes, de âmbito federal e municipal, associados a políticas de assistência social e urbana.

Ao par de tendências similares ao envelhecimento no país e em São José dos Campos, procurou-se situá-las em relação à visão ainda relativamente despreocupada ou negligente que a sociedade tem da velhice e das condições de vida da população idosa (consoante às lógicas hegemônicas e aos ritmos acelerados da vida contemporânea), e além disso, trazendo em perspectiva a contraposição entre os marcos regulatórios de políticas para os idosos e alguns aportes reflexivos para a discussão sobre as dinâmicas de planejamento e reorganização do espaço urbano à luz da imaginação utópica e sua realimentação constante a partir da distopia, condição que se impõe como dispositivo para reflexão  sobre a cidade que temos e a que seria mais desejável.

Todos nós, de alguma forma, projetamos o lugar, a cidade e a sociedade ideal. A ausência dessa imaginação seria um obstáculo para lançarmos novas construções sobre o futuro. A utopia, visão de futuro sobre a qual uma civilização pauta seus projetos, ao fundamentar os objetivos ideais e as esperanças, se impõe como um exercício do pensamento socialmente necessário.

A dimensão utópica e a política do planejamento urbano desejável assentam-se nas perspectivas humanistas de resgate do ideal democrático de cidadania e de justiça social, com superação das desigualdades sociais e urbanas. Em relação aos assuntos que nortearam o presente estudo conclui-se que, levando-se em consideração as conjunturas históricas, o processo de transição demográfica, o aumento da esperança de vida e a longevidade, os idosos devem ser considerados nas pautas dos debates sociais. Por mais abstratas e imaginativas que sejam as referências que cada um carrega da cidade utópica, ideal, elas devem dar vazão às representações de uma outra sociedade, pensada a partir das diferentes subjetividades, em particular dos idosos, segmento com grande tendência no futuro de afirmação de seu protagonismo demográfico e social. 

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