Entre o localismo e as escalas do desenvolvimento: pensando os Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) como instrumentos para um desenvolvimento local integrado e sustentável
Thayse Andrezza Oliveira do Bu
Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Thaís Marculino da Silva
Mestranda em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
José Luciano Albino Barbosa
Professor Adjunto da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
1. Introdução
O debate acadêmico-científico sobre a temática dos Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) é recente, surge no final dos anos 1990 como resultado de estudos e discussões entre pesquisadores acadêmicos integrantes da Rede de Estudos em Sistemas Produtivos Inovativos Locais (REDESIST), grupo criado no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os ASPILs, como explicitam Cavalcanti Filho et al. (2008), “referem-se a conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais, que: partilham um mesmo território, e que se articulam, formalmente ou informalmente, para finalidade de obtenção de ganhos econômicos através de atividades produtivas e inovativas” (p. 7). Os ASPILs são verificados mediante uma “atividade produtiva central ou um conjunto de atividades correlacionadas sob o aspecto produtivo ou comercial, pelo processo produtivo ou pelo mercado, em torno da qual os demais atores se articulam” (CAVALCANTI FILHO et al., 2008, p. 7-8).1
A importância dos ASPILs reside no fato de englobar atividades que contemplam interações que levam à introdução de novos produtos e, evidentemente, processos, além de promover a possibilidade de inserção competitiva da localidade no cenário global.
Essa categoria analítica surge em meio ao processo da globalização e do aumento da demanda de bens especializados e diferenciados e, portanto, em meio ao surgimento do modelo de acumulação flexível, como consequência da expansão de mercados e da saturação do modelo fordista de produção em massa. Essa categoria emerge como resultado da ênfase de um modelo de desenvolvimento ancorado nas pequenas empresas, em consonância com o contexto de valorização das potencialidades do local, como possíveis vantagens competitivas, em prol de seu efetivo desenvolvimento (FRANÇA; FILHO, 2008).
Logo, como resultado dessa ênfase no local e para proporcionar a competitividade no cenário global, para promover o desenvolvimento local, Schmidt Filho (2010), Cavalcanti Filho et al. (2008; 2010), Gondin (2011), Abrantes (2014), Lins (2014) e Firmino (2014)2 discutem e defendem a elaboração de Políticas Públicas de apoio às ASPILs.
O desenvolvimento local seria “um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos” (BUARQUE, 2008, p. 25).
Entretanto, como discute Brandão (2012), boa parte da literatura acerca do desenvolvimento local, sugere a possibilidade de consolidação de um novo padrão de desenvolvimento alicerçado totalmente no âmbito local e dependendo apenas da força de vontade dos agentes empreendedores que, mobilizados, iriam trabalhar as potencialidades endógenas de qualquer localidade. Conforme o autor, no Brasil e no mundo tem emergido uma concepção que considera que a escala local tem poder ilimitado. Contudo, Brandão (2012) contra-argumenta que esta perspectiva deve levar em consideração os processos assimétricos em que um agente privilegiado detém poder de ditar, redesenhar, delimitar e negar domínio de ação a outro. Assim, “a visão da endogenia exagerada, não reconhecendo essa complexidade social, deposita na conta dos atores sociais de um determinado recorte territorial todos os requisitos de superação do subdesenvolvimento” (BRANDÃO, 2012, p. 50).
Paralelo aos autores que delegam aos atores sociais locais integrados em um projeto coletivo a responsabilidade do sucesso ou fracasso do desenvolvimento local, existe uma categoria analítica que surgiu, institucionalmente, em 1997, o Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). Tal expressão foi usada pelo Conselho da Comunidade Solidária e, desde então, passou a ser adotado pela maioria dos agentes que se debruçam sobre a análise do desenvolvimento local no Brasil, apresentando-se, também, como um campo de experimentação para novas práticas políticas e novas práticas sociais, como salienta Abrantes (2014).
Em suma, o DLIS, um novo modo de promover o desenvolvimento, parte do pressuposto de que o crescimento econômico é necessário, é uma pré-condição, mas não é condição suficiente para promover o desenvolvimento. É articular a dinamização do crescimento econômico com outros fatores como o social, o institucional, o cultural, o ambiental e o territorial. Ou seja, é pensar de modo holístico sobre o assunto (FRANCO, 2000; ABRANTES, 2014).
Portanto, o objetivo deste trabalho é trazer uma contribuição ao debate teórico sobre o uso dos ASPILs como instrumentos de desenvolvimento local. Contudo, em consonância com Brandão (2012), considerando que os agentes sociais da escala local não têm poder ilimitado, este trabalho traz uma reflexão sobre ASPILs dentro do contexto das dimensões escalares do desenvolvimento.
Para tanto, o trabalho inicia fazendo uma revisão de literatura das teorias de desenvolvimento, para preparar as bases de compreensão da interface entre o novo paradigma do desenvolvimento, focado no local, e a categoria ASPIL como instrumento para fomentar o desenvolvimento. Assim, buscamos desmistificar o conceito ASPIL, diferenciando-o de APL e de Sistemas Produtivos Locais. Tal discussão epistemológica é extremamente necessária, já que, por vezes, tais categorias são utilizadas de maneira equivocada, tanto no âmbito acadêmico, quanto no âmbito das políticas públicas, em meio à identificação e análise das diversas configurações de interações entre atores locais.
2. O desenvolvimento em perspectiva histórica com enfoque nas dimensões escalares do desenvolvimento e no subdesenvolvimento
As teorias do desenvolvimento, como um campo de estudo autônomo da Ciência Econômica, remetem ao período pós-Segunda Guerra Mundial, como destaca Bresser-Pereira (2008).3 Contudo, a ideia de progresso (conceito que antecedeu o conceito de desenvolvimento) remete ao período da Grécia Antiga. Os gregos elaboraram a tese dos ciclos, isto é, defendiam que o “ponto de partida da civilização teria sido uma era dourada de perfeição e simplicidade depois da qual os homens decaíram” (DUPAS, 2012, p. 34). Com base nesse declínio, haveria uma sequência gradual de melhorias sociais e materiais. Assim, de modo geral, o progresso tem como pressuposto a ideia de que o passado é algo arcaico e que deve ser superado, ou seja, supõe-se que a civilização se move para uma direção entendida como boa.
Em termos gerais, foram muitos os pensadores que trataram sobre a categoria analítica progresso.4 Contudo, foi a partir do século XVIII que a ideia de progresso foi dominante no Ocidente. A partir daí, os termos “evolução”, “desenvolvimento” e “progresso” passaram a ter o mesmo sentido, sendo sempre associados à evolução tecnológica (DUPAS, 2012).
Nesse sentido, o objetivo deste tópico é fazer uma revisão de literatura sobre as principais teorias de desenvolvimento no âmbito econômico até o novo paradigma focado no localismo. Em seguida, expandiremos a análise para tratar, com base no novo paradigma do desenvolvimento, as dimensões escalares e a questão do subdesenvolvimento.
2.1. Principais abordagens das teorias do desenvolvimento econômico e seu novo paradigma
No âmbito da Ciência Econômica, a preocupação com o desenvolvimento econômico está no cerne da origem desta área de conhecimento, embora os economistas clássicos não tenham utilizado o termo desenvolvimento. Por exemplo, Smith (2003), conhecido como o “pai” da Ciência Econômica estuda, em seu livro “A Riqueza das Nações”, as causas que fazem uma nação ter mais riqueza do que outra, partindo da análise do processo de produção de mercadorias. Assim, num primeiro momento, Smith, diferentemente dos seus antecessores, os fisiocratas (que consideravam que a riqueza se originava apenas no trabalho agrícola), percebe que o trabalho é a origem de toda a fonte de riqueza e não apenas o setor agrícola. Em outros termos, a criação da riqueza se dará pelo trabalho produtivo do trabalhador que transforma as matérias-primas dos empresários em mercadorias. Estas, por sua vez, têm valor de troca, de modo que geram lucro para o proprietário das matérias-primas, razão de existência delas.
Contudo, será a partir de David Ricardo que os estudos acerca do desenvolvimento econômico vão ganhar mais fôlego. Dessa maneira, na tentativa de defender a classe industrial inglesa do início do século XIX, frente aos proprietários de terra, tenta explicar como se dava a distribuição da renda total a partir das variações dos preços, inclusive do salário. Desse modo, tentando resolver o antagonismo entre lucros e salários, Ricardo propõe que os países se especializassem na produção daquelas mercadorias em que fossem mais aptos a produzir e comercializar, daí surge a “famosa” teoria das vantagens comparativas (HUNT, 1981).
Em termos gerais, a teoria do desenvolvimento econômico nasce tendo como bases teóricas as obras de autores mercantilistas e de Smith, Ricardo, Marx, Schumpeter e Keynes. Os primeiros modelos construídos foram necessariamente históricos. Como destaca Bresser-Pereira (2008), tais modelos tratavam sobre como se iniciava o desenvolvimento econômico em uma região pré-capitalista, discutiam a “armadilha do desenvolvimento”, o problema da oferta ilimitada de mão-de-obra, a revolução industrial e seus pré-requisitos.
Dentre os modelos históricos destacam-se o desenvolvimento econômico promovido por inovações de Schumpeter (1997) e o desenvolvimento como o projeto social de Furtado (1967), em que prioriza a efetiva melhoria das condições de vida da população, de modo que o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento. Assim, até os anos 1970, foram diversas as teorias sobre o desenvolvimento, e, de modo geral, eram modelos históricos que, apresentavam argumentos distintos que, por vezes, convergiam.
Contudo, a partir da década de 1970, quando o pensamento neoclássico volta a emergir como dominante diante de uma grande onda ideológica neoliberal, os economistas passaram a valorizar e debruçar os esforços intelectuais na construção de modelos matematizados (os chamados “modelos de crescimento”, isto é, modelos radicalmente abstratos, baseados em funções matemáticas de produção que buscam relacionar o crescimento com determinadas variáveis). Como explica Bresser-Pereira (2008), isso ocorre porque os modelos históricos não se adaptavam às exigências de formalização matemática lógico-dedutiva da teoria econômica neoclássica. Logo, a partir desse momento, o crescimento passa a ser visto como sinônimo de desenvolvimento econômico.
Basicamente, esses modelos de crescimento econômico, tinham como base funções de produção inicialmente exógenas (nas quais o progresso técnico ou o capital humano eram exógenos), e, em um segundo momento, passaram a endogeneizar matematicamente essas variáveis. Verificou-se que o potencial explicativo dos modelos de crescimento é muito limitado (OREIRO, 1999; BRESSER-PEREIRA, 2006).
Como distingue Schumpeter (1997), o desenvolvimento econômico não é sinônimo de crescimento econômico, embora às vezes seja feita esta associação. Também ressalta que: “Nem o mero crescimento da economia, representado pelo aumento da população e da riqueza, será designado aqui como um processo do desenvolvimento” (p. 63). Em outras palavras, para o autor, o crescimento seria o mero aumento da renda per capita, enquanto que o desenvolvimento se caracterizava por transformações sociais e políticas. O teórico usou essa distinção para salientar a ausência de lucro econômico no fluxo circular, em que, no máximo, ocorreria crescimento, como também para destacar a relevância da inovação no verdadeiro processo de desenvolvimento. Portanto, para ele, o desenvolvimento econômico é conduzido pela inovação por meio de um processo dinâmico e que não é imposto, cujas novas tecnologias substituem as antigas, um processo denominado por ele de “destruição criadora”.
Nessa perspectiva, para Furtado (1967), “o desenvolvimento compreende a ideia de crescimento, superando-a” (p. 74). De acordo com o teórico, para que o crescimento não promovesse alterações na estrutura econômica, seria preciso que ocorresse algo pouco provável, a saber: a expansão simultânea de todos os setores produtivos sem que houvesse qualquer elevação da produtividade.
Entretanto, a partir dos anos 1960, passou-se a dar ênfase à necessidade de mudança do paradigma do desenvolvimento alicerçado na racionalidade econômica o que passou a gerar desigualdades sociais e degradação ambiental. Assim, iniciou-se uma discussão, no debate norte-americano, sobre o paradoxo entre o modelo de crescimento econômico vigente no sistema capitalista e a preservação ambiental (LEFF, 2006; BRESSER-PEREIRA, 2008; VEIGA, 2008).
Em outros termos, dentre os debates mais recentes sobre modelos alternativos de desenvolvimento capazes de enfrentar os problemas econômicos, sociais e ambientais da atualidade, causados pelo modelo de crescimento econômico do pós-guerra (definido como fordismo) destaca-se a proposta de desenvolvimento sustentável, um desenvolvimento que pensa na solidariedade entre as gerações, que se preocupa com os efeitos gerados pelo homem à Biosfera (BUARQUE, 2008).
Entretanto, com o fenômeno da globalização,5 aprofundou-se a heterogeneidade entre os diversos territórios, culminando no incentivo a um novo modelo de desenvolvimento a ser construído de “baixo para cima” e/ou de “dentro para fora” a partir do território local, a partir dos atores que acreditam em si próprios e no coletivo, que se organizam e cooperam coletivamente visando benefícios comuns. Tal discurso ganhou políticos e economistas das regiões periféricas do mundo sob a égide da teoria do desenvolvimento local e inspirados na Agenda 21, sendo a máxima “pensar globalmente e agir localmente” difundida, almejada e perseguida (VEIGA, 2005).
A partir de uma revisão teórica das principais abordagens sobre o desenvolvimento local, Abrantes (2014), resume que o conceito de desenvolvimento local é “aquele que se articula por meio dos recursos econômicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais de localidades e territórios delimitados, com economias de escala e potencialidades” (p. 31); isto é, seria uma visão sistêmica e humanista.
Segundo Franco (2000), é importante identificar as potencialidades de unidades socioterritoriais delimitadas, pois, se os locais não tivessem suas diferenças, não faria sentido o conceito de local. E acrescenta que:
As duas dinâmicas – cooperativa e competitiva – vão estar sempre presentes nos processos de desenvolvimento local e esta é uma de suas principais características. A dinâmica cooperativa, sem a qual não se efetiva um processo de desenvolvimento local, contribui para a formação da comunidade. A dinâmica competitiva, por sua vez, insere a localidade num processo de desenvolvimento cuja racionalidade é dada, em parte, pelo mercado (p. 24).
Contudo, vale mencionar, também aqui, algo que já afirmamos neste trabalho, visto que, boa parte da literatura que trata do desenvolvimento local enfatiza a possibilidade de consolidação de um novo padrão de desenvolvimento dependendo apenas da “força de vontade” dos agentes empreendedores que, integrados, iriam trabalhar as potencialidades endógenas de qualquer localidade, como destaca Brandão (2012).
Em meio ao processo de valorização da dimensão local do desenvolvimento, parece surgir uma visão “romântica” e “utópica” de que o local pode tudo, basta “querer”. E mais, o local se apresenta como um espaço privilegiado de intervenção política para a solução de todas as mazelas socioeconômicas, em detrimento das demais escalas territoriais. Logo, as escalas intermediárias entre o local e o global, como a microrregional, mesorregional, macrorregional, perdem relevância na articulação em prol do desenvolvimento. Diante desse cenário, faz-se importante tratar das dimensões escalares na seção que se segue.
2.2. As dimensões escalares do desenvolvimento e a questão do subdesenvolvimento: análise cepalina
Brandão (2012) argumenta que se deve levar em consideração os processos assimétricos em que um agente privilegiado detém poder de ditar, redesenhar, delimitar e negar domínio de ação a outro. Assim, “a visão da endogenia exagerada, não reconhecendo essa complexidade social, deposita na conta dos atores sociais de um determinado recorte territorial todos os requisitos de superação do subdesenvolvimento” (p. 50).
Quando se fala acerca do desenvolvimento é de suma necessidade a compreensão sobre os processos assimétricos, em que agentes privilegiados (na figura de empresas, regiões ou países) têm poder de redesenhar e até definir a ação de outros. Na verdade, em outras palavras, tais relações foram trabalhadas pelos autores cepalinos.6 Aqui, cabe destaque para Furtado (2013), quando na década de 1960 fez uma análise sobre as relações entre o centro e a periferia no mundo e no Brasil e como promover o desenvolvimento nas regiões periféricas, como é o caso do Brasil e da região Nordeste, ambos periferia do mundo e do país, respectivamente.
Embora a utilização da categoria centro e periferia já tenha sido utilizada pelas teorias do imperialismo no final do século XIX e início do século XX, é com a teoria oriunda da CEPAL que passa a ter mais robustez e assume uma perspectiva da própria periferia. Teórico integrante da Comissão, Prebisch (1949) explica que a divisão internacional do trabalho em “centro industrial” e “periferia subdesenvolvida” impôs aos países periféricos a especialização na produção de produtos primários para exportação para os países do centro, os quais, por sua vez, supriam de bens manufaturados os países da periferia.
Portanto, pensar na territorialidade é crucial não só porque estamos tratando sobre o desenvolvimento, mas porque fazemos parte do lado periférico do mundo. Ou seja, estamos, por exemplo, em uma cidade periférica (Campina Grande), situada em um estado periférico (Paraíba), de uma região periférica (Nordeste), de um país periférico (Brasil) de uma região do continente Americano que é periférica (América Latina). Assim, como lembra Abrantes (2014): “Promover o desenvolvimento local (de baixo para cima ou de dentro para fora) em regiões periféricas do Brasil, onde há escassez de capital (econômico, social e humano) e fragilidade das instituições públicas é tarefa árdua, complexa e desafiadora” (p. 54).
Em suma, Prebisch (1949) e Furtado (2013) explicam que o centro são aqueles países e regiões que detêm poder de redefinir e limitar ações de outros países e regiões que são da periferia. Por exemplo, Furtado (2013) menciona que a crescente hegemonia das grandes empresas na orientação do processo de acumulação traduz-se, no centro, por uma tendência à homogeneização dos padrões de consumo e, nas economias periféricas, por um distanciamento das formas de vida de uma minoria privilegiada com respeito à massa da população. E, quando se analisa no campo estrutural presente no sistema capitalista, percebe-se que o processo de acumulação tende a ampliar o distanciamento entre um centro em crescente homogeneização e diversas economias periféricas.
Essas periferias subdesenvolvidas apresentam particularidades que necessitam ser compreendidas. Como explica Furtado (2013) e, de modo geral, os cepalinos, o subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo, não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. Sendo assim, para captar a essência do problema das atuais economias subdesenvolvidas é preciso levar em consideração essa particularidade.
Segundo Furtado (2013): “O deslocamento da fronteira econômica europeia traduziu-se, quase sempre, na formação de economias híbridas em que um núcleo capitalista passava a coexistir pacificamente com uma estrutura arcaica” (p. 139). Esse tipo de economia dualista corresponde, especificamente, ao fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo. Nesse contexto, Oliveira (2003) ressalta que “a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo” (p. 36), configurando uma relação não apenas desigual, mas combinada. De acordo com Furtado (2013):
A conclusão geral que surge é que a hipótese de extensão ao conjunto do sistema capitalista das formas de consumo que prevalecem atualmente nos países cêntricos não tem cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema [...] O estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria [...] Toda a tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova cabal de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos é simplesmente irrealizável (p. 174).
Ainda conforme destaca o autor supracitado, da parcela da população dos países periféricos, 10% é a parcela máxima que pode ter acesso às formas de vida dos países cêntricos, sendo comum na periferia a minoria privilegiada ser de 5% da sua população. O autor verifica que a tendência evolutiva predominante é nove em cada dez pessoas dos principais benefícios do desenvolvimento. Assim, Furtado salienta que a ideia de desenvolvimento econômico generalizado no mundo é um mito. Na verdade, o centro precisa que haja periferia; necessita de sua mão de obra barata, recursos naturais e mercado consumidor para escoamento de seus produtos de valor agregado maior.
Desse modo, a ideia de que os países periféricos um dia chegarão à condição dos países do centro tem sido de grande utilidade:
Para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo (FURTADO, 2013, p. 175).
Contudo, Furtado (2013) e os teóricos da CEPAL, de modo geral, acreditam que é possível a superação da condição de subdesenvolvimento, pois, à medida que o subdesenvolvimento é uma formação histórica específica, ele é passível de ser superado por meio da industrialização e o fortalecimento do mercado interno, de modo que o sistema industrial dos países periféricos tenha capacidade de autogerar-se. Por isso, para a superação do subdesenvolvimento é necessário modificações estruturais nos campos político e econômico.
Nesse sentido, mudanças superficiais não são suficientes; um exemplo é o caso brasileiro. No âmbito nacional houve industrialização, modernização e crescimento econômico, no entanto, como não ocorreram mudanças estruturais, apenas mudanças superficiais, permanecemos na condição de subdesenvolvido e periférico. Por sua vez, o que se verificou no país foram mudanças superficiais, prevalecendo tensões sociais, causadas pela concentração de renda e de terra, dependência tecnológica, endividamento externo e instabilidade política. De fato, as disparidades regionais e suas devastadoras consequências permanecem até os dias atuais.
Analisando o cenário do Brasil, Oliveira (2003), ressalta que há uma funcionalidade no atraso do desenvolvimento capitalista brasileiro. Assim, explica que, a partir do conjunto de medidas tomadas, inicialmente, em 1930, para facilitar a industrialização brasileira, como a transferência de capitais acumulados da atividade agroexportadora para a indústria, a criação das leis trabalhistas, a expansão da infraestrutura, das empresas privadas nacionais e das empresas estatais e a articulação entre a entrada de capitais estrangeiros, verificou-se a formação de uma política de Estado a fim de favorecer a acumulação burguesa. Em outras palavras, esse conjunto de medidas foi idealizado para introduzir um novo modo de acumulação qualitativamente distinto. Dessa forma, a industrialização só foi viável mediante a expressiva atuação do poder público por meio de medidas de transferência de renda dos agroexportadores para a burguesia industrial.
Em suma, a tese de Oliveira (2003) gira em torno do fato de que o desenvolvimento brasileiro não se deu mediante a substituição de importações, mas pela possibilidade de acumulação, favorecida pela intervenção do Estado na economia, regulação das leis trabalhistas, formação do setor industrial e inchaço do setor terciário como modo de acumulação do espaço urbano.
Nesse compasso, Brandão (2012) a partir de uma análise histórica realizada com vistas a entender a formação espacial brasileira, salienta que o Brasil é um país subdesenvolvido em decorrência das heterogeneidades e vulnerabilidades estruturais. Para o autor, o país só sairá dessa condição a partir da ação estatal (em consonância com os cepalinos) mediante a formulação e implantação de uma política nacional de desenvolvimento, por meio da consolidação de um novo pacto federativo entre os níveis de governo.
O teórico propõe deixar o conceito de polarização local-global, o que boa parte da literatura do desenvolvimento endógeno e regional defende, ou seja, uma inserção dos espaços locais ao espaço econômico global. Por seu turno, o autor aduz uma abordagem multiescalar do desenvolvimento. Seria a busca de um desenvolvimento integrado, no qual, haveria a articulação horizontal dos atores institucionais de uma mesma região e a integração vertical das diferentes escalas (escalas intermediárias – microrregional, mesorregional, macrorregional e nacional) político-administrativas. Para tanto, é preciso reconstruir a escala nacional elaborando políticas públicas e ações transversais nas demais escalas, de modo articulado e integrado pelo Estado, levando em consideração as particularidades e assimetrias de cada parte do Brasil, bem como enfatiza a teoria do desenvolvimento local.
Como já mencionado, a partir do final dos anos 1990, verifica-se a utilização da expressão Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável por especialistas que se dedicam a analisar o desenvolvimento local no Brasil. Como explica Abrantes (2014), tratando sobre o DLIS, tal conceito é usado nos dias atuais tanto por “aqueles que continuam enfatizando o papel determinante exclusivo do fator econômico quanto àqueles que têm uma visão mais sistêmica do processo de desenvolvimento, como, por exemplo, os que trabalham com a chamada Agenda 21 Local” (p. 130).
Nesse sentido, as propostas recentes de desenvolvimento, incorporando um olhar sustentável, conforme discute Buarque (2008), tendem a elevar a importância e a necessidade do planejamento como um instrumento fundamental para guiar o futuro. Nesse contexto, o Estado, como agente regulador, ganha relevância e se torna uma necessidade vital, à medida que a sociedade se orienta para a construção de um novo estilo do desenvolvimento que busca a conservação ambiental, a equidade social e o crescimento econômico.
Caso não haja a ação reguladora do Estado que introduza a visão de longo prazo, a dinâmica econômica tende a comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Tal fato ocorre porque, na ausência do Estado, a tendência é promover a degradação ambiental, a concentração espacial da riqueza e a concentração dos benefícios sociais, como enfatiza o autor supracitado.
Entretanto, diante do contexto de globalização com ênfase no local, como já mencionado, muitos autores têm visto nos ASPILs uma forma de se alcançar o desenvolvimento no âmbito regional/local, ou seja, como um dos mais importantes instrumentos de geração de emprego e renda para a estratégia de redução das históricas desigualdades regionais brasileiras. Nesse sentido, o tópico seguinte trará uma breve análise acerca do debate sobre as políticas públicas envolvendo ASPILs como instrumentos para o desenvolvimento local.
3. As políticas públicas de ASPILs como instrumentos para o desenvolvimento local integrado e sustentável no Brasil
Embora o termo Arranjo e Sistema Produtivo e Inovativo Local (ASPIL), como já dito, seja recente, como destaca Costa (2010) e Guimarães (2013), o fenômeno das atividades produtivas aglomeradas de atores econômicos de pequeno e médio porte não se apresenta como um fenômeno recente. Pelo contrário: “A gênese da análise dos APLs expressa nas externalidades aglomerativas já havia sido apresentada por Alfred Marshall na última década do Século XIX” (COSTA, 2010, p. 227). Contudo, foi sendo deixado de lado no debate teórico, em decorrência do surgimento de grandes complexos industriais verticalmente integrados que se tornaram o modelo produtivo de referência e sinônimo de competitividade e modernidade no período em que vigorava o Regime de Acumulação Fordista e o Modo de Regulação Keynesiano.7
Entretanto, Costa (2010) explica que, com o colapso do Regime de Acumulação Fordista e o Modo de Regulação Keynesiano na década de 1970, o estudo dos “novos espaços produtivos” passou de uma posição secundária para uma posição central no debate econômico atual, ao passo que surgiam um novo modo de regulação e um novo regime de acumulação: o Sistema Industrial Pós-moderno, mais comumente denominado de Regime de Acumulação Flexível, e a Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), regida pelos princípios do neoliberalismo e da globalização.
Portanto, tais transformações acabaram influenciando o surgimento de um segmento de teóricos que passaram a considerar, em seus estudos, como fundamentais, variáveis antes negligenciadas pelas teorias precedentes do desenvolvimento, como cultura, instituições, capital social e capacidade de governança das comunidades locais. Desse modo, difundindo a Teoria do Desenvolvimento Econômico Endógeno (Desenvolvimento Local) e como ressalta Costa (2010), é nesse contexto que os territórios e as aglomerações de empresas acabam emergindo como focos importantes de políticas públicas.
Como explica Schmidt Filho (2010) acerca dos arranjos produtivos locais:
O enfoque teórico utilizado para estudar os APL´s é o neoschumpeteriano que se caracteriza por explicar a dinâmica capitalista através da inovação tecnológica. Esta inovação se dá principalmente através de processos de aprendizado e de cooperação entre as firmas e instituições. Dentro do enfoque neoschumpeteriano uma abordagem que ganha espaço dia a dia é a dos sistemas e arranjos produtivos e inovativos locais, dentro da ótica dos sistemas nacionais de inovação (p. 41).
Em outras palavras, a partir das contribuições da escola estruturalista latino-americana e da visão de sistemas de inovação, no Brasil, a REDESIST apresentou o conceito de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) que focam em conjuntos específicos de atores e atividades econômicas (LASTRES, 2007).
Nesse contexto, os ASPILs, como explicitam Cavalcanti Filho et al. (2008), referem-se a conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais que “partilham um mesmo território, e que se articulam, formalmente ou informalmente, para finalidade de obtenção de ganhos econômicos através de atividades produtivas e inovativas” (p. 7). Os ASPILs são verificados mediante uma “atividade produtiva central ou um conjunto de atividades correlacionadas sob aspecto produtivo ou comercial, pelo processo produtivo ou pelo mercado, em torno da qual os demais atores se articulam” (CAVALCANTI FILHO et al., 2008, p. 7-8).
Portanto, a diferença entre APL e ASPIL é que o segundo leva em consideração a inovação e a identificação e análise de sistemas produtivos. Assim, “a inovatividade, como processo coletivo e sistêmico, requer a contribuição de distintos atores e é fortalecida pela constituição de um sistema de inovação local” (CAVALCANTI FILHO; MOUTINHO, 2007, p. 478). Assim sendo, os ASPILs devem ser formados por subsistemas, em diferentes escalas, “os quais apresentam menor diversidade interna que externa e, portanto, à hierarquia entre atores diversos devem corresponder hierarquias entre subsistemas diversos de um mesmo arranjo ou sistema” (CAVALCANTI FILHO, 2013, p. 6).
No Brasil, o apoio a Arranjos Produtivos Locais, como salienta Gondin (2011), a partir do final da década de 90, se deu mediante uma nova percepção de políticas públicas de desenvolvimento, em que o local passa a ter grande relevância. Tal fato é resultado de algumas alterações significativas, nas décadas de 1980 e 1990, tais como o processo de redemocratização do país, a descentralização fiscal e o reconhecimento dos municípios como entes federativos, a partir da Constituição Federal de 1988. Por sua vez, no âmbito socioeconômico verificou-se o aumento das desigualdades estruturais internas nas regiões do país e, por conseguinte, em consonância com o debate internacional e nacional de ênfase no local, emergem novas formas de pensar e agir na área das políticas públicas.
Nesse cenário, as políticas públicas voltadas aos ASPILs buscam orientar e coordenar os esforços governamentais na indução do desenvolvimento local, gerando emprego e renda à população e estimulando as exportações. Segundo Barroso e Soares (2009): “Aglomerar-se facilita ganho na eficiência e na flexibilidade que são raramente atingidas por empresas pequenas dispersas. A proximidade geográfica é origem comum dos APLs, que tendem a estimular o estabelecimento de laços sociais entre os agentes” (p. 1438).
No Brasil, como salienta Costa (2010), desde 1999, políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de ASPILs fazem parte oficialmente da agenda governamental. De modo geral, as ações praticadas pelo poder público local nos anos 1990, praticamente se resumiam à concessão de terrenos e de isenção de tributos estaduais e municipais (como, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS –, Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS), com o objetivo de atrair negócios, o que culminou em críticas, como apresentou Barroso e Soares (2009), por gerar concorrência desleal aos APLs já existentes.
Porém, o tema Arranjos Produtivos Locais destacou-se como opção metodológica para a política do governo federal, a partir de sua inclusão na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e da publicação da Portaria Interministerial nº 200, de 2 de agosto de 2004, e como destaca Barroso e Soares (2009), tal portaria criou
[...] o grupo de trabalho permanente (GTP) para APLs, integrado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), o Ministério da Integração Nacional (MI) e mais 23 instituições, governamentais e não governamentais, de vários focos e matizes. O GTP elaborou um termo de referência (TR) para a política de apoio ao desenvolvimento de APLs [...] Pelo TR, um APL deve ter a seguinte caracterização: possuir um número significativo de empreendimentos e indivíduos no território; atuar em torno de uma mesma atividade produtiva predominante em que compartilhem formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança, podendo incluir pequenas, médias e grandes empresas (p. 1440).
Em outras palavras, Guimarães (2013) destaca que, em síntese, as principais ações desenvolvidas pelo GTP estavam centradas no estabelecimento de um consenso na conceituação de arranjos, para que, com isso, se possibilitasse a identificação de Arranjos Produtivos Locais no país e a preparação de um banco de dados contendo o mapeamento de todas as ações existentes dos organismos envolvidos.
Em 2011, como apresenta Guimarães (2013), se intensificou o debate em torno das políticas públicas brasileiras para promover o apoio ao desenvolvimento de aglomerados produtivos no Brasil de forma territorializada e, portanto, em consonância com a recente teoria do desenvolvimento e de modo a alcançar maior equidade regional com vistas à convergência do Plano Brasil Maior (PBM), do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) e da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), e, no contexto atual, de modo a convergir com o Plano Plurianual de governo (PPA 2012-2015, aprovado pela Lei nº 12.593 de 18 de janeiro de 2012).
Entretanto, é importante frisar que alguns autores apresentam os gargalos existentes nas políticas públicas de APLs no Brasil. Por exemplo, Guimarães (2013), ao analisar o caso do APL de têxteis e confecções de Cuiabá e Várzea Grande, no estado do Mato Grosso, verifica que, no presente arranjo, os mecanismos de políticas públicas que foram encontrados se resumem a incentivos fiscais (isenção de ICMS, em algumas situações específicas) e disponibilização de recursos financeiros (através do Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial – FUNDEIC –, proveniente do Governo do Estado de Mato Grosso), políticas estas, desencadeadas pela Secretaria de Indústria, Comércio, Minas e Energia (SICME/MT). O autor conclui que as políticas públicas alicerçadas apenas em incentivos fiscais não estão sendo eficientes e o arranjo não está absorvendo estes incentivos. Assim, recomendou-se o desenvolvimento de pesquisas sobre a situação específica do APL, isto é, suas particularidades, de modo que seja possível “delinear políticas públicas condizentes com tal contexto, evitando a ineficácia das políticas implícita, de modelos tradicionais” (GUIMARÃES, 2013, p. 20).
Outro caso de análise de problemáticas na execução de políticas públicas se refere ao estudo de Lins (2014), acerca do ASPIL de saúde em Caruaru, Pernambuco. Segundo o estudo, o conhecimento tácito e o estímulo à cooperação foram desconsiderados pelas instituições do presente ASPIL, uma vez que desprezam a visão de território nas políticas públicas.8 Logo, é preciso desenvolver a cooperação entre os atores do ASPIL, mediante permuta de conhecimento, inovação no ASPIL na infraestrutura de formação e renovação de recursos humanos, estímulo ao aprendizado, redução dos pontos de conflitos e melhorias das estruturas governamentais.
Na mesma perspectiva, Firmino (2014) também considera importante delegar atenção para a aprendizagem dos atores e inovação dos processos dos arranjos e apresenta a universidade como um dos atores que desempenha importante aporte para a aprendizagem e inovação no APL estudado. No que se refere ao desenvolvimento da aprendizagem e inovação no interior dos ASPILs, a literatura ora estudada aponta que é preciso tratar da noção de pertencimento dos atores ao local, como já explicada na seção anterior, bem como a noção de cooperação (alicerçada na confiança mútua) e de competitividade.
Assim, de acordo com Abrantes (2014), Lins (2014), Batista (2015) e Cerizza (2015), é preciso que os atores públicos e privados dos ASPILs estejam fundados no sentimento de pertencimento à comunidade, de modo a estarem atentos às necessidades da população, não negligenciando ou negando suas raízes. Desse modo, haverá a cooperação dos atores. Ou seja, à medida que o interesse coletivo supera o individualismo, é possível gerar ganhos para os ASPILs, tais como a aprendizagem, inovação de mercado, as relações comerciais, a negociação (maior escala e poder de mercado) e infraestrutura e serviços especializados.
Contudo, embora os ASPILs tenham sido reconhecidos pela literatura especializada e pelo poder público como um promissor instrumento de política pública, e que haja diversos programas e ações, desde o âmbito federal até o municipal, é defendido na literatura estudada9 que ainda há no Brasil uma ampla desorganização da esfera pública no que tange ao delineamento e à ação efetiva de políticas públicas para o apoio ao desenvolvimento destes, o que tem culminado no baixo número de ASPILs consolidados no país.
Em termos gerais, verifica-se que a abordagem de Arranjo Produtivo Local teve uma rápida difusão e aceitação nas agendas políticas desde sua origem na década de 1990. Contudo, verifica-se um inadequado uso dessa categoria analítica, sendo, portanto, usada para definir, por exemplo: a) um conjunto de MPEs; b) um cluster de empresas industriais; c) um aglomerado de MPEs; d) um conjunto de empresas, de qualquer tamanho; e) a cadeia produtiva de um dado produto; f) um distrito industrial; etc. (CAVALCANTI FILHO, 2013).
Portanto, cabe aqui distinguir arranjo produtivo local de sistema produtivo local. Como explica Cavalcanti Filho (2013), tal diferença está no grau de complexidade das articulações entre os atores. Ou seja, “o ‘sistema produtivo e inovativo local’ deve apresentar grau de complexidade superior ao do ‘arranjo produtivo’, por conter um conjunto diverso de atores e de relações fundamentais entre os mesmos não inferiores àquele contido no arranjo” (p. 6). Logo, por dedução, o sistema contém o arranjo, isto é, “a relação (ou relações) ausente(s) do arranjo é que o vincula(m), organicamente, ao sistema e o tornam dependente do mesmo, constituindo-se uma relação do tipo ‘centro-periferia’” (p. 6).
Nas palavras do autor supracitado:
De acordo com a definição proposta aqui, o Sistema Produtivo e Inovativo Local possui a totalidade das dimensões culturais, das relações políticas e das funções econômicas, ou seja, o grau máximo de complexidade sistêmica. Isto permite que em seu interior articulem-se vários e distintos APLs, estabelecendo uma relação de dependência sistêmica entre o ‘centro’ (o sistema) e sua ‘periferia’ (o arranjo). É esta relação de dependência o objeto da ação das Políticas para APLs e sua atenuação e virtual eliminação o objetivo a ser alcançado (CAVALCANTI FILHO, 2013, p. 15).
Portanto, o Sistema Produtivo e Inovativo Local engloba todas as etapas da cadeia produtiva da atividade econômica a ser analisada, envolvendo todas as dimensões culturais, políticas (institucionais) e econômicas. Desse modo, quando este sistema, mais complexo, tiver mais de um arranjo em sua “periferia”, destaca-se que os vínculos de dependência não necessariamente ocorrerão a partir da mesma relação, pois cada arranjo pode estar articulado ao “centro do sistema” de distintos modos, como por meio das fontes de financiamento, dos canais de comercialização etc. Logo, quanto maior o número de arranjos, mais complexo se tornará um sistema produtivo e inovativo.
Por fim, diante do exposto, considera-se de extrema importância a compreensão do conceito teórico-metodológico do ASPIL não só para a identificação dos já existentes, como também para a construção de novos a partir do aproveitamento de articulações existentes no local, mas que, ainda não estão solidificadas quando na forma de arranjos locais.
4. Considerações finais
O trabalho se propôs a trazer reflexões/contribuições teóricas ao debate do uso de ASPILs como instrumentos para o desenvolvimento local de modo integrado e sustentável. Portanto, considera-se que, isso só é possível mediante a “fuga” da associação da categoria ASPIL com a teoria de desenvolvimento local tradicional, ou seja, daqueles que enfatizam as ações mobilizadas dos atores sociais locais como a “salvação” para a região/local. Levando em consideração que, no cenário competitivo globalizante, existem processos assimétricos em que um agente privilegiado detém poder de ditar, redesenhar, delimitar e negar domínio de ação a outro.
Por isso, considera-se importante o papel do Estado para elaborar e aplicar políticas públicas em torno de ASPILs, de modo a buscar promover um desenvolvimento integrado (pensando no micro, meso e macrorregional) e sustentável, ou seja, não somente dependente da vigência das políticas públicas, mas sim servindo de apoio, e não fonte de sobrevivência desses aglomerados. Em outros termos, considera-se importante levar em consideração as dimensões escalares intermediárias, principalmente quando estamos tratando de Sistemas Produtivos Locais que englobam todas as etapas da cadeia produtiva da atividade econômica a ser analisada, envolvendo todas as dimensões culturais, políticas (institucionais) e econômicas, podendo estar localizados na microrregião, mesorregião e macrorregião.
Por outro lado, trazer esse debate à tona e, especialmente a importância de atuação do Estado, para promover uma perspectiva de longo prazo, na busca por um desenvolvimento local, é crucial no momento atual que o mundo (e o Brasil) está vivendo, em que se preconizam reformas para a redução do papel do Estado. Embora tal tese tenha voltado ao debate com o surgimento do modelo de acumulação flexível, nos últimos anos tem crescido a defesa e a concretização da redução da atuação do Estado, principalmente para o lado periférico das regiões de todo o mundo, e o Brasil não foge à regra.
Por fim, como já mencionado, este trabalho é fruto da gênese de algumas inquietações/reflexões sobre a temática, havendo muito ainda para ser aprofundado no debate teórico, especialmente no que diz respeito à compreensão da categoria ASPIL dentro do contexto da Teoria do Desenvolvimento Local e Integrado. Para tanto, considera-se essencial debater a categoria ASPIL dentro da análise cepalina de centro-periferia, de modo a evitar incorrer no uso inadequado dessa categoria analítica, prejudicando, portanto, a análise, a construção e a condução de políticas públicas. Portanto, tal aprofundamento epistemológico é importante, no âmbito do Brasil pois, como discutido, ainda há uma ampla desorganização da esfera pública no que tange ao delineamento e à ação efetiva de políticas públicas para o apoio ao desenvolvimento destes, o que tem culminado no baixo número de ASPILs consolidados no país.
Notas
1 Ao longo do trabalho será verificada a presença da expressão Arranjo Produtivo Local (APL), que, conforme Cavalcanti et al. (2008; 2010) apresenta o mesmo conceito acima exposto com a diferença que os ASPILs estão relacionados também a atividades inovativas, sendo a sigla APL utilizada por outros autores.
2 Embora Firmino (2014) utilize a expressão APL, traz para o debate a questão da inovação dentro do APL.
3 Tal fato se deu em meio à crise da teoria econômica neoclássica que, com o crash na Bolsa de Nova Iorque e a grande crise econômica mundial de 1929, não tinha em seus postulados a resposta de como sair da grande crise.
4 Para mais detalhes, ver Dupas (2012, p. 31-76).
5 Santos (1995 apud Abrantes, 2014, p. 54-55) define a globalização como o “processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende sua influência a todo o globo, e ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival”.
6 Cepalinos é uma expressão usada para se referir aos teóricos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) que foi organizada em 1948. Seu objetivo principal era fortalecer a economia interna dos países latino-americanos, em prol de diminuir a vulnerabilidade destes frente às crises mundiais.
7 Segundo Costa (2010), a chamada Revolução Keynesiana é resultado das consequências socioeconômicas trazidas pela grave crise econômica vivenciada pelo sistema capitalista a partir do final da década de 1920, que provocou significativas alterações na teoria econômica e na forma como o Estado intervia na economia.
8 Como explica Lins (2014, p. 87) é necessário e recomendável: “Incluir na análise que precede a política a noção de território com vistas ao aproveitamento tácito e de seus canais de transmissão que realimentam a cooperação e a disseminação da inovação, tão importantes para a redução de custos das ações”.
9 Lastres (2007); Barroso e Soares (2009); Costa (2010); Guimarães (2013).
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