Território, redes técnicas e transporte turístico aéreo: notas para discussão de seu contexto atual


Jaciel Gustavo Kunz
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Professor Assistente do Curso de Graduação em Turismo do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Aldomar A. Rückert
Professor Doutor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e dos Programas de Pós-graduação em Geografia e em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS).

Heleniza Ávila Campos
Professora Doutora do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS).

1. Introdução

A globalização econômica enseja que sejam repactuadas as relações de poder interescalares (como a local-global), os domínios das regiões (inclusive políticos), bem como reconduzidas as ações do Poder Público frente ao capital. O Estado Moderno, que até então conformava um poder unidimensional no território nacional, encontra-se sob reforma, eximindo-se de atuar diretamente na esfera da produção, para atuar mais fortemente como provedor de infraestruturas – frequentemente privatizadas a posteriori – mas, sobretudo, de provedor de condições legais e de regulação setorial para as ações dos detentores do capital, que demandam logística adequada (BECKER, 2007; RÜCKERT, 2011).

Essas são algumas das nuanças do regime político-econômico em voga: o neoliberalismo. Ao Estado cabe, em termos gerais, oferecer as condições básicas para a acumulação do capital, seja esse resultante da produção ou da especulação financeira. A cada território e a cada corporação cabe, a partir dos meios (geo)políticos, econômico-financeiros, tecnológicos, supra e infraestruturais de que dispõem, proceder ao incremento de sua competitividade, um dos “paradigmas” contemporâneos inclusive em termos de planejamento territorial. Nem sempre as questões ligadas à inclusão social estão presentes (RÜCKERT, 2011). A inclusão social, cabe ressaltar, é a “energia” para o desenvolvimento (BECKER, 2007).

O desenvolvimento sustentável, endógeno, regional e/ou territorial tem como premissa a atenuação de disparidades sociais e econômicas entre as regiões e países, aprofundadas por conta da globalização, que tem no neoliberalismo um de seus eixos estruturantes. Cabe destacar que as crescentes desigualdades sociais e assimetrias regionais tornam-se atualmente apreensíveis por meio da constatação de espaços luminosos (com grande “visibilidade”) ou opacos, espaços de lentidão ou movimento, espaços de densidade ou rarefação (SANTOS; SILVEIRA, 2010).

Tendo em vista os reveses desse cenário, que é desfavorável às economias mais debilitadas pelo grande capital, surgem iniciativas e tentativas de fortalecer-se a integração e solidariedade intrarregional, quer as regiões assumam um recorte territorial dentro dos limites nacionais – que perde força como tal – quer conformem um espaço supranacional (RÜCKERT, 2011).

Nesse cenário, é igualmente importante notar que as redes, impulsionadoras da fluidez, garantem a permeabilidade da fronteira “regional”. Assim sendo, as regiões passam a não mais ser explicadas em si mesmas (BEZZI, 2004). Nesse sentido, a lógica zonal do território – áreas bem delimitadas em que se dificultam possíveis sobreposições nos recortes – vem sendo substituída pela lógica do território reticulado – o qual se forma a partir de linhas interconectadas e, rompendo limites, afasta-se da noção de superfície (HAESBAERT, 2004). A trama de redes diversas conforma as malhas, presentes em espaços de densidade técnica, “luminosos”, os quais correspondem a cidades globais e às regiões mais prósperas (RAFFESTIN, 1993; SANTOS; SILVEIRA, 2010).

As redes de transporte, por exemplo, ao suscitarem solidariedades sociais e territoriais, são consideradas suportes de funcionamento do território e, também, de desenvolvimento territorial (SILVEIRA, 2003). A partir dessas redes, os territórios tornam-se fisicamente conectáveis e/ou conectados. A conectividade impulsiona a integração social, o crescimento e/ou o desenvolvimento econômico (ALMEIDA, 2010; LIPOVICH, 2006; ROZAS; FIGUEIROA, 2006). 

Tendo em conta esses elementos, a Política Nacional de Aviação considera que “a aviação civil é fator de integração e desenvolvimento nacional” e, além disso, propicia “maior integração do País no contexto internacional, em face da excepcional importância da aviação para as atividades sociais e econômicas modernas”. Dentre as ações gerais previstas na referida política estão

[...] promover a integração dos serviços aéreos no âmbito da América do Sul [...] incentivar a integração da aviação civil com os setores de turismo e do comércio […] considerar a operação internacional de empresas aéreas brasileiras instrumento de projeção econômica e comercial de importância política e estratégica para o País e para a integração regional (BRASIL, 2009, grifo nosso).

No que tange especificamente à infraestrutura aeroportuária e seus fixos – indispensáveis à rede de transporte aéreo –, considera-se que esses colaboram para a promoção de desenvolvimento socioeconômico, cujos benefícios podem ser potencializados por meio de uma atuação sinérgica entre Estado, iniciativa privada e sociedade civil. Cabe ponderar, contudo, que essa infraestrutura é hoje condição necessária ao desenvolvimento socioeconômico, porém não suficiente. Além disso, faz-se necessário elaborar políticas públicas integradas e sustentáveis para a logística e mobilidade como um todo, de modo a se converterem em questões de Estado, o que redimensiona a investigação e a futura intervenção em termos de infraestrutura (CEPAL, 2010).

Assim, por conta do imperativo da fluidez, marca dos espaços globalizados, tem-se que a preocupação com o sistema de transporte deve, cada vez mais, ocupar lugar de destaque na agenda de geógrafos, planejadores e do poder público. Entretanto, grande parte da bibliografia em Ciências Sociais enfatiza os fluxos de informação e comunicação em detrimento da circulação – fluxos materiais (PEREIRA, 2009). Além disso, a complexa geografia das conexões aéreas tende a ser escondida na análise restrita do movimento de passageiros, quadro a ser superado (O’ CONNOR; FUELLHART, 2012).

Tendo em conta a relevância socioeconômica e histórica dos temas “redes técnicas”, “territórios” e “transporte aéreo”, propõe-se a elaboração deste trabalho no intuito de fazer frente a algumas das lacunas apontadas na literatura. O objetivo central deste trabalho é, portanto, analisar contribuições teóricas disponíveis a respeito do tema “redes técnicas” associado ao transporte aéreo de passageiros/turistas. Como objetivo específico, apresentam-se alguns dados recentes acerca da relação entre transporte aéreo e turismo no Brasil. Isso se dá por meio de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, fazendo uso de técnicas correntes de revisão de literatura, característica da pesquisa de caráter bibliográfico. Adicionalmente, utilizam-se e analisam-se alguns dados estatísticos secundários, oriundos de documentos institucionais e/ou oficiais brasileiros.

2. Redes técnicas e território

A técnica, conteúdo do espaço e princípio de materialidade, reveste os objetos geográficos e, a partir disso, constitui-se como o principal modo pelo qual o homem se relaciona com o seu meio. Os objetos técnicos, na contemporaneidade, alcançam intencionalidade, especialização e racionalização máximas, interdependendo funcionalmente, podendo ser considerados “próteses do território” (SANTOS, 2002).

No atual período, tem-se a dominância da tecnociência e da informação, que se tornam necessárias à ação dos homens sobre as coisas. O meio técnico-científico-informacional em que vivemos privilegia os processos desencadeadores da globalização. As condições locais de ordem técnica – que englobam, entre outros elementos, a acessibilidade, os equipamentos e a infraestrutura – apresentam tais prerrogativas (SANTOS, 2002). 

O território forma-se a partir do espaço e refere-se à porção de espaço apropriado, concreta ou abstratamente. O conceito de território não se refere somente à fronteira, ao limite, mas também à fluidez e à conexão. O conceito político de território está atrelado, entre outros elementos, ao ordenamento, planejamento e à gestão, estando associado, portanto, às relações de poder (RAFFESTIN, 1993; SILVEIRA, 2003). A discussão da tríade “território”, “poder” e “rede” é atualmente relevante para a Geografia e áreas afins (FRAGA, 2007).

A institucionalidade dos territórios passa, atualmente, pela funcionalidade das redes (técnicas), as quais possuem a dimensão tanto de forma quanto de conteúdo. As redes redefinem em nível global o território sendo, portanto, instrumentos de poder.  Elas têm como papel comunicar e circular e permitem a conexidade (conexão entre os nós). As redes podem ser entendidas como matriz técnica da reprodução do capital e da vida social. (DIAS, 2007; RAFFESTIN, 1993; SANTOS, 2002; SILVEIRA, 2003). Contudo, Dias (2007) alerta para a existência de teses determinísticas sobre as redes, que tendem a recair em “autodeterminação” das mesmas. 

A rede, como qualquer outra invenção humana, é uma construção social. Indiví­duos, grupos, instituições ou firmas desenvolvem estratégias de toda ordem (políticas, ­sociais, econômicas e territoriais) e se organizam em rede. A rede não constitui o sujeito da ação, mas expressa ou define a escala das ações sociais. As escalas não são dadas a priori, porque são construídas nos processos (DIAS, 2007, p. 22-23).

Conforme vem sendo discutido, o território é também um espaço modificado por redes, circuitos e fluxos. A distância entre os pontos e nós da rede refere-se ao grau de interação entre diferentes locais, essa influenciada por malhas, nós e redes. “Esses sistemas de tessituras, de nós e de redes organizadas hierarquicamente permitem assegurar o controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e possuído […] Enfim, permitem realizar integração e coesão dos territórios” (RAFFESTIN, 1993, p. 151). 

Desse modo, a rede, que se mostra móvel, inacabada e instável no tempo, aponta para a complexidade das interações espaciais desdobradas a partir de um conjunto de ações em pontos mais ou menos distantes (RAFFESTIN, 1993). A complexidade da interação entre os nós é um aspecto importante da análise das redes (DIAS, 2007). Cabe destacar que “as nodosidades são configuradas a partir da sua atratividade, de seu potencial de acessibilidade e a sua conectividade, de sua infraestrutura adequada e de sua densidade técnica” (PEREIRA, 2011, p. 478). 

Em sendo animada por fluxos, e uma vez expandida, a rede possibilita fluxos novos, materiais e/ou imateriais (SANTOS, 2002; RAFFESTIN, 1993). Por via de consequência, “fluxos de toda a ordem tornaram-se mais espessos, ampliando as necessidades de circulação e exigindo técnicas cada vez mais eficazes” (DIAS, 2007, p. 12). Os fluxos são, porém, interdependentes dos objetos fixos ao território (SANTOS, 2002).

Conforme introduzido anteriormente, em concepções mais contemporâneas de espaço e, mais precisamente, de território, o papel dos limites políticos entre Estados – ou seja, das fronteiras nacionais – tem sido redimensionado pela disseminação, nos territórios, das redes concretas e simbólicas, as quais passam a ser um dado do espaço. O atual meio técnico-científico-informacional requer e impulsiona a fluidez das redes. Cumpre sublinhar que o imperativo da fluidez é oriundo da divisão territorial do trabalho (SANTOS, 2002).

Nesse contexto, “a nova racionalidade embutida na inovação tecnológica é a velocidade” (BECKER, 2007, p. 142). Assim, a busca por fluidez faz com que sejam buscadas sempre novas técnicas. Mas essa fluidez não causaria o impacto que causa hoje se não fossem as normas, que conduzem as ações dos atores, incluindo os hegemônicos. Vivencia-se um período de desregulação o que, em realidade, representa o aumento no número de normas (SANTOS, 2002; SILVEIRA, 2003).

Segundo Dias (2007) e Santos (2002), na atualidade, tem-se verificado a aceleração dos movimentos de, pelo menos, quatro tipos: a) de pessoas e/ou fluxos migratórios; b) comerciais ou fluxos de mercadorias; c) de informações ou fluxos informacionais; d) de capital ou fluxos monetários e financeiros. 

Dentre as redes técnicas – que são redes concretas, nos termos de Santos (2002) – encontra-se também a rede urbana. Esta surge a partir da articulação dos centros que se projetam sobre o território. A rede urbana refere-se ao “conjunto de centros urbanos que polarizam o território nacional e o fluxo de pessoas, bens e serviços que se estabelecem entre eles e com as respectivas áreas rurais” (MOTTA; AJARA, 2001, p. 10).

A rede urbana supõe, pois, a densificação das articulações políticas, socioculturais, econômicas e funcionais entre os núcleos e aglomerações urbanas, obedecendo a hierarquias regionais, nacionais e até mesmo globais, sendo que as cidades globais situar-se-iam no topo da hierarquia, sendo consideradas, portanto, nós primários de uma complexa rede (MATOS, 2000; SANTOS, 2002). Importante ressaltar que “cidades são [por si sós] nós logísticos que articulam todas as demais redes” (BECKER, 2007, p. 151).

Os processos hierárquicos são operados no interior das corporações e na conexão entre cidades. São os serviços de alto valor agregado que encadeiam as cidades globais (SASSEN, 1991 apud MATTEO, 2012). Pondera-se, contudo, que: “Nem local, nem global, a rede conecta diferentes pontos ou lugares mais ou menos distantes e permite hoje a ampliação da escala da ação humana até a dimensão global” (DIAS, 2007, p. 23). As distintas escalas geográficas, na realidade, correspondem a diferentes formas de abordagem dos fenômenos (CASTRO, 1995; 2010).

Retomando a discussão sobre a rede, esta parece contribuir para as desigualdades territoriais. Assim, a um só tempo que permite a solidariedade e coesão territorial, pode também “transgredir” o território (SILVEIRA, 2003). Os sistemas de transporte não ocorrem de maneira homogênea no território, podendo provocar tanto a integração quanto a fragmentação espacial. A despeito dos avanços técnicos das redes, ainda não são oferecidas possibilidades vantajosas e homogêneas de fluidez a lugares e pessoas. A integração e fluidez de alguns territórios correspondem à fragmentação ou imobilidade de outros (PEREIRA, 2009).

Há uma expansão seletiva das redes e, por consequência, dos fluxos (BECKER, 2007; PEREIRA, 2009); isso porque:

A inovação tecnológica representada pelas redes transnacionais de circulação e comunicação permite a um só tempo a globalização como diferenciação espacial, induzidas tanto pela lógica da acumulação como pela lógica cultural, e resultando na valorização seletiva dos territórios (BECKER, 1995, p. 287).

A logística, uma das raízes da globalização, constitui-se a partir de um conjunto de ligações, conexões, redes e circuitos. Essa logística – viabilizada por redes técnicas e alimentada pela informação – é questão geopolítica, vetor fundamental da reestruturação do território. As grandes corporações, visando a sua inserção num mercado globalizado e altamente competitivo, são agentes dessa reestruturação, comandando a logística, por vezes complementando aquela implantada pelo Estado. Nem sempre este exerce uma regulação efetiva. Integrados pelo espaço de fluxos e redes, os mercados hoje supranacionais ou até mesmo globais, tendem a ser fortemente seletivos e, portanto, excludentes, podendo agravar as desigualdades regionais (BECKER, 1995).

Tomando por base os pressupostos teóricos discutidos nesta seção, passa-se à proposição de discussões voltadas mais especificamente ao transporte aéreo, em sua interface com as redes técnicas e com o uso que faz do território, particularmente interessante ao movimento de pessoas conhecido como turismo.

3. Redes técnicas e transporte turístico aéreo

Em que pesem os progressos técnicos nas áreas da comunicação e informação, marcantes no atual período técnico-científico-informacional, os quais poderiam, a priori, reduzir a necessidade de se efetivar deslocamentos físicos, a necessidade de transporte de pessoas persiste. Há necessidade, por exemplo, de os “homens de negócios” deslocarem-se constantemente entre “espaços de mandar” e de “fazer”. Desponta, pois, a chamada “fluidez interacional”, que pressupõe contatos “face-a-face” entre os atores hegemônicos, tornando-se um imperativo na atualidade. Isso se deve ao fato de os centros de comando e os lugares da produção dispersarem-se no território e tornarem-se distantes entre si, dada a intensificação da divisão territorial do trabalho, anteriormente mencionada (CATAIA; GALLO, 2007; SANTOS, 2002).

O transporte aéreo, dotado de tecnologia de ponta, destaca-se no cenário da globalização, que traz consigo novas formas de mobilidade territorial. O modal aéreo mostra-se como um “complexo sistema de circulação e mobilidade territorial que é manifestado por redes geográficas aéreas” (PEREIRA, 2011, p. 465). Esse modal tem por prerrogativa intensificar as interações espaciais, ou seja, a relação entre atores localizados em locais diferentes e, assim, integrar os territórios. O grau com que cada área se insere na rede reflete o seu grau de desenvolvimento econômico e de interação espacial (PEREIRA, 2011). 

Os avanços técnicos, em termos de infraestrutura e serviços, acabam por facilitar a conectividade entre territórios. As características dessa rede de territórios conectados dependerão, em primeiro lugar, dos aspectos físicos ou estruturais de onde essa se localiza, ou seja, das facilidades ou dificuldades que o território oferece à expansão da dita rede (ROZAS; FIGUEIROA, 2006). A fluidez dos fatores hegemônicos encontra nos macrossistemas de engenharia, como os aeroportos, a sua condição de efetivação. Assim sendo, os aeroportos são exemplos de objetos destinados à fluidez (SANTOS, 2002).

No Brasil, há claro predomínio do modal rodoviário na matriz de transporte de cargas.1 Desse modo,

[...] o transporte aéreo, dadas as suas características principais, pouco interfere na matriz de transportes nacional, [ainda] tem reduzida capacidade de competição com o modal rodoviário em termos de transporte de passageiros e, além disso, tem baixa penetração no território, tendo em vista o número de cidades atingidas pelo sistema (PEREIRA, V. 2014, p. 74).

Em nosso país, as redes aéreas se voltam, pois, ao transporte de passageiros para o turismo, seja de lazer, seja de negócios (BECKER, 2007). O transporte aéreo vem se expandindo no Brasil: o mercado de carga aérea vem crescendo “consistentemente”, em paralelo ao transporte de passageiros/turistas, embora de forma “menos visível” (IPEA, 2010).  

Concebe-se que a infraestrutura, os serviços e as redes de transportes provêm as ligações essenciais entre as áreas de origem e destinação turística, assim como entre destinos turísticos, tanto primários quanto secundários (PALHARES, 2002; 2005). Concebe-se o turismo como um modo de movimentação de pessoas através dos territórios (CRUZ, 2002). 

Da fixidez do produto turístico decorre a necessidade de seu consumo in situ e, consequentemente, dos deslocamentos implicam, entre outras coisas, que a prática do turismo tenha repercussões sobre distintas porções do espaço, sobre os espaços emissores de turistas e os espaços de deslocamento e sobre os polos receptores (CRUZ, 2002, p. 17).

Por extensão, não se pode conceber o turismo sem os transportes, incluindo as redes e os sistemas que o compõe. “Um sistema de transporte pode ser definido como um conjunto de componentes associados com determinado modo de transporte” (PALHARES, 2005, p. 644). Os sistemas de transporte englobam as redes e seus fluxos e podem ser estudados por meio de quatro elementos físicos, categorizados em via, veículo, força motriz e terminal (PALHARES, 2005; PEREIRA, 2009). Almeida (2010) acrescenta a tecnologia.

As inovações tecnológicas permitiram a redução no custo de transporte, o que ameniza as limitações impostas pelo espaço ou pela distância (BOISIER, 1996). Atendo-se ao crescente fluxo de pessoas entre os territórios, pressuposto extensível aos fluxos turísticos, remete-se ao modal que melhor atende à prerrogativa de rapidez no fluxo e conjuga as variáveis da mudança técnica: o aéreo (PEREIRA, 2011). O meio técnico-científico-informacional permitiu o avanço na aviação comercial e no setor de serviços aeroportuários: informática avançada, radares, satélites, indústrias metal-mecânicas avançadas etc. (LIPOVICH, 2006). Cabe destacar que Harvey (2002) contextualiza o transporte aéreo de passageiros na chamada compressão espaço-temporal, uma faceta do espaço de fluxos, teorizada por Castells (1999), carente, porém, de possibilidades de generalização no espaço visto como totalidade.

No caso do Brasil contemporâneo, há, nos termos de Becker (2007), uma “desigual integração do território” no que tange ao caso brasileiro: os serviços aéreos mais frequentes, cômodos e econômicos continuam altamente concentrados nas capitais estaduais, em geral, nas litorâneas. Há diferentes “patamares” ou “hierarquias” na movimentação de passageiros nos aeroportos brasileiros (São Paulo no primeiro patamar, Rio de Janeiro e Brasília no segundo e assim por diante). Já a hierarquia de movimentação de cargas seria distinta: São Paulo em primeiro lugar, seguida de Manaus (BECKER, 2007). Destaca-se, ainda, que as ligações com os demais países da América Latina são consideradas “embrionárias”: existem corredores isolados e não uma malha propriamente dita. O que se percebe, em termos gerais é que as cidades menores se encontram muito mal conectadas (LIPOVICH, 2006).

Assim, a compreensão da rede a partir do fim das hierarquias, da descentralização, autonomia e horizontalidade, presentes na leitura de Castells (1999), parece não corresponder ao modo pelo qual as redes – pelo menos as de transporte aéreo – estruturam-se no território (DIAS, 2007). Paralelamente a isso, o advento de fluxos mais densos, propiciada por avanços das redes técnicas, não ocorre sem que haja uma (re) hierarquização dos nós do sistema aéreo (SANTOS; SILVEIRA, 2010).

Em muitos casos, as hierarquias das redes urbanas refletem-se na organização da rede de transporte aéreo de pessoas e cargas, uma vez que boa parte dos hubs (nós) dessa rede reflete o padrão concentrado(r) da rede urbana (BLANCO, 2007), resultante da rápida industrialização e da metropolização ocorridas em países como o Brasil (BEDROSSIAN, 2010). Situados próximos a grandes cidades, os hubs pressupõem a interseção de rotas (PALHARES, 2002). Além disso, podem ser considerados centros logísticos de distribuição, seja de cargas, seja de pessoas. 

A cidade escolhida para ser sede operativa de uma companhia aérea ou um hub2 passa a ter mais opções de voos e destinos (O’ CONNOR; FUELLHART, 2012), ampliando sua conectividade, importante ativo de competitividade na economia global (LIPOVICH, 2006). Além disso, alguns desses portões de entrada e hubs transformaram-se em destinos turísticos urbanos proeminentes (LOHMANN; PEARCE, 2010).

As ações das firmas “companhias aéreas” alteram a espessura dos fluxos, a localização dos nós e o estabelecimento de rotas aéreas, contribuindo decisivamente à conectividade (ou ausência desta) em determinantes pontos do território em rede. Pode-se considerar, assim, que as ligações aéreas, configuradas pelas companhias, redefinem dinâmicas territoriais (LIPOVICH, 2006; PEREIRA, 2011). 

Em estudo de caso das conexões aéreas regionais3 nos países-membros do Mercado Comum do Sul – Mercosul, Lipovich (2006) apontou que os centros de distribuição de passageiros (hubs) estavam localizados em cidades muito pontuais, estando isso atrelado, entre outros fatores, à diminuição no número de companhias aéreas nas últimas décadas. 

A Bolívia é exemplo de país que mantinha um número razoável de companhias aéreas operando em seu país, comparativamente a outros países da América Latina. Isso se deve, entre outros fatores, às más condições de suas rodovias. O autor (2006) assevera, desse modo, que a rede de transporte aéreo possui nós de máxima hierarquia na América do Sul. O mesmo ocorre em relação à centralização das sedes das companhias, que ocorre em decorrência da desregulamentação do setor. Ambos os fenômenos ocorrem à escala dos países e também do continente (LIPOVICH, 2006). 

Prosseguindo no debate do tema, um dos critérios para que uma cidade possa galgar o status de centro decisório ou de relações internacionais é que esta deva estabelecer fluxos de relações com a rede urbana numa rede mundial de cidades. Destaca-se que um dos indicadores para mensurar a inserção nessa rede mundial de cidades é o número de “embarques e desembarques de passageiros e cargas” (MOTTA; AJARA, 2001). 

Observa-se, assim, que “não há inserção nos mercados globais sem propagação, velocidade e eficiência. Não há cidades prósperas e ativamente participantes da economia internacional, sem que seja propiciado um amplo acesso a quem queira visitá-las” (IPEA, 2010, p. 3). Ressalta-se, assim, que a competitividade dos “lugares” se dá, entre outros fatores, por meio da inserção dos mesmos nas densas redes transnacionais (CATAIA; GALLO, 2007), como as de transporte turístico aéreo. Se, por um lado, o aumento da conectividade de uma cidade e/ou região beneficia a reprodução do capital, sendo o transporte aéreo importante suporte dessa reprodução, por outro, o transporte aéreo constitui, ele próprio, produto de consumo (LIPOVICH, 2006). 

Atualmente, tem-se utilizado com maior frequência a cidade-região como uma possível abordagem do fenômeno urbano-regional em sua conjuntura de inserção global. Ao contrário da metrópole, que detém uma força “centrífuga”, a cidade-região considera não somente um centro urbano “metrópole”, mas, também, sua “hinterlândia” imediata. Considera a policentralidade e a formação de uma rede regional. Configura-se, muitas vezes, como cidade para além do espaço estadual ou nacional, podendo haver “cidades-região globais”. Estas, ao contrário de outras regiões, não são “desmanteladas” pela economia global, mas tendem a ser um dos principais resultados da concentração de atividades econômicas no país (MATTEO, 2012). 

Sob tal perspectiva, já despontam iniciativas em termos de infraestruturas compartilhadas em cidades-região globais, localizadas em regiões transfronteiriças, como o “Euroairport®”, um moderno aeroporto internacional localizado no leste da França, próximo às cidades da Basiléia (Suíça), Freiburg (Alemanha) e Mulhouse (França). O referido aeroporto atende, portanto, a uma região que se entende também por uma região transfronteiriça. 

O Aeroporto da Basiléia-Mulhouse tem o nome “comercial” de Aeroporto de Basiléia-Mulhouse-Freiburg. Em 2015, 7,1 milhões de passageiros utilizam o Aeroporto. São oferecidas de 70 a 100 ligações com destinos de 30 países diferentes, dependendo da baixa/alta estação, com pouca necessidade de conexões. Considera-se não somente como ligação para o mundo, mas como um portão de entrada para a região (trinacional) onde se encontra. Espera-se que a promoção turística atraia mais turistas que utilizariam o Aeroporto (EUROAIRPORT, 2016).

Já na região transfronteiriça conformada por Ciudad del Este (Paraguai), Foz do Iguaçu (Brasil) e Puerto Iguazu (Argentina), por exemplo, verifica-se o oposto: há três aeroportos internacionais, em municípios (países) vizinhos operando simultaneamente.4 Muito provavelmente, se houvesse um único aeroporto nessa região, poderia haver economias de escala e ganhos de conectividade.

Nesse ínterim, o tecnicismo, aliado à complexidade das atividades econômicas realizadas à escala urbana, regional ou global, e a sua consequente busca por fluidez, vem ensejando a especialização setorial da regulação estatal, característica extensível aos serviços de transporte, incluindo os aéreos. Isso não significa aumento da intervenção do Estado, mas uma complementaridade estratégica às corporações. Particularmente no Brasil, tem havido, desde os anos 1980, a “flexibilização de monopólios estatais”, culminando com a privatização dos serviços públicos de infraestrutura e/ou logísticos, ampliando a necessidade de normatizações. Se, por um lado, a influência direta do Poder Executivo na economia diminuiu, por outro, sua influência em termos normativos aumentou, por meio, sobretudo, das chamadas “agências reguladoras”. A primeira delas, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) data de 1996. As mais atuais, apontadas por Becker (2007), datam de 2001. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) é ainda mais recente, datando de 2005.

A aviação civil brasileira registrava, segundo Becker (2007), uma crise em empresas tradicionais e retrocesso na circulação. Mas, sobretudo na última década, vive-se num ambiente de crescente flexibilização, liberalização e, até mesmo, de privatizações, indo ao encontro das proposições da autora supracitada (2007): 

Os investimentos privados se fazem sobre a ossatura já existente implantada pelo Estado, nelas promovendo melhoria operacional e não [necessariamente] a sua ampliação [...] É o Estado que realiza investimentos vultuosos e de longa maturação, tais como grandes projetos estruturantes, que a sociedade não pode pagar de forma direta e o setor privado não tem interesse em assumir (p. 166).

Ainda no que tange essa flexibilização, essa pode ou não ser coincidente com o aumento exponencial de passageiros e/ou turistas no mercado interno, com destaque para o período 2009-2010, em que a taxa de incremento da movimentação doméstica de passageiros ultrapassou a marca de 20%, a maior do mundo naquele ano (INFRAERO, 2010).  Entre 2013 e 2014, o incremento foi de 6,45%, na contramão do transporte de cargas (decréscimo de 0,13%), segundo a Infraero (2014). Há que se ponderar, porém, que o universo de aeroportos se alterou, tendo em vista a concessão, nesse período, de importantes aeroportos.

Há algumas décadas, não raro o Estado detinha não só o controle sobre o tráfego aéreo e a infraestrutura aeroportuária, como também possuía suas próprias companhias aéreas (estatais), a exemplo da uruguaia Pluna (privatizada) e da portuguesa TAP®, comprada por grupo liderado pelo proprietário da companhia brasileira Azul® (DONO..., 2015).

Aliado a isso, a operação de vários dos principais aeroportos brasileiros, estão sendo concedidos a grupos privados. Primeiramente, os aeroportos internacionais de Guarulhos e Campinas (SP) e o de Brasília foram “leiloados” em 2012, com ágio de 348% em relação ao valor cotado inicialmente, prevendo-se controle das tarifas aos usuários (LEILÃO..., 2012). Houve, posteriormente, a outorga dos aeroportos internacionais do Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG) e São Gonçalo do Amarante (RN). Em 2015 foi autorizada a outorga dos aeroportos internacionais de Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS) e Salvador (BA) (GOVERNO..., 2015), cujos leilões ocorreram neste ano (2017). Essas cidades e aeroportos encontram-se na mais alta hierarquia da movimentação de passageiros e cargas (BECKER, 2007), sendo, ainda, importantes destinos turísticos para o mercado doméstico e internacional (sobre o que se discorrerá adiante). 

Tal tendência também constata na aviação regional do Brasil, onde se manifestariam pelo menos dois “tipos” dessa aviação: uma “guiada pelo mercado e pelas oportunidades abertas com o deslocamento da fronteira econômica e com os novos polos e clusters de especializações produtivas” e outra, “de atendimento às necessidades de âmbito estadual ou de pequenas regiões, também movida pelo mercado, mas necessitando de algum apoio ou estímulo, principalmente em termos de infraestruturas” (IPEA, 2010, p. 51).

Buscando atender-se, sobretudo, ao segundo aspecto, foi lançado, em 2012, um programa federal voltado ao fortalecimento da aviação regional. A intenção à época foi interiorizar o transporte civil aéreo no Brasil, fazendo com que nenhuma cidade com mais de 100.000 habitantes do país estivesse há mais de 60 km de um aeroporto. No caso das localidades turísticas, que o aeroporto deveria estar “junto”. A pretensão do Governo Federal era de mais de 800 aeroportos regionais. Defendeu-se a necessidade da operação de empresas aéreas de porte médio (DILMA..., 2012).

Porém, houve desde então dificuldades orçamentárias para realização de investimentos priorizados para implementação do programa. Nesse sentido, já se prevê que inclusive esses aeroportos regionais possam fazer parte de pacotes de concessões do governo federal, mas também de governos estaduais e municipais. Apenas 5% (R$ 400 milhões) dos R$ 7,3 bilhões previstos foram utilizados. A origem dos recursos é o Fundo Nacional de Aviação Civil, que recebe recursos oriundos das concessões dos aeroportos. O montante teria sido contingenciado pelo Ministério da Fazenda a fim de diminuir o déficit fiscal (SEM..., 2016).

A “onda” de privatizações e/ou concessões insere-se no contexto neoliberal e de reestruturação do papel do Estado (LIPOVICH, 2006). Isso porque o transporte aéreo sempre foi tido como um fator estratégico em termos de acessibilidade ao território e à manutenção da soberania nacional, o que começa a ser rediscutido, com fronteiras nacionais mais porosas. 

3.1. Características dos fluxos de transporte turístico aéreo brasileiros na atualidade 

Tendo discorrido, em termos teórico-práticos, acerca de transporte aéreo, turismo, redes urbanas e organização do território, bem como relatado alguns fatos e tendências recentes sobre a dinâmica da rede de transporte turístico aéreo no Brasil e América do Sul, propõe-se contextualizar o caso brasileiro, debruçando-se sobre: a localização e distribuição das principais infraestruturas, algumas sob concessão privada; a participação relativa de cidades e regiões que comandam essa rede; as principais companhias aéreas; a direção dos fluxos mais expressivos de passageiros domésticos. A isso se procura vincular o desempenho e a demanda dos principais destinos do país para turismo interno.

Com base em dados da Anac constantes de seu anuário de 2015 (o mais recente até então), dados estes referentes à movimentação de passageiros, elaborou-se a Tabela 1, que apresenta a localização dos dez maiores aeroportos em número de passageiros domésticos embarcados (os quais respondem por 65,86%) da movimentação nacional. A localização é aqui expressa em cidades e regiões e sua respectiva movimentação e participação relativa no Brasil como um todo. Levou-se em conta a regionalização do Brasil proposta por Santos e Silveira (2010).5 Ainda, sinalizam-se os aeroportos concedidos à administração pela iniciativa privada (até abril de 2017).

Quanto aos maiores números de embarque de passageiros domésticos, destacam-se Guarulhos, Congonhas e Brasília (com 12,79, 9,70 e 9,68 milhões de embarques, respectivamente). Considerando-se apenas Guarulhos e Congonhas, localizados na região metropolitana de São Paulo, quase 1/4 (23,38%) dos passageiros domésticos embarcaram nesses aeroportos. Tais aeroportos são prioritários para as companhias aéreas no que tange à concorrência, competição e cooperação entre elas (PEREIRA, 2014). Aliado a isso, ressalta-se que o maior deles, Guarulhos, foi um dos primeiros a ser concedido à administração pela iniciativa privada.

Logo após de Congonhas aparece Brasília, com o terceiro maior número de embarques (9,31 milhões). Tal colocação parece se justificar, por um lado, pela situação geográfica do Distrito Federal, mais central em relação ao território brasileiro, o que fora vislumbrado desde a construção de Brasília como projeto político e de redirecionamento do desenvolvimento para o centro do país. Essa característica é extensível ao seu aeroporto, marcado pela operação de muitas conexões (entre cidades da Região concentrada e o Nordeste, por exemplo), segundo Pereira, A. (2014). Por outro lado, as companhias também passam a pautar suas estratégias corporativo-territoriais por essa vantagem comparativa, bem como pelo fato de ser capital (político-administrativa) do país (PEREIRA, A., 2014). Do ponto de vista dos fluxos turísticos, Silva, Sobrinho e Fortes (2014) evidenciaram a importância geoestratégica do aeroporto da capital federal para a acessibilidade a destinos regionais distribuídos por um raio considerável de distância, em estados como o de Goiás. 

Na sequência, aparecem os aeroportos do Galeão (RJ), Confins (MG) e Santos Dumont (RJ). Ressalta-se que, juntos, os aeroportos cariocas do Galeão e de Santos Dumont respondem por 10,01% dos embarques domésticos no Brasil (metade dos da cidade de São Paulo). O Aeroporto Santos Dumont, conforme apresentado em Pereira, A. (2014), é um aeroporto que atende principalmente à tradicional ponte aérea Rio-São Paulo (Santos Dumont-Congonhas), cidades do core da Região concentrada (SANTOS; SILVEIRA, 2010), e, portanto, objeto de competição e concorrência, assim como o já mencionado Aeroporto de Congonhas (PEREIRA, A., 2014). Becker (2007) considerou, dez anos atrás, os aeroportos de São Paulo como sendo de primeira ordem e os de Rio de Janeiro e Brasília como sendo de segunda ordem na hierarquia do transporte aéreo de passageiros, o que ainda se mantém, de acordo com dados da Tabela 1.

Os aeroportos de Belo Horizonte, Salvador, Campinas, Porto Alegre e Curitiba, corresponderiam a um patamar terciário, porém ainda relevante, apresentando número de embarques semelhantes (em torno de 4 e 5 milhões). Metade dos aeroportos listados já era administrada pela iniciativa privada em abril de 2017 (os de Porto Alegre e Salvador foram “leiloados” no início deste ano).

Campinas é a única cidade não capital a figurar no ranking (7º lugar). Mesmo não sendo capital, Campinas pode ser considerada prolongamento do core da Região concentrada, representado primordialmente por São Paulo, em que técnica, ciência e informação encontram-se presentes de forma densa e articulada nessa porção do interior paulista (SANTOS; SILVEIRA, 2010), manifestando-se por meio de profunda industrialização, urbanização e financeirização. Além disso, o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, tendo sido eleito principal hub da companhia Azul®, pôde aumentar consideravelmente sua movimentação nos últimos anos, processo esse que vem ocorrendo há quase dez anos. Pereira, A. (2014) relata essa refuncionalização do aeroporto (e da cidade), de um dos principais aeroportos em movimentação de carga (o que ainda ocorre) para um dos principais aeroportos em movimentação de passageiros.

A Figura 1 apresenta um mapa com a localização dos maiores aeroportos do Brasil em número de passageiros e o tamanho da sua respectiva movimentação, considerando-se número de embarques no ano de 2015, permitindo representar uma visão “territorializada” dos dados analisados.

Figura 1 – Localização e número de embarque nos 10 maiores aeroportos brasileiros em movimentação de passageiros em 2015

Fonte: Anuário 2015 do Transporte Aéreo (ANAC, 2016). Elaboração de Ludmila Losada da Fonseca (2017).

Por meio da Tabela 1, e principalmente da Figura 1, é possível visualizar alto grau de centralização e centralização da movimentação dos fluxos de passageiros nos/dos dez aeroportos que mais embarcaram passageiros domésticos em 2015. É notório que as cidades da Região concentrada, com especial destaque São Paulo, detêm posição destacada no que tange aos fluxos de passageiros, o que posteriormente é abordado conjuntamente com os fluxos entre as cidades e a posição dessas cidades como emissores e como destinos de turistas, de negócios ou de lazer. Fora dessa região, apenas Brasília (capital federal) e Salvador (importante metrópole do Nordeste) figuram entre os dez maiores aeroportos, e com movimentações bem inferiores. O Aeroporto de Salvador teve, em 2015, praticamente 1/3 da movimentação de passageiros domésticos embarcados que o de Guarulhos (4,48 contra 12,79 milhões); se considerarmos a cidade, Salvador tem cerca 1/5 da movimentação de São Paulo. Aliado a esses dados da movimentação dos maiores aeroportos, é preciso dimensionar a espessura dos maiores fluxos de passageiros por meio do transporte aéreo. A Tabela 2 apresenta os dez trechos mais movimentados em termos de passageiros domésticos, considerando-se cidades e regiões do Brasil, trechos de ida/volta, sem escalas, em ambos os sentidos (conforme critérios da Tabela 1).

Dentre todas as ligações aéreas entre as cidades brasileiras, possíveis existentes, as dez maiores transportaram, em 2015, 28,89 milhões de passageiros, o que representa 30,03% dos 96,18 milhões transportados por via aérea. Em primeiro lugar aparece a ligação São Paulo-Rio de Janeiro/Rio de Janeiro-São Paulo, representando a ligação primordial no core da Região concentrada. Dentro desses 5,44 milhões de passageiros entre as cidades está a ponte aérea Rio-São Paulo, mencionada anteriormente. A Figura 2 permite visualização das rotas aéreas que mais transportam passageiros domésticos por modal aéreo.

Figura 2 – Espessura dos fluxos de passageiros nas dez rotas domésticas mais movimentadas (2015)

Fonte: Panorama 2015 Abear ( 2016). Elaboração Ludmila Losada da Fonseca (2017).

Como segunda ligação aérea mais densa entre cidades aparece outra ligação interna à Região concentrada, qual seja, Porto Alegre-São Paulo/São Paulo-Porto Alegre, com 3,71 milhões de passageiros. Porto Alegre supera Brasília, embora por uma diferença relativamente pequena: entre São Paulo e a capital federal (e vice-versa) foram transportados 3,57 milhões de passageiros. Os passageiros da rota Belo Horizonte-São Paulo/São Paulo-Belo Horizonte foram 3,07 milhões.

Da faixa entre 2 e 3 milhões de passageiros encontram-se as ligações de São Paulo com Curitiba (2,91), Salvador (2,73) e Recife (2,08). Excetuando-se Brasília (capital federal), o trecho Salvador-São Paulo/São Paulo-Salvador é o que mais transportou passageiros entre a Região concentrada e uma região brasileira distinta. É a 6ª mais movimentada, tendo, porém, praticamente metade da espessura dos fluxos de passageiros entre Rio de Janeiro-São Paulo/São Paulo-Rio de Janeiro (2,73 contra 5,44 milhões). Em seguida, aparece a ligação Brasília-Rio de Janeiro/Rio de Janeiro-Brasília (2,05 milhões de passageiros), conectando, pois, o segundo centro gestor do território brasileiro (Região concentrada) à capital federal, Brasília. 

Por fim, aparecem as ligações Fortaleza-São Paulo/São Paulo-Fortaleza (1,93 milhões de passageiros) e Belo Horizonte-Brasília/Brasília-Belo Horizonte (1,40 milhões), conectando, pois, Região concentrada-Nordeste e Região concentrada-capital federal (Centro-Oeste). Nota-se que nenhuma das dez maiores ligações está “fora” da Região concentrada. 

Em relação às Tabelas e Figuras 1 e 2, Campinas e Curitiba, apesar de deterem alguns dos dez aeroportos mais movimentados, não se ligam a nenhuma dos dez maiores fluxos. Isso porque suas ligações são mais capilares (sobretudo Campinas), enquanto que Porto Alegre apresenta uma dependência maior de cidades pon­tuais, notadamente, São Paulo: cerca de metade dos voos domésticos (47,88%) que partem do Aeroporto de Porto Alegre tem como destino direto a capital paulista, mesmo em plena alta temporada de verão (KUNZ; TOSTA, 2016). 

Concordamos, porém, com a Abear (2015), quando pondera que as matrizes origem-destino disponíveis (que geram mapas de fluxo, como a Figura 2), são do tipo na Linha (ODL), 

[...] ou seja, a estatística dos passageiros que embarcam em determinado aeroporto e desembarcam em outro, sem mudança de voo ou conexão. [Ess]a estatística tem suas limitações porque tende a aumentar o fluxo de passageiros para os hubs. Idealmente, ela deveria medir o tráfego de Origem-Destino Verdadeiro (ODV), que retrata melhor o desejo de deslocamento dos passageiros (ABEAR, 2015, p. 85).

Embora conexões representem apenas de 20 a 15% da movimentação de passageiros os dados disponíveis “permite[m] [apenas] uma visualização razoável de onde se localizam as grandes correntes das viagens aéreas” (ABEAR, 2015, p. 85), ou seja, incluem os aeroportos e as linhas com maior densidade de tráfego. Não há, contudo, matriz de origem-destino que revele, exatamente, de que cidades (ou regiões) se originam os passageiros/turistas, quer incorporando todos os segmentos de uma viagem aérea, quer considerando os deslocamentos rodoviários realizados (muitos deles, em automóvel próprio ou alugado) e efetuados por meio da intermodalidade. Não há, tampouco, dados que reflitam os itinerários dos passageiros/turistas desde o município ou (meso)regiões de origem até seu(s) destino(s) finais, que em geral são múltiplos e para cujo acesso necessitam de combinações de veículos intermodais. 

Tomamos como exemplo o caso do relevante fluxo aéreo de passageiros entre Porto Alegre-São Paulo/São Paulo-Porto Alegre, que apareceu na Tabela e na Figura 2, como o segundo mais relevante do país. O dado apresentado não permite conhecer as (multi)origens dos turistas – alguns passageiros percorrem longas distâncias para utilizar esse aeroporto como portão de entrada/saída (IBGE, 2008), tampouco conhecer os (multi)destinos desses turistas e a respectiva escala geográfica desses movimentos.

Um(a) passageiro(a) que embarca de Porto Alegre para São Paulo, por exemplo, pode ter como destino a própria capital paulista, uma cidade da Baixada Santista (mais 100km por terra), ou utilizar São Paulo como conexão para chegar a uma capital do Nordeste brasileiro, para chegar a uma capital europeia (por meio de uma conexão), ou, ainda, para atingir uma distante cidade da Oceania (por meio de duas conexões). As combinações de linhas e pontos da rede que os/as passageiros/as efetuam para alcançar seu(s) destino(s) não se encontram mapeadas, porque os dados não estão integrados.

Não raro, portanto, as estatísticas disponíveis não permitem elucidar a importância das regiões e das ligações “regionais” do transporte turístico aéreo – podendo superestimar as das hierarquias superiores –, tampouco visualizá-lo como um fenômeno de interação espacial multiescalar, tal como se dá na realidade.

3.2. O mercado doméstico para as companhias aéreas e os destinos turísticos brasileiros

Tem-se as companhias aéreas como agentes econômicos importantes na configuração da rede de transporte aéreo, determinando que aeroportos e cidades contarão com seus serviços, quais desses aeroportos serão hubs, que ligações existirão, que aeronaves serão utilizadas, quais as tarifas praticadas etc. Consequentemente, determinarão em parte quais as interações espaciais facilitadas (ou dificultadas) de forma geral e, de forma particular, com que acessibilidade geográfica os destinos turísticos (regionais) contarão, impulsionando ou retraindo fluxos turísticos e aéreos. Tais ações, sistêmicas dão-se, porém, num ambiente corporativo que envolve competição, concorrência ou cooperação, conforme já explicitado a partir de Pereira, A. (2014), autora que aborda as companhias aéreas não somente a partir de suas estratégias corporativas, como também as tomando como atores territoriais. 

Atualmente, há quatro grandes companhias aéreas operando rotas domésticas. Em 2015, foram 96,18 milhões de passageiros transportados pagos (voos regulares e não regulares). Destes, 94,69 foram transportados pelas quatro companhias-líder. Os dados acerca das maiores companhias e sua participação no mercado (market-share), dentre outras características, são apresentados na Tabela 3.

Como se pode visualizar na Tabela 3, as principais companhias aéreas são sediadas na Região concentrada, com especial destaque para São Paulo. Quanto aos hubs, há maior presença nos aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e, consequentemente, competição e concorrência mais acirradas. Quanto ao market-share, despontam as companhias Gol® e Latam®, com 36,44% e 32,66% de participação, respectivamente; os percentuais são semelhantes, o que igualmente sugere maior disputa entre as duas. A Azul® é a terceira, com 20,98% da movimentação (ABEAR, 2016), embora se deva mencionar que utiliza aeronaves menores que a Gol® e a Latam®, além de estar presente em mais de 100 aeroportos brasileiros, direcionando maior “atenção” a aeroportos e destinos que se costumam denominar “regionais”. Por fim, a Avianca® participa do mercado respondendo por 8,36% da movimentação (ABEAR, 2016).

As empresas turísticas “companhias aéreas” atualmente organizam-se em grandes conglomerados e alianças comerciais, vide exemplo do Grupo Latam®, resultante da fusão das empresas Lan® e Tam®, criando grupo relevante de transporte aéreo em nível de América Latina. Anos antes (2011), houve a compra da Webjet® pela Gol® e no ano seguinte, houve a fusão das empresas Trip® e Azul® (LAN..., 2012), apenas para contextualizar o caso brasileiro. As companhias mencionadas na Tabela 3, que não compõem alianças comerciais globais, possuem uma série de parcerias com companhias aéreas estrangeiras, por meio de code-share10 (cooperação), ligando o Brasil a todos os continentes.

Busca-se, conforme mencionado anteriormente, relacionar a realidade do mercado de transporte aéreo de passageiros à configuração da distribuição e localização dos principais destinos turísticos, a partir do recorte dos fluxos domésticos. 

Uma das maneiras disponíveis é valer-se de dados do Estudo de Competitividade do Turismo Nacional,11 cujo eixo central é o índice de competitividade de destinos indutores. Esse índice é obtido para fins de uma mensuração presumivelmente mais “objetiva”, de modo a permitir o monitoramento do desempenho do turismo brasileiro, por destino e como um todo. A metodologia é composta por 13 dimensões, e para cada dimensão, há determinado número de variáveis, mais “operacionais” que o conjunto representado pelas dimensões. A segunda delas é a do “acesso”, dentro da qual se inserem variáveis acerca dos serviços de transporte aéreo que permitem o turista chegar à cidade/ao destino turístico analisado (SEBRAE, 2014). Nesse estudo é ressaltada a importância da acessibilidade regional como fator de avaliação do desempenho do turismo nacional, mencionando-se o Plano de Aviação Regional:

A competitividade dos destinos, do ponto de vista do acesso aéreo, não se restringe aos aspectos relacionados com a existência ou não de aeroporto no município, mas é ampliada para fora de seu território. Verifica-se, em princípio, a existência de aeroporto(s) no território municipal ou em um raio de cem quilômetros de distância do destino – distância almejada no Plano de Desenvolvimento da Aviação Regional. Avaliam-se aspectos referentes à [infra]estrutura do principal aeroporto com voos regulares dentro do raio de distância considerado (BRASIL, 2015, p. 61).

Ainda na dimensão “acesso”, é também avaliada a distância do destino aos principais centros emissores de turistas.

Avalia-se a competitividade dos destinos relacionada com a existência de ligação aérea regular direta com os principais centros emissivos nacionais (estados) e internacionais (países) de turistas para os destinos pesquisados. Além disso, quando o destino em questão não é uma capital, verifica-se a distância que o separa da capital de seu estado – [considerado] potencial emissor de turistas para o destino (BRASIL, 2015, p. 62).

Isto posto, o resultado do relatório de 2015, considerando-se no primeiro momento somente o eixo “acesso” e, posteriormente, o índice geral. Os dados do ranking comparativo são apresentados no Quadro 1.

O Quadro 1 permite visualizar os principais e mais competitivos destinos turísticos dentro dos critérios do estudo utilizado. Nota-se a supremacia da cidade de São Paulo, coincidindo a primeira colocação como destino mais “acessível” e o primeiro lugar como destino mais competitivo (como um todo). Nas primeiras colocações também figuram Rio de Janeiro (terceiro mais acessível, segundo mais competitivo), Porto Alegre (quarta e terceira posições, respectivamente). Pode-se estabelecer uma relação entre acessibilidade geográfica (o que inclui acesso aéreo) e o desempenho do destino turístico como um todo (atratividade, políticas, sustentabilidade, infraestrutura e serviços). 

Em termos da distribuição regional, dentro da regionalização de Santos e Silveira (2010), o Quadro 1 delineia novamente a hegemonia da Região concentrada, de forma semelhante ao que se verifica em termos dos aeroportos mais movimentados (Tabelas e Figuras 1 e 2). Porém, também cabe mencionar capitais nordestinas (Salvador e Recife) e da Amazônia (Belém e em menor medida, Manaus). Todas as dez cidades mais “conectadas” a seus mercados de emissão turística são capitais. No caso do índice geral, como se consideram um conjunto maior de variáveis, apenas Foz do Iguaçu foge à regra. 

Do ponto de vista da dinâmica socioeconômica e territorial engendrada a partir dos principais centros emissores de turistas, são dignos de nota alguns obtidos e reagrupados por meio de um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe (2012), em relação aos fluxos domésticos: i) 61,1% dos gastos e receitas turísticas circulavam, em 2010/2011, dentro da Região concentrada; ii) 58,4% da emissão/recepção de turistas circulava, no referido período, dentro dessa mesma região; iii) em ambos os quesitos, praticamente ¼ do volume total  tem como origem e destino o estado paulista, cujos turistas são, em 63,9% dos casos, oriundos do próprio estado. É possível depreender que despontam a Região concentrada e, especialmente, São Paulo, em termos de fluxos de turistas domésticos e respectivas divisas. Tal padrão é semelhante à movimentação e aos fluxos dos/entre os principais aeroportos. 

Em termos econômicos, importante ressaltar que o principal tipo de gasto ao se empreender uma viagem doméstica no país é o transporte da origem ao destino turístico, excluindo-se a mobilidade intradestino: em média é cerca de ¼ do valor total gasto na viagem (25,9%), sendo que entre turistas com classe de renda de 0 a 4 salários mínimos, o percentual chega a 33,6%. 

4. Considerações finais 

As redes técnicas estão a serviço da aceleração dos fluxos e da imperiosa necessidade de rápida circulação, operando com a finalidade de potencializar o circuito e a reprodução do capital. Essa racionalidade é amplamente disseminada no mundo globalizado, sobretudo a partir das corporações detentoras do grande capital assim que, por meio das redes (técnicas), apropriam-se de porções do território. O transporte aéreo de passageiros organiza-se em redes (técnicas) e em sistemas, o que lhe confere maior eficiência e fluidez. Esta rede, altamente hierarquizada, pode ser analisada em diferentes escalas, sobretudo, regional, nacional e global. Neste trabalho, por meio de dados e tabelas cuja análise não se esgota, foi possível elaborar um quadro do contexto atual nacional.

Dias (2007), mesmo admitindo que possa haver fluxos de outros tipos além dos mencionados por ela, utiliza o movimento de pessoas praticamente como sinônimo do fluxo migratório, desconsiderando um tipo específico de movimento, o qual se encontra igualmente acelerado: o fluxo turístico, que se difere do migratório, na medida em que possuem conteúdos distintos entre si e provocam impactos sobre o território igualmente distintos. Essa parece ser uma lacuna teórica a ser considerada em agendas de pesquisas futuras, valendo-se, sobretudo, da escala regional e nacional.

Neste trabalho também se evidenciou que as companhias buscam estar presentes e realizar operações, prioritariamente, nos espaços “luminosos” e de maior desenvolvimento etc. (brigas por slots12 nos aeroportos mais movimentados), convergindo com os estudos de Pereira, A. (2014) sobre ações de concorrência, competição e cooperação das companhias aéreas nos principais aeroportos brasileiros. Essas companhias tornam-se, pois, atores territoriais relevantes. Suas decisões corporativas – como as cidades atendidas, abrangência das redes e localização de hubs – tornam-se estratégicas também do ponto de vista da organização territorial do Brasil. Não se pode, contudo, deixar de mencionar a variável da demanda turística (motivação, comportamento, modismos etc.), bem como a crescente importância dos grupos de investidores estrangeiros que vêm administrando (ainda que não majoritariamente) as principais infraestruturas aeroportuárias brasileiras.

Essas reconfigurações ocorrem mediante uma tendência de o Estado retirar-se do setor; por outro lado, o ente estatal deverá incentivar a aviação regional, a qual tem se mostrado muito pouco vantajosa para as companhias aéreas – entes de mercado – do ponto de vista da viabilidade econômica e operacional e, consequentemente, da lucratividade e da acumulação de capital. Assim, o Estado intervém onde o mercado não é capaz de fazer frente às necessidades de acessibilidade e conectividade a regiões “remotas”, incluindo a faixa de fronteira brasileira, importante para seu desenvolvimento socioeconômico.

Assim como há evidentes disparidades regionais ao redor do mundo, ampliadas pela globalização, há grandes assimetrias na distribuição territorial dos nós, linhas e pontos das redes técnicas, entre elas, a de transporte aéreo. Nesse sentido, os fluxos turísticos mais importantes dão-se exatamente entre as regiões mais desenvolvidas social e economicamente, notadamente, a Região concentrada, no caso brasileiro. 

Coincidentemente ou não, essa é a região que dispõe de uma infraestrutura aeroportuária e tecnologia aeronáutica mais avançada, transporta os fluxos mais espessos e contam com uma oferta de serviços de transporte aéreo mais abundante e a preços relativamente menores. Isto tende a repercutir na dinâmica territorial atrelada à movimentação das demandas turísticas, incluindo os “centros emissores”, espaços de deslocamento e “núcleos receptores”.

Aliado a isso, as redes de transporte aéreo, incluindo a de passageiros/turistas, parecem ser estratégicas do ponto de vista da integração das regiões (como o Mercosul) ou do território (brasileiro), uma vez que o crescimento do fluxo turístico intra e inter-regional, almejado em planos de desenvolvimento e marketing turístico do Brasil, é desejável do ponto de vista da interação sociocultural e do consequente fortalecimento da coesão territorial. Além disso, o turismo internacional (intra-regional), tendo em vista que mais de 40% dos turistas estrangeiros provêm de países da América do Sul, segundo a Fipe (2014), o que pode ser favorável do ponto de vista da balança de pagamentos; por outro lado, requer analisar-se a conectividade dos países sul-americanos aos destinos turísticos das distintas regiões brasileiras na atualidade.

Considera-se, também, que o desenvolvimento no/do território, via competitividade, pode ser “mensurado”, entre outros numerosos fatores, pela presença e funcionalidade de infraestruturas aeroportuárias de transporte, bem como de normas favoráveis e pela expressividade dos fluxos; por outro lado, esses são apontados como requisitos e/ou suportes ao desenvolvimento. 

Por fim, se, por um lado, o transporte aéreo é requisito para a expansão do turismo internacional, doméstico e de massa, por outro, em razão das feições e proporções que o fenômeno turístico assume na contemporaneidade, esse pode ser considerado fator a ser considerado sistemicamente em políticas de transporte aéreo e/ou aviação civil, no tocante a regulamentações, dispositivos legais, localização de infraestruturas, investimentos públicos e privados. São essas questões a serem consideradas nas políticas, no planejamento e ordenamento territorial. 

Notas

1 Apesar de o transporte de cargas/mercadorias não ser objeto deste estudo, cabe apontar que, em 2012, 66% do transporte de cargas se dava pelo modal rodoviário. Países como os Estados Unidos, que possuem rede rodoviária gigante e expressiva frota de veículos, transportavam apenas 29% de suas cargas através de estadas de rodagem (PEREIRA, V., 2014).

2 Hub refere-se a pontos nodais da rede de transporte aéreo, onde ocorrem conexões. São centros de distribuição de passageiros.

3 Lipovich (2006) adota como rede “regional” o transporte aéreo no Mercosul como um todo, independentemente das características da frota, alcance dos voos, perfil das companhias etc., nomenclatura corrente em estudos técnicos sobre transporte aéreo.

4 Os três aeroportos atendem, juntos, a 11 destinos diferentes (cidades) de quatro diferentes países (Argentina, Brasil, Paraguai e Peru), por meio de ligações diretas, de acordo com dados dos sites das administradoras desses aeroportos.

5 Os autores analisam a formação socioespacial e a dinâmica do território brasileiro propondo recortes regionais, conforme segue: Região concentrada (aglutinando Sul e Sudeste, que concentram a maior densidade de elementos e fatores técnico-científico-informacionais, demográficos, econômico-financeiros, de urbanização etc.); Centro-Oeste; Nordeste e Amazônia (Região Norte). Para eles, seriam esses “Quatro brasis”.

6 Considera-se a cidade que comanda a região metropolitana na qual se insere o aeroporto e não propriamente o município.

7 O valor absoluto não foi encontrado em Anac (2016) e sim calculado com base nos percentuais. 

8 Não contempla o trecho Recife-Aeroporto de Congonhas (São Paulo), dado não apresentado na fonte consultada, em razão de ser pouco representativo entre os trechos do país, já que a maior parte das ligações entre Recife e São Paulo é feita por meio do Aeroporto de Guarulhos. Em realidade, o número de passageiros entre as cidades de Recife-São Paulo (todos os aeroportos desta cidade) ≥ 2,08 milhões.

9 Idem nota anterior.

10 Ou, em português “código compartilhado”, acordo no qual duas ou mais companhias, para garantir maiores taxas de ocupações de seus voos, utilizam apenas uma aeronave para realizar determinado voo, este comercializado por mais de uma companhia. 

11 Os estudos iniciaram-se em 2008, e se realizam por meio de parceria entre Ministério do Turismo, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

12 Slot refere-se à concessão para operação, por parte das companhias aéreas, de determinados destinos, aeroportos, horários e/ou aeronaves. Em outras palavras, é a permissão antecipada para pousos e decolagens.

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