Verso e reverso das políticas públicas de água para o Semiárido Brasileiro


Andrea Carla de Azevêdo
Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba/Universidade Federal de Campina Grande e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/ UFRJ). Doutoranda Visitante no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

1.  Introdução

A preocupação com a escassez de água ganhou espaço na agenda das políticas públicas, em termos mundiais, a partir dos últimos anos da década de 1980, tendo ajudado a justificar inúmeras ações governamentais. A água é uma variável de grande peso nas equações estratégicas, e isso a torna um elemento de poder, um instrumento que pode ser manipulado pelos políticos de acordo com seus interesses.

De acordo com relatórios da Organização das Nações Unidas (NAÇOES UNIDAS, 2015), estima-se que no mundo 783 milhões de pessoas não têm acesso a uma quantidade mínima aceitável de água potável1, 2,5 bilhões não têm acesso a saneamento básico e 1,3 bilhão, à eletricidade. Avalia-se que, em 2050, a demanda global por água pode ultrapassar em 44% os recursos disponíveis anuais; já a demanda de energia pode vir a aumentar cerca de 50%. Em termos de uso, a agricultura representa a principal fonte de consumo de água doce (70%), sendo o restante direcionado ao uso doméstico (17%) e industrial (13%). A ONU alerta que, se essa tendência de escassez hídrica continuar, as estatísticas podem ser ainda piores: até 2025 três bilhões de pessoas não terão acesso à água, em razão do mau uso dos recursos naturais. Ao todo, 20% dos aquíferos do mundo são explorados além do limite, o que pode comprometer o abastecimento no futuro.

Segundo o Tribunal Latinoamericano del Agua2 (Tribunal Latinoamericano del Agua, 2014), a América Latina é o continente com maior disponibilidade hídrica de água doce do mundo, com 33% dos recursos hídricos. Os 3.100m² de água doce per capta representam o dobro da média per capta mundial. A grande maioria dos países da região possui disponibilidades classificadas entre altas e muito altas em função de sua superfície e população. Entretanto, a disponibilidade do recurso não significa que ele seja acessível a toda a população. Na América Latina e no Caribe, por exemplo, existem 35 milhões de pessoas sem acesso a fontes de água potável e cerca de 100 milhões sem saneamento básico. Nessa região, há uma pressão crescente por recursos hídricos relacionada a fatores climáticos, como as secas e as inundações, a atividades econômicas que precisam de muita água, como a mineração e a agricultura (NAÇOES UNIDAS, 2014).

No Brasil, que possui 12% da água doce disponível do planeta, cerca de 40% da população não tem acesso adequado ao abastecimento de água e 60%, aproximadamente, encontra-se sem um acesso adequado ao esgotamento sanitário. De acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (NAÇOES UNIDAS, 2015), o Brasil está entre os países com baixo risco de escassez de água. Ainda assim, a ONU (op. cit.) alerta que deve ser dado prioridade à gestão da água e ao uso sustentável desse recurso, a fim de que sejam garantidas reservas para o futuro. Embora, globalmente, apresente uma situação de recursos hídricos, a distribuição espacial deles no território nacional é desigual, devido às dimensões geográficas do país e também a suas condições agroecológicas diferenciadas. Algumas regiões sofrem com sérios problemas de disponibilidade de recursos hídricos. Na Região Hidrográfica Amazônica, onde se encontram o menor contingente populacional (5%) e a menor demanda por água, estão concentrados 81% da disponibilidade hídrica do país (Agência Nacional das Águas, 2014). Já a região Nordeste, por exemplo, detém somente 3% das águas doces do país, sendo que 63% de tal percentual está localizado na bacia hidrográfica do Rio São Francisco e 15% na bacia do Rio Parnaíba, que, juntas, correspondem a 78% da água da região; por sua vez, as bacias dos rios intermitentes detêm apenas 22%, concentrando-se em 450 açudes com capacidade de cerca de um milhão de metros cúbicos. Somente 25% da água acumulada nos açudes é aproveitada, em função da alta evaporação e do mau gerenciamento (BRITO et al., 2007).

Na região do Semiárido brasileiro, a população passa de 2,3 milhões de pessoas; desse total, mais de 40% delas vivem na zona rural. As secas periódicas e prolongadas, a escassez anual de água (durante o período de estiagem) e a falta de gestão de água comprometem o direito a um suprimento adequado de água a essa população. O Estado da Paraíba, por exemplo, com uma população de 3,7 milhões de habitantes (com 75,4% residindo em áreas urbanas e 24,6%, em zonas rurais), enfrenta problemas relacionados ao acesso permanente à água potável.

Segundo dados da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba, 2015), o nível de água dos reservatórios na Paraíba está muito abaixo da média. Dos 124 açudes públicos monitorados pela Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (AESA), apenas cinco reservatórios conseguiram atingir a capacidade do volume total e quatro estão transbordando. A situação dos demais reservatórios é a seguinte: 40 reservatórios estão com mais de 20% do volume total; 36 reservatórios se encontram em observação, uma vez que apresentam menos de 20% da capacidade total; e 44 reservatórios estão em situação crítica, com apenas 5% do volume total, na iminência de um colapso.

O quadro é preocupante não só porque a falta de água é um fator que limita o desenvolvimento sustentável, mas também porque condena milhões de pessoas à vida de pobreza, com condições de saúde precárias e limitadas oportunidades de trabalho e renda no campo. No entanto, para Celso Furtado as consequências dramáticas das secas são resultantes de questões estruturais, e não meramente de uma situação climática da região semiárida. O fato é que na região do semiárido a grande quantidade de sais encontrados na água limita a forma do seu uso. Esse fenômeno é um desafio às políticas que visam ao desenvolvimento local sustentável.

Entre os anos 1990 e 2000 foram iniciadas duas propostas para solucionar o problema da escassez hídrica na zona rural do semiárido brasileiro: o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), coordenado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e o Programa Água Doce (PAD), ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Essas diferentes alternativas serviram como fundamento de políticas públicas para atender os objetivos de ampliação da oferta de água para as populações rurais, no contexto da “convivência com o semiárido”.

Considerando tais elementos, este estudo tem como objeto de análise as políticas públicas de acesso, permanente e sustentável, à água potável. Busca-se responder uma questão central: O P1MC e o PAD têm garantido a oferta continuada de água de boa qualidade para as famílias do semiárido? Complementarmente, pretende-se respondera outros questionamentos relacionados a essas políticas públicas: Qual a natureza da participação das famílias beneficiadas no P1MC e no PAD? Qual o nível de envolvimento das comunidades beneficiadas pela construção das cisternas e pelo gerenciamento dos dessalinizadores e das Unidades Demonstrativas do PAD? Os dois programas têm promovido mudanças significativas na região do semiárido? Os atores locais têm exercido uma função estratégica na renovação do processo de formulação de políticas públicas locais?

A pesquisa tem como lócus três localidades rurais de três municípios situados no semiárido paraibano: Amparo, Aroeiras e Sumé. Trata-se de um estudo de natureza quantitativa e qualitativa, com a utilização de procedimentos diferentes, mas complementares: visitas de aproximação, observação, entrevistas abertas, conversas informais, consulta a documentos.

Esses programas se apresentam, ao menos no discurso, como políticas públicas inovadoras que objetivam ampliar a oferta de água para as populações rurais e promover um processo sustentável para o semiárido por meio da potabilidade da água. Entretanto, um olhar crítico sobre a prática tem demonstrado, por exemplo, que a participação é orientada para a legitimação das políticas públicas de enfrentamento da escassez hídrica e que a ideia de desenvolvimento sustentável que acompanha “os pacotes tecnológicos” não considera as particularidades locais/regionais.

2.  Caracterizando o Semiárido Brasileiro

A escassez de chuva é, entre outros fatos, responsável pelas alterações no desenho do mapa do semiárido. Em 2005 foi feita uma nova delimitação do Semiárido Brasileiro, ao qual foram incluídos102 novos municípios3 (um total de1.133 municípios), aumentando em 8,66% a área oficial da região, isto é, de 892.309,4 km² para 969.589,4 km². Minas Gerais teve o maior número de inclusões na nova lista – de 40 para 85 municípios, uma variação de 112,5%. A área desse estado que anteriormente fazia parte da região era de 27,2%, tendo aumentado para 51,7% (MMI, 2005). Esses dados sofreram uma nova alteração em 2012, com a inclusão de dois municípios, e o semiárido passou a apresentar o traçado da Figura 1.

O Semiárido Brasileiro, que se estende por oito estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), mais o Norte de Minas Gerais, totaliza agora uma extensão territorial de 982.663,3 km², distribuídos em 1.135 municípios, onde reside uma população estimada de 23.846.982 habitantes. Esse número corresponde a 42,44% da população do Nordeste e a 11,76% do país (IBGE, 2015; INSTITUTO NACIONAL DO SEMI-ÁRIDO, 2015).

Além de ser considerado o mais populoso, esse semiárido é, igualmente, o mais chuvoso do planeta, com uma pluviosidade média de 750 mm/ano (variando, dentro da região, de 250 mm/ano a 800 mm/ano); entretanto as chuvas são irregulares, concentrando-se em quatro meses do ano (isto é, de fevereiro a maio). Afora isso, são frequentemente interrompidas por veranicos, e a evaporação provoca o típico quadro de balanço hídrico negativo, o que precariza, fortemente, as condições de vida na região. Duas características históricas marcam essa área: as secas periódicas prolongadas, que ocorrem aproximadamente a cada dez anos, e a escassez anual de água durante o período de estiagem (OLIVEIRA, 2009; BLANK; HOMRICK; ASSIS, 2008).

O subsolo é formado, em 70% de sua área, por rochas cristalinas pré-cambrianas. Tal fator dificulta a infiltração da água e, por consequência, a formação de mananciais perenes. A composição geológica, portanto, influencia na qualidade das águas subterrâneas e superficiais, que tendem a ser salinas e durase, por vezes,inadequadas ao consumo humano (MALVEZZI, 2007). A salinidade da água (que traz inúmeros problemas e restrições para a população do semiárido brasileiro) e as fortes secas que flagelam a região sempre moldaram o comportamento das populações e foram preponderantes no processo de formulação de políticas públicas regionais.

2.1   Disponibilidade e usos da água no Nordeste e no semiárido

A disponibilidade e o uso da água no Nordeste brasileiro, particularmente na região semiárida, continuam a ser uma questão crucial no que concerne ao desenvolvimento dessa região.

O São Francisco4, o maior rio totalmente brasileiro, é de importância histórica no processo de ocupação e desenvolvimento da Região Nordeste. Durante muito tempo, o Velho Chico, como é popularmente conhecido, foi o principal meio de comunicação, com uso de embarcações movidas a vapor entre o Sudeste e o Nordeste – fato que possibilitou a evolução das atividades econômicas na região, como a mineração, a criação de gado, a implantação de indústrias, a agricultura em suas margens e a agricultura irrigada. Sua bacia hidrográfica ocupa 8% do território nacional (638.576 km²), estendendo-se por Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe e o Distrito Federal. Engloba 503 municípios, dos quais 451 têm sede na bacia. A maior parte da área da bacia hidrográfica do São Francisco encontra-se na Bahia (48,2%) e em Minas Gerais (36,8%).

É importante registrar que as águas superficiais do Nordeste são provenientes, sobretudo, de chuvas que caem em bacias hidrográficas totalmente contidas na própria região. O regime de chuvas é concentrado em apenas quatro meses durante o ano, com picos em novembro-dezembro na porção sul, março-abril na porção norte e junho-julho na parte leste do Nordeste. Na verdade, o Nordeste apresenta três regimes de chuvas: um que abrange os estados do sul da região (Bahia, parte norte de Minas Gerais, sul do Piauí e do Maranhão), que é influenciado por frentes frias vindas do sul; outro que abrange o norte do Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, partes de Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia), o qual é influenciado pelos deslocamentos da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), influenciada, por sua vez, pela oscilação das temperaturas de superfície entre o Atlântico Sul e Norte; e um terceiro na zona costeira a leste (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia), influenciado por ventos alísios do Sudeste e por distúrbios atmosféricos vindos do Atlântico. Além disso, precipitações que ocorrem na bacia hidrográfica do rio São Francisco em Minas Gerais também contribuem para o total de águas pluviais disponíveis no Nordeste.

A bacia hidrográfica do rio São Francisco (BHRSF) divide-se, de acordo com o Plano Decenal de Recursos Hídricos (Agência Nacional das Águas, 2004), em quatro regiões fisiográficas (Figura 2): Alto São Francisco (da nascente até a cidade mineira de Pirapora, com 702 km de extensão); Médio São Francisco (de Pirapora até a cidade baiana de Remanso, com 1.230 km de extensão); Submédio São Francisco (de Remanso até a cidade baiana de Paulo Afonso, com 550 km de extensão); e Baixo São Francisco (de Paulo Afonso até a foz, com 214 km de extensão).

Mais da metade da área da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (BHRSF)5 se insere na região do semiárido (57%), caracterizada por baixos níveis de precipitação e baixa disponibilidade hídrica. Embora os níveis de precipitação sejam reduzidos, as secas nessa região caracterizam-se não pela falta de chuva, mas por sua irregular distribuição ao longo do tempo e pelos elevados níveis de evaporação. Os valores médios anuais de precipitação podem ocorrer em um só mês ou serem distribuídos de forma irregular no período de três a cinco meses de chuva, impactando, principalmente, a agricultura de subsistência, setor da economia bastante vulnerável às condições climáticas.

Esforços com o objetivo de implantar infraestruturas capazes de disponibilizar água suficiente para garantir o abastecimento humano e animal e viabilizar a irrigação vêm sendo empreendidos. Todavia, eles ainda são insuficientes para resolver os problemas decorrentes da escassez de água; isso faz com que as populações continuem vulneráveis à ocorrência de secas, especialmente quando se trata do uso difuso da água no meio rural. Por isso, o fenômeno se apresenta como um desafio às políticas que visam ao desenvolvimento humano e local sustentável.

A busca por soluções tecnológicas para o fornecimento de água aos habitantes do Semiárido Brasileiro, especificamente para aqueles que vivem nas localidades rurais difusas, deve garantir, de um lado, a sustentabilidade, de forma que as atividades econômicas e sociais desenvolvidas tenham continuação e dinâmicas independentes da existência ou não de um evento de seca, e, de outro, o fim das privações que comprometem a experiência das liberdades instrumentais, sem as quais não há desenvolvimento, nos termos de Sen (2000).

As características não só climáticas, mas também, e sobretudo, socioeconômicas do Semiárido Brasileiro requerem tecnologias específicas de utilização e conservação dos recursos hídricos. O quadro de escassez e a utilização incorreta desses recursos aumentam a fragilidade da região ao processo de desertificação. Nesse contexto, o problema de escassez de água e de abastecimento das comunidades difusas é abordado, neste artigo, levando em consideração tecnologias alternativas de baixo custo e de fácil apropriação pela população, com destaque para a gestão de recursos hídricos que focaliza a conservação e o uso sustentável.

3.  As secas e as políticas de água para o Semiárido Brasileiro

A questão do atraso do desenvolvimento do Nordeste sempre esteve atrelada à questão hídrica. No entanto, para Celso Furtado, a seca, lugar-comum das explicações sobre o atraso socioeconômico do Nordeste, tem seus efeitos ampliados em decorrência da situação de subdesenvolvimento nordestino. O economista afirma que a causa dos problemas nordestinos não é a seca, mas sim a reconfiguração do desenvolvimento brasileiro e o modo pelo qual a região estava nele inserida. Observa-se, nesse sentido, que a discussão se desloca dos fatores climáticos – que não são, evidentemente, negados – para a estrutura socioeconômica, ampliando sobremaneira os efeitos da estiagem. Para Furtado (1967, p. 69),

[...] [o] tipo da atual economia da região semiárida é particularmente vulnerável a esse fenômeno das secas. Uma modificação na distribuição das chuvas ou uma redução no volume destas que impossibilite a agricultura de subsistência bastam para desorganizar toda a atividade econômica. A seca provoca, sobretudo, uma crise da agricultura de subsistência. Daí suas características de calamidade social.

Para as secas nordestinas, apresentaram-se algumas soluções, como a irrigação feita através da construção de açudes e barragens e a destinação de verbas para socorros especiais. Cada política pública de acesso à água potável, desenhada em diferentes épocas e governos, foi exposta como a melhor alternativa tecnologicamente pesquisada, gestada e encontrada para solucionar (pelo menos no discurso) o problema da água e, consequentemente, o desenvolvimento da Região Nordeste – principalmente do semiárido. Açudes, barragens, irrigação, poços, cisternas e, mais recentemente, sistemas de dessalinização das águas salinas e salobras têm sido as alternativas apresentadas ao longo de mais de 100 anos.

Uma análise mais acurada das ações estatais de combate aos efeitos das secas, de curto, médio e longo prazos, é de fundamental importância para compreender como se mantém tal estrutura socioeconômica. Todavia, não se pode deixar de evidenciar e de pôr na agenda de discussão das políticas públicas o fato de que a escassez de água potável, de fato, condena milhões de pessoas à vida de pobreza, com condições de saúde precárias e oportunidades limitadas. Esse resultado perpetua profundas desigualdades entre os países afetados e também no interior deles.

Em relação a esse ponto, o seguinte apontamento de Sen (2000, p. 18):

[...] [à]s vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso à agua tratada ou saneamento básico (grifo nosso).

Além de obras, a última década do século passado trouxe para o Brasil um novo paradigma: a necessidade da gestão dos recursos hídricos. De fato, a partir dessa época, implantou-se nos estados, com o suporte da União e da Lei nº 9.433/1997, a chamada Lei das Águas, fundada em uma nova filosofia, cujos objetivos principais eram: controle do uso por meio de instrumentos de outorga e de cobrança pelo uso da água bruta; preparação de planos de recursos hídricos para as bacias hidrográficas e os estados; estruturação de entidades gestoras e organismos de bacia; instituição de programas de obras estruturadoras. Comparando-se as regiões do país, pode-se afirmar que, em função das dificuldades históricas, os maiores avanços na gestão dos recursos hídricos vêm ocorrendo no Nordeste.

As metas estabelecidas pelos Objetivos do Milênio chamam a atenção para a compreensão das interligações entre o progresso em diferentes áreas – e da importância crucial do progresso na água e no saneamento. Merece destaque, aqui, o 7° Objetivo do Milênio, meta 10, o qual aborda questões voltadas à garantia da sustentabilidade ambiental, à redução (à metade) do percentual de pessoas sem acesso sustentável à água potável e ao saneamento básico e à inversão da tendência de perda de recursos ambientais. Ainda de acordo com o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Programa das Nacões Unidas para o Desenvolvimento, 2006, p.13), “a água potável e o saneamento constituem alguns dos motores mais poderosos do desenvolvimento humano. Alargam a oportunidade, aumentam a dignidade e ajudam a criar em ciclo virtuoso de melhoria da saúde e de crescimento da riqueza”. Nesse sentido, os Programas Um Milhão de Cisternas e o Água Doce, abordados a seguir, tentam cumprir esse papel.

3.1   Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC)6

As décadas de 19906 e 2000 foram marcadas pela construção de discursos voltados ao desenvolvimento regional e pela de formulação e execução de políticas públicas consideradas inovadoras, entre as quais podem ser destacadas: as estratégias de combate à seca; as grandes políticas hídricas; os projetos de modernização econômica, destinados à região do semiárido. Nesse período, foram apresentadas duas propostas para solucionar o problema da escassez hídrica na zona rural do semiárido: as cisternas de placa, que armazenam água de chuva (Programa Um Milhão de Cisternas Rurais, 2001) e os sistemas de dessalinização via osmose inversa de águas subterrâneas salobras e salinas (Programa Água Doce, 2004). Essas diferentes alternativas serviram como fundamento de políticas públicas para atender os objetivos da ampliação da oferta de água para as populações rurais, no contexto da “convivência com o semiárido” (DUQUE, 1940, 1950,1960), em oposição do paradigma de “combate às secas”, que se consolidou no século XX.

Em 2001, a Articulação do Semiárido (ASA) idealizou o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), um processo de contraposição social às “decadentes” práticas de abastecimento de água observadas no sertão semiárido. O projeto piloto, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), previa a construção de 500 cisternas e a elaboração do projeto, juntamente da mobilização nos estados e dos seminários e oficinas (PEREIRA, 2006).

Em julho de 2003 foi assinado o termo de parceria entre o P1MC e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), institucionalizando o programa como política pública dentro do Programa Fome Zero. Em 2005, 2007 e 2008 foram celebradas outras parcerias, com financiamento do Governo Federal, da Organização das Nações Unidas (ONU), da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), bem como de organizações estrangeiras e nacionais.

O Programa Um Milhão de Cisternas é destinado às famílias com renda de até meio salário mínimo por membro da família, incluídas no Cadastro Único do Governo Federal, e que contenham o Número de Identificação Social (NIS):

[...] O objetivo do P1MC é beneficiar cerca de 5 milhões de pessoas em toda região semiárida com água potável para beber e cozinhar, através das cisternas de placas. A meta principal deste programa é construir um milhão de cisternas com capacidade para armazenar 16 bilhões de litros de água da chuva, além de proporcionar o acesso descentralizado de água potável para um milhão de famílias, aproximadamente cinco milhões de pessoas (Articulação no Semiárido Brasileiro, 2013).

Ele objetiva, ainda, contribuir para a preservação, o acesso, o gerenciamento e a valorização da água como um direito essencial ávida e à cidadania, ampliando a compreensão e aprática da convivência sustentável e solidária com o ecossistema do semiárido (Articulação no Semiárido Brasileiro, 2011). No Programa Um Milhão de Cisterna, a importância não é dada somente ao acesso à água potável, mas também a valores como participação, cidadania, democracia e autonomia7.

O P1MC estabelece, nas comunidades rurais do Semiárido Brasileiro, um processo de capacitação que pretende envolver, diretamente, um milhão de famílias. Nesse processo, é abordada a questão da convivência com o semiárido, enfocando, especificamente o gerenciamento de recursos hídricos, a construção de cisternas, o gerenciamento de recursos públicos e a administração financeira dos recursos advindos do P1MC. A cisterna é o passo inicial para que as famílias possam perceber que é possível conviver com e desenvolver-se no semiárido. Na Figura 3, podem ser vistas algumas imagens das etapas de construção de uma cisterna do P1MC.

O custo de uma cisterna, com todos os componentes, gira em torno de R$ 2.400,00. A contrapartida das famílias é a escavação do buraco, a areia (quando esta se encontra disponível nas proximidades da casa), a alimentação e a hospedagem dos pedreiros. A construção de uma cisterna leva, em média, cinco dias, e, na grande maioria das vezes, com base no sistema de mutirão, conta com a ajuda da própria família e de vizinhos. As cisternas com capacidade de 16 mil litros se mostram as mais adequadas – apesar de não serem suficientes – para a realidade da região, pois 76% das famílias têm entre 1 e 5 moradores, que consomem, respectivamente, 3.360 e 16.800 litros de água durante um período de 8 meses (240 dias), isto é, um consumo diário de 14 litros/pessoa.

Até o momento do fechamento deste artigo, 17 de março de 2016, foram construídas 580.396 cisternas rurais8, beneficiando mais de 2,5 milhões de pessoas no semiárido brasileiro (Articulação no Semiárido Brasileiro, 2016). O cadastramento e seleção das famílias é uma etapa que envolve comunidades, famílias e organizações da sociedade civil em um processo de mobilização social e articulação política que orienta a prática pedagógica do P1MC.

As comunidades e famílias são selecionadas a partir dos critérios pré-definidos na estrutura do programa, que estejam em situação de insuficiência hídrica, ou seja, sem acesso a à água de qualidade para consumo humano, que sejam de baixa renda e estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Povos de comunidades tradicionais possuem atendimento prioritário (Articulação no Semiárido Brasileiro, 2016).

Depois de selecionadas as famílias participam do Curso de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH) que aborda questões relacionadas às políticas de Convivência Com o Semiárido, aos cuidados com a cisterna e com a água.” Ressaltamos que os processos formativos do programa da ASA prezam por valorizar e envolver a organização comunitária existente. Tais capacitações são voltadas à educação popular e são realizadas a partir de propostas pedagógicas, metodológicas e material didático adequados a realidade local.

Embora se reconheça a importância desse programa, existem limitações técnicas. Entre estas se observou que a água acumulada em muitas cisternas não passa por barreiras sanitárias e que não há desinfecção da água antes de ela ser disponibilizada para o consumo. Poucas famílias realizam a cloração diária em potes, garrafas e filtros – procedimento recomendado pelo P1MC.

A bomba manual, que deveria ser utilizada para evitar a abertura da cisterna e o contato da água com recipientes que podem contaminá-la, não é usada pela maioria das famílias. Pelo menos três motivos podem ser destacados para a sua não utilização: 1) a bomba manual é menos prática que, por exemplo, o balde e a lata; 2) é muito comum a sua quebra; 3) em alguns casos, ela vem provocando vazamentos nas cisternas, em decorrência da instalação inadequada.

Outro grave problema refere-se ao fato de que a água da cisterna não é suficiente para suprir as necessidades básicas das famílias que utilizam apenas a água da chuva acumulada para atravessar o período de estiagem. As causas de tal ocorrência podem estar ligadas ao mau uso e ao desperdício da água ou a defeitos na construção e/ou na operação do sistema. É importante reconhecer que as cisternas rurais diminuíram significativamente a dependência dos habitantes tanto do carro pipa quanto da água proveniente de outras fontes. No Semiárido brasileiro a água continua sendo usada como instrumento de poder social e político.

A participação no processo construtivo das cisternas é encarada, por vezes, como uma obrigação indispensável para receber a cisterna, e não como resultado do envolvimento e do compartilhamento de ideias baseadas no paradigma de convivência com o semiárido. Pode-se dizer que a cisterna é apropriada apenas a partir do seu valor instrumental, ou seja, da facilidade de ter água perto da residência, do acesso a uma água de melhor qualidade, da maior capacidade de armazenamento de água etc.

A figura do sujeito político aparece, muitas vezes, à sombra da figura passiva do beneficiário, de mero receptor, em lugar de alguém que se apropria da cisterna como uma conquista cidadã de acesso à água potável; permanece, pois, a ideia de que a cisterna é um benefício “dado”pelo Estado ou “arranjado” por líderes das organizações civis locais.

3.2   Programa Água Doce (PAD)

Outra política pública tem sido desenvolvida no sentido de atenuar os efeitos produzidos pela escassez de água potável no semiárido: a utilização das águas subterrâneas como uma possibilidade de acesso à água para as populações difusas da região. No final dos anos 1990, o Ministério do Meio Ambiente (MMA/SRHU) implantou o Programa Água Boa (PAB), com a finalidade de instalar dessalinizadores em localidades onde os poços tubulares de água salobra ou salina eram as fontes de abastecimento.

O programa, no entanto, apresentou falhas na destinação dos concentrados salinos gerados no processo de dessalinização, o que causou impactos ambientais negativos. O aumento da desertificação e a erosão nas áreas mais próximas são dois exemplos desses problemas. O programa também não calculou a manutenção preventiva e a gestão dos sistemas de dessalinização, provocando perda na qualidade das águas tratadas e até desativação de parte dos equipamentos.

O efeito colateral do funcionamento dos dessalinizadores foi detectado e estudado pela EMBRAPA Semiárido, que desenvolveu um projeto no qual se utiliza o concentrado da água dessalinizada – antes descartado diretamente no solo para a criação de tilápia e no plantio da Atriplex (erva-sal). O projeto, desenvolvido em 2003, serviu de referência para integrar o Programa Água Doce, que corrigiu problemas técnicos e operacionais do Programa Água Boa.

Com a execução do Programa Água Doce, o Ministério de Meio Ambiente, em conjunto com instituições parceiras, se propôs contribuir com o compromisso assumido pelo governo federal de atingir a meta da Declaração do Milênio (2000), que visava a reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável. O objetivo era estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, com a incorporação de cuidados ambientais e sociais na gestão de sistemas de dessalinização e priorização do atendimento a localidades rurais difusas do semiárido.

Os sistemas de dessalinização utilizados pelas famílias beneficiadas são compostos, entre outros, pelos seguintes elementos: fonte hídrica (poço tubular, bomba do poço e adução); um reservatório para água bruta (chamado de reservatório de alimentação); abrigo para o dessalinizador (com uma área de 15m2); equipamento de dessalinização (como depende do grau de salinidade da água, esse equipamento pode variar de uma região para outra); reservatório para água potável e concentrado; chafariz para distribuição da água potável; reservatórios para contenção do concentrado; cerca de proteção e portão de acesso ao sistema. A Figura 4 mostra um desenho esquemático do sistema de dessalinização usado pelo Programa Água Doce (PAD) para águas salobras.

Antes de entrar no dessalinizador, a água do poço recebe um pré-tratamento, com o objetivo de proteger as membranas durante a remoção de materiais presentes na água bruta. O processo de dessalinização via osmose inversa por membrana – que requer a perfuração de poços – consiste, fundamentalmente, em pressurizar a água salobra, fazendo-a circular por cima da superfície de membranas seletivas, acomodadas em módulos, que praticamente só deixam permear a água pura. Essas membranas são poliméricas; sob o efeito de uma dada pressão aplicada – superior à pressão osmótica da água de alimentação do sistema –, elas realizam a dessalinização, eliminando o sal e as bactérias.

De acordo com a Coordenação Nacional do PAD, de 2004 a 2014, o programa capacitou mais de 600 pessoas entre técnicos estaduais e operadores/gestores dos sistemas de dessalinização e garantiu o acesso à água potável para cerca de 100 mil pessoas, em 154 comunidades distribuídas pelo semiárido brasileiro. A meta dele é atender a um quarto da população rural do semiárido até 2019, ou seja, aproximadamente 2,5 milhões de pessoas em 10 anos.

O programa tem recuperado e construído sistemas de dessalinização com vistas a garantir água potável para comunidades difusas do semiárido brasileiro, mas sua ação não resolveu nem minimizou, suficientemente, tal problema. Na Paraíba, o PAD implantou três Unidades do Sistema de Produção Integrada e recuperou 21 sistemas simples de dessalinização, dos quais 18 estão em funcionamento. Até o final de 2016, está prevista a instalação de outros 93 sistemas, que atenderão cerca de 9.262 mil famílias.Os recursos são resultados de um convênio firmado entre o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia (SEIRHMACT), no valor de R$ 22.036.629,57 entre convênio (dezembro de 2011), aditivo (dezembro de 2014) e recursos de rendimento (agosto de 2015).

Experiências de programas anteriores ensinaram que instalar ou recuperar os sistemas de dessalinização não é suficiente para garantir a oferta continuada de água de boa qualidade para as famílias do semiárido, sendo necessária a criação de estruturas permanentes de gestão dos sistemas de dessalinização nos níveis estadual, municipal e comunitário (PAD, 2010).

Diante do exposto, o PAD procura refletir duas experiências recentes da sociedade brasileira: a primeiro diz respeito à participação ativa da sociedade civil com ações mais politizadas; a segunda refere-se às novas relações estabelecidas entre Estado e sociedade civil. No entanto, com relação à participação da comunidade, notou-se que esta aconteceu de maneira tímida e que as decisões direcionadas ou tomadas pelas instituições financiadoras nas várias esferas (federal, estadual e municipal) tiveram um peso maior na construção desse processo.

Foi possível identificar que o modelo de comunicação das tecnologias de dessalinização tem fortes características unidirecionais, uma vez que o discurso técnico não dialoga com os saberes locais. Também se identificou a ausência de discussão sobre os impactos ambientais e sobre a viabilidade da universalização da tecnologia, particularmente, do Programa Água Doce.

Todavia, com base em um discurso que envolve a participação popular, a promoção de melhorias adaptativas, a correção de falhas no gerenciamento de recursos técnicos e a inovação das unidades de dessalinização, o Programa Água Doce vem mobilizando comunidades, capacitando técnicos, recuperando e instalando sistemas de dessalinização e possibilitando o acesso à água potável, com a promessa de promover, ainda, um desenvolvimento sustentável.

4.  Conclusão

Os dados apresentados neste artigo mostraram que há sérios problemas relacionados às políticas públicas de potabilidade de água para o semiárido brasileiro, particularmente para a Paraíba. Eles sinalizaram a carência de investimentos no meio rural e de planejamento, uma vez que os programas de acesso à água potável chegam às diversas comunidades da região de maneira dessincronizada, sem conexão com as reais demandas das comunidades locais. Revelaram também que permanece a escassez de infraestrutura nessas áreas, restringindo os direitos de acesso à água potável de parte significativa da população, isto porque o acesso limitado a recursos naturais, como a água, exerce impactos de grande intensidade no cotidiano dos mais pobres, sobretudo dos que habitam a zona rural do semiárido paraibano.

A combinação das alterações do clima (falta de chuva ou pouca chuva), acompanhada de altas temperaturas e altas taxas de evaporação, desencadeia uma competição por recursos hídricos e mostra a face dos mais vulneráveis nessa fotografia, a saber, os pequenos agricultores, as famílias que vivem da agricultura de subsistência na região do Semiárido.

Notou-se,no caso do Programa Água Doce, que quanto maior a densidade da participação e a capacidade da experiência de incluir um leque diversificado de atores locais maior a intensidade da ação pública local. Percebeu-se também que o modelo de comunicação das tecnologias de dessalinização tem fortes características unidirecionais, uma vez que o discurso técnico não dialoga com os saberes locais.Verificaram-se fragilidades técnicas, participação incipiente e resultados socioeconômicos limitados ao acesso à água de beber. Entretanto, as ações do PAD são importantes e precisam ser ampliadas.

Já no Programa Um Milhão de Cisternas, evidenciou-se uma participação subalternizada das famílias beneficiadas e observou-se que as águas de chuva armazenadas nas cisternas não têm sido suficientes para suprir as necessidades de parte das famílias. Constatou-se, ainda, que a distribuição de água por carro-pipa continua sendo uma prática comum no semiárido paraibano. Ressalte-se, ainda, a vulnerabilidade da população rural do semiárido e a exclusão do acesso às políticas públicas.

O panorama evidencia a necessidade de transformações estruturais, além de pressupor ações que visem a ampliar o acesso aos sistemas de abastecimento de água. As metodologias tanto do P1MC quanto do PAD são engessadas e pré-estabelecidas; muitas vezes, elas refletem um processo de burocratização da participação das famílias beneficiadas. Nos dois programas, essa participação não se deu como reflexo de um trabalho contínuo de compartilhamento de ideias, de valores e objetivos, mas como uma obrigação a ser cumprida, protocolar. Os beneficiados não participam como sujeitos políticos das decisões que, de uma forma ou de outra, incidem sobre suas vidas – eles sempre são reduzidos à condição de objetos.

É urgente e necessário que o governo federal, as instituições de pesquisas (universidades e institutos) e a sociedade civil trabalhem juntos no sentido de encontrar meios e ações para mitigar os danos sofridos pela população do semiárido. O desenvolvimento é uma questão complexa e múltipla. As estratégias nacionais de desenvolvimento não podem negligenciar a necessidade de adoção de mecanismos que melhorem a gestão dos recursos hídricos no semiárido. Além disso, o Estado tem uma importância fundamental na promoção de planos de desenvolvimento sustentável nessas localidades, com a participação de atores governamentais e não governamentais.

Embora os programas sejam relevantes, estão muito aquém do ponto desejável ou necessário para promover transformações significativas; com efeito, o alcance social ainda se mostra pequeno diante da problemática da escassez de água para o consumo humano na região do semiárido paraibano. O que falta é um aprimoramento das políticas públicas de potabilidade da água, as quais precisam deixar de ser pontuais e emergenciais para se tornarem permanentes, dando condições para que a população, mais que “conviver com o semiárido”,“viva o semiárido”.

Notas

1     Cerca de 90% das pessoas que têm dificuldade para obter água para consumo humano se encontram em áreas rurais, e os cidadãos mais pobres e marginalizados são os que mais sofrem com a privação de um direito humano  básico.

2     Para mais informações, ver: .

3     Esses municípios são enquadrados em pelo menos um dos três critérios: I) Precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; II) Índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e III) Risco de seca maior que 60%, tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Esses três critérios foram aplicados consistentemente a todos os municípios que pertencem à área da antiga SUDENE, inclusive os municípios do norte de Minas e do Espírito Santo.

4     O São Francisco é o terceiro maior rio do Brasil, com nascentes na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e percurso de 2.696 km até a sua foz no Oceano Atlântico, na divisa de Alagoas e Sergipe (Agência Nacional das Águas, 2004).

5     A BHRSF responde por cerca de 70% da oferta de águas superficiais do Nordeste brasileiro. Interessante observar que, apesar da imponência de seu curso d’água, a principal bacia é formada por diversos afluentes intermitentes.

6     Vale mencionar que na década de 1980 foram registradas na região algumas experiências de ações coletivas envolvendo a sociedade civil em parceria com instituições públicas de pesquisa e extensão, com vistas a criar e resgatar soluções para convivência com o Semiárido, com tecnologias de baixo custo e de fácil acesso.

7     Para uma leitura mais aprofundada, ver: Santos (2012).

8     As informações sobre o número de cisternas rurais construídas pelo P1MC estão disponíveis através do Site da ASA Brasil.

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