Discriminação salarial no Estado do Rio de Janeiro: Uma análise de nativos e migrantes por raça e sexo em 2015


Carolina Freitas
Doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná; Professora da Faculdade Cidade Verde e da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Cristiano Stamm
Doutor em Planejamento Urbano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

Fernanda Cristina Ferro Malacoski
Doutoranda em Administração pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Gessica de Brito Bueno
Graduada em Artes Visuais pela UniCesumar, Graduanda em História na Universidade Estadual de Maringá-UEM

Referências

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  1. Introdução

Marcado pelo passado e na contemporaneidade, o contexto de migração formou a história de muitas nações. No Brasil, destaca-se a migração entre as macrorregiões e, em particular, a redistribuição populacional na região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo). Foco deste estudo, o terceiro estado mais populoso do Brasil, 1º São Paulo e 2º Minas Gerais, o Estado do Rio de Janeiro apresenta uma diversidade cultural devido ao seu histórico migratório. (SEYFERTH, 2011). 

A industrialização brasileira na década de 1930, conforme Baeninger (2015), levou à alta concentração de capital humano nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. O êxodo da população rural para o urbano foi marcante até o final da década de 1970, quando políticas de desenvolvimento regionais em outras regiões brasileiras surtiram algum efeito.

Nos anos de 1980 a 1990, no Estado do Rio de Janeiro teve forte demanda de mão-de-obra devido ao crescimento de atividades econômicas, como as atividades de extração de petróleo e gás, da indústria metalomecânica e automobilística, da indústria naval, dos terminais de minérios e nas usinas. Em corroboração, a função da implantação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), as regiões das baixadas litorâneas apresentaram maiores taxas de crescimento populacional, em especial, devido a migração. (MEDEIROS JUNIOR, 2013).

No século XXI, o cenário migratório brasileiro ampliou-se e, ao se tornar mais complexo, levou a uma nova tendência de rotatividade caracterizada por uma fluidez da mão de obra na divisão social do trabalho. A rotatividade migratória resultou numa redução de migrações para a região Sudeste, que historicamente está marcada por seu cenário de mão-de-obra não nativa. Mesmo assim, os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo continuaram tendo significativa migração nacional. (BAENINGER, 2015).

No Estado do Rio de Janeiro, esses fluxos migratórios provocaram impactos na desigualdade social e, consequentemente, salarial no mercado de trabalho. Esse desenvolvimento torna relevante a compreensão e suas consequências para a demanda de mão-de-obra local e a discriminação do capital humano migrante. (MEDEIROS JUNIOR, 2013). Estudos sobre discriminação salarial, como o de Malacoski et al. (2019), reforçam essa importância e demostram a divergência que ocorre quando indivíduos com qualificação similar para o mesmo cargo recebem salários distintos. Fatos que podem estar ocorrendo, também, entre migrantes e não migrantes.

Conforme há registros, essa discriminação salarial ocorreu em décadas anteriores como mostra Piore (1979) num histórico de migração no mercado de trabalho. É esta perspectiva a respeito da diferenciação salarial, em comparação ao nativo, e da consequente insatisfação da população migrante nos seus postos de trabalho que orienta o presente trabalho. Perguntamo-nos se existe discriminação salarial entre migrantes e nativos entre raça e sexo apresentados no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2015. Neste sentido, seu objetivo é identificar uma (possível) discriminação salarial por sexo e raça entre os nativos e migrantes que poderiam apontar, a partir do desenvolvimento do mercado de trabalho, formas de subsídio de políticas públicas sociais e econômicas. 

A metodologia adotada é uma abordagem econométrica de decomposições salariais (Oaxaca-Blinder) através da base de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD) de 2015. Justifica-se a opção pelo ano de 2015 para este estudo, pois foi o último ano de coleta de dados referentes à migração. Foram trabalhadas as seguintes variáveis: nascido na UF, sexo, raça, vínculo de trabalho, rendimento mensal, horas trabalhadas por semana, idade, idade que começou a trabalhar e anos de estudo.

Assim, além dessa introdução, o presente trabalho está estruturado em mais quatro seções. A partir de uma pesquisa bibliográfica sobre a temática deste trabalho, na seguinte seção, será traçado um quadro teórico/empírico das migrações. Após a descrição da metodologia no item três, serão discutidos os resultados do estudo. Por fim, na quinta seção o trabalho finaliza com algumas reflexões nas considerações finais.

2. Migração e discriminação salarial

Parte do desenvolvimento brasileiro se deve ao histórico migratório, em especial, pela expectativa do migrante em encontrar ocupações melhores que lhe permitissem encontrar oportunidades de bem-estar e empregos. Ou seja, a busca por novas oportunidades de emprego e melhorias de renda e bem-estar social são motivações que estimulam o êxodo populacional para outras regiões. (HERÉDIA, 2010; GAMA; MACHADO, 2014). Em busca de melhores condições de vida e de trabalho, a migração surge como uma maneira de contornar os problemas enfrentados no local de origem. Santin (2008) ressalta que as diferenças socioeconômicas entre países ou regiões são elementos importantes para a decisão migratória, movimentando a mudança domiciliar para outras cidades, regiões ou países.

Conforme Oliveira e Jannuzzi (2004), há poucas pesquisas qualitativas brasileiras que procuram entender os motivos pessoais para migrar. Esse fato pode ser atribuído à regularidade demográfica e a motivação predominante para seguir em direção a lugares onde os fatores de produção estão extensamente presentes. Pela abordagem neoclássica, migrações estão, na maioria das vezes, dirigidas ao trabalho e protagonizadas pelos jovens em faixa etária produtiva. Considera-se o migrante como indivíduo em busca de trabalho - ou melhores condições salariais ou pela abordagem histórico-estruturalista - na qual a migração seria resposta do desenvolvimento econômico do país.

Os movimentos migratórios brasileiros são responsáveis pela criação de espaços considerados de absorção, permitindo que haja um crescimento de regiões que auferem a migração. Tais movimentos são denominados intra-regionais que acontecem entre Estados de uma mesma macrorregião brasileira. Divergente, movimentos inter-regionais acontecem entre macrorregiões diferentes. (BAENINGER, 2015).

Neste ponto, o transcurso migratório brasileiro é atribuído a industrialização e desenvolvimento das fronteiras agrícolas. No caso do Sudeste, o qual se encontra o Estado do Rio de Janeiro, até a década de 1980 a crescente urbanização é motivada pelos movimentos migratórios para esta macrorregião. Em contrapartida, na mesma década, o Nordeste apresentou saldo negativo populacional, devido ao êxodo para outras macrorregiões. (BAENINGER, 2015). 

Ao analisar as transformações dos movimentos migratórios nas décadas de 1980 e 1990, Baeninger (2015) compreendeu como característica desses fluxos a redução da distância dos movimentos, em especial com relação ao êxodo rural. No entanto, “mantiveram-se, como área de absorção de fluxos de longa distância, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal, que canalizaram os fluxos do Nordeste” (BAENINGER, 2015, p. 26).

Silva, Nunes e Queiroz (2018) estudaram a dinâmica migratória de retorno inter-regional e intra-regional no Brasil, durante os períodos de 1986 a 1991, 1995 a 2000 e 2005 a 2010. Como resultado identificaram também uma diminuição da distância percorrida pelo migrante, além de uma diminuição nos fluxos de migração do país. A mudança nesse padrão de migração reflete o cenário econômico, especialmente do mercado de trabalho, que passou a oferecer oportunidades de emprego em suas cidades natal. Isso acontece também no padrão de migração da região Nordeste que, tradicionalmente, foi marcado pela perda populacional, implicando que em alguns períodos acontecesse retorno de seus migrantes. 

Esse retorno é marcado por pessoas que haviam migrado especialmente para o Sudeste. Assim, o Sudeste, foi considerado como 

a segunda receptora de indivíduos retornados, bem como a primeira emissora de emigrantes para as demais regiões. Tal dinâmica está associada a descentralização de investimentos [...], juntamente com o progresso econômico das regiões estagnadas (SILVA, NUNES E QUEIROZ, 2018, p. 207).

Justifica-se o destaque para a discussão sobre a migração como resultante do processo de investimento e busca por oportunidades de emprego, porque, ainda que a motivação para a migração se fundamenta nas expectativas de melhores possibilidades de vida, as dificuldades podem permanecer na vida desses migrantes, por meio de uma forma de discriminação associado ao fato de ser um migrante. Isso porque, o migrante expõe diferenças psicológicas, sociais, culturais e econômicas em relação à população nativa (SANTIN, 2008).

Além das diferenças apresentadas, o migrante pode enfrentar diversidade no mercado de trabalho na qual, os atributos reconhecidos no local de origem não são valorizados no local de destino. 

“A existência de grandes distinções na estrutura ocupacional entre as regiões pode fazer com que homens e mulheres migrantes tenham acesso diferenciado ao mercado de trabalho local, quando comparados à população não-migrante” (BATISTA; CACCIAMALI, 2009, p. 98).

A discriminação do migrante pode afetar a forma de inserção em atividades econômicas e frustrar a possibilidade de encontrar melhores oportunidades de vida na localidade de destino. De acordo com Malacoski et al. (2019). no estado de São Paulo a discriminação salarial em relação ao nativo o migrante enfrenta mais intensamente no setor industrial, seguido da agricultura. Ainda que os migrantes apresentem as mesmas qualificações que os nativos, eles podem receber remuneração inferior devido ao simples fato de ser migrante.

Essa desigualdade salarial apresenta dois elementos importantes: indivíduos com diferentes atributos produtivos e indivíduos com a mesma qualificação, mas remuneração diferenciada devido à atributos não produtivos (como raça, sexo, idade). O mercado de trabalho segmentado pode resultar em postos de trabalho vistos por um arcabouço de atributos de maneiras desiguais (BATISTA; CACCIAMALI, 2009).

Malacoski et al. (2019) identificam em parte da mão-de-obra migrante em São Paulo evidências da existente discriminação salarial que se manifesta quando o homem nativo recebe um salário superior comparado ao não nativo, ainda que os anos de estudos de ambos estivessem correspondentes um ao outro. 

A discriminação salarial influencia até mesmo a carga horária da jornada de trabalho, pois, de acordo com Malacoski et al. (2019), os homens não nativos apresentam uma maior carga horária semanal quando comparado aos nativos. Apesar disso, são os nativos que recebem uma maior remuneração. Já as mulheres não nativas apresentam uma menor carga horária semanal e, também, a menor remuneração média mensal.

Também existem, conforme Vilela e Monsma (2015), diferença no tipo de emprego ocupado pelo migrante, em especial o braçal, em relação ao nativo. Essa, implica em uma realidade na qual, muitos empregos que possuem remuneração inferior e maior esforço continuem a existir devido a mão-de-obra migrante, ao invés de buscar soluções através de alternativas de produção em outras localidades com custos trabalhistas menores.

No entanto, Oliveira e Jannuzzi (2004) chegam a resultados que questionam a prioridade da busca por emprego como motivação para a migração. De acordo com os autores, mesmo se os homens, usualmente, migram em busca de melhores oportunidades de emprego, as mulheres, em sua maioria, justificativa a família como razão da mudança de região.

            Bento (2009) explica que a decisão do êxodo para outras regiões requer uma rede de relações sociais. Para o autor, a trajetória profissional de muitos homens que, na década de 1970, partiram para o Rio de Janeiro, se apresenta como de luta pela sobrevivência como uma classe operária não nativa. Problemas de integração social por falta de atividades profissionais, levaram a argumentos acerca do abismo entre os salários, induzindo uma mudança nas atividades exercidas, em especial para a dedicação ao comércio. Com relação as mulheres, essas foram levadas a trabalhar como empregada doméstica ou em fábricas de tecelagens, no comércio e em trabalhos que renderam aposentadoria por conta própria.

Os trabalhos foram assumidos estritamente em prol da necessidade de sobrevivência e, assim, juntar forças econômicas “frente aos baixos salários impostos pelas dificuldades em estabelecer um contrato de trabalho formal, devido à carência de uma profissão definida” (BENTO, 2009, p. 123). Assim como constatado mais recentemente por Oliveira e Jannuzzi (2004), uma porcentagem significativa da mão-de-obra jovem imigrante, conforme m Hoffmann (1980), encontra alternativas de sobrevivência como empregos autônomos – principalmente no comércio. A prostituição também é um meio ao qual muitas mulheres acabam exercendo devido à falta de amparo por parte dos familiares ou de uma rede de proteção social.

            Toda esta imigração, de acordo com Vilela e Monsma (2015), pode beneficiar a elite, a classe média e a economia em geral, de modo a estimular o comércio e o mercado imobiliário. Caso contrário, essas movimentações seriam deslocadas para outros polos regionais. Ainda segundo os autores, muitos imigrantes, ao saírem de seu país e/ou regiões de origem, tiveram em grande proporção como motivação, ambição, persistência e disposição ao trabalho árduo questões de sobrevivência, a aprender novos costumes, políticas e burocracia. 

            Em síntese, até a década de 1970 as migrações mostravam a respeito do êxodo rural uma relação entre modernização agrícola/estrutura fundiária e uma crescente industrialização, que resultou em marginalidade. Modernização e industrialização são bases da extraordinária urbanização ocorrida pós década de 1960 e podem ser compreendidos como a base do problema. E a emigração rural foi entendida por muitos economistas e demógrafos da época como um fator aliviador de um grande número de força de trabalho nas áreas rurais, encarado como elemento conciliante das desigualdades demográficas entre os espaços geográficos e, certamente, vertentes teóricas enraizadas na economia neoclássica (BARCELLOS, 1995). 

Um aporte da sociologia para a compreensão dos fenômenos migratórios pode ser encontrado nas publicações dos sociólogos Paul Singer e José de Souza Martins. Dentro de uma perspectiva macroestrutural, Singer (1976) relacionou as migrações ao desenvolvimento do capitalismo. Por sua vez, Martins (1986) analisou as migrações temporárias e manifestações concretas dos problemas desse fenômeno, entendendo-as como formas de valorização do capital e mudanças nas relações de produção. Para Barcellos (1995), ambos apontamentos buscam tratar as migrações dentro de conceitos ligados a tradição do materialismo histórico.

Singer (1976), em relação de migrantes com a industrialização, descreveu como a ocupação da mão de obra industrial estimula um alto índice demográfico. Para o autor a industrialização acarreta uma polarização em grande quantidade demográfica próxima a sua região, como também aumenta o consumo de bens e serviços e de novos serviços de especialização. O deslocamento do campo para a cidade ocorre de forma desiquilibrada com o resultado que muitas regiões passam a apresentar déficit populacional (BARCELLOS, 1995).

Já em relação às características desses migrantes, Loureiro (2018) observou que, na comparação, o número de conjugues é maior que o número de solteiro e constatou também que o número dos imigrantes brancos superava aproximadamente 1% o dos negros. Conforme o autor, o número dos grupos com ensino superior superara o dos grupos que possuíam apenas ensino médio e fundamental. De modo geral, levantou a hipótese de que a região de naturalidade dos imigrantes brasileiros é fundamental na determinação de renda na região de destino.

            Para Cain (1984) existem duas grandes definições para a discriminação econômica, sendo a primeira delas a desigualdade no bem-estar econômico com base na cor, sexo e laços étnicos. A segunda diz respeito a diferença na remuneração ou os salários para grupos que são igualmente produtivos, ou seja, trabalhadores que produzem a mesma quantidade, porém recebem salários divergentes.

Em suma, de acordo com Spence (1974), antes mesmo de admitir o imigrante, o contratante não tem certeza da capacidade do contratado. Assim o salário que lhe é oferecido será resultado das percepções do empresário tanto a respeito da afinidade com um determinado grupo minoritário, como em relação aos atributos observáveis do indivíduo e os dados pessoais que revelam sua origem.

3. Método de decomposição salarial de Oaxaca/Binder

Sendo a metodologia tradicional, o método de decomposição salarial de Oaxaca (1973) e Blinder (1973) foi utilizado neste trabalho para o estudo da discriminação salarial dos indivíduos e adaptado aos mais diversos tipos de estudos de discriminação. Como base de dados serviram os microdados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) do ano de 2015. O próprio período da investigação foi referente a este ano, pois, como mencionado, foi o último ano no qual os dados de migração foram disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As variáveis extraídas da base de microdados foram: Unidade da Federação (UF), sexo, raça, nascido na UF, vínculo de trabalho, rendimento mensal, horas trabalhadas por semana, idade, idade que começou a trabalhar e anos de estudo. Para análise foram considerados os trabalhadores que possuem remuneração – empregados, empregadores e autônomos[1].

            Mincer (1974) analisou a importancia da formação de capital humano, considerando a educação como um fator importante para o ciclo de vida do indivíduo, em protagonização o auto investimento. O autor, expôs a importância de analisar o nível da educação para a renda e seu tempo de experiência no mercado de trabalho. 

            O modelo de base proposto por Oaxaca e Blinder é composto por duas equações:

 

 

 

(3.1)

 

(3.2)

 

Em que, entende-se e  como o logaritmo natural do salário. As características apresentadas pelos trabalhadores, são e . Nas equações 3.1 e 3.2, H é representado pela população masculina e L a população feminina. Na qual, o homem é o conjunto favorável e a mulher como não favorável.

Para compor a resolução do modelo econométrico, utiliza-se o método Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), como apresentado na equação abaixo:

 

 

 

(3.3)

 

Em que:  retrata a parcela não explicada do diferencial. A fração do diferencial dos salários atribuídos em coeficientes são representadas por , esse, indica se há ou não diferenças entre os grupos do estudo que apresentam características similares ou efeito discriminação. O diferencial atribuído as diferenças de capacitações são justificadas por , ou também chamado de efeito dotação. (BLINDER, 1973; OAXACA, 1973).

 

 

 

(3.4)

 

O modelo do presente artigo tem como proposta a separação entre a discriminação do mercado de trabalho e as características pessoais ou incorporadas do mercado de trabalho. Segundo Malacoski et al. (2019) a análise da discriminação salarial vai ocorrer quando há diferenças na remuneração entre indivíduos com a mesma capacidade e características em ocupações exatamente iguais.

4. Distribuição da discriminação salarial por gênero e raça no Estado do Rio de Janeiro

            O saldo migratório no Estado do Rio de Janeiro em 2010, resultado da pesquisa do Censo Demográfico (2010), apresentou um fluxo positivo em regiões em que se encontram as cidades do Rio de Janeiro e do Rio das Ostras como se observa na Figura 1:

Figura 1 – Saldo migratório no Estado do Rio de Janeiro no período de 2010

 

Fonte: Atlas do Censo Demográfico: Fluxo da População no Território - IBGE (2010, p. 65).

A cidade de Rio das Ostras acaba por chamar a atenção por ser uma cidade de menor destaque, mas que recebeu um grande fluxo populacional proporcionalmente ao número de habitantes, uma das explicações plausíveis para tal feito é que está cidade litorânea apresenta um comportando de uma cidade-dormitório, com baixo custo de moradia.

A Figura 2 na página seguinte demonstra todas as regiões brasileiras que possuem ligação com o fluxo migratório no Estado do Rio de Janeiro. Observa-se que a região com maior fluxo de migrantes está ligada à região do Nordeste. Devido a desigualdade social e desemprego, o Nordeste apresenta um histórico de êxodo populacional (OLIVEIRA; JANNUZZI, 2005).

Na Tabela 1 observa se o perfil da população nativa e não nativa. A mulher migrante, ou seja, não nativa, possui em média 17 anos e 6 meses, a mulher nativa 17 anos em média, o homem migrante em média 16 anos e 3 meses e o homem nativo em média 15 anos e 7 meses de experiência. 

Tabela 1 - Comparação do perfil da população nativa e migrante de acordo com o sexo em 2015

Variáveis

Migrante

Nativo

Homem

Mulher

Homem

Mulher

Experiência (média)

16,34

17,62

15,77

17,07

Anos de estudo (média)

10,61

11,44

10,29

11,02

Salário mensal (média)

R$2.386,38

R$1.829,26

R$2.485,83

R$1.662,55

Horas de trabalho semanal (média)

3,20

2,86

3,18

2,88

Fonte: Elaborado pelos autores. PNAD (2015).

Figura 2 – Procedência dos migrantes no Estado do Rio de Janeiro no período de 2010

 

Fonte: Atlas do Censo Demográfico: Fluxo da População no Território - IBGE (2010, p. 60).

            A média de anos de estudo apresenta a mesma tendência, mulher migrante (11,44) como a maior escolaridade média e o homem nativo com a menor escolaridade média (10,29).

Apesar de possuir o menor tempo médio de experiência e o menor período de escolaridade, o homem nativo recebe, em média, o maior salário mensal. Seguido do homem migrante, da mulher migrante e o menor salário médio é apresentado pela mulher nativa. Os dados também apresentam indivíduos com idades produtivas e experiência no mercado de trabalho. Isto, segundo Oliveira e Jannuzzi (2004) indica que a migração está direcionada em especial à jovens pela busca de oportunidades de empregos. 

            Além do estudo que compõe a discriminação entre gêneros, a Tabela 2 compõe a população migrante e não migrante entre raça para o Estado do Rio de Janeiro. É possível observar uma pequena diferença que indica a maior participação de migrantes brancos, além da população branca possuir um melhor nível de escolaridade e renda. Ressalta-se que, os indivíduos que tomam por decisão a migração não tiveram acesso ao ensino superior e buscam uma colocação digna no mercado de trabalho, a fim de melhorar seu bem-estar social.

Tabela 2 - Comparação do perfil da população nativa e migrante de acordo com a cor em 2015

Variáveis

Migrante

Nativo

Branco

Não Branco

Branco

Não Branco

Experiência (média)

17,5

16,42

16,90

15,84

Anos de estudo (média)

11,98

10,16

11,76

9,68

Salário mensal (média)

R$2.912,82

R$1.509,24

R$2.833,16

R$1.616,86

Horas de trabalho semanal (média)

3,06

3,04

3,03

3,07

Fonte: Elaborado pelos autores. PNAD (2015).

            Pelos resultados coletados da amostra, ao comparar os indivíduos nativos e não nativos, foi possível observar as diferenças expostas à remuneração – tanto por gênero quanto por raça. Essa discrepância ficou evidente e em conjectura se deve a discriminação salarial, em especial, aos salários ofertados aos homens, mesmo que mulheres apresentem a mesma quantidade de anos de estudo.

            Para analisar a discriminação salarial foi utilizado o estudo econométrico proposto por Oaxaca-Blinder, em que podemos evidenciar que a discriminação de salários acontece no mercado de trabalho, seja entre raça ou gênero ao não nativos e nativos. Isto posto, a Tabela 3 apresenta os resultados da decomposição entre gêneros.

Observa-se que a diferença entre o homem migrante e nativo foi de 0,0192 e que 0,0231 dessa diferença não é explicada, o que pode ser tratado como uma discriminação de salário aos indivíduos que possuem características semelhantes. Em contraproposta, o diferencial entre a mulher não nativa e nativa é de 0,0567, sendo 0,0014 a diferença não explicada, que mesmo inferior quando comparada a diferença não explicada dos homens, é significativa ao cenário em estudo.

Batista e Cacciamali (2009) apontaram que as dessemelhança e dificuldades de acesso ao mercado de trabalho decorrem de características valorizadas na região migrada do que na região de origem, impactando muitas vezes ao acesso de mulheres e homens migrantes no mercado de trabalho.

Tabela 3– Decomposição Oaxaca-Blinder entre nativos e migrantes entre gêneros no Estado do Rio de Janeiro, 2015.

 

Coeficiente

Coeficiente

 

Homem

Mulher

Nativo

7,4101*

(3,706)

7,1260*

(2,103)

Migrante

7,3009*

(2,9300)

7,0693*

(1,951)

Diferença

0,0192**

(0,0098)

0,0567**

(0,0082)

Explicada

-0,0039**[2]

(0,0093)

0,0552**

(0,0062)

Não explicada

0,0231**

(0,01155)

0,0014*

(0,0028)

* Estatisticamente significante a 5%; ** Estatisticamente significante a 10%

Fonte: Elaborado pelos autores. PNAD (2015).

Ademais, a discriminação de salários segundo Malacoski et al. (2019) é intensificada nos setores industriais e de agricultura, em que muitos trabalhadores embora possuam mesma qualificação (anos de estudo), recebam rendas discrepantes, em justificativa a sua migração.

            O estudo se desdobra também aos migrantes e nativos brancos e não brancos no Estado do Rio de Janeiro. Diante na Tabela 4, foi possível observar os resultados obtidos através do modelo de decomposição Oaxaca-Blinder entre brancos e não brancos. 

Tabela 4–Decomposição Oaxaca-Blinder entre nativos e migrantes - Brancos e não brancos no Estado do Rio de Janeiro, 2015.

 

Coeficiente

Coeficiente

 

Branco

Não Branco

Nativo

7,48136*

(2,339)

7,10661*

(2,842)

Migrante

7,485581*

(3,212)

7,0933*

(3,004)

Diferença

0,01423**

(0,007)

0,01328*

(0,006)

Explicada

0,02122*

(0,008)

0,0088**

(0,003)

Não explicada

-0,00699[3]**

(0,002)

0,0044*

(0,001)

* Estatisticamente significante a 5%; ** Estatisticamente significante a 10%

Fonte: Elaborado pelos autores. PNAD (2015).

            Nesta tabela, se pode observar a diferença entre o indivíduo branco migrante e nativo – 0,0142, nesta diferença 0,0069 não pode ser explicada, sendo esta a apresentação da discriminação quando a mão-de-obra possui características similares. 

            Por fim, é plausível de compreensão que a análise do presente artigo demostra empiricamente tanto para homens e mulheres quanto para brancos e não brancos que a discriminação salarial está presente na contemporaneidade do Estado do Rio de Janeiro.

5. Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo identificar a discriminação salarial entre nativos e migrantes por sexo e raça no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2015. Para tanto, foi utilizado o modelo econométrico Oaxaca-Blinder, que é um dos mais utilizados na literatura para a análise dos diferenciais de rendimento entre grupos no mercado de trabalho.

            Sem significar uma surpresa, observou-se historicamente um saldo migratório positivo o estado do Rio de Janeiro por meio do deslocamento de pessoas de todas as mesorregiões do país. 

            Para o estudo em 2015, com as variáveis selecionadas, foi possível identificar que mulheres apresentam em média experiência de trabalho e anos de estudo maior que os homens tanto para a população migrante quanto para a não migrante. Porém, as mulheres possuem menor remuneração quando comparadas ao sexo masculino. 

            Com relação aos resultados empíricos obtidos para 2015, a discriminação de salários entre brancos e não brancos, a população não branca, independente de região de origem, apresenta maior renda. A exceção fica por conta dos nativos brancos que apresentaram uma média de horas trabalhadas semanalmente pouco maior que os demais. Não se caracteriza como discriminação uma a diferença salarial que é oriunda da diferença de qualificação da mão-de-obra. Fator que torna preocupante a situação por parte do migrante, que ao sair de sua região de origem deveria levar em consideração esta variável.

            Isso demostra que esse diferencial de salários pode ser pertinente à outras variáveis como, segundo Pereira e Oliveira (2016), estar relacionado a questões alocativas, por exemplo, ocorrendo uma segregação por gênero, por parte dos empregadores, no momento da contratação, o que pode refletir negativamente nos salários (médios) recebidos pelas mulheres. Além disso, as diferenças salariais dos migrantes causam um impacto negativo no mercado de trabalho.

            Na aplicação do método de decomposição salarial, foi observado também a limitação de que não é possível dissociar os efeitos ruins e benéficos das características não observadas dos trabalhadores, mas para que haja uma mudança na estrutura da sociedade esse migrante deve buscar sempre regiões que lhe forneça as melhores condições e acesso a educação, a moradia, a saúde e mobilidade urbana. Nesse sentido, abre-se novas frentes de estudos que possam observar tais diferenças, além da possibilidade de novos estudos que possam englobar a discriminação salarial da região do Rio de Janeiro e/ou outros estados.

 

[1] Todos a partir dos 14 anos de idade – A idade mínima que compõem as Leis de Trabalho, conforme o art. 403 da Consolidação das Leis do trabalho (BRASIL, 2000).

[2] O sinal negativo leva ao indício de perda de salário por parte de trabalhadores que referiu nativo caso tivessem as mesmas características dos trabalhadores que não nativos (RUSSO; DIAS, 2015).

[3] O sinal negativo leva ao indício de perda de salário por parte de trabalhadores que referiu nativo caso tivessem as mesmas características dos trabalhadores que não nativos (RUSSO; DIAS, 2015).

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