Planejamento territorial do COSIPLAN/IIRSA. Avanços, retrocessos e perspectivas


Francisco Jorge Vicente
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Controlador do Centro de Controle do Aeromóvel no Metrô Gaúcho.

Aldomar A. Rückert
Doutorado em Geografia Humana pela USP; Prof. no Departamento de Geografia do Instituto de Geociências e Professor permanente dos programas de pós-graduação em Geografia e em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS

Referências

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1. Introdução

O processo de planejamento, nas suas mais variadas concepções, é utilizado por diversos atores políticos, econômicos e sociais. O planejamento econômico, por exemplo, é realizado, tradicionalmente, sobre determinada porção de territórios nacionais e tendencialmente supranacionais, conforme os conceitos e procedimentos que expressam o conhecimento e a prática que se tem destes ambientes. Trata-se de procedimentos que podem assumir diversas formas, dimensões ou feições. Quanto à forma, pode ser territorial ou setorial, isto é, abranger a totalidade do território e todas as suas funções ou priorizar um determinado setor. Relativamente à sua multiescalaridade geográfica, pode ser local, urbano, metropolitano, regional, nacional, podendo mesmo abranger porções ou a totalidade de um continente, ou do planeta. O planejamento pode ainda assumir feição ou modo de corte participativo, sustentável, autocrático e cumprir funções de ocupação, regulação, desenvolvimento etc.

O planejamento territorial, por sua vez, busca um diagnóstico da totalidade do território, a partir de um objetivo definido, para intervir no terreno e alterar formas, fluxos, processos e estruturas, por um plano em benefício ou prejuízo de algum ator territorial. O planejamento territorial surgiu como resultado aos desafios que não tinham uma resposta adequada no marco do planejamento urbano ou da planificação setorial. Ele se vincula, de forma articulada, com outras modalidades de planejamento, como o urbano, a planificação setorial, a política regional e com o planejamento econômico, nas mais diversas escalas. Por abarcar o conjunto dos setores, transitar por diversas escalas e trabalhar com a totalidade dos territórios tende a considerar, os complexos objetivos e interesses dos atores, em especial, o Estado, o capital privado do mercado e as organizações da sociedade civil. 

Para Bobbio (2007), o Estado “representa a presença de um aparato administrativo com a função de prover à prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força,” enquanto a sociedade civil “é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver através da mediação ou da repressão”. Por outra parte, de acordo com Celso Furtado, o Estado deveria servir de mediador para favorecer o desenvolvimento econômico e social e conciliar os interesses opostos entre o capital e o trabalho. Entretanto, na atualidade presencia-se uma “crise do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o poder dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si” (BOBBIO, 2007). 

Na decorrência deste processo, a disputa pelo controle de territórios para exploração comercial ou outros fins, outrora fortemente controlados pelo Estado, passa a ser objeto de disputas, seja por meio de  processos de planejamento ou de simples intervenção. Diz Sanchez (1992, p. 72) que “a política territorial se configura pelo conjunto de abordagens estratégicas, a médio e longo prazo, assim como pelas correspondentes formulações de ações voltadas para a intervenção no território, de modo que assuma as formas adequadas ao conjunto de interesses que controlam o poder político”. 

Na América do Sul, alguns países praticam o planejamento econômico governamental desde meados do século passado. México, em 1930, Chile, em 1939, Colômbia, em 1945, Venezuela, em 1958 e Argentina, em 1961 criaram estruturas e mecanismos de planificação, os quais sofreram interrupções nos países em que foram impostos períodos de ditaduras militares, embora alguns permaneçam em funcionamento (LAVALLE, 2010). 

A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) tentou, através da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) estender esta experiência para toda a região, porém, encontrou enormes resistências. Em 2000, os presidentes dos países da América do Sul lançaram a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) como um processo de planejamento territorial que tinha como principal objetivo a integração física da região e a construção de corredores de exportação de mercadorias. Em 2011, a IIRSA foi incorporada pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), no âmbito do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan). Em 2018, com a alteração da correlação de forças na região, que levou governos neoliberais à maioria dos países da região, ocorreu o subsequente desmonte da Unasul, A partir daí, a IIRSA enfrentou uma forte crise e parou de coordenar as ações, embora algumas tenham seguido sua execução a cargo de governos nacionais. 

Entretanto, nos últimos anos observa-se uma retomada de posições de corte desenvolvimentista em governos nacionais da região, o que poderá levar à reassunção da hegemonia, no plano regional, da visão política progressista que criou a Unasul e fomentou o planejamento territorial na América do Sul. O objetivo central deste artigo, além de resgatar elementos históricos dos processos de planejamento, é o de alertar para a necessidade de maior acompanhamento acadêmico e intelectual neste processo com o fito de identificar padrões, mudanças e resultados econômicos e sociais em relação ao lento e fragmentado processo histórico de integração da América do Sul.

2. Planejamento centralizado, neoliberalismo e orçamento participativo

O primeiro país que aplicou o planejamento para a condução da sociedade foi a Rússia, em especial nos anos iniciais da Revolução Bolchevique (LIRA, 2006, p. 7). Durante seus anos iniciais, especialmente entre 1917 e 1930, não existiam experiências de planificação associadas às mudanças sociais. 

A experiência do planejamento na União Soviética e seus resultados históricos provocaram calorosos debates que até hoje se estendem e orientam políticas de diversos governos. Contrariando a ideia de que a Rússia teria sido a pioneira em matéria de planejamento, Friedrich Hayek, considerado o “pai do neoliberalismo”, alega que a intervenção do Estado na economia com o propósito de sufocar a concorrência e estimular o monopólio já ocorrera, em países capitalistas, em período anterior:

Na realidade, apareceram pela primeira vez no último quarto do século XIX, em países relativamente jovens do ponto de vista da industrialização: os Estados Unidos e a Alemanha. Em especial neste último país, que veio a ser considerado modelo da evolução lógica do capitalismo, o surgimento de cartéis e sindicatos tem sido deliberadamente promovido desde 1878 pela política governamental (…). Foi lá que, com a ajuda do Estado, a primeira grande experiência de “planejamento científico” e “organização consciente da indústria” fez surgir monopólios gigantes, apresentados como consequências inevitáveis cinquenta anos antes que a mesma política fosse adotada na Inglaterra (HAYEK, 2010, p. 67).

            A partir de 1945, Hayek passou a militar, de forma obstinada, contra a ideia de planejamento, concentrando suas críticas ao planejamento centralizado da economia. Embora não se colocasse de maneira frontal contra qualquer categoria de planejamento, Hayek ao se opor, de forma inflexível, contra o planejamento centralizado da economia, em especial, aquele experimentado na União Soviética, mutila metodologicamente o processo por entender que ele pode interferir nas forças livres do mercado.

Diz ainda Hayek (2010, p. 205) que a lição do passado recente, cuja importância vem sendo gradualmente reconhecida, mostra que muitas formas de planejamento econômico, aplicadas de modo independente em escala nacional, tenderão a ser prejudiciais em seu conjunto, mesmo de um ponto de vista puramente econômico, produzindo, além disso, sérios atritos internacionais. 

Calcado na lógica da plena liberdade individual, o neoliberalismo se embasa no conceito do individualismo. A defesa do individualismo ao extremo é tão danosa, por um lado, como a intervenção estatal absoluta, por outro. A primeira privilegia quem tem capital inicial, poder acumulado ou capacidade de influência. A segunda também. Ambas são faces da mesma moeda do totalitarismo. A primeira, do mercado e a segunda, do Estado. Em ambas as situações, quem sofre as consequências é a sociedade. A negação da organização, da solidariedade e da ação coletiva solapam as bases de qualquer processo democrático de planejamento. Resta, sem dúvida, o planejamento despótico, autocrático, construído em gabinetes por um ou por meia dúzia de burocratas, sejam de esquerda ou de direita. A ausência da participação dos atores envolvidos e que sofrerão as consequências do planejamento deixam as ações de transformação do território, no caso de planejamento territorial, ao sabor das forças de mercado ou do arbítrio estatal. 

Como método alternativo e diferenciado, cabe relembrar a experiência do Orçamento Participativo que teve início em Porto Alegre, nos governos do Partido dos Trabalhadores, em 1989, onde, ao invés da proeminência isolada do mercado ou do Estado na aplicação dos recursos orçamentários sobre o território, houve uma conjugação entre governo e sociedade civil, debatendo, definindo, planejando, executando, fiscalizando e avaliando a aplicação de parcela dos recursos públicos da cidade em ações definidas pela população em assembleias nos bairros e vilas. 

A visão político-ideológica de Hayek, prisioneiro de uma paixão obstinada contra qualquer limitação ou regulação do mercado, vistas como atentado à liberdade, não apenas econômica, mas também política, o impede de perceber que não apenas os socialistas defendem o planejamento, de matriz democrática. Com o fim da II Guerra Mundial, as políticas keynesianas, já utilizadas para enfrentar as consequências sociais e econômicas da Grande Depressão, iniciadas em 1929, se expandiram e, no curso da recuperação de direitos e dignidades do pós-guerra, conduziram à constituição do sistema de bem-estar social em diversos países da Europa, trazendo consigo uma valorização do planejamento. Estas ideias influenciaram diretamente os pioneiros do planejamento na América Latina.

A Política Econômica, que teve seu grande momento a partir da obra revolucionária de Keynes no campo da macroeconomia, implica no estudo das medidas de intervenção do governo na economia, visando o pleno emprego, o maior desenvolvimento econômico, a estabilidade monetária e a melhor distribuição da renda. Quando pensada em longo prazo, e acompanhada de um sistema administrativo para executá-la, a Política Econômica transforma-se em Planejamento Econômico (BRESSER-PEREIRA, 1976, p. 2).  

Foi neste contexto histórico de debate que contrapunha a planificação centralizada ao planejamento como o conhecimento que precede e preside as ações em contextos democráticos, que o debate sobre planejamento econômico se firmou na América Latina. Para se ter ideia da polêmica ideológica estabelecida à época, “se usava o termo programação como sinônimo de planificação ou planejamento, para evitar correlações com o exercício da planificação em países europeus do bloco socialista, pois podiam dar lugar a confusão na região” (MARTNER e MÁTTAR, 2012, p. 9).

3. O planejamento territorial do Cosiplan/IIRSA

Ceceña (2014) afirma que, na lógica de dominação de espectro completo sobre a América, são os capitais que impõem as regras, marcam dinâmicas corrompem governos e se apoderam do território. Esta autora considera a IIRSA, criada no ano de 2000, em Brasília, durante o I Encontro dos Presidentes de países da América do Sul, como o mais ambicioso projeto de infraestrutura de que a América tem memória, se induzindo através dele uma nova geografia que traça um novo mapa político interno, com novas fronteiras e novas normatividades. O projeto vinha sendo inserido numa estratégia hegemônica em conjunto com várias outras ações, tais como, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Plano Puebla-Panamá, o Plano Colômbia, dentre outros, que visam redesenhar as rotas, os mecanismos e as variantes da consolidação do Estados Unidos como o líder indispensável, a potência hegemônica indiscutível. 

Naquele período, os países da América do Sul eram governados por mandatários eleitos que haviam aderido à pauta neoliberal e submetido seus países aos ditames do Consenso de Washington, já claramente debilitado e com resultados nefastos previstos. O lançamento da IIRSA visava abrir canais para escoamento dos produtos da região e acordava com as premissas da globalização em franco avanço, em especial com o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), sepultada em 2005. O documento intitulado, “Comunicado de Brasília”, elaborado por técnicos do Banco Interamericano (BID), com aportes do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e do Fundo de Desenvolvimento Financeiro da Bacia do Prata (Fonplata), traçou as diretrizes iniciais do programa. Para os Estados Unidos, a IIRSA viabilizava territorialmente a visão neocolonial da ALCA e o conceito de domínio econômico do Consenso de Washington. 

No caso da América do Sul, a visão do regionalismo aberto implantado pela IIRSA, remeteu às expectativas do planejamento territorial para a atuação das forças do mercado relegando ao Estado um papel menor na economia, nos investimentos, no gerenciamento e na planificação das ações e privilegiou os corredores de exportação através dos EIDs (PADULA, 2010, p. 61 apud RODRIGUES, 2014, p. 536).

Porém, com a mudança da correlação de forças a partir da virada do século, a IIRSA foi incorporada pelo Cosiplan, a partir de 2011 e a sua condução político-estratégica passou a ter, em tese, maior presença dos atores nacionais enquanto o papel do Bid, Caf e Fonplata passou a ser de caráter mais técnico e de financiamento dos projetos. 

O conceito de EIDs da IIRSA foi ampliado pelo Cosiplan da Unasul, para privilegiar o desenvolvimento sustentável e a atuação na redução das assimetrias existentes na região. Assim, a concepção dos projetos do Cosiplan deveria considerar a contribuição para o desenvolvimento endógeno regional e para a melhoria das condições de vida das populações existentes nas áreas de influência dos empreendimentos (UNASUR/COSIPLAN, 2017, p. 67). 

A IIRSA coordenou a realização de várias ações de conexão da infraestrutura regional, deixando suas marcas no terreno. Relativamente à escala dos agentes de financiamentos dos projetos da IIRSA até 2017, 83% dos projetos da carteira global eram nacionais, 16% binacionais e 1% multinacionais. Assim, 60% dos investimentos eram públicos, 25% dependiam de iniciativas público-privadas e somente 15% provinham do setor privado. Relativamente à composição setorial, 90% dos projetos se referiam ao setor de transportes com um orçamento de 72%, enquanto os projetos de energia somavam 28% dos recursos. 

Em 2017, o Cosiplan procedeu uma avaliação da carteira de projetos, onde registrou um total de 562 projetos com um investimento previsto de 198,9 bilhões de dólares. Deste total, 409 projetos, somando 150,4 bilhões de dólares, encontravam-se em atividades e 153 projetos com um valor de 48,5 bilhões de dólares haviam sido concluídos. Os conclusos representavam 27% de projetos e 24% de recursos. 

Nesta reunião, a Carteira de Projetos Prioritários (API) foi revisada, conformando-se dois grupos de projetos, o primeiro com finalização prevista para 2022 e o segundo com data de conclusão predita para 2027. Os mapas 1 e 2 que mostram a localização e a denominação destes projetos, são os últimos com planificação territorial produzidos pelo Cosiplan/IIRSA. Os projetos que não se enquadrassem nestes critérios deixariam de ser prioritários. Como resultado da análise de atualização da API, 14 projetos (com 42 obras ou projetos individualizados) dos 31 priorizados em 2011, seriam concluídos antes de 2022, 12 em 2027 e cinco retornariam à carteira normal (Cosiplan, 2017). 

Porém, a recente demolição imposta contra a planificação na América do Sul, com a criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), em 2018, pelas visões neoliberais e conservadoras, a exemplo do que já havia ocorrido no período do Consenso de Washington e em décadas anteriores demonstram que existe um pensamento ideológico ordenador contrário ao planejamento estrutural na região. O lançamento do Prosul dividiu a Unasul e levou à paralisação das ações coordenadas da IIRSA, com claros prejuízos à integração das conexões físicas da infraestrutura da América do Sul. 

Dos 14 projetos previstos na Figura 1, sete foram concluídos (os de números 7, 13, 20, 23, 29 e 31); seis encontram-se em execução (os de números 2, 4, 5, 8, 25 e 28) e um encontra-se em fase de pré-execução (número 26), de acordo com notícias da imprensa, enquanto as informações da IIRSA estão desatualizadas dede 2017. Dois projetos estruturantes do setor energético se destacam:  1) a conclusão da Linha  de Transmissão Villa Hayes-Yaciretá, dará ao Paraguai maior autonomia nas negociações com o Brasil, em 2023, na revisão do acordo de Itaipu Binacional; 2) a construção do Gasoduto do Nordeste Argentino, cujo projeto foi anunciado em 2003, já teria dispendido 2,3 bilhões de dólares e sofreu modificações em sua planta durante a sua construção, pelo governo Macri, em 2018. De acordo com notícia do sítio eletrônico Más Energía, em 8 de junho de 2020, durante visita do atual presidente, Alberto Fernandes às obras na Província de Formosa, a Empresa Integración Energética Argentina (IEASA) retomou a análise dos trabalhos e do orçamento necessário para sua finalização. A maioria dos doze projetos na Figura 2, com previsão de término em 2027, está nas fases de execução e pré-execução não se encontrando, ainda, nenhum concluído.

 

 

 

Figura 1. Projetos API 2022

 

Figura 2. Projetos API 2027

 

Pode-se ressaltar que o Cosiplan/IIRSA, de fato, alcançou resultados importantes na construção de uma carteira de projetos de infraestrutura, gerando um estoque de conhecimento sobre os principais gargalos e potencialidades da região, embora muito pouco tenha mudado em termos de ações práticas, apesar de suas novas proposições. Encontrou ainda dificuldades na mobilização de recursos técnicos e financeiros, na cooperação regional, no desenvolvimento e integração efetiva da infraestrutura e na harmonização de sistemas de normatização setorial (COSTA e GONZÁLES, 2015, p. 51).

Em abril de 2018, seis países, dos doze que compunham a Unasul, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru, anunciaram a suspensão de suas atividades no bloco, para se contrapor a um impasse gerado pela nomeação do argentino José Octávio Bordón, como Secretário-Geral da Unasul. Na decorrência desta crise, a Colômbia anunciou a decisão de deixar a Unasul. No início do mês de março de 2019, o governo equatoriano, pediu a devolução da sua sede que se localizava na sua capital, Quito. Atualmente apenas cinco países, Bolívia, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela permanecem na paralisada Unasul.

Em 22 de março de 2019, por convocação do Presidente do Chile, Rafael Piñera, foi lançado o Prosul com a participação de oito países, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai e Peru. Destes, apenas a Guiana se mantém vinculada à Unasul. Em 16 de março de 2020, ocorreu uma reunião virtual do Prosul para tratar da pandemia do novo coronavírus, em que Alberto Fernandes questionou a exclusão da Venezuela. 

A divisão da Unasul e a paralisação da IIRSA fizeram o planejamento territorial retroceder na região. O Prosul ainda não disse a que veio, embora sua linha ideológica seja a mesma que provocou o recuo da planificação regional nos últimos anos. 

Um processo de integração regional, mesmo num padrão não tradicional, com estrutura de funcionamento intergovernamental e com forte autonomia de ação de seus integrantes, como era o caso da Unasul, exige, ao menos um esboço de compromisso com os objetivos estratégicos do bloco, por parte de seus membros. As fortes diferenças políticas e ideológicas de seus associados, somadas às linhas de força advindas do governo dos Estados Unidos, através do seu amplo espectro de dominação sobre as Américas, contribuíram para a desunião. De 2003 a 2016, a esquerda progressista e anti-neoliberal exercia uma ligeira hegemonia sobre o bloco, mas após este período, a direita conservadora e neoliberal recuperou o comando de governos na região. Entretanto, com a eleição de Alberto Fernández, na Argentina, em 2019, de Luís Arce, na Bolívia, em 2020, de Pedro Castillo, no Peru e Gabriel Boric, no Chile, em 2021 e de Gustavo Petro, na Colômbia, em 2022, a situação tenha passado, tendencialmente a alterar-se sem, no entanto, conseguir fazer o ambiente político retornar ao patamar anterior, no atual momento. Porém, esta situação poderá se alterar ainda em 2022 com a eleição de novos governos de corte progressista. 

Cabe então agora, analisar como o planejamento territorial executado através da carteira de projetos do Cosiplan/IIRSA,se desenvolveu na esfera regional, em especial, no âmbito da integração da América do Sul, dentro de um macro contexto de globalização.

 4. O planejamento territorial do Cosiplan-IIRSA sob a globalização 

A retomada do planejamento na América Latina, após o fracasso do Consenso de Washington veio acompanhada de dois movimentos de largo espectro, a globalização e as integrações regionais, forçando a abertura das fronteiras políticas e econômicas para facilitar e incrementar as rotas de fluxos de capitais em busca de novos espaços para ampliar sua acumulação.

A globalização pode ser entendida como a mundialização de mercados e de recursos estratégicos e trouxe consigo uma reorganização internacional da produção na medida que ampliou a margem de manobra de territórios, remodelando estruturas, redesenhando fronteiras e redefinindo escalas geográficas de poder e de gestão. A globalização não é um movimento sem direção, ao contrário, atende de forma direta ao processo de acumulação de capital, expandindo áreas geográficas e comprimindo espaços e tempos, de forma dialética e contraditória, na busca de construção de melhores condições para investimentos, produção e escoamento de novos produtos, estimulando assim o aumento de giro e de concentração do capital. Diz Milton Santos (2000) que a atual onda de globalização é “perversa”, na medida que aumenta as desigualdades sociais, segmenta e captura mercados, além de acelerar o processo de destruição da natureza. Seu objetivo, ou melhor, o objetivo de seus condutores, é a construção de um único espaço unipolar de poder, através da tirania do dinheiro e da informação e produzida pela concentração de capital e de poder. 

O poder crescente das empresas privadas reordenou a organização política do espaço. Agora, o Estado luta para manter seu poder político sobre o espaço em oposição ao poder econômico exercido pelas grandes empresas. Nas décadas de 1960-1970, auge dos processos de planejamento econômico no âmbito nacional, a política de desenvolvimento regional transferia a expansão de serviços e de indústrias do centro do sistema para a periferia. Com a globalização, o Estado perdeu seu poder de decisão para a localização das grandes empresas. Elas se instalam onde a sua estratégia indica. Como a estratégia do Estado passou a ser a sua inserção, via de regra, de forma subordinada, à economia mundial, a sua preocupação deixou de ser com a região-problema em seu interior, debilitando-se, assim, os organismos de desenvolvimento regional criados em décadas anteriores (BECKER, 1983, p. 22-24). 

Estes movimentos verticais, criam dinâmicas que atravessam os territórios em forma de linhas de forças, travestidas em projetos geopolíticos e/ou geoeconômicos concebidos e articulados desde fora, com interesses alheios aos Estados nacionais e visando se apoderar de unidades produtivas locais rentáveis, acessar insumos nativos raros, escoar a produção de matérias-primas e outros produtos de forma rápida e barata, disputar conceitos e corromper culturas locais, derrotar movimentos de resistência e, quase sempre, construir canais desregulamentados para exportar capitais líquidos para o centro do sistema capitalista. Diz Piketty (2013, p. 789-790), apoiado em conclusões de Dani Rodrik, que: “o Estado-nação, a democracia e a globalização constituem um trio instável no século XXI (um dos três deve ceder aos outros dois, ou pelo menos em parte)”. 

Com características voltadas à disputa contra-hegemônica estadunidense e no intuito de intensificar a coesão política interna dos países sul-americanos, a Unasul, no entendimento de Rückert e Carneiro Filho (2018, p. 16), resgatou as ideias integracionistas do século XIX e projetou a América do Sul como uma região geopolítica. Para estes autores, a incorporação da IIRSA pelo Cosiplan, superou a mera visão da integração física para “entendimentos de que investimentos provindos de diversas escalas de poder e gestão poderiam mudar os usos políticos e econômicos do território sul-americano tanto de regiões desenvolvidas quanto das periféricas e subdesenvolvidas”. 

Nas experiências pioneiras de integração na América Latina, tanto na  Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (Alalc) quanto na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) predominou a expressão comercial de curto prazo em detrimento da planificação. Os dois modelos sustentavam a intensificação das relações comerciais entre os países da região através da liberalização do comércio sem, no entanto, alterar a estrutura institucional interna de nenhum de seus membros. Diz Vieira (2015, p. 34) que: “só o incentivo de preço pode não bastar para induzir a iniciativa privada a localizar novas plantas em um país qualquer, em vez de outro. É necessário, para isso, que haja alguma forma de planejamento supranacional, e o correspondente arcabouço institucional”. Entretanto, isto nunca ocorreu no âmbito destes dois processos de integração regional. Elementos desta natureza e ainda de forma bastante tímida e incompleta ocorreram com a formação do Mercosul, ganharam um patamar de planejamento territorial com a IIRSA sendo reforçados pela criação da Unasul. 

Porém, como um planejamento territorial construído com a participação de todos os países da região gera compromissos, cumplicidades e benefícios sociais e econômicos aumentando o grau de confiança política e econômica entre os atores que operam o processo, isto se constitui num perigo para o capital externo dominante, pois que perde hegemonia e capacidade de interferir, mandar, explorar e acumular. Por isto, desmantelam, com a ajuda dos aliados neoliberais autóctones, os processos e as estruturas de planificação. 

A partir de 2016, o processo de integração da Unasul, de corte progressista e que propugnava pela autonomia regional sul-americana, se dividiu e as atividades e reuniões coordenadas pelo Cosiplan foram paralisadas. As ações de planejamento territorial foram abruptamente abandonadas e a lógica integral de mercado voltou a vigorar. Alguns projetos da IIRSA, por já terem orçamento ou estarem em execução foram mantidos, porém, o planejamento de futuro deixou de ser conjuntamente elaborado. Novamente, o neoliberalismo provocou um grande retrocesso em termos de planejamento territorial na América Latina. 

As eleições no Brasil em 2018, levaram ao poder um grupo ideologicamente subordinado às políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, hostil aos processos de integração regional, com ataques ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) e à Unasul. Na Venezuela, a crise se aprofundou e, na atualidade, aquele país vive um cerco institucional e político, promovido por diversos países da Europa e das Américas, embora conte com o apoio da Rússia e da China. O que está em disputa, além de elementos da geopolítica, são as reservas minerais, em especial, petróleo, gás natural, lítio, alumínio e ouro. 

Desde que se implantou na década de 1920 na região, o planejamento tanto o de corte econômico quanto o de caráter territorial experimentaram avanços e retrocessos, perpassando ao menos quatro fases, as quais serão rapidamente detalhadas a seguir, num rápido esforço de resgate histórico destes processos.

 5. Fases do planejamento econômico e territorial na América Latina.

É possível identificar, até aqui, quatro fases do planejamento na América Latina, sendo as duas primeiras assentadas em processo de planejamento econômico e as duas últimas no planejamento territorial multinacional. A primeira, de implantação e ascensão do planejamento econômico, a partir do final da II Guerra Mundial e influenciada tanto pelo planejamento centralizado soviético quanto pelas ideias keynesianas. A segunda fase é de forte recuo do planejamento econômico em diversos países da região, provocado pelas concepções neoliberais implantadas na América Latina pelo Consenso de Washington. A terceira é de retomada da ideia do planejamento, desta feita, via modo territorial com as concepções progressistas e desenvolvimentistas, defendidas pelos governos de diversos matizes de centro e de esquerda que ocuparam os comandos de países sul-americanos nas primeiras décadas do século XXI. Por fim, a quarta e atual, de novo recuo do planejamento territorial, iniciada pela retomada da hegemonia neoliberal na maioria dos governos da região, a partir de 2016, embora recentes mudanças na correlação de forças possam provocar novas mudanças neste aspecto.

Origens e ascensão

A ideia de planejamento econômico teve início na América Latina nos anos 1920 pelas mãos de Luis Munhoz Maluschka, seguidor da escola alemã de planejamento, inspirado em Kurt Brüning e Karl Brunner (PAVEZ, 2012). Tanto a Grande Depressão, em 1929, quanto a II Guerra Mundial, dez anos depois, interromperam a dinâmica das economias capitalistas desenvolvidas e desarticularam o sistema de relações econômicas internacionais pré-existentes. Este quadro contribuiu para o abandono progressivo das concepções liberais que reduziam as ações dos governos a determinadas funções básicas, levando a uma revisão do papel do Estado em matéria de regulação dos mercados e redirecionamento da atividade produtiva. 

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a retomada das correntes de comércio e seu rápido crescimento representaram, para os países latino-americanos, um sério desafio, impondo a aplicação de altas tarifas alfandegárias e inúmeras políticas de proteção, para estancar déficits correntes na balança de pagamentos que estavam elevando em demasia a dívida pública. Ao mesmo tempo, o aumento das taxas de fecundidade e a diminuição das taxas de mortalidade, vinculadas aos avanços e à difusão da atenção à saúde, causavam fenômenos demográficos de grande magnitude. Isto coincidiu como o aumento da migração do campo para a cidade e com o consequente aumento das necessidades de infraestrutura urbana, além do aumento da procura por emprego nas cidades. Com isto, os governos passaram a sofrer pressão de novos grupos sociais e de interesses econômicos. Neste contexto surgiram os sistemas de planificação, buscando incidir no desenvolvimento econômico e social dos países (LAVALLE, 2010, p. 10-11). 

Naquele momento, mais precisamente entre 1930 e 1960, alguns países da região, construíram instituições encarregadas do planejamento econômico doméstico, tais como, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Argentina, México, Peru e Chile, sendo que os três primeiros conseguiram, apesar das mudanças de orientação ideológica dos governos em momentos posteriores, manter suas atividades, os demais não (LAVALLE, 2010, p. 100). 

A Carta de Punta del Leste e seu mecanismo principal, a Aliança para o Progresso, que condicionava a ajuda internacional à preparação e implementação de programas de desenvolvimento econômico e social, levou quase todos os países da região a constituir uma institucionalidade planificadora em nível nacional na forma de ministérios, escritórios ou conselhos de planejamento (ESCUDERO, 2014, p. 9).          Neste período, no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), constituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 25 de fevereiro de 1948, foi criado, em julho de 1962, o Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social (ILPES). Sua produção sobre planejamento na região é, até hoje, intensa e qualificada, tendo fincado as bases concretas para a constituição de uma mentalidade de planejamento nos países da América Latina e do Caribe. 

Embora, preliminarmente, os planos se desenvolvessem por país, com enfoque no desenvolvimento da indústria manufatureira, na elevação da produtividade e produção agrícola, na provisão de energia, na ampliação e melhoria dos serviços de transporte e comunicação, as políticas financeiras não apareciam como prioridade. Na primeira metade dos anos 1970, os planos enfatizaram a consistência macroeconômica. A instabilidade dos preços dos produtos primários, aliada à aleatoriedade das correntes de financiamento externo, à debilidade das políticas fiscais, à precariedade dos mercados financeiros privados e à instabilidade de preços somados à oposição de setores que tiveram suas expectativas frustradas, criaram muitas dificuldades para o êxito dos planos estabelecidos (LAVALLE, 2010, p 14-17).

As crises do petróleo, ocorridas na década de 1970, pressionaram as políticas keynesianas e abriram caminho para as ideias neoliberais, fermentadas por Hayek e seus seguidores desde a década de 1940. A partir deste período, o modo de gestão capitalista começou a sofrer uma mudança hegemônica com a eleição de Margareth Tatcher, na Inglaterra, em 1979, seguida por Ronald Reagan nos EUA, em 1981, levando este país e todos os governos europeus, um após outro, a entrarem na mesma linha. Em decorrência, o planejamento econômico na América Latina sofreu as consequências da visão liberal ortodoxa da economia e da política e experimentou um importante retrocesso.

Recuo

O recuo do planejamento econômico na América Latina começou nos anos 1970 e se ampliou na década seguinte, no rastro da crise da dívida externa. Estas condições foram ainda mais deterioradas durante os anos 1990 por conta do predomínio das ideias do Consenso de Washington, de inspiração neoliberal, quando, em alguns casos, as estruturas institucionais de planejamento foram desmontadas. Isto aconteceu na Argentina, México, Peru e Chile, países que experimentaram governos de corte ultraliberal, tais como os de Carlos Menem, Salinas de Gortari, Alberto Fujimori e a ditadura de Augusto Pinochet, respectivamente.  

A estratégia do imperialismo estadunidense a época, adotou políticas distintas para a América Latina e para a Ásia, por conta da presença de governos de corte socialista, ou fortemente contrapostos ao governo dos Estados Unidos, no extremo oriente, tais como a Coreia do Norte, que fora fundada em 1948 e a China, cuja revolução se dera em 1949, além da presença da União Soviética, muito embora com seu processo revolucionário já completamente degenerado. Na América Latina, já fora efetivada a contenção da expansão da revolução cubana com a morte de Che Guevara, na Bolívia, em 1968, embora houvesse sinais de possíveis futuras revoltas por movimentos revolucionários na Nicarágua e em El Salvador. Entretanto, para os Estados Unidos, a preocupação maior se encontrava no continente asiático. 

Nesta perspectiva, enquanto na América Latina, as ações do Consenso de Washington desmantelaram o setor manufatureiro, provocando um processo de reprimarização das economias nacionais, fazendo-as recuarem à posição de meros exportadores de commodities numa política que se poderia denominar “desconvite ao desenvolvimento”, na Ásia e na Europa, alguns países receberam investimentos e fomento à industrialização advindos dos Estados Unidos, no curso do programa denominado “Desenvolvimento a Convite”. 

Devido às políticas Consenso de Washington, as ações públicas de Estado na América Latina, perderam espaço, em termos econômicos e sociais, na medida que interesses de setores privados conduziram a intervenções estatais, privilegiando o rentismo, a especulação e a corrupção, em detrimento de questões sociais. 

Os planos de ajuste foram condicionados pelos bancos credores à aprovação do Fundo Monetário Internacional criando mais dependência e mecanismos de submissão dos governos da região aos centros internacionais de poder. A abertura indiscriminada das economias acentuou as desigualdades sociais provocando desemprego e inflação. Por ter como base o neoliberalismo, os gestores do Consenso de Washington priorizaram medidas de curto prazo, desprezando estruturas e processo de planificação, desmantelando instituições de fomento e políticas de planejamento de médio e longo prazos. 

Na visão neoliberal, o Estado não precisa de sistemas de planificação para orientar o desenvolvimento econômico e social. A “mão invisível do mercado” seria suficiente para guiar as políticas econômicas. O Estado pode ser mínimo e o mercado gigante e autônomo. Porém, a partir de 1998, governos de corte anti-neoliberal se elegeram em diversos países da América do Sul, mudando o curso da História.

Retomada

O fracasso das políticas do Consenso de Washington impostas aos países da América Latina, resultaram em aumento da pobreza, do desemprego, da informalidade, da desigualdade social, desmonte das estruturas de planejamento e redução da capacidade industrial instalada. Argentina, México, Peru e Chile fecharam completamente suas estruturas de planificação e as consequências foram enormes. Em 2002, o percentual populacional abaixo da linha de pobreza na região era maior que em 1980 (LAVALLE, 2010, p. 100-103). O crescimento médio do PIB per capita na América Latina e no Caribe entre 2002 e 2013, sob gestão progressista, foi de 2,3%, mais que o dobro dos anos 1990, sob gestão neoliberal, que fora de 1% e muito maior que os da década perdida de 1980, embora abaixo dos níveis históricos das décadas de 1950 e 1960 e também muito inferior à média das economias do sudeste asiático (MÁTTAR e PERROTTI, 2014, p. 11). 

Com os governos progressistas e anti-neoliberais, na primeira década do século XXI, o debate acerca do planejamento voltou a ser valorizado, desta feita através da Unasul, focando em políticas para a transformação produtiva e para o combate às desigualdades sociais, baseado em processos produtivos de maior valor agregado e conteúdo tecnológico, embora, em muitos países da região, por conta da correlação política de forças, ainda tenha persistido um enfoque nas políticas que visam o fortalecimento dos mecanismos autônomos do mercado, conferindo um papel limitado aos processos de planificação.

Novo recuo

Assim, as dificuldades inerentes à consolidação de uma alternativa de mais longa permanência por dentro do sistema hegemônico, aliadas aos erros na política econômica, às pressões do imperialismo estadunidense e aos processos de corrupção que provocaram enorme desgaste político e social, presenciou-se o esgotamento do período progressista e anti-neoliberal na América do Sul, permitindo a reorganização de setores conservadores, neoliberais e até de corte neofascista e autoritário. Neste curso, Macri se elegeu na Argentina, em 2015, Dilma sofreu um golpe parlamentar, no Brasil, em 2016, Evo Morales foi afastado do governo boliviano e Jair Bolsonaro, com um programa neofascista e conservador, na política, embora ultraliberal na economia, se elegeu no Brasil. A partir daí, a hegemonia regional pendeu para o lado da direita conservadora na política e neoliberal na economia.

 6. As contradições do processo atual

Em geral, processos de integração regional estimulam a elaboração e a execução de formas de planejamento econômico, social, setorial ou territorial. Mas, para que isto ocorra, existe a necessidade de certa estabilidade política, porém, isto não se verifica na América do Sul. Em função de “eventos e mudanças por vezes bruscos”, na região

se instalaram a desarmonia e, em alguns casos, o antagonismo entre os atores estatais-nacionais e, com isso, entrou em colapso o ambiente político e diplomático conjunto da última década, que impulsionava a cooperação, a concertação e a construção de instituições e organismos multilaterais de integração regional (COSTA, 2022, p. 15-16).

O modelo neoliberal deposita toda sua confiança no livre funcionamento dos mercados domésticos e internacionais e entende que as intervenções públicas só criam distorções. O antineoliberal, por sua vez, se apoia na convicção de que o crescimento econômico e a dinâmica do desenvolvimento passam por uma transformação produtiva que o mercado não tem condições de impulsionar. Segundo Iglesias (2006) este “novo conceito de Estado”, precisa dar impulso ao desenvolvimento da capacidade produtiva instalada, formular políticas de inserção internacional e de integração regional, instituir marcos legais e regulatórios que viabilizem a eficiência do mercado e atue em cooperação com o setor privado, além de fazer com que avance a promoção da inovação tecnológica. No plano mais institucional, o Estado seria chamado a promover grandes consensos nacionais impulsionados pelos conselhos econômicos e sociais que permitam a construção de acordos entre governo, empresas privadas, sindicatos e sociedade civil. 

Entretanto, ainda segundo este autor, para que estes objetivos sejam alcançados, é necessário que haja um sistema democrático sólido, um serviço público profissional com um marco normativo e institucional apropriado, capacidade fiscal para captar recursos e inteligência para gerir os planos traçados e a acomodação harmônica da racionalidade técnica com a racionalidade política. 

Atualmente, os processos de planejamento propugnam por um desenvolvimento integral, valorizando o meio ambiente e buscando garantir direitos econômicos e sociais e não somente o crescimento econômico. Os movimentos e instituições progressistas de nível internacional têm influenciado os processos de planejamento. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), instituídos pela ONU e adotados por 191 de seus membros, em setembro de 2000, estimulam a visão de longo prazo e destacam objetivos sociais que promovam mudanças estruturais para romper padrões de pobreza e desigualdade persistentes. A proliferação de processos de integração regional, que se multiplicaram na América Latina a partir dos anos 1990, também induzem os processos de planejamento (MÁTTAR e PERROTTI, 2014, p. 45-46).

 7. Considerações finais             

A planificação técnica e ordenada, se consolidou a partir do surgimento do Estado-nação, no século XVII, como meio de expansão e dominação de territórios. Nos séculos seguintes incorporou a economia e, a partir da década de 1960, agregou elementos relativos à conservação e proteção do meio ambiente. 

O planejamento foi alçado à escala internacional com a Revolução Russa, em 1917, onde se aplicou um modelo de planejamento centralizado da economia, provocando um debate que contrapôs os modelos de planejamento soviético, neoliberal e social-democrático, tendo se expandido com a expansão da visão keynesiana do Estado de bem-estar social. 

No contexto histórico desta disputa conceitual e ideológica, o planejamento chegou à América Latina na década de 1920 sendo adotado por diversos governos nacionais, tendo experimentado quatro fases: de implantação e consolidação, de recuo, de retomada e de recente novo recuo, estando hoje numa situação instável e indefinida. 

A criação do Prosul e o desmonte da Unasul, provocaram uma paralisia nas ações de planejamento territorial do Cosiplan/IIRSA que desde janeiro de 2018, não produziu mais reuniões de gerenciamento e nem relatórios de gestão das suas ações. 

Sem uma postura de autonomia política e ideológica dos países sul-americanos, a efetiva integração do continente e seu consequente fortalecimento enquanto ator importante no cenário mundial, continuará sendo uma tarefa difícil e longe de ser alcançada. Enquanto uma integração regional democrática e efetiva, o planejamento territorial e a autonomia política não se consolidarem como compromissos de Estado na região, os governos de plantão submeterão projetos estratégicos e de longo prazo a seus desígnios momentâneos e ideológicos, causando instabilidades políticos-institucionais e interrupção de projetos comuns, de corte comunitário, que poderiam levar o subcontinente sul-americano à condição de uma região geopolítica, tal como se desenhava, de forma incipiente, nos desígnios da Unasul. 

As frequentes crises do capitalismo e da civilização, tais como a crise mundial de 2008 e a recente pandemia do coronavírus, respectivamente, têm fortalecido a ideia de que o Estado é cada vez mais necessário para a promoção do desenvolvimento, não podendo o mesmo ficar somente ao sabor dos humores do mercado. Por fim, cresce também a visão de que o planejamento territorial, por abarcar o conjunto dos atores, das formas, das funções, dos processos e das estruturas, assentadas no território, é mais adequado para ordenar o território, impulsionar o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades sociais.

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