Em busca do desenvolvimento territorial: uma alternativa frente aos desafios contemporâneos


William dos Santos Melo
Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Professor Visitante da UENF no curso de Administração Pública

Joseane de Souza
Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG; Professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)

REVISTA POLÍTICA E PLANEJAMENTO REGIONAL – RPPR – Rio de Janeiro, Vol. 8, No. 2, maio a agosto de 2021, p. 213-232 ISBN 2358-4556

 

Submetido: 21.07.2020; aprovado em 09.06.2021

 

1. Introdução

            O Brasil encontra-se imerso em um mundo cada vez mais delimitado pela compreensão de que devemos impor limites ao Estado na busca de melhores resultados para o panorama de recursos escassos. Alguns estudiosos apresentam, por pressuposto, que o Estado deve apenas assumir uma posição secundária quanto a incentivos sociais e econômicos, liberando a iniciativa privada de suas “amarras” em favor do empreendedorismo e da inovação (RICKARDS, 2000; PRADO, 2001; HUNG et al, 2005; VALE, 2005; WILKINSON et al, 2008; TIDD et al, 2019). A mídia, empresários, lobbistas e políticos dos mais diferentes matizes ideológicos utilizam-se de um falsa retórica dicotômica que de um lado vigora o setor privado dinâmico, inovador, competitivo e “revolucionário”, enquanto, do outro lado, têm-se um setor público, preguiçoso, burocrático, inerte e “improdutivo”.

            Esta visão, que tende a polarizações ideológicas, é repetida a exaustão, com a finalidade de assentar-se como verdade pela maioria da população, desaguando em uma opinião pública que tende a desconsiderar possibilidades de avanços advindas da ação e das atividades relacionadas ao Estado como “agente” de mudança (RESENDE, 2020).

            Com a diminuição do protagonismo do Estado-Nação (principalmente a partir do início da década de 1990) e seu descrédito junto à sociedade civil, verifica-se em muitos países – ocorrendo também no Brasil – um cenário de paralisia decisória, que combinada com uma “asfixia” ideológica tende a dificultar o florescimento de importantes e necessárias ideias e alternativas frente aos problemas contemporâneos nas esferas social, econômica e política.

            As intensas modificações nas relações de trabalho, na interação entre as pessoas, a velocidade na comunicação de ideias e o aumento na capacidade de consumo de bens e serviços, torna boa parte do mundo totalmente inserido em uma nova era de “revoluções”. Por revoluções, devemos entender que se trata de uma fase de grandes mudanças, por vezes abruptas e que, independentemente de nossas escolhas, serão inevitavelmente impostas a todos, favorecendo novos padrões de comportamentos, interações e expectativas de vida (ABRANCHES, 2017). 

            As intensas alterações sócioculturais e políticas, desafiarão o modelo de Estado democrático. As mudanças em curso, desfavorecerão a centralização do poder, alterando o jogo de forças na direção de anarquias coletivas ou como no caso brasileiro em uma polarização irracional e violenta (BRESSER-PEREIRA, 2018) .

            Tanto no espectro da centro-esquerda como na centro-direita, há um vácuo e uma ausência de projetos para desafiar a estagnação econômica brasileira que se encontra presente desde os meados da década de 1990 (BRESSER-PERREIRA, 2018). Se no início da década de 1950 havia retóricamente a tentativa de tornar o Brasil um país do futuro, os últimos anos de 1990 demonstraram com sutis variações, que a importância fundamental do presidentes empossados, foi a de privilegiar o capital especulativo em detrimento do capital produtivo (BRESSER-PEREIRA, 2018; DOWBOR, 2017).

            Para prejudicar ainda mais a temática do desenvolvimento na agenda política brasileira, os entrepreneurs (empreendedores da política) do país, adensaram-se fortemente as conquistas sociais alcançadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), esquecendo-se de um projeto nacional de desenvolvimento. Boa parte da intelectualidade brasileira – grupos de interesses, comunidade acadêmica e mídia, por exemplo – ou tentavam resgatar um “pseudo” modelo de desenvolvimento cepalino (DOS SANTOS, 2000; MARTINS, 2003) ou em extremo oposto defendiam a necessidade de austeridade econômica a partir da abertura do mercado (GIAMBIAGI, 2007; BARROS, 2012; SCHWARTSMAN et al, 2014).

            As consquistas sociais provenientes da CF/88, tiveram assim forte influência de distração para adiar a necessária agenda em prol de um desenvolvimento equânime e inclusivo para a sociedade brasileira. A universalização das políticas sociais, que possibilitou avanços nos indicadores de saúde, natalidade (a partir da diminuição dos indicadores de mortalidade infantil) e educação, não foi suficiente, no entanto, para reverter o quadro da desigualdade brasileira (AMORIM, 2009; CASTRO, 2009, ANTUNES, 2018). Os ganhos sociais de forma geral, serviram apenas para suavizar a exploração de um minoria privilegiada frente a uma maioria totalmente desamparada. 

            Verificar-se-á nestes novos processos que envolvem o universo das políticas sociais, uma precária intervenção estatal, acompanhada de uma re-filantropização da “questão social” e re-mercantilização desenvolvidas por empresas privadas, que passarão a consolidar-se em três modalidades de serviços de qualidades diferentes – o privado/mercantil, de boa qualidade; o estatal, “gratuito” e precário; e o filantrópico/voluntário, geralmente também de qualidade duvidosa – qualificando-se duas categorias de cidadãos: os “integrados” (consumidores) e os “excluídos” (assistidos) (MONTAÑO, 2001).

            Este cenário demonstrará a limitação das políticas sociais em manter o contentamento de boa parte da sociedade brasileira. Ajuda neste processo ainda, o cenário de baixíssimo crescimento econômico, acrescido do mau atendimento aos serviços públicos (encorajados como universais e igualitários) e da falta de elaboração de alternativas por parte dos atores políticos e da classe intelectual brasileira. 

            A postura política adotada desde meados da década de 1990 mostrou-se inócua para a alteração dos históricos desafios em direção a uma sociedade mais justa. O modelo liberal-conservador (recém-adotado) parece ainda mais distante das necessárias respostas e soluções para a multiplicidade de questões a serem resolvidas. O Brasil no segundo decênio do século XXI apresenta desafios como: 1) Oligopólio bancário (os 5 maiores bancos brasileiros concentram 70% de todas as transações financeiras); 2) Altas taxa de spread bancário que inibem o crescimento; 3) Intensa fragmentação partidária; 4) Excessiva polarização ideológica; 5) Baixo nível de trabalho qualificado; 6) Concentração de renda; 7) Concentração latifundiária; 8) Baixo nível de investimento interno; 9) Desindustrialização e; 10) Aumento do trabalho informal e do desemprego (BRESSER-PEREIRA, 2018; POCHMANN, 2016) .

            Todas essas variáveis precipitam a possibilidade de convulsões sociais e de recessão econômica permanente. O crescimento da economia brasileira passa necessariamente pela alteração das presentes constatações a favor do trabalho e da produção. Sendo assim, o esforço do país precisará ser excepcional, pois precisará contrariar a tendência mundial que é a da diminuição de postos de trabalho e da escassez de recursos para a realização de investimentos.

            A necessidade de alternativas institucionais com o retorno do protagonismo estatal são ações fundamentais para a realização de um desenvolvimento que congregue crescimento econômico, equidade e alocação eficiente dos recursos públicos. Portanto, o desenvolvimento que aqui será defendido como resposta aos desafios apontados é de caráter municipalista, que pressupõem o federalismo brasileiro como uma vantagem, favorecendo que os municípios assumam definitivamente a autonomia esperada perante suas demandas e necessidades (desenvolvimento territorial).

2. A quarta revolução industrial: uma sociedade global tendendo a disrupção

            Os países estão atualmente em um intenso processo de alterações sócioculturais. A antiga ordem mundial que até os anos de 1970 balizava um padrão de condutas ou ações por parte do Estado, que se fazia presente e tinha o protagonismo como agente de mudanças, não apresenta mais tamanha capacidade. O avanço da tecnologia a partir da inteligência artificial e da robôtica, demarcam uma outra revolução em curso, de característisca inovadora, ampla, irrestrita e altamente desigual (ABRANCHES, 2017; BRYNJOLFSSON et al, 2014).

            De acordo com Schwab (2016), este novo movimento social – a quarta revolução industrial – assenta suas bases na tecnologia digital. Nas palavras do autor, 

[...] as tecnologias digitais, fundamentadas no computador, software e redes não são novas, mas estão causando rupturas à terceira revolução industrial; estão se tornando mais sofisticadas e integradas e, consequentemente, transformando a sociedade e a economia global. [...] criam um mundo onde os sistemas físicos e virtuais de fabricação cooperam de forma global e flexível (SCHWAB, 2016: 37)

No entanto, esta revolução não se se resume ao desenvolvimento de sistemas e máquinas, mas envolve áreas que vão “[...] desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica” (SCHWAB, 2016: 38) e o que a torna fundamentalmente diferente das revoluções industriais anteriores é “[...] a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos” (SCHWAB, 2016: 40).

            No atual cenário global, as tecnologias emergentes e as inovações generalizadas são difundidas muito mais rapidamente e amplamente do que em demais momentos históricos mundiais. O que por si só, faz com que as consequências adversas sejam ainda mais sentidas, principalmente, se considerarmos que boa parte da população mundial ainda não alcançou os benefícios decorrentes da segunda e terceira revolução industrial[1], já que 17% da população mundial, quase, 1,3 bilhão de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade (WORLD ECONOMIC FORUM, 2015). Se consideramos os excluídos (ou não inseridos) da terceira revolução industrial, os números são ainda piores, já que mais da metade da população mundial, 4 bilhões de pessoas, vive em países sem acesso à internet (WORLD ECONOMIC FORUM, 2015a).

            A premissa de SCHWAB (2016: 23), “[...] é que a tecnologia e a digitalização irão revolucionar tudo”. Isto é, as principais inovações tecnológicas já estão “alimentando” uma gingantesca mudança histórica em todo o mundo. A escala e o escopo das mudanças explicam por que as rupturas e as inovações atuais são tão significativas. Ou seja, a velocidade da inovação em termos de desenvolvimento e ruptura está mais rápida do que nunca. Em decorrência disso, viveremos em familiaridade com intensas empresas disruptoras – Airbnb, Uber, Alibaba e etc. – que remodelam rapidamente o tecido social de inúmeros países.

            Os retornos de escala assim como a velocidade serão, a cada ano, mais surpreendentes. Digitalização significa frontalmente automação que, por sua vez, significa que as empresas não mais incorrerão em rendimentos decrescentes de escala (ou, no mínimo, em menos rendimentos desse tipo). Para entender o que isso significa em termos de agregado econômico, compare a cidade de Detroit em 1990 (então um grande centro de indústrias nacionais) com o Vale do Silício em 2014. Em 1990, as três maiores empresas de Detroit possuíam uma capitalização de mercado combinada de US$ 36 bilhões, faturamento de US$ 250 bilhões, e 1,2 milhão de empregados. Em 2014, as três maiores empresas do Vale do Silício tinham uma capitalização de mercado consideravelmente mais elevada (US$ 1,09 trilhão), haviam gerado aproximadamente as mesmas receitas (US$ 247 bilhões), mas com cerca de 10 vezes menos empregados (137 mil) (MANYIKA, et al, 2014). 

            Hoje é possível criar uma unidade de riqueza com muito menos trabalhadores, em comparação há 10 ou 15 anos, porque os custos marginais das empresas digitais tendem a zero (OSBORNE et al, 2015). Na realidade da era digital, além disso, muitas novas empresas oferecem “bens de informação” com custos praticamente nulos de armazenamento, de transporte e de replicação. Algumas empresas disruptoras de tecnologia parecem exigir pouco capital para prosperar. Empresas como Instagram ou WhatsApp, por exemplo, não exigem muito financiamento para iniciar suas atividades, mudando definitivamente o papel do capital e da escala de negócios neste novo contexto. Em geral, isso mostra como os retornos de escala estão cada vez  mais tendentes a um aumento desenfreado, que definitivamente influenciará sistemas inteiros, alterando significativamente os hábitos, costumes e comportamentos coletivos. 

            A inteligência artificial (IA) é uma ação, por exemplo, em rápido avanço: surgidos há mais ou menos dois anos, os assistentes inteligentes ganham cada vez mais espaço que, ao progredir em uma velocidade tão rápida, falar com computadores se tornará, em breve, uma norma, criando algo que os tecnólogos chamam de computação ambiental; nela, os assistentes pessoais robotizados estarão sempre disponíveis para tomar notas e responder as consultas de seus usuários. Cada vez mais, nossos dispositivos se tornarão parte de nosso ecossistema pessoal, nos ouvindo, antecipando necessidades e nos ajudando quando necessário – mesmo que não tenhamos pedido.

            A quarta revolução industrial alterará significativamente a esfera laboral e trará inúmeros desafios. Uma preocupação em particular decorrentes dessas alterações, será o aumento na desigualdade social (SCHWAB, 2016). Tal assertiva se explica, quando se observa a existência de novos produtos e serviços, sem praticamente nenhum custo ou aumento de oferta de vagas de emprego. Pedir um táxi, encontrar um vôo, comprar um produto, fazer pagamentos, ouvir música ou assistir um filme – qualquer uma dessas tarefas pode, agora, ser realizada remotamente (OSBORNE et al, 2015).

            Verifica-se, neste caso, que as mudanças advindas da quarta revolução industrial concentram-se principalmente no lado da oferta – no mundo do trabalho e da produção – relegando a sua própria sorte o lado da demanda. Neste cenário, entende-se porque nos últimos anos, a esmagadora maioria dos países mais desenvolvidos e também algumas economias em rápido crescimento, como a China, têm passado por um declínio significativo de sua mão de obra (SCHWAB, 2016). Os novos tempos, priorizam a inovação a qualquer preço, essa nova postura traz a diminuição do preço relativo dos bens de investimento e uma “anarquia” de governança, um progresso disruptivo, sem qualquer controle por parte das corporações ou do Estado (gerando assim, uma excessiva substituição do trabalho material por trabalho imaterial) (DOWBOR, 2017; GORZ, 2005).

            A explicação para estas deformidades atualmente em voga – que abatem fortemente países desiguais e desprotegidos, como é o caso do Brasil – advém das regras de competitividade econômica próprias da quarta revolução industrial, que são frontalmente diferentes de outros processos de revolução industrial. Atualmente, as grandes empresas só se mantêm competitivas se estiverem atentas a inovação em todas as suas formas, o que significa que as estratégias que incidem principalmente na redução de custos estão cada vez menos eficazes do que aquelas que se baseiam na oferta de produtos e serviços de maneira mais inovadora (SCHWAB, 2016). Tal constatação, levam ao reconhecimento da necessidade da construção de ecosistemas inovadores, o que reafirma a necessidade de novas alternativas e estratégias por parte das empresas e dos Estados nações (OSBORNE et al, 2015).

            As razões por que a nova revolução tecnológica provocará fortes agitações sociais, inscrevem-se nas suas características intrínsecas, que são: velocidade (tudo está acontecendo em um ritmo muito mais rápido do que antes), amplitude e profundidade (há muitas mudanças radicais ocorrendo simultaneamente), e a transformação completa de sistemas inteiros (MANYIKA et al, 2014).

            Tendo em conta essas características, fica latente então uma incerteza, a de saber a quantidade de postos de trabalho que serão substituídos pela automação, quanto tempo este novo fenômeno durará e até onde esta externalidade negativa terá efeito? Para compreedermos essas indagações, precisamos entender definitivamente quais consequências diretas as novas tecnologias exercem no mundo do trabalho. Primeiro há um efeito destrutivo que ocorre quando as rupturas alimentadas pela tecnologia e a automação substituem o trabalho material por trabalho imaterial, forçando os trabalhadores a ficar desempregados ou a realocar suas habilidades em outros lugares. Em segundo lugar, o efeito destrutivo vêm acompanhado por um efeito capitalizador, em que a demanda por novos bens e serviços aumenta e leva à criação de novas profissões, empresas e até mesmo indústrias (DOWBOR, 2017; SCHWAB, 2016).

            Diferentes categorias de trabalho, particularmente aquelas que envolvem o trabalho mecânico repetitivo e o trabalho manual de precisão, já estão sendo automatizados. Outras categorias parecem que seguirão o mesmo caminho, já que a capacidade de processamento continua em crescimento exponecial em quase todas as atividades laborais. Antes do previsto pela maioria, o trabalho de diversos profissionais diferentes poderá ser parcial ou completamente automatizado.

            Até o momento, a evidência que pode ser constatada é que a quarta revolução industrial parece estar criando menos postos de trabalho nas novas indústrias do que as revoluções anteriores. De acordo com uma estimativa do Oxford Martin Programme on Technology, apenas 0,5% da força de trabalho dos Estados Unidos está empregada em indústrias que não existiam na virada do século, uma porcentagem muito menor do que os aproximadamente 8% novos postos de trabalho criados em novas indústrias durante a década de 1980 e os 4,5% de novos postos de trabalho criados durante a década de 1990. O fato é corroborado por um recente censo econômico dos EUA, que esclarece uma interessante relação entre tecnologia e desemprego. O documento mostra que as inovações em tecnologias descontinuadores tendem a elevar a produtividade por meio da substituição dos trabalhadores existentes, sem a necessidade da criação de novos postos de trabalho para produzirem os novos produtos (OSBORNE et al,2013).

            A pesquisa concluiu que cerca de 47% do emprego total nos Estados Unidos está em risco; algo que poderá ocorrer em uma ou duas décadas, sendo caracterizado por um escopo muito mais amplo de destruição de empregos e por um ritmo de alterações muito mais veloz do que aquele ocorrido no mercado de trabalho pelas revoluções industriais anteriores. Além disso, há uma forte tendência de maior polarização do mercado de trabalho. O emprego crescerá em relações a ocupações e cargos criativos e cognitivos de altos salários e em relação às ocupações manuais de baixos salários; mas irá diminuir fortemente em relação aos trabalhadores repetitivos e rotineiros (faixas de ocupações geralmente extensas em países com pouco investimento em educação, pesquisa e inovação) (OSBORNE et al, 2013).

            Ao pensar sobre a automação e substituição do trabalho, devemos, no entanto, resistir à tentação de polarizar nossos raciocínios sobre os impactos da tecnologia em relação ao emprego e ao futuro do trabalho. Segundo Osborne et al (2013), o grande impacto da quarta revolução industrial sobre os mercados e locais de trabalho em todo o mundo é quase inevitável. Mas isso não significa que estamos perante um dilema homem versus máquina. Na verdade, na maioria dos casos, a fusão das tecnologias digitais, físicas e biológicas que de um lado causa as alterações atuais, pode, por outro lado, servir também para aumentar o trabalho e a cognição humana; ou seja, isso significa que os atores políticos precisam, na verdade, diagnosticar suas falhas e o mais rapidamente preparar a sua força de trabalho, desenvolvendo, o quanto antes, modelos colaborativos de formação acadêmica para trabalhar com máquinas cada vez mais capazes, conectadas e inteligentes.

3. A atual dialética da estagnação brasileira

            Nos últimos 20 anos o Brasil experimenta um quadro de estagnação econômica que obstaculiza qualquer possiblidade de desenvolvimento do país. A letargia advinda de escolhas equivocadas e de estratégias curto-prazistas são fruto de uma ideologia econômica liberal – de aversão ao necessário papel do Estado – não mais condizentes com as reais necessidades do cenário internacional (tais como: o investimento em novas matrizes tecnológicas, biotecnologia, saúde, defesa, agricultura e energia). A permanência de soluções e caminhos de matriz contracionista – realizados por subserviência ou mesmo por crença ideológica a receituários externos – demonstram a cada dia, seu efeito deletério ao crescimento/desenvolvimento do país.

            O modelo até então adotado, coloca o país em uma armadilha macroecônomica e social, que privilegia controles econômicos (limitação de despesas) em detrimento do investimento (geração futura de receitas), na qual a construção de narrativas trouxe a aceitação quase inequívoca de políticos, economistas e da sociedade em geral. de que estes princípios são os corretos a serem seguidos. Na aceitação desta lógica, temos como resultado: o aumento dos juros da dívida interna brasileira, poupança pública negativa, frágil superávit primário e crescente déficit público (RESENDE, 2020). 

O avanço nas políticas sociais conquistados a partir da CF/88, traduze-se também como transitório, o receituário democrático liberal-conservador não foi capaz de superar o problema de baixo crescimento econômico que perdura desde os anos de 1990. É importante que compreendamos que os avanços para os pobres e os excluídos – dados com o aumento no orçamento a favor de políticas sociais como o Bolsa Família entre outros – foram realizados enquanto a economia crescia em função da elevação dos preços das commodities no mercado internacional, o que por si só demonstra um crescimento conjuntural induzido por fatores externos, mas que não se cristalizam como direitos sociais.

            A intensa ortodoxia econômica do Estado a partir de políticas de juros explica boa parte do baixo crescimento, que tendeu a concentrar renda e a desestimular qualquer investimento produtivo, favorecendo, por sua vez, cada vez mais o aumento do capital especulativo e volátil. Primeiro, porque quanto maior a taxa de juros que as empresas tiverem que pagar, mais alta será a taxa de lucro esperada que as levará a investir em fontes a favor do mercado financeiro do que na ampliação de seu parque produtivo. Segundo, indiretamente, na medida em que, dada a decisão do governo de procurar crescer com poupança externa, a taxa de câmbio do país ceteris paribus ("todo o mais é constante") se aprecia e, ao invés de estimular o investimento, este se retrai e tende a fragilizar a produção nacional e seu respectivo consumo interno e externo (RESENDE, 2020).

            Desde 1980, o ritmo brasileiro de expansão econômica tem sido tão superficial que torna mais difícil uma estratégia de desenvolvimento com inclusão social (vide tabela 1) (SOUZA, 2017). Na realidade, o país está consolidado em um projeto de subdesenvolvimento, como uma sociedade apartada, especialmente pelo ciclo de financiamento de commodities e de financeirização em direção a renda variável a favor de uma pequena parte privilegiada da população (OREIRO, 2017).

            Desta forma, a estagnação brasileira é causa e consequência de importantes modificações no papel do Estado e em suas políticas públicas. O abandono das políticas nacionais e de planejamento de médio e longo prazo foi sucedido por maior ênfase nas políticas pontuais e de curto prazo, tendo em vista a emergência de vários problemas significativos, como a hiperinflação, o endividamento externo e interno, os desequílibrios nos balanços de pagamentos e o desajuste nas contas públicas (RESENDE, 2020; BRESSER-PEREIRA, 2018).

Tabela 1 – Variação por décadas do PIB per capita de 1991 a 2010 (%)

Países

PIB per capita (média de 1991 a 2010)

CHINA

8,5

CORÉIA DO SUL

5,4

VIETNÃ / TAIWAN

5,0

INDIA

4,4

CHILE

4,2

EGITO

3,6

PERÚ

1,8

COLOMBIA

1,6

FILIPINAS

1,3

BRASIL

1,3

BOLÍVIA

1,2

EQUADOR

1,1

ÁFRICA DO SUL / RÚSSIA

1,0

MÉXICO

0,9

PARAGUAI

0,7

VENEZUELA

0,3

Fonte: Center International Comparisons of Production, Income and Prices the University of Pennsylvania, Nov. 2012.

            Diante desse quadro decorrente da baixa expansão da economia nacional, os problemas sociais se agravaram (2010 a 2020). De um lado, o comportamento do mercado de trabalho passou a registrar sinais de desestruturação, com forte elevação do desemprego aberto e do dessalariamento da mão de obra, cada vez mais envolvida pela informalidade (POCHMANN, 2016; ANTUNES, 2018). De outro, o avanço na polarização social resultou tanto do crescente esvaziamento dos tradicionais postos de trabalho de classe média como do simultâneo aumento das ocupações de baixa renda e dos rendimentos associados a ganhos financeiros. Por fim, observa-se ainda, que o estancamento na evolução da renda per capita foi também acompanhada da adoção recorrente de medidas voltadas ao ajuste das finanças governamentais (CARNEIRO, 2002).

A adoção acrítica do ajuste fiscal trouxe, consequentemente, forte desajuste social, na qual a primazia a contratos de endividamento público-financeiro foi dada relevância em detrimento a importantes e necessários compromissos sociais, tais como: o emprego e a redução da pobreza. O contínuo desajuste nas finanças públicas é resultado, por assim dizer, da reestruturação patrimonial produzida pelos grandes empreendimentos do setor privado diante da ausência de perspectivas de uma ampliação significativa do processo de acumulação do capital.

            Nesse sentido, constatou-se a existência de um elemento estrutural na economia brasileira que tranformou o setor público no comando da produção de uma nova riqueza financeira, apropriada pelo setor privado na forma de direitos de propriedade dos títulos que carregam o endividamento público. Para dar conta da sucessiva geração dos direitos de propriedades resultantes da acumulação financeira, tornou-se imperativo a implementação de um ajuste regular nas finanças públicas, que atuou pervesamente sobre a imensa maioria da população excluída de financiamento e crédito (RESENDE, 2020).

            Nesta perspectiva, o ajuste das finanças públicas – corporificado em lei e “servilmente” acatado por todas as últimas gestões presidenciais – implicou no aumento da carga tributária, afetando proporcionalmente os mais pobres (que tendem a pagar mais impostos proporcionalmente do que as classes mais abastadas da sociedade). Essas ações, por si só, favoreceram a contenção do mercado interno e serviram para agudizar a estagnação brasileira, tirando do Estado, qualquer possibilidade de soluções futuras (RESENDE, 2020; BRESSER-PEREIRA, 2018; DOWBOR, 2017).

            A lógica a favor do liberalismo econômico passou a defender um crescimento econômico rápido, capaz de empurrar para frente problemas estruturais (como a péssima distribuição de renda, riqueza e poder), tornando-nos um capitalismo incapaz de aceitar reformas civilizadoras, como as realizadas em países com melhor distribuição de renda. Nos últimos 20 anos, intensificou-se, por outro lado, a tendência de fragmentação do dinamismo territorial brasileiro, acompanhado tanto pela descentralização das políticas públicas federais como pela maior responsabilidade na promoção do desenvolvimento local (ABRAMOVAY, 2006; CAIADO, 2002)

            Diante desse cenário, ganhou relevância políticas e ações em direção ao desenvolvimento regional, especializados, quando não excludentes – a partir de consórcios competitivos ou mesmo guerras fiscais a favor de empregos via favorecimento a multinacionais – reduzidos a interesses locais (CAIADO, 2002). Estas medidas, enfraqueceram a capacidade do governo central de articular e coordenar as políticas de desenvolvimento em âmbito nacional. Acrescenta-se ainda a este problemático cenário, a “[...] ascensão de novas formas de gestão da produção e organização do trabalho, que se aproveitam das externalidades locais, favorecendo as iniciativas de absorção dos investimentos e de promoção do desenvolvimento em atividades ecônomicas” (CAIADO. 2002: 56).

            Por conta disso e das escolhas feitas nos últimos 20 anos de gestão do governo federal, encontramo-nos em um momento propício a sucessivas crises sociais e econômicas. As diversas formas de manifestação da desigualdade e do desemprego exigem por parte dos governos municipais, estaduais e federal, políticas públicas que levem em conta as especificidades dos vários grupos sociais, das localidades brasileiras e da sua relação com a dinâmica da inclusão e do mercado de trabalho. Como as atuais políticas sociais e de emprego não seguem essa linha, sua revisão é urgente e inadiável, assim como o enfrentamento das causas da desigualdade e do desemprego estrutural do país. Os receituários adotados até o presente momento, falharam em sua consecução, não tanto por fragilizarem o tecido social brasileiro, mas por serem antes de mais nada, antitéticos e avessos as necessárias respostas para os problemas cruciais e históricos do país.

4. O desenvolvimento territorial como necessária solução

            No transcurso da última década, a noção de território assumiu e rapidamente perdeu a necessária importância nos discursos dos gestores públicos brasileiros e na implementação das políticas públicas. No que diz respeito a esta temática, o país vem perdendo a oportunidade de fortalecer reflexões e soluções programáticas/inovadoras.

            A necessidade de retorno ao tema se deve muito mais a sua perspectiva estratégica, que pode ser parcialmente explicada/justificada pela múltipla abordagem que o conceito de “território” assume na interpretação dos mais diferentes estudiosos.

            Méo (1998), por exemplo, identifica quatro dinâmicas particulares ao conceito de território: i) o poder político (tecido administrativo); ii) as dinâmicas socioeconômicas ligadas ao sistema produtivo (como os distritos industriais, clusters, qualidade de produtos, etc.); iii) os comportamentos e aspectos identitários e de pertencimento; iv) as dinâmicas naturalistas (determinismos ligados às interações natureza-sociedade). Gumuschian (2002) vai mais longe e define a noção de território a partir de quatro entradas principais. Primeira: a natureza simbólica e material do território segundo a qual o “território” tem dois componentes: as formas (organização), de um lado, e o sentido dessas formas, de outro. Assim, o território é uma realidade “bifacial”, sendo o produto de um sistema simbólico e informacional dos recursos materiais. Segunda: a natureza e formas de apropriação, o que implica considerar o território um espaço colonizado (por uma espécie vegetal, animal ou pelo ser humano) e devidamente utilizado (modalidades de apropriação). Terceira: as configurações espaciais que se expressam na repartição, continuidade e descontinuidade dos territórios. Quarta: os processos de autorreferência baseados na relação entre os caracteres “objetivos” (a materialidade), “subjetivos” (o percebido, a representação individual e/ou coletiva) e o “convencional” (identidade coletiva).

            Haesbaert (2004) sustenta que o território tem a ver com poder em qualquer acepção, tanto o poder no sentido de dominação (mais concreto) quanto no sentido de apropriação (mais simbólico). Utilizando conceituação de Robert Sack, Haesbaert (2004a) considera que a territorialidade está intimamente ligada aos modos como as pessoas utilizam a terra, experimentam a vida e dão significado a ela. Ele propõe noções que dão suporte ao pressuposto da multiterritorialidade, como as de “território-rede” e “território-zona”.

            Para o autor a multiterritorialidade está implicitamente correlacionada a experimentação de múltiplos territórios e/ou territorialidades ao mesmo tempo. Cada vez mais se perceberá uma relação múltipla sobre o território, manifestando-se atualmente de forma multiescalar e multidimensional que só podem ser apreendidos dentro da concepção da própria multiplicidade (HAESBAERT, 2004a).

            Nos demais campos de estudo (economia, ciência política e sociologia), o resultado das mudanças sobre o “território” iniciam a partir da década de 1980 (AZEVEDO, 1982; ALTIERI, 1987; ABRAMOVAY, 1992;). Se, até então, a problemática regional interessava, sobretudo a geógrafos voltados ao estudo e análise das consequências espaciais do desenvolvimento industrial, o período de intensa reestruturação institucional e organizacional, que começa no final da década de 1970, passa também a atrair os olhares de demais pesquisadores.

            Em primeiro lugar, destaca-se os trabalhos desenvolvidos por um grupo de cientistas sociais italianos empenhados em compreender e analisar o padrão de desenvolvimento original das regiões centrais e do nordeste da Itália, denominada “Terceira Itália” (BAGNASCO, 1996). Diferentemente do modelo da grande empresa hierarquicamente integrada, características do sistema de produção em massa predominante no norte da Itália, as regiões do nordeste apresentaram uma organização produtiva por aglomerações de pequenas e médias empresas que se especializaram em diferentes fases do processo produtivo.

            O caso da Terceira Itália se tornou paradigmático quando Piore e Sabel (1984) passaram a interpretar este sistema produtivo como uma alternativa à crise do sistema de produção em massa. Para os estudiosos norte-americanos, a experiência italiana representaria um caso particular de uma tendência mais geral na qual o modelo fordista estaria sendo, gradativamente, substituído por uma organização produtiva flexível e especializada, mais adaptada ao novo ambiente global, incerto e volátil.

            Um segundo eixo de renovação do desenvolvimento territorial / regional veio da escola californiana da geografia econômica. Essa corrente de pensamento teve como foco de análise as relações entre divisão do trabalho, custos de transações e aglomeração econômica (GRANOVETTER, 1985; SCOTT, 1988; DEGENNE et al, 1999; MIZRUCHI, 2009). Como ponto de partida, reconheceu-se que a desintegração vertical da produção, além de garantir economias de especialização e minimizar o excesso de capacidade produtiva, é capaz de reduzir possíveis “enclausuramentos” tecnológicos. Segundo essa corrente de pensamento, a proximidade geográfica que caracteriza as aglomerações de pequenas e médias empresas, representa um fator que minimiza os custos de transação. A conclusão geral é que, numa economia globalizada cada vez mais relacionada com economias de escopo que privilegiam a flexibilidade, os sistemas espaciais fordistas tendem a desaparecer para dar lugar a aglomerações de empresas em busca de custo de transações mínimos (características típicas do modelo toyotista em ascensão desde os fins da década de 1970).

            Por fim, o terceiro eixo de renovação está associado às abordagens que relacionam inovações tecnológicas e aspectos regionais. Segundo essa corrente interpretativa, uma das forças das novas aglomerações produtivas – de característica desintegrativa – é a de se beneficiar dos conhecimentos e informações distribuídos entre os diferentes atores sociais envolvidos na produção de bens e serviços Autores vinculados a essa abordagem reconhecem que proximidades organizacionais tendem a eliminar os problemas de coordenação relacionados a distâncias geográficas e culturais (RALLET et al, 2000; AMIN et al, 2003; MALMBERG et al, 1997; STORPER, 1997).

            Desta forma, a temática do “território” propociona, dessa maneira, argumentos para justificar a necessidade de uma mudança referencial a favor de novas atuações por parte dos atores políticos, e respectivamente do Estado. Em particular, essas reflexões, proporcionam elementos para legitimar novas ações que sejam capazes de aglutinar as energias sociais locais. Assim, o espaço-lugar de desenvolvimento, se abre a ideia do espaço-território carregado de vida, de cultura e de potencial (LACOUR, 1985).

            A compreensão adotada em direção ao desenvolvimento, parte da ideia de que o território incorpora-se ora como um recurso material e ora como um recurso imaterial. O território não é, portanto, só uma realidade geográfica ou física, mas uma realidade humana, social, cultural e histórica. Isso significa que as mesmas condições técnicas e financeiras não gerarão os mesmos efeitos econômicos em termos de desenvolvimento em dois territórios diferentes. O território, como afirma Pecqueur (1996), é o resultado de uma construção social. O que cria o território é o sistema de atores locais.

            O desenvolvimento territorial aqui defendido, é antes de mais nada, um inventário de recursos locais[2] – um inventário realizado com imaginação[3], capaz de transformar aspectos negativos em novos projetos de desenvolvimento. Ou ainda, que valores simbólicos passem a desempenhar um papel de recursos socioeconômicos. Nesse sentido, não se instala uma dinâmica de desenvolvimento territorial sem a criação ou o reforço de redes e de formas de cooperação. As estruturas de intercâmbio entre pesquisadores, associações civis, empresas privadas e órgãos públicos são fundamentais para estimular a reflexão de novos projetos. O desenvolvimento territorial necessário – de acordo com a presente reflexão – pressupõe, a negociação entre atores cujos interesses não são idênticos, mas que podem encontrar áreas de convergência em novos projetos, de tal forma que todos aproveitem a “atmosfera” propícia à geração de iniciativas inusitadas.

            O desenvolvimento territorial, portanto, visa corporificar-se em um processo tributário da descentralização político-administrativa do Estado, cujo sucesso é uma variável dependente da qualidade das iniciativas locais (PUTNAM, 1996).

            Esses princípios gerais, recobrem estratégias diferenciadas de desenvolvimento econômico devido à existência de uma diversidade de configurações produtivas, sendo as mais conhecidas os casos dos distritos industriais, os arranjos produtivos locais, ou, ainda, os conglomerados (clusters) de empresas. Em todos os casos, os territórios resultam do agrupamento de empresas (ou unidades de produção) – o qual dá lugar a uma especialização da oferta e ao desenvolvimento de um saber-fazer específico. 

No caso dos territórios, no sentido de Pecqueur, a estratégia é baseada no desenvolvimento de ativos não transferíveis. Já no caso dos aglomerados de empresas, amplamente descritos por Porter (1985), não se trata tanto de evasão da concorrência, como no caso anterior, mas, ao contrário, trata-se de afrontá-la nas melhores condições possíveis. Porter (idem) considera que o desenvolvimento territorial é dependente da capacidade concorrencial do território, a qual está associada à qualidade dos fatores de produção (vantagens comparativas naturais), à concentração de empresas, à importância da rivalidade entre empresas criada pela proximidade e pela existência de indústrias conexas (à montante e à jusante da produção) nas áreas de abastecimentos e serviços. Sendo assim, a densidade econômica e institucional, além de valorizar os ativos específicos, permite minimizar os custos de transação, gerar economias de escopo e criar um processo cumulativo de desenvolvimento (KRUGMAN et al, 1995; HIRSCHMAN, 1986).

5. Considerações finais

            Em relação ao campo das políticas públicas, o desenvolvimento – temática central deste paper – adere-se a concepção na qual procura conceber, realçar, medir, avaliar e expressar o alcance e a satisfação dos direitos básicos do ser humano, compreendendo o conceito para além da noção de crescimento econômico. Na acepção aqui defendida, exalta-se o direito de expressão e participação como ações favoráveis a segurança e condições de uma vida saudável. Trata-se portanto, de compreender o desenvolvimento – de matriz territorial – como um critério que permite mensurar e avaliar o bem-estar de uma nação ou população em várias dimensões de sua existência e não apenas restrita a análise do plano da riqueza material.

            A concepção a favor do crescimento territorial aqui exposta adere-se a reflexão de que “[...] vivemos em um mundo de opulência sem precedentes, mas também de privação e opressão extraordinárias. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de cidadão” (SEN, 2000: 36).

            O desenvolvimento é desta forma interpretado como ação fundamental para a criação de um ambiente em que as pessoas possam desenvolver seu pleno potencial e usufruir de vidas produtivas e criativas de acordo com seus interesses e necessidades. O pressuposto é que as pessoas são a real riqueza das nações (UNGER, 1999). Dessa forma, o desenvolvimento leva à expansão das escolhas que as pessoas podem fazer para viver de acordo com seus valores. O crescimento econômico seria apenas o meio de aumentar as possibilidades de escolhas. A inclusão social é o requisito fundamental para a sociedade brasileira, especialmente a de oportunizar a cada um, viver uma vida saudável e longa, ter acesso ao conhecimento, ter condições e recursos para um padrão de vida digno.

            A intenção de refletir sobre novas soluções a favor do crescimento econômico e social pela perspectiva local visa retomar o debate sobre a necessidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento. A exposição desta questão é propositalmente repetida, levando em consideração a urgência da realização desta ação por parte do Estado brasileiro, na intenção de propiciar um conjunto de leis, de políticas públicas, de objetivos compartilhados, de acordos políticos e de coalizões de classes para oportunizar o desenvolvimento tecnológico e a realização de investimentos, na qual o Estado deve se colocar como o principal indutor das necessárias mudanças para o país.

            A proposta de desenvolvimento territorial adere-se ideologicamenre a um novo campo de reflexões que aspiram um novo desenvolvimentismo brasileiro, que busca neutralizar uma tendência contracionista desde os anos de 1990 e visa alterar a matriz do pensamento progressista em cinco pontos fundamentais, que são:1) crescimento de poupança interna; 2) desenvolvimento econômico descentralizado com equidade e proteção ambiental; 3) responsabilidade fiscal; 4) responsabilidade cambial e; 5) papel estratégico para União, Estados e Municípios (BRESSER-PEREIRA, 2006).

            O pressuposto fundamental é o do retorno do fortalecimento do pacto federativo, no qual União, Estados e Municípios adquiram papéis estratégicos divergindo da ortodoxia convencional que pressupõe mercados autorregulados e busca reduzir o papel do Estado, diferenciando-se ao mesmo tempo do velho desenvolvimentismo, porque, dado o estágio mais avançado em que se encontram os países, investir pesadamente na infraestrutura e na indústria não é apenas mais função estatal. Desta forma, o desenvolvimento territorial preconizado considera o desempenho das gestões públicas como geradores de oportunidades de investimento, aumentando a eficiência de seus gastos e obtendo recursos – a partir de inovações institucionais, tais como parcerias público-privadas – sem aumentar carga tributária, acreditando no pressuposto econômico do aquecimento da demanda interna como antítese da atual crise fiscal brasileira.

            É ressaltando o aspecto estratégico do ente público e compartilhando responsabilidades entre a sociedade civil e a iniciativa privada que se vincula a presente reflexão sobre a temática a favor de um “novo” desenvolvimento. A intenção é a busca de caminhos para os atuais desafios do país, acreditando que a investigação e a pesquisa acadêmica se abrem inevitavelmente para uma diversidade de leituras, interpretações e experiências do conceito preliminarmente apresentado. É na exaltação da diversidade e na comunhão de forças que emergem conhecimentos para as necessárias ações que subsidiarão a intervenção dos atores públicos na formulação de propostas e iniciativas em prol do necessário desenvolvimento territorial brasileiro.

 

[1] Tendo em vista a consideração de muitos especialistas sobre os momentos históricos de revolução industrial no mundo, será aqui considerado a abordagem de Scwab (2016), na qual a primeira revolução industrial, ocorre aproximadamente entre os anos de 1760 e 1840, tendo por presssupostos vitais, a construção de ferrovias, a invenção da máquina a vapor e o início da produção mecânica mundial. Já a segunda revolução industrial, considera-se que foi iniciada no final do século XIX, entrou no século XX e têm por pressupostos: o advento da eletricidade; da linha de montagem e da produção em massa. Já a terceira revolução industrial, inicia-se na década de 1960, costuma ser denominada de revolução digital ou do computador, impulsionada pelo desenvolvimento de semicondutores, da computação em mainframe (década de 1960), do computador pessoal (década de 1970) e da internet (década de 1990).

[2] Para exemplos de projetos de desenvolvimento territorial centrados na valorização de recursos territoriais específicos ver: CARRIÈRE et al, 2006.

[3] O conceito de imaginação utilizada neste reflexão guarda proximidade com as teses e reflexões de Unger (1999), em seu livro “Democracia realizada: a alternativa progressista”, na qual o autor expõe a necessidade de novas respostas em direção a uma necessária democracia mobilizadora.

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