Análise da abordagem territorial rural no Território Portal da Amazônia: exemplo de Terra Nova do Norte, Mato Grosso


Deonice Maria Castanha Lovato
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e docente da Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte (FCSGN).

1. Introdução

Este artigo é parte de uma pesquisa em andamento sobre a dinâmica do enfoque territorial rural no Território Portal da Amazônia, em que o recorte do campo empírico foi o município de Terra Nova do Norte, localizado no norte do Estado de Mato Grosso. Busca-se com este estudo estabelecer a relação do Território Portal da Amazônia no âmbito dos Territórios da Cidadania, destacando a historicidade do processo migratório promovido pela colonização para o norte de Mato Grosso e a ocupação do espaço rural, tomando por base o município de Terra Nova do Norte com suas atividades econômicas a partir da implantação do Projeto Terranova em 1978 até os dias atuais.

Os objetivos traçados para a pesquisa foram: análise do enfoque territorial rural a partir da década de 1990 no contexto das políticas públicas; caracterização do Território Portal da Amazônia no âmbito de seus municípios; compreensão da expansão da fronteira na Amazônia mato-grossense; historicidade do Projeto Terranova de colonização; e a contextualização do município de Terra Nova do Norte no Território Portal da Amazônia. A pesquisa bibliográfica abordou dados teóricos sobre o tema e também foi realizada uma pesquisa empírica com uma entrevista semiestruturada junto às populações das comunidades rurais e com os proprietários rurais, para compreender as perspectivas de sua permanência no meio rural.

Justifica-se este estudo pela necessidade de promover questionamentos das políticas públicas como a criação dos Territórios da Cidadania, em que o enfoque está pautado no desenvolvimento territorial rural. Dessa forma, os dados teóricos e empíricos foram sistematizados, para entender que a ressignificação do espaço rural mediante tais políticas públicas é um meio para minimizar a questão da exclusão social dos pequenos proprietários rurais.

Portanto, o presente artigo propõe-se a contribuir com a discussão em torno do enfoque do desenvolvimento territorial rural, tomando como exemplo o Território Portal da Amazônia e o município de Terra Nova do Norte no Estado de Mato Grosso, levando em consideração a análise de uma política pública pautada na descentralização do Governo Federal de estratégias e gestão para os representantes da sociedade civil, uma tendência frente às novas necessidades postas pelo capital.

2. Considerações sobre o enfoque territorial rural

As políticas públicas de todos os setores econômicos passaram por mudanças de ordem estrutural a partir dos anos de 1990, uma redefinição e redirecionamento em virtude da crise do capital na nova fase do sistema capitalista.

O capitalismo financeiro passa a predominar na economia assumindo um caráter parasitário. Há grande flexibilização dos mercados e instabilidade cambial, acarretando um clima de insegurança e especulação. Esse processo pode ser denominado de mundialização da economia.

Dessa forma, o paradigma econômico pautado na ideologia neoliberal, em que o Estado transfere para a sociedade a responsabilidade de seu papel e as políticas públicas devem estar comprometidas com a solução dos problemas, adquirindo dessa forma, um caráter compensatório para a manutenção da acumulação capitalista.

Para nosso estudo, o meio rural que esteve integrado, desde o capital mercantil do período colonial (século XVI), até hoje, à dinâmica do capital financeiro também perpassa por políticas públicas na ótica do contexto neoliberal.

De acordo com Brum (1988, p. 32), “a consolidação do capitalismo financeiro, através da crescente concentração do capital e da fusão entre o capital bancário e o capital industrial, possibilita o controle da economia por alguns grupos”. Isso ocorreu em virtude da alteração da base material promovida pelo desenvolvimento tecnológico.

Nesse sentido, Delgado (2001, p. 20) destaca que

[...] a partir da última década, com o refortalecimento da ideologia neoliberal, as discussões sobre a política agrícola nos países centrais deixaram de enfatizar a intervenção do Estado como um corretivo para as “falhas do mercado”, ou para as especificidades da atividade produtiva agrícola, e passaram a centrar seu interesse nas imperfeições e distorções que a intervenção do Estado provoca nos mercados e na renda agrícola.

A agricultura a partir da década de 1980 perdeu o apoio do Estado financiador e protetor com políticas de créditos subsidiados em consequência da dívida externa, a crise da inflação, a impossibilidade de acesso ao mercado internacional com as elevadas taxas de juros.

Nesse cenário, a política macroeconômica1 tem sua representatividade segundo Belik e Paulillo (2001, p. 101-102), por grandes grupos de interesses particulares de setores e grupos não agrários, ligados a grupos não organizados de agricultores e de grandes corporações industriais e financeiras. Assim, conforme relatam os autores, “o espaço do financiamento agropecuário nacional foi ocupado por atores que impõem os seus interesses em troca das facilidades de aquisição de equipamentos” (2001, p. 103). Como exemplo, podemos citar o complexo do agronegócio da soja.

Nesse contexto, no final dos anos de 1990, o governo federal tem direcionado a agricultura de baixa renda a programas especiais de caráter compensatório, que no caso da pesquisa destacamos o enfoque territorial rural.

Nesse sentido, a abordagem territorial do desenvolvimento rural coloca ênfase nos laços diretos e localizados entre atores sociais como base para um conjunto de transformações político-culturais e econômicas que podem resultar em modificação substantiva na maneira como os indivíduos e os grupos utilizam os recursos de que dispõem e criam novas oportunidades de interação. 

O raciocínio delineia-se para a contribuição ao desenvolvimento de cada indivíduo, para que todos possam ser capazes de resolver as dificuldades mediante suas potencialidades. Ortega (2008, p. 164), explicita que o desenvolvimento territorial rural tem como “estratégia principal de atuação [...] promover ações descentralizadas que valorizassem os potenciais endógenos locais no processo de desenvolvimento”.

Quanto às políticas públicas, o discurso dos programas desenvolvidos vinculado ao caráter local, atende à necessidade do capitalismo em crise e, ao mesmo tempo, apresenta a contradição do capital globalizado com o atendimento focali­zado da sociedade.

No contexto da globalização da economia, o local foi revisitado como o espaço em que se possa recriar nova forma de produção e geração de renda. Também nesta lógica está inserida a política neoliberal para que esses espaços focalizados encontrem soluções para seus problemas e repassem responsabilidades ao meio local, em forma de parcerias comunitárias.

Nesse contexto, em 2003, o Governo Federal criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), para operacionalizar a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A adoção de políticas públicas voltadas para o meio rural, Grando (2014) explica que passaram a “considerar o território como a unidade de gestão, e a coesão territorial e a identidade como elementos centrais”.

O conceito de território da secretaria é definido pelo Ministério como

[...] um espaço físico, geograficamente definido, não necessariamente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (2005, p. 16). 

A missão da SDT consiste em promover a política de desenvolvimento do Brasil rural, a democratização do acesso à terra, a gestão territorial da estrutura fundiária, a inclusão produtiva, a ampliação de renda da agricultura familiar e a paz no campo, contribuindo com a soberania alimentar, o desenvolvimento econômico, social e ambiental do país.

De acordo com Abramovay (2003): 

Uma vez iniciada a formação de uma rede nacional que reúne extensionistas, movimentos sociais e inteligência universitária na formação dos conselhos de desenvolvimento rural, é urgente que se caminhe para mudar o formato atual que não tem estimulado que os conselhos preencham as funções para as quais foram concebidos e criados (p. 84).

Com relação ao enfoque de desenvolvimento territorial denota-se ser uma política de inclusão como estratégia para redução da pobreza rural. Essa abordagem da “inclusão” permite-nos fazer algumas considerações. Na verdade, não existe exclusão. Isso se deve ao fato de todos os indivíduos estarem inseridos no sistema capitalista, isto é, todos estão incluídos de algum modo no circuito reprodutivo do capital. 

O questionamento deve ser relacionado com a forma com que se dá essa inclusão no meio rural, conforme Martins (1997, p. 26, grifos do autor), que ressalta que “chamam de exclusão aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal”.

Na medida em que as políticas públicas produzem uma reinclusão insuficiente e limitada, produzem também uma reinclusão ideológica. Conforme é apontado por Martins (1997, p. 21), “a nova desigualdade separa materialmente, mas unifica ideologicamente”.

Assim, o território é abordado como um recorte microrregional e pela constituição de aspectos socioculturais ligados pela identidade, tendo um novo enfoque pautado em uma política desenvolvimentista e racionalista. Torna-se um meio de escamotear a questão agrária para um consenso de desenvolvimento rural.

O discurso das políticas públicas de desenvolvimento rural se pauta conforme destaca Gómez (2006, p. 73):

Diversificação produtiva, pluriatividade, transformação do pequeno produtor em empresário rural, capacitando-o para contribuir melhor com a acumulação do capital, implementação de políticas de desenvolvimento baseadas em mecanismos de mercado, busca de consensos entre classes sociais, participação popular e substituição de enfoques setoriais por outros territoriais.

Essa preocupação de elaborar estratégias para o desenvolvimento rural mediante políticas públicas com enfoque de caráter territorial aponta para a construção de alianças com todos os agentes públicos e privados interessados no desenvolvimento como forma de manter os interesses do capital.

Também está inserida no território a questão ambiental, com a abordagem do desenvolvimento sustentável, em que enfatiza a dimensão territorial do desenvolvimento, considerando as pessoas e as instituições envolvidas em segmentos de reprodução social, como atores sociais. 

Propõe-se que o desenvolvimento local atue no espaço rural delimitado por um território, que pode ser o município, uma comunidade de diferentes etnias, uma microrregião, ou um assentamento rural. Considera-se que as comunidades devem explorar características e potencialidades próprias, na busca da especialização de atividades que lhes tragam vantagens comparativas, de natureza econômica, social, política e tecnológica, numa relação harmoniosa com a natureza e tendo a agricultura familiar como instrumento. 

Nesse cenário, a política territorial avançou em fevereiro de 2008, quando o presidente Lula criou os Territórios da Cidadania no Brasil, em um total de 60 territórios, com apoio de quinze ministérios2 e algumas secretarias. Posteriormente, em 2013, avançou para o total de 120 Territórios da Cidadania, voltados ao desenvolvimento territorial rural.

Para alguns estudiosos no assunto, o desenvolvimento territorial rural trata-se de um programa recomendado pelas organizações do capital financeiro mundial, com objetivo de compensar a miséria causada por planos neoliberais na economia, como redução do emprego, aumento da pobreza e a diminuição de verbas destinadas para as áreas sociais da saúde e da educação.

Portanto, a criação dos Territórios da Cidadania tem como objetivo principal a superação da pobreza no Brasil, de forma conjunta com demais políticas públicas para impulsionar o desenvolvimento das comunidades em que estão inseridas.

3. Características básicas do Território Portal da Amazônia

O Território Portal da Amazônia é uma região localizada no extremo norte do Estado de Mato Grosso, composto por dezesseis municípios: Alta Floresta, Apiacás, Carlinda, Colíder, Guarantã do Norte, Matupá, Nova Bandeirante, Nova Canaã do Norte, Nova Guarita, Nova Monte Verde, Nova Santa Helena, Novo Mundo, Paranaíta, Peixoto de Azevedo, Terra Nova do Norte e Marcelândia.

Os municípios do Portal da Amazônia são contemplados pelo Programa Territórios da Cidadania por apresentarem os critérios estipulados pelo MDA e por possuírem uma identidade social econômica e cultural; os municípios terem uma população de até 50 mil habitantes; uma densidade populacional menor que 80 habitantes/km2; maior concentração de agricultores familiares e assentamentos da Reforma Agrária; maior número de municípios com baixo dinamismo econômico; baixo Índice de desenvolvimento Humano (IDH); estarem organizados em territórios rurais de identidade; e por estarem integrados com os Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

De acordo com estudos de Olival, Spexoto e Rodrigues (2006), o Território Portal da Amazônia:

Assume importância em relação a sua população rural, sendo que os municípios que fazem parte deste território possuem basicamente características rurais. As informações econômicas reforçarão este quadro. Deve-se ressaltar que Alta Floresta destaca-se dos demais por ser o que apresenta o maior índice de urbanização, sendo o município que concentra a maior parte dos serviços urbanos do território.

Assim, o Território Portal da Amazônia compreende os munícipios do norte do Estado de Mato Grosso localizados nos limites iniciais da floresta amazônica, seus municípios têm origem em projetos de colonização privados, por Projetos de Ação Conjunta (PAC) ou projetos de assentamentos para a reforma agrária.

Convém destacar que esses projetos de colonização que foram implementados estavam no contexto da expansão da fronteira na Amazônia mato-grossense, que por sua vez estava inserida no processo da modernização da agricultura, ou seja, a expansão do capitalismo no campo.3

O processo da modernização da agricultura no Brasil se deu durante as décadas de 1960 e 1970, em que a expansão do capitalismo no meio rural ocorreu sem alterar a estrutura fundiária. Seu resultado foi um êxodo rural e os movimentos migratórios inter-regionais, como a ocupação da Amazônia mato-grossense por meio de projetos de colonização.

Devido a uma política econômica para a agricultura que estimulou as culturas para a exportação, concentrou a propriedade da terra e favoreceu a agricultura empresarial, não restou muita opção aos pequenos agricultores além da migração para as cidades ou para o norte do país na esperança de um pedaço de terra. Foi aí o grande fluxo migratório principalmente dos estados do Sul para a Amazônia mato-grossense promovido pelas colonizadoras.

Dessa forma, o processo de ocupação da fronteira norte mato-grossense surgiu com um grande número de cidades, em que existe uma inter-relação entre o espaço rural e espaço urbano, caracterizada por cidades que giram em torno das atividades ligadas à agropecuária circundante.

Segundo Olival, Spexoto e Rodrigues (2006), 

Do mesmo modo que Alta Floresta, Guarantã do Norte e Colíder respondem por mais de 50% da renda total do território, estes três municípios, sozinhos, respondem por 47% do valor bruto da produção agropecuária do Portal da Amazônia, que corresponde a 4,9% do valor do Estado. Assim, apesar da grande população rural em relação à população total (principalmente considerado que muitos municípios dependem quase que exclusivamente da atividade agropecuária para a geração de renda), observa-se a pequena quantidade de riquezas geradas.

Esse meio rural apresenta hoje, uma dinâmica de produção não mais voltada para a agricultura camponesa e sim nos moldes das políticas públicas para a agricultura familiar. Segundo Olival, Spexoto e Rodrigues (2006) o “Portal da Amazônia é um território onde há forte predomínio da agricultura familiar em termos de número de estabelecimentos: mais de 84% das propriedades são familiares”.

Assim, podemos observar conforme destaca Brum e Trennpohl (2005, p. 92-93):

A agricultura familiar é o maior segmento em número de estabelecimentos agrícolas e tem significativa importância econômica em diversas cadeias de produção [...] podendo desempenhar um papel muito importante, pois garante a subsistência da família, distribui renda e gera postos de trabalho, garantindo, assim, o sustento de milhões de brasileiros. A agricultura familiar é massiva na ocupação de mão de obra. Num país como o Brasil, com grande disponibilidade de gente, tem importante função social.

O Território Portal da Amazônia se revela no âmbito das políticas públicas do Governo Federal em uma nova perspectiva com projetos voltados para a agropecuária sustentável e a implementação de projetos desenvolvidos por cooperativas, uma vez que a ruralidade apresenta significativo valor na sociedade contemporânea, principalmente relacionado com a biodiversidade.

A abordagem territorial do desenvolvimento rural coloca ênfase nos laços diretos e localizados entre atores sociais como base para um conjunto de transformações político-culturais e econômicas que podem resultar em modificação substantiva na maneira como os indivíduos e os grupos utilizam os recursos de que dispõem e criam novas oportunidades de interação.

No entanto, estudos do Conselho Executivo de Ações da Agricultura Familiar (2010) apontam “a profunda relação existente entre desmatamento, pobreza e concentração de terras e renda”. Contraditoriamente, o capital promoveu de um lado a concentração da renda para as grandes empresas de colonização, de outro, gerou na grande maioria um colono empobrecido e sofrido.

Conforme a característica da população do Portal da Amazônia pelo Conselho Executivo de Ações da Agricultura Familiar (2010) pode-se dizer que

A população do Portal da Amazônia pode ser considerada como rural. Entretanto, observa-se nos últimos anos fluxo migratório das áreas rurais para os núcleos urbanos, a diminuição do crescimento populacional do território e intensificação das migrações internas. Apesar do avanço do IDH nos últimos anos, a renda continua sendo um dos principais limitantes para as populações do território, em especial as populações rurais.

Com relação aos aspectos econômicos, pode ser resumido pelo Conselho Executivo de Ações da Agricultura Familiar (2010):

 O Portal da Amazônia é um território no qual as atividades agrícolas desempenham papel econômico relevante, em especial a pecuária de leite e a produção de lavouras temporárias. A agricultura familiar ocupa neste cenário um espaço importante: representa grande parte dos estabelecimentos e é grande atividade empregadora da região. Entretanto, alguns importantes limitantes ainda precisam ser superados: a concentração de terras, a baixa renda do agricultor familiar devido principalmente pelos produtos de baixo valor agregado e os graves impactos ambientais ocasionados pelo avanço da fronteira agrícola são alguns exemplos que devem ser considerados.

É nesse contexto de nosso estudo, que atuamos com observação crítica e análise, num trabalho continuado e constante discussão em torno da ocupação da terra no município Terra Nova do Norte, com sua configuração nos moldes da atual política territorial rural.

4. O município de Terra Nova do Norte no âmbito da fronteira capitalista

A partir dessas considerações, nosso estudo sobre o município de Terra Nova do Norte, no Estado de Mato Grosso objetiva investigar as relações dos migrantes em sua realidade interespacial e entre a dinâmica do espaço rural, pois, esse espaço reflete a sua organização social e cultural, uma vez que construído e modificado historicamente.

Considera-se a categoria trabalho o ponto de partida por ser uma relação social historicamente determinada em que participa o homem e a natureza com o objetivo de satisfazer as necessidades humanas. 

Para este estudo é fundamental compreendermos os motivos que fizeram surgir o Programa Terranova, cuja origem remonta aos acontecimentos no Estado do Rio Grande do Sul, notadamente a região nordeste do Estado, em que os trabalhadores rurais cultivavam terras de lavouras com soja, trigo e milho nas reservas dos índios Kaingang4 na condição de arrendatários.5

A questão agrária no Rio Grande do Sul a partir da década de 19706 torna-se palco de muitos conflitos pela posse da terra, gerados em grande parte pelo modelo de desenvolvimento adotado pela política agrícola que passou a priorizar as lavouras de exportação em detrimento da agricultura familiar, cuja mecanização e a concentração da terra expulsaram cada vez mais os pequenos agricultores e excluiram ainda mais os despossuídos.

Conforme depoimento de um entrevistado que presenciou o acontecimento na época, “os índios agiram de forma muito rápida, iam colocando fogo nas casas e nas plantações, e em alguns casos deixaram retirar a mudança e os animais que criavam, como porcos e vacas”.

Dessa maneira, o governo estadual abrigou cerca de 800 famílias por 56 dias no Parque de Exposições de Agropecuária em Esteio, próximo a Porto Alegre, sob o rígido controle da polícia;7 as outras 200 famílias permaneceram em abrigos improvisados às margens das estradas da região do Alto Uruguai.

 Porém, com a aproximação da data da exposição, tiveram que perambular sem destino pelas estradas ou sobrevivendo provisoriamente em casas de parentes, conforme pontua Schaefer (1985, p. 82). 

Diante da situação de emergência, o governo federal por meio do Ministério do Interior, Maurício Rangel Reis, no mês de maio de 1978 convidou a Cooperativa Agropecuária Mista de Canarana Ltda. (COOPERCANA), liderada pelo pastor luterano Norberto Schwantes, a apresentar um projeto de assentamento dos colonos no Estado de Mato Grosso e assim credenciar a cooperativa para proceder ao rápido assentamento das famílias. Considerando que na época, para o regime militar, Schwantes já havia empreendido dois projetos de colonização8 com certo êxito no Mato Grosso.

Esse empreendimento conjunto representou a primeira experiência de colonização oficial no Estado de Mato Grosso, sob a coordenação do INCRA, pois o Conselho de Segurança Nacional temia que o acontecimento alcançasse a dimensão de uma convulsão social agrária no Sul do país.

Em apenas seis dias a COOPERCANA apresentou o projeto ao Ministro do Interior Rangel Reis que previa o assentamento de mil famílias em uma primeira etapa para o governo federal.

O modelo de assentamento realizado com o Projeto Terranova foi chamado de Projeto de Ação Conjunta (PAC), que consistia em um projeto de colonização implantado pelo Governo Federal (INCRA) e gerenciado por uma cooperativa, no caso a COOPERCANA, que ficou com o cargo da elaboração e execução dos projetos. Dessa forma, ficou acordado entre o governo federal e a cooperativa que as terras públicas selecionadas seriam transferidas à cooperativa.

Os colonos deveriam associar-se à cooperativa e esta venderia os lotes aos colonos pelo mesmo valor de aquisição pela cooperativa. O colono por sua vez, teria o financiamento para a aquisição do lote, para ferramentas, implementos agrícolas e custeio anual das lavouras.

De acordo com as diretrizes estabelecidas no Programa Terranova (1978, p. 68), a cooperativa deveria assumir os gastos de infraestrutura física, se responsabilizaria por dez alqueires desmatados de cada lote e a construção da moradia do colono, tudo isso incluído no valor do lote adquirido. Por sua vez, a cooperativa deveria prestar ao colono associado o serviço de assistência técnica na produção agrícola e a sua comercialização, bem como a assistência social e recreativa à comunidade rural.

Na proposta inicial não estava previsto o sistema de assistência aos parceleiros em nucleamentos urbanos secundários, as agrovilas,9 o que não constou no orçamento preliminar, porém, em tempo, foram incluídos no orçamento os recursos necessários para a formação das agrovilas.

O núcleo urbano principal estava previsto para ser dimensionado e detalhado nos estudos do projeto da segunda etapa, a ser construída no entroncamento da J-1 com a BR-163 e posteriormente uma unidade de um hospital seria construída no núcleo de apoio, embrião da futura cidade de Terra Nova do Norte, conforme os dados do Projeto Terranova I (1978, p. 77).

Quanto à produção agrícola, o programa previa que o suporte econômico seria o cultivo das culturas temporárias de arroz, milho, feijão, mandioca e amendoim durante os dois a três anos da abertura e desbravamento da terra; e posteriormente, as culturas permanentes de cacau, café, banana e guaraná.

4.1 A ocupação dos migrantes no Projeto Terranova

No início do mês de julho de 1978, foram transferidas as primeiras famílias do Rio Grande do Sul para o Projeto Terranova em Mato Grosso. A chegada causou para a maioria dos colonos grande impacto, pois tudo parecia estranho, o clima quente, a vegetação amazônica e a solidão da floresta. De acordo com um colono entrevistado que presenciou esse momento e contou: “muitos choravam, alguns riam surpresos e outros queriam voltar no mesmo ônibus”. Outro colono relatou que algumas mulheres disseram apavoradas: “Isso aqui é o fim do mundo!”.

Os parceleiros10 foram assentados nas agrovilas que correspondiam aos Setores A, B, C, D, E e F e formaram as seguintes agrovilas: Agrovila Esteio (1ª), Agrovila Planalto (2ª), Agrovila Nonoai (3ª), Agrovila Guarita (4ª), Agrovila Xanxerê (5ª) e a Agrovila Miraguaí (6ª).

Cada família recebeu um lote rural de 100 ha, um lote para-rural11 na agrovila e mais 100 ha de reserva florestal, que compunham umas das áreas das quatro reservas de condomínio, destinadas à reserva legal de 50% correspondente na época.

Para dar continuidade ao assentamento das famílias remanescentes das reservas indígenas de agricultores sem-terra no Rio Grande do Sul, foi elaborada a segunda parte do programa denominado Projeto Terranova II em 1979. Vieram no Projeto Terranova II aproximadamente 434 famílias, para os setores G, H e I, respectivamente denominadas de Agrovila Charrua (7ª), Agrovila Minuano (8ª) e Agrovila Norberto Schwantes (9ª). 

As famílias do Projeto Terranova I e II eram provenientes das cidades gaúchas de Nonoai, Planalto, Tenente Portela, Guarita e Miraguaí.

Para o modelo pioneiro de exploração do lote, foram selecionados para o plantio de culturas temporárias12 o arroz, o milho e o feijão, porém o colono poderia fazer outra opção de cultura temporária. Dessa maneira, essas culturas seriam a sustentação do colono nos cinco primeiros anos de abertura e desmatamento do lote rural.

Os principais produtos plantados no início foram o arroz e o milho, no entanto, conforme afirmou um colono: “nós entregávamos a produção na cooperativa, onde ficava depositada e acabava estragando”. Isso aconteceu devido às dificuldades de escoamento, uma vez que a rodovia até Cuiabá não era pavimentada e na época das chuvas gastava-se muitos dias de viagem. Além disso, outra dificuldade dos colonos foi o preço da lavoura colhida ser muito baixo e nem dava para pagar todos os gastos.

Diante disso, a partir de 1980 assumiu a compra dos produtos agrícolas dos colonos a Comissão de Financiamento da Produção (CFP). No entanto, também os colonos vendiam seus produtos a negociantes particulares, os intermediários, em que viam mais vantagens que a cooperativa porque buscavam a produção no sítio e pagavam à vista.

A exploração madeireira foi comercializada no momento da abertura dos lotes, em que a cooperativa instalou uma serraria no núcleo de apoio para viabilizar o aproveitamento da madeira.

Convém destacar que diante inúmeras dificuldades registrou-se praticamente 80% de desistência dos colonos no Projeto Terranova no período de 1979 a 1981, a maioria retornou ao Sul. Dessa forma, o projeto de colonização foi se esfacelando e os parceleiros foram desanimando e vendendo suas terras por um preço muito baixo aos migrantes compradores que vinham principalmente do Sul do país.

De acordo com o levantamento feito neste estudo, atualmente cerca de 10% dos colonos pioneiros permaneceram no Projeto Terranova I e II. Os demais venderam a terra e atualmente residem na cidade como trabalhadores assalariados em vários ramos de atividades e outros migraram para outras cidades do Mato Grosso, para o Estado do Pará e outros retornaram à região de origem.

No contexto da colonização em Terra Nova do Norte, houve um processo paralelo com a vinda de outra leva de migrantes, os chamados colonos compradores,13 que vinham do Sul mediante o rumor de notícias que o governo federal estava vendendo lotes a preços irrisórios, ao mesmo tempo em que havia uma significativa desistência dos colonos parceleiros da terra. 

Quanto ao fluxo populacional em Terra Nova do Norte, este se tornou mais intenso por volta do ano de 1983 com a descoberta de ouro na região e com a vinda de muitos garimpeiros. A atividade garimpeira aconteceu em um processo paralelo ao desenvolvimento do projeto de colonização, sendo que o garimpo representou uma atividade “compensatória” dos migrantes iludidos e esperançosos com um futuro melhor.

Pode-se dizer que a terceira fase econômica do município ocorreu a partir do desmembramento da COOPERCANA, em 1987 e desse processo surgiu a Cooperativa Agropecuária Mista Terranova Ltda. (COOPERNOVA), composta por 201 associados originários do Projeto de Colonização Terranova I e II, atuando inicialmente no recebimento, secagem e armazenamento de produtos agrícolas, principalmente o arroz e o milho, comercializados com o governo federal através do Ministério da Agricultura.

A partir de 1991, a produção agrícola praticamente se tornou uma atividade de subsistência e a pecuária tornou-se a atividade econômica principal. Devido às características de solo, topografia e sistema fundiário, a pecuária leiteira foi a alternativa encontrada na época para gerar renda para as pequenas propriedades.

Atualmente, o município de Terra Nova do Norte, é considerado o maior produtor de leite da região Norte do Estado e a COOPERNOVA a agroindústria de maior captação de leite. Tem sua área de atuação nos municípios vizinhos de Nova Guarita, Colíder, Nova Santa Helena, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte. Cerca de 98% dos fornecedores do leite para a cooperativa são de agricultores familiares, totalizando 2.393 associados, segundo dados do histórico no site Coopernova Agroindustrial (2010).

Para as pessoas entrevistadas que residem atualmente no município de Terra Nova do Norte com relação ao Projeto Terranova de colonização, há várias opiniões: uns disseram que foi um projeto sólido, mas que não deu certo porque os colonos não tinham aptidão agrícola; outros disseram que a cooperativa desempenhou um papel de uma colonizadora privada como um órgão ineficiente e de domínio; existem aqueles que defendem a cooperativa e afirmam que foi o governo federal que não deu condições suficientes para o projeto.

Para os colonos que ficaram na terra, eles dizem que foi uma lição de vida, pois conforme afirmou o colono: “Foi uma aventura que deu errado, mas pensando em acertar”.                                              

Com relação às agrovilas construídas no núcleo de colonização verificou-se que a forma de sua localização permitiu que a população rural não se dispersasse e ao mesmo tempo recriou relações sociais em torno da igreja, o salão de reuniões e festas, a escola primária, o campo de futebol e o jogo de bocha. 

Compreende-se que a formação das agrovilas em um processo histórico determinado está imbricada em uma teia de relações nos aspectos da organização social, manifestação cultural, modo de produção e a questão do poder político. Processo esse em curso nos dias de hoje.

5. O Território Portal da Amazônia no contexto do município de Terra Nova do Norte

A compreensão do município de Terra Nova do Norte a partir do contexto do Território Portal da Amazônia nos remete à configuração da fronteira amazônica em um projeto de colonização, destacando sua ocupação mediante a formação de agrovilas e a recriação sociocultural dos migrantes, bem como os desdobramentos desse processo migratório e a atual ressignificação do espaço territorial.

Assim, a ressignificação territorial redefinida com a formação das agrovilas no município de Terra Nova do Norte teve um caráter de dimensão espacial para atender as famílias migrantes do Sul do Brasil. Entretanto, essa condição resultou de um processo histórico determinado e está imbricado em uma teia de relações nos aspectos da organização social, manifestação cultural, modo de produção e a questão do poder político.

Nesse sentido, Saquet (2007, p. 81, grifos do autor) explica que:

Não há território sem uma trama de relações sociais; o território é um lugar substantivo por essas relações ou territorialidades e é constituído histórica e geograficamente. Nessa trama, há interações entre a Terra e o território, o que indica uma proposição múltipla considerando, principalmente, as relações economia-política-natureza [...] É uma forma de se trabalhar, na geografia, a interação Terra-território, através da representação e do estudo da vida cotidiana. 

As agrovilas em seu processo de formação e apropriação territorial construíram relações complexas, permeadas por conflitos e a atuação dos sujeitos presentes nas relações entre o local e o global.

Importante para este estudo é a concepção territorial de Claude Raffestin ao afirmar que o território é transformado pelo trabalho e revela as relações de poder, não só no aspecto político como também na transformação da natureza, assim destacado por Saquet (2007, p. 77, grifos do autor):

O homem vive relações sociais, a construção do território, interações e relações de poder; diferentes atividades cotidianas, que se revelam na construção de malhas, nós e redes, construindo o território; manifesta-se em distintas escalas espaciais e sociais e varia no tempo [...] Com isso fica claro o caráter relacional de sua argumentação: relações de poder, redes de circulação e comunicação, dominação de recursos naturais, entre outros componentes que indicam relações sociais entre sujeitos e entre esses com seu lugar de vida, tanto econômica como política e culturalmente.

Pode-se notar que as abordagens territoriais tanto de Dematteis e de Raffestin são similares ao enfocar o território como um produto socioespacial.

Apesar das transformações que passou o município de Terra Nova do Norte ao longo dos anos, agricultura de subsistência, depois a atividade garimpeira e hoje com potencial destacado na bacia leiteira, a formação original de seu espaço rural configurou em pequenas propriedades, em que se pode afirmar que a formação das agrovilas contribuiu para o modo de produção familiar.

O município de Terra Nova do Norte apresenta características peculiares em relação aos demais municípios pertencentes ao Portal da Amazônia pelos seguintes aspectos, entre eles a sua origem ligada ao Projeto Terranova, que foi a primeira experiência de colonização oficial de Mato Grosso, sob a coordenação do INCRA, colonização pioneira no país pelo INCRA e uma cooperativa, denominada Projeto de Assentamento Conjunto (PAC).

Verificamos que no Território Portal da Amazônia, o município de Terra Nova do Norte contempla características importantes para pertencer ao Território da Cidadania, o fato de predominar cerca de mais de 80% os proprietários rurais na condição de pequenos proprietários e sendo, portanto, agricultores familiares. Terra Nova do Norte destaca-se no Portal da Amazônia por apresentar o segundo maior número de pessoas ocupadas na agricultura familiar, superado apenas pelo município de Guarantã do Norte, segundo o Censo Agropecuário (2006).

Com relação ao número de famílias assentadas, Terra Nova do Norte possui a maior quantidade de famílias assentadas aos demais municípios do Portal da Amazônia, foram 2.558 famílias, conforme dados do MDA (2015).

A ruralidade se expressa pelo predomínio de 60% de sua população no meio rural e a dimensão dessa população rural é representativa na grande quantidade de comunidades rurais que existem no interior do município, que é cortado por mais de dois mil quilômetros de estradas vicinais. As comunidades são um legado da formação de agrovilas, fator fundamental da recriação sociocultural da população, chegando a ter cerca de cinquenta comunidades rurais com igreja, salão de festas, escola, postinho de saúde, campo de futebol, quadro de jogo de bocha. Atualmente ainda persistem cerca de trinta comunidades rurais.

Quanto à identidade, o município de Terra Nova do Norte caracteriza-se pela forte presença da população sulista, que segundo Grando (2014):

Sobre a identidade da região, os depoimentos apontam para a presença do agricultor familiar, mas também para a diversidade de origens desses agricultores, o que dificulta um sentimento de pertencer mais arraigado. Entretanto, os depoimentos ressaltam as características de coragem dos colonos, que chegaram a uma região desconhecida para buscar construir sua vida. 

Outro aspecto em relação aos demais municípios do Portal da Amazônia é por sediar duas cooperativas: a COOPERNOVA, cuja criação confunde-se com a própria história do município, em que atualmente destaca-se no cenário estadual por ser a maior cooperativa em números de associados do Estado de Mato Grosso e com atuação em oito municípios. Também a Cooperativa dos Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia (COOPERAGREPA), inaugurada em agosto de 2003 com a produção orgânica de laticínios, frangos, mandioca, verduras, doces, frutas, café, castanha do Brasil, guaraná em pó, açúcar mascavo e melado.

Sua criação fazia parte do programa Vida Rural Sustentável coordenado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), composta por cerca de 300 famílias em 10 municípios do Portal da Amazônia, atuando na área de café, açúcar mascavo, rapadura, leite, mel, entre outras atividades.

Sobre essa questão das cooperativas, Grando (2014) aponta:

Por outro lado, os municípios que mais concentram serviços têm maior visibilidade na região, e as organizações sociais que são sediadas neles parecem atuar na conexão destes centros com os municípios da periferia. Por conta da presença destas organizações, os municípios de Alta Floresta (pelas ONGs, principalmente) e Terra Nova (pelas duas cooperativas), conectam os outros municípios do Território Portal da Amazônia, sugerindo uma atuação mais efetiva na construção da coesão social neste território.

No entanto, Lovato (2010) menciona que a partir das entrevistas com os agricultores familiares:

Possibilita-nos ilustrar primeiro, que as comunidades rurais constituem identidades comuns a partir da recriação sociocultural dos migrantes; segundo, apesar das transformações no processo produtivo, constatou-se a grande dependência dos produtores para com as cooperativas locais; terceiro, persiste um grau de baixa capitalização de investimentos dos agricultores familiares para aumentar sua produção; quarto, há sinalização, pela busca de alternativas, com a diversificação de outras atividades e com a agricultura orgânica que possam promover um desenvolvimento local endógeno.

Com referência às Políticas Públicas para Agricultura Familiar, Terra Nova do Norte apresenta o segundo maior número de técnicos da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e segundo em valores utilizados do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), perdendo apenas para o município de Canaã do Norte.

Um dado importante no município é que ocupa o primeiro lugar como município do Portal da Amazônia com o menor índice vulnerável à pobreza.

Conforme pesquisa realizada por Grando (2014) observou-se que o Território Portal da Amazônia é muito influenciado por políticas públicas, destacando a “Gestão Ambiental Rural (GESTAR), o PRONAT e Territórios da Cidadania, Consórcios Intermunicipais e Agenda 21 Local, além de diversas iniciativas de ONGs e movimentos sociais”.

A partir das entrevistas com as pessoas das comunidades rurais há certo desconhecimento sobre o Território Portal da Amazônia em relação aos seus objetivos, metas, estratégias e atividades desenvolvidas.

Verifica-se que tal noção e aplicação das políticas de desenvolvimento territorial rural no município ficam restritas aos principais representantes das organizações sociais e dos órgãos públicos competentes do setor agropecuário.

Dessa forma, entre as inúmeras abordagens do conceito de território destacamos a abordagem de Giuseppe Dematteis em que Saquet (2007, p. 80), menciona “historicamente, acontece um processo de apropriação da Terra, que pressupõe uma complexa combinação de fatos sociais, técnicos, culturais, econômicos e políticos”. Também podemos dizer que abrange valores, significados, visões compartilhadas, códigos, tradições e o folclore. 

Um território é apropriado e ordenado por relações econômicas, políticas e culturais, sendo que estas relações são internas e externas a cada lugar; é fruto das relações (territorialidades) que existem na sociedade em que vivemos. Como também, a contradição da tendência do capital com o global e o de afirmações de identidade com o nível de enraizamento local.

6. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi discorrer sobre a temática do desenvolvimento territorial rural a partir da criação dos Territórios da Cidadania, em que se destacou a abordagem do Território Portal da Amazônia, em que o recorte do campo empírico foi o município de Terra Nova do Norte, localizado no norte do Estado de Mato Grosso.

Dessa forma, o estudo destacou o município de Terra Nova do Norte, onde foi possível observar que sua colonização apresentou características peculiares dos demais modelos de colonização com o Projeto Terranova e a vinda dos migrantes do Sul do país com a formação das comunidades rurais em torno das agrovilas, em uma dinâmica do espaço rural reconfigurado em que o mesmo reflete a sua organização social e cultural, uma vez que construído e modificado historicamente. Assim, infundiu-se a discussão sobre a expansão da fronteira agrícola para a região em estudo e sua recriação sociocultural.

Na oportunidade do estudo em que foram abordados os referenciais teóricos, também foi realizada entrevista semiestruturada com as pessoas que vivenciaram o processo histórico e com isso foi possível entender a ressignificação do espaço rural que ocorreu com a formação das agrovilas.

O Projeto Terranova está inerente ao momento histórico dos processos de colonização, em que representou no primeiro impacto para os migrantes uma fronteira de esperança, depois a árdua realidade na região com as dificuldades enfrentadas, apresentam atualmente um novo enfoque para a agricultura familiar com a política territorial rural.

Nesse sentido, no estudo do Território Portal da Amazônia observa-se que as políticas públicas pautadas no desenvolvimento territorial rural se constituem desenvolvimento local e o ajustamento do camponês na reprodução social como agricultores familiares com políticas para compensar o crescimento e concentração do lucro das grandes propriedades rurais.

Dessa forma, o presente artigo propõe-se a contribuir com a discussão em torno do enfoque do desenvolvimento territorial rural, tomando como exemplo o Território Portal da Amazônia e o município de Terra Nova do Norte no Estado de Mato Grosso, levando em consideração a análise de uma política pública pautada na descentralização do Governo Federal de estratégias e gestão para representantes da sociedade civil.

Na ressignificação do desenvolvimento territorial rural observa-se a atuação de políticas públicas para minimizar a questão da exclusão social dos pequenos proletários e proprietários rurais, frente às novas necessidades postas pelo capital.

Por isso, a pesquisa permite-nos afirmar que a concepção de território tem várias abordagens, que no caso do estudo, o território está ligado à ideia de domínio ou de gestão de determinada área, para implementação das políticas de desenvolvimento sustentável, em que busca organizar a demanda social em torno da gestão para o desenvolvimento rural.

No modo de produção capitalista, a ideologia de fragmentar os espaços e criar um espaço singular e com características específicas, como por exemplo, o Território Portal da Amazônia, é uma estratégia para o Estado implementar políticas públicas de caráter focalista para promover a inclusão social e minimizar a pobreza.

Com a pesquisa não se objetivou tecer críticas e nem propor soluções, uma vez que a solução tem caráter histórico de realização, no entanto, pode-se entender a região Amazônica mato-grossense no contexto histórico do capitalismo, que cria contradições com o desenvolvimento das forças produtivas. Assim, a partir da compreensão do deslocamento do geral para o particular do movimento da sociedade capitalista, o meio rural desempenha funções que respondem às necessidades atuais colocadas pelo capital.

Notas

1 Segundo Delgado (2001, p. 33), “especialmente monetária, fiscal e comercial ficou refém da necessidade de viabilizar internamente os pagamentos relativos ao serviço da dívida externa [...] O resultado foi a adoção de uma política econômica recessiva”.

2 Os ministérios participantes são: Casa Civil; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cidades; Cultura; Desenvolvimento Agrário; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Educação; Integração Nacional; Justiça; Meio Ambiente; Minas e Energia; Planejamento, Orçamento e Gestão; Saúde; Trabalho e Emprego. 

3 É importante não incorrer no engano que a penetração capitalista no campo do país ocorreu somente a partir da introdução da industrialização na economia brasileira, mas sim, desde a economia colonial esta inserção estava presente.  

4 Convém destacar conforme relata Santos (1993, p. 116), que os índios “Kaingang já haviam sido deslocados para essas regiões, situadas no nordeste do Rio Grande do Sul, no final do século XIX, em consequência da chegada dos imigrantes europeus em suas terras”.

5 De acordo com Schaefer (1985, p. 83), “moraram na reserva cerca de 1500 famílias de agricultores e o INCRA já em 1975 deveria ter assentado estas famílias em outras áreas”.

6 Nesse período também era crítica a situação de agricultores que ocupavam terras indígenas na região Sul, como em Santa Catarina nos municípios de Xanxerê e Cacique Doble e no Estado do Paraná, em Terra Rica.

7 De acordo com os camponeses acampados em Esteio, ocorreu até um show com o cantor gaúcho Teixeirinha. Isso nos faz lembrar a política do “pão e circo” na Roma antiga republicana.

8 As cidades de Canarana e Água Boa surgiram com o processo de colonização da Cooperativa 31 de Março Ltda. (COOPERCOL), fundada por Norberto Schwantes em Tenente Portela no Rio Grande do Sul, que depois fundou a COOPERCANA para o Projeto Terranova.

9 Segundo Schwantes (1989, p. 152), a agrovila era para não dispersar as famílias pela mata e eventualmente termos problemas com surtos de malária, e para ter condições de oferecer escolas às crianças. 

10 Parceleiro é o trabalhador rural assentado pelo INCRA.

11 Lote para-rural variava de 1,6 ha a 1,8 ha distribuídos ao longo das ruas projetadas do setor administrativo de cada agrovila, tendo ao centro as áreas destinadas à instalação dos equipamentos econômicos e de serviços comunitários.

12 De acordo com o Projeto Terranova I (1978, p. 126), “o departamento técnico da cooperativa poderá modificar a programação das culturas econômicas anuais, segundo as condições favoráveis de mercado e as melhores condições de rentabilidade econômica esperadas para o parceleiro produtor”.

13 Segundo Santos (1993, p. 150), esses colonos começaram a chegar por volta de 1980, “mas o INCRA e a Cooperativa tardaram em reconhecer a existência desses colonos compradores. Isto só aconteceu em 1982, em consequência de várias reivindicações e pressões espontâneas feitas por esses colonos”.

Referências 

ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: UFRGS, 2003. 

BELIK, Walter; PAULILLO, Luiz Fernando. O financiamento da produção agrícola brasileira na década de 90: ajustamento e seletividade. In: LEITE, Sérgio (Org.). Políticas públicas e agricultura no Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2001.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Série Documentos Institucionais Nº 01. Secretaria de Desenvolvimento Territorial. Brasília, 2005.

______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário. Brasília, 2006.

______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Perfil Territorial. Secretaria de Desenvolvimento Territorial. Brasília: CGMA, 2015.

BRUM, Argemiro Jacob. Modernização da agricultura. Petrópolis: Vozes, 1988.

______.; TRENNPOHL, Vera Lúcia. Agricultura brasileira: formação, desenvolvimento e perspectivas. 3. ed. Ijuí: UNIJUÍ, 2005.

COOPERNOVA AGROINDUSTRIAL. Quem somos: histórico e atividades desenvolvidas. Disponível em: <http:// www.coopernova-mt.com.br >. Acesso em: 19 mar. 2010.

DELGADO, Nelson Giordano. Política econômica, ajuste externo e agricultura. In: LEITE, Sérgio (Org.). Políticas públicas e agricultura no Brasil. Porto Alegre: UFRGS, 2001.

GRANDO, Raquel Lopes Sinigaglia. Território em construção: desenvolvimento territorial, organização social e políticas públicas no Território Portal da Amazônia, Mato Grosso (MT). 2014. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – DF, 2014.

LOVATO, Deonice Maria Castanha. Análise da configuração sociocultural e produtiva no espaço rural do município de Terra Nova do Norte. IV Ciclo de Palestras em Ciências Sociais Aplicadas. UNEMAT: Sinop – MT, 2010.

MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.

MATO GROSSO. Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável – Território da Cidadania. Portal da Amazônia. Conselho Executivo de Ações da Agricultura Familiar: Alta Floresta – MT, 2010.

MONTENEGRO GÓMEZ, Jorge R. Desenvolvimento em (des)construção: narrativas escalares sobre desenvolvimento territorial rural. 2006. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – SP, 2006.

OLIVAL, Alexandre de Azevedo; SPEXOTO, Andrezza Alves; RODRIGUES, José Alesando. Organização comunitária como estratégia de desenvolvimento sustentável: os resultados do primeiro ano do projeto GESTAR – Território Portal da Amazônia, MT – Brasil. Revista Ciência em Extensão. v. 3. São Paulo: UNESP, 2006.

ORTEGA, Antonio César. Territórios deprimidos: desafios para as políticas de desenvolvimento rural. Campinas, SP: Alínea; Uberlândia, MG: Edufu, 2008.

PROJETO TERRANOVA I. Cooperativa Agropecuária Mista Canarana Limitada. Mato Grosso, 1978.

SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

SANTOS, José Vicente Tavares dos. Matuchos: exclusão e luta – do Sul para a Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1993.

SCHAEFER, José Renato. As migrações rurais e implicações pastorais. São Paulo: Loyola, 1985.

SCHWANTES, Norberto. Uma cruz em Terra Nova. São Paulo: Scritta Oficina Editorial, 1989.

Download PDF

Voltar