Inovação, economia dos custos de transação e gestão da cadeia de suprimento: uma discussão teórica


Manoela Silveira dos Santos
Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Universidade Estadual do oeste do Paraná (Unioeste)

Pery Francisco Assis Shikida
Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

Cristiano Stamm
Doutor em Planejamento Urbano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

1     Introdução

O objetivo deste artigo é realizar uma discussão teórica sobre inovação da perspectiva da Nova Economia Institucional (NEI) e da Gestão da Cadeia de Suprimento (GCS, tradução para Supply Chain Management – SCM). Uma das críticas à abordagem da NEI é que ela enfoca preferencialmente as questões de custo em detrimento de outros aspectos relevantes para a criação de valor, como inovação. Já a GCS se caracteriza pelo efeito ativo e retroativo do trabalho nos canais de suprimento de todos os participantes da cadeia de valor, por meio da integração de seus processos de negócios, sempre objetivando agregar valor ao produto final. Considerando isso, como a inovação pode ser relacionada aos principais conceitos referentes à NEI e à GCS? Essa é a questão que baliza este artigo.
Apesar de contribuir para a análise organizacional, a Nova Economia Institucional, especialmente a Teoria dos Custos de Transação (TCT), em sua linha básica da “facção micro”, recebe críticas de vários autores. Barney e Hesterly (2004) destacam três críticas importantes direcionadas à TCT: (i) foco na minimização de custos, como algo imprescindível para as organizações, pondo as estratégias em segundo plano; (ii) atenuação dos custos de organização, desconsiderando que, muitas vezes, as longas e custosas negociações tendem a ser difíceis dentro da firma; e (iii) negligência do papel das relações sociais nas transações econômicas, não as considerando como fortes elementos condicionantes e contingenciais das organizações.
Pessali e Fernández (2001) contribuem para a crítica da TCT por meio de considerações levantadas por autores da Abordagem Evolucionista. Aos olhos dos evolucionistas, falta à TCT superar o seu caráter estático, uma vez que é necessária uma atenção cada vez maior à eficiência dinâmica, às competências para explorar relações transacionais com vistas a inovar. Para eles, não é suficiente observar apenas a escolha de uma determinada forma organizacional dentre as diferentes alternativas (comprar no mercado ou hierarquizar) disponíveis para realizar uma determinada transação ou focar-se somente na análise da transação (seus atributos e os pressupostos comportamentais). E isso é insuficiente pelo fato de que as opções dos agentes envolvidos na transação são ponderadas de forma dinâmica, não sendo possibilidades dadas, mas, sim, alternativas descobertas, avaliadas e inventadas no bojo de um processo de inovação. Sob o olhar dinâmico para inovar, é necessário compreender o desenvolvimento e a aquisição do conhecimento, as preferências, o significado e o papel das interações dos agentes transacionantes.
Nesse sentido, é preciso que se inclua um aspecto dinâmico à TCT para que, por conseguinte, se passe a analisar o processo de aprendizagem que leva à inovação (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2001). Portanto, devem ser considerados tanto os aspectos relacionados ao grau de especificidade do ativo e da incerteza comportamental quanto aqueles que estão ligados à aprendizagem. 
Para entender como a inovação pode ser relacionada e incorporada aos conceitos da NEI e da TCT e da Gestão da Cadeia de Suprimento (GCS), é importante compreender melhor alguns conceitos pertencentes à Abordagem Evolucionista. 

2     Inovação sob a perspectiva da abordagem evolucionista
O instrumental analítico evolucionista é inspirado no mecanismo de evolução, via mutações genéticas, das espécies que são submetidas à seleção ambiental, a qual determina que os indivíduos mais adaptados ao meio ambiente são aqueles que conseguem sobreviver, isto é, são selecionados (CÂMARA, 1993). Análogo ao fato de existir, na biologia, indivíduo e meio ambiente, há empresa e mercado na economia, sendo as empresas que sobrevivem aquelas que acumulam capacidades de sobrevivência no dinâmico mercado concorrencial, incorporando à “base genética” as melhores inovações tecnológicas (SHIKIDA, 1997). Alguns dos representantes dessa linha teórica, em âmbito internacional, são: Richard R. Nelson, Sidney G. Winter e Giovanni Dosi. No Brasil se destacam Maria da Graça Derengowski, da UFRJ, e Sérgio Robles Reis de Queiroz, da UNICAMP.
Tal como Schumpeter, os evolucionistas ratificam a centralidade do conceito de inovação. Ele é visto como propulsor do sistema capitalista, por ser capaz de criar diferenciais competitivos que impulsionam a valorização do capital ou, ao menos, por permitir uma sobrevida aos agentes que se utilizam dele. O dinamismo do ambiente técnico, econômico e concorrencial é o motor que impulsiona a atividade inovativa – daí a necessidade frequente de aprender, evoluir e, logo, de criar novas trajetórias. Esses elementos (inovação, aprendizagem, evolução e trajetória), apesar de não estarem presentes na NEI, também têm muito a contribuir para o entendimento das cadeias de suprimento.
As limitações do crescimento e desenvolvimento de uma economia estão ligadas, na visão de Schumpeter (1982), à falta de projetos rentáveis ou de estoque de conhecimentos e à pouca disponibilidade de pessoas capazes de empreender. Dessa forma, elas não repousam na ausência de investimentos, mas sim de competências para identificar oportunidades de negócios. Pode-se afirmar que para os neo-schumpeterianos a introdução de uma inovação – desde que seja absorvida pelo mercado e, portanto, gere lucros – é o meio pelo qual se obtém o crescimento e o desenvolvimento econômico.
Schumpeter (1982) entende a inovação como um conjunto de funções evolutivas que altera os métodos de produção; a partir disso, criam-se novas formas de organização do trabalho. Ao produzir novas mercadorias, a inovação possibilita a abertura de mercados mediante a fundação de também novos usos e consumos. Ressalte-se que, para o autor, a inovação implica uma aplicação econômica (distinguindo-se da invenção) e origina-se no lado da produção, combinando, de maneira distinta, insumos e energia. As formas de inovação tecnológicas listadas por Schumpeter (1982) são: fabricação de um novo bem; introdução de um novo método de produção; abertura de um novo mercado; conquista de uma nova fonte de matéria-prima; realização de uma nova organização econômica, como o estabelecimento de uma situação de monopólio.
Os evolucionistas embasados nas contribuições de Schumpeter e Dosi (1982), apresentam dois conceitos importantes para a compreensão da atividade inovativa: a trajetória tecnológica e o paradigma tecnológico. O primeiro é definido como o caminho pelo qual há um progressivo trade off entre variáveis que afetam negativamente o paradigma atual, resultando na formulação de um novo paradigma. Já o segundo deve ser entendido como um “modelo” e/ou “padrão” de solução de problemas tecnológicos não resolvidos pelo paradigma anterior. O paradigma tecnológico é, ao mesmo tempo, um conjunto de exemplos, dispositivos de base que devem ser desenvolvidos e testados, e um grupo de questões heurísticas: ‘para onde vamos?’, ‘o que devemos buscar?’, ‘sobre qual forma de conhecimento devemos nos basear?’. Ele define as oportunidades tecnológicas para as inovações e os procedimentos necessários para alcançar uma inovação. 
Para Dosi (1982), o processo de seleção entre paradigmas alternativos é efetivado por meio de um mecanismo de seleção fundamentado na operação de fatores de natureza econômica, institucional e social. Tal mecanismo tem como efeito a exclusão de outras possíveis propostas de paradigmas alternativos. Destaque-se também que o próprio paradigma seleciona as formas pelas quais serão conduzidos os assuntos (que, igualmente, foram por ele selecionados), os instrumentos a serem utilizados, dentre outros. Dosi (1982) pontua que ambos os conceitos clareiam os procedimentos pelos quais ocorrem as mudanças tecnológicas. A busca por novos produtos ou processos não é um levantamento aleatório dentre as possíveis oportunidades tecnológicas, mas, propriamente, um resultado da trajetória tecnológica da empresa e do paradigma em questão.
Outros três conceitos importantes na Abordagem Evolucionista são: a busca, a seleção de inovação e a rotina. 
Com relação ao processo de busca, existem estratégias estabelecidas, no âmbito das firmas, que forjam critérios de avaliação e indicam as melhores oportunidades de sucesso para a tecnologia. Esse é o procedimento estratégico utilizado pela firma e que é responsável pela introdução de inovações que resultam em mudanças nos processos técnico-produtivos ou mesmo em suas rotinas operacionais, sempre com vistas a obter vantagens competitivas. Nelson e Winter (1982) identificam três características fundamentais para o processo de busca: é irreversível; está fundamentado em um contexto histórico específico, ao qual os resultados do processo estão intrinsecamente relacionados; e, finalmente, encontra-se baseado em condições de incerteza, ou seja, seus resultados não são previsíveis. Possas (2002) reafirma que a inovação realizada no âmbito da firma não ocorre de forma espontânea, mas por meio do processo de busca.
Já os mecanismos de seleção atuam sobre os “genes” (rotinas, processos de busca, ativos e competências) e sobre as “mutações” (inovações) (CORAZZA; FRACALANZA, 2004): agem como um filtro que seleciona o caminho entre as diferentes evoluções possíveis. De modo geral, eles representam o instrumento de validação e redirecionamento dos processos e resultados da busca, podendo produzir eliminação ou alteração de tecnologias/estratégias insatisfatórias. Acrescente-se, ainda, que esses mecanismos de seleção são constituídos por fatores que formam o ambiente (seletivo) onde a firma atua.
O ambiente age como um seletor natural, considerando-se que o sucesso futuro das firmas depende dele. O processo de seleção, juntamente do de busca, determina as características das firmas que se manterão no ambiente econômico (NELSON; WINTER, 1982). Deve-se reconhecer a multiplicidade de ambientes caracterizados por elementos mutáveis que exercem diferentes forças seletivas, as quais não se resumem às de mercado. Os elementos seletivos podem ser organizados a partir de seis categorias: econômicos de estrutura de mercado, situação macroeconômica, natureza político jurídico-institucional, meio ambiente natural, caráter social e caráter cultural. Tal organização evidencia a abrangência do processo seletivo, que, como dito, não somente vai além dos mecanismos de mercado, mas também ultrapassa a esfera das preferências pessoais (POSSAS, 1999).
A rotina é apresentada por Nelson e Winter (1982) como sendo o termo geral para todos os padrões comportamentais regulares e previsíveis das firmas, isto é, ela incorpora as características persistentes que determinam o comportamento possível. A rotina pode, então, ser considerada como procedimentos eficientes de estocagem de informação e de interpretação de sinais provenientes de fora da organização (MÉNARD, 1997) – uma espécie de memória organizacional. Existem três tipos de rotina: operacionais, de decisão e de busca – as duas primeiras podem ser agrupadas sobre o estoque de capital (investimento), porquanto se referem à possibilidade de um efetivo direcionamento para o que se sabe fazer melhor (NELSON; WINTER, 1982). Conforme os autores supracitados, as rotinas de busca funcionam com o objetivo de modificar vários aspectos operacionais da firma ao longo do tempo; elas são atividades associadas à avaliação das rotinas correntes e que podem levar a mudanças drásticas ou a substituições. O resultado bem sucedido da mudança pode ser observado em inovações ou melhorias que podem vir gerar valor. As rotinas de busca dão origem ao comportamento que visa à mudança e à inovação. Tal comportamento emerge da busca diária de resolução dos problemas que surgem na firma, isto é, à medida que os indivíduos da organização se deparam com eventos aleatórios internos e externos (NELSON; WINTER, 1982).
A rotina relaciona-se à aprendizagem. Com efeito, esta é gerada exatamente no desenrolar das rotinas, sendo capaz de moldar as características dos comportamentos individuais. Segundo Lundvall (1988), o aprendizado conecta-se às atividades de rotina envolvidas com a produção, distribuição ou consumo, bem como com os importantes inputs do processo de inovação tecnológica. Muitas atividades estão associadas ao aprendizado pelo learning-by-doing (LBD), que tem lugar nas operações de produção e possibilita o crescimento tanto da eficiência quanto das habilidades. Outras se ligam ao learning-by-using (LBU), demonstrando que o resultado do aprendizado adquirido no uso do produto pode ser revertido em posteriores melhorias na eficiência. Há também aquelas que se vinculam ao learning-by-interacting (LBI), a partir do qual o aprendizado resultante da interação entre produtores e usuários produz novos processos inovativos. Por fim, estão as que se remetem ao learning-by-searching (LBS); neste, existe uma infraestrutura dirigida à criação de novos conhecimentos e também se observa a presença de mecanismos mais complexos de aprendizagem intrafirma e/ou interfirmas1.
Dosi (1991) reconhece um outro elemento fundamental para que haja inovação: a história. Para ele, as conquistas tecnológicas passadas influenciam as conquistas do presente. Essa interação entre passado e presente está relacionada ao conceito de path dependence, usado, inicialmente, por David (1985). O autor utilizou-o para explicar as trajetórias tecnológicas, tendo como objeto de análise o desenvolvimento do teclado de computadores (daí o título de seu trabalho, “Clio and the economics of QWERTY”2). Segundo ele, a despeito de opções mais eficientes, a disposição atual dos teclados seguia o que foi estabelecido no mercado de datilografia em 1880. Shikida et al. (2010) salientam que, na perspectiva do path dependence, o passado não dita o futuro, como se houvesse uma inevitabilidade per se; o que o conceito assinala é que as decisões tomadas em um determinado momento seguem um caminho em que padrões novos e antigos interagem. 
Teece e Pisano (1998) argumentam que adotar a noção de dependência da trajetória é reconhecer a importância da história, isto é, que o aprendizado é um processo evolutivo, baseado em reavaliações internas, em feedbacks gerados por processos já existentes. Nesse sentido, as rotinas estabelecidas na firma servem como ponto de partida para avaliações sobre investimentos futuros, sobretudo no que diz respeito a restrições ou incorporações de novos produtos ou processos. 
Posteriormente, algumas correntes ligadas à economia institucional mobilizaram o conceito de path dependence para tentar explicar as trajetórias de desenvolvimento das instituições:

Las organizaciones, localizadas en regiones y tiempos específicos, generan dinámicas específicas de industrialización, estructuras de gobierno y arreglos institucionales adecuados a contextos determinados, pero que no necesariamente son las más eficientes. La historia importa porque nos permite explicar el proceso […]. En economía como en biología, sin una perspectiva evolutiva no se puede explicar nada. La formación de empresas y sistemas productivos no es simplemente un proceso de selección de formas organizacionales eficientes, sino un proceso evolutivo de generación de patrones históricos con rasgos de path dependence (HODGSON, 2007, p.19).

Os conceitos apresentados até aqui permitem compreender que o processo inovativo é fundado em alguns pressupostos básicos, a saber: é multideterminado, possuindo um caráter transdisciplinar; é caracterizado por um princípio histórico-evolutivo, dependente, portanto, do aprendizado; é cumulativo e irreversível; é incerto, podendo ser considerado largamente não intencional; atinge diferentes graus de complexidade, dependendo do setor/área de aplicação e da natureza do conhecimento.

3     Aproximação entre os principais conceitos referentes à NEI e a GCS 
    e os conceitos ligados à inovação, sob a visão dos evolucionistas

3.1     Inovação e a NEI

Apesar de Oliver Eaton Williamson reconhecer a importância do processo de inovação na geração de novas estruturas de gestão das transações, buscando compreender as causas da presença de uma determinada estrutura de governança a partir da comparação entre alternativas possíveis (hierarquia ou mercado), sua análise é estática (POSSAS, 1999). Assim, ainda que haja um distanciamento entre a visão estática da NEI e a perspectiva dinâmica e evolutiva da Abordagem Evolucionista, é possível relacionar alguns dos conceitos discutidos na NEI, mais especificamente os que foram trabalhados pela TCT, com os conceitos de inovação.
A transação é o elemento central da análise da TCT, sendo estes os fatores que a definem: os pressupostos comportamentais (racionalidade limitada e oportunismo) e os atributos da transação (incerteza, especificidade e frequência). A racionalidade limitada pode ser associada a dois conceitos importantes da inovação trazidos pelos evolucionistas: aprendizado e path dependence. Tal associação é permitida por que a tomada de decisão do ator não é influenciada apenas por informações imperfeitas ou restritas, mas também por seu conhecimento anterior, visto como um conjunto evasivo composto por uma estrutura cognitiva, regras de busca e capacidades tácitas que guiam as atividades inovativas (DOSI, 1991).
Partindo do entendimento de que para a TCT o agente, apesar de sua limitada competência cognitiva, toma decisões de forma racional e procura avaliar suas consequências e estabelecer critérios de escolha entre ações alternativas (PONDÉ, 1993), é possível sugerir que a aprendizagem e o path dependence são fontes para a elaboração desses mesmos critérios de decisão. Dosi (1991) acrescenta que as taxas e direções das atividades inovativas também são moldadas e restringidas pelas características específicas dos agentes, pelas atividades em que eles são bons e por suas experiências passadas.
O conceito de path dependence, focado, por Dosi (1993), na trajetória tecnológica, pode ser aproximado e combinado com o de path dependence, tal como tratado por North (1990), porquanto para este último as mudanças institucionais são caracterizadas pela trajetória de dependência das instituições. North (1990) sublinha que a existência de path dependence também significa que a história importa, que conhecer o passado é fundamental para o presente. Ademais, não se pode entender as escolhas de hoje sem se traçar a evolução incremental das instituições; dessa forma, além das experiências relativas à tecnologia, as decisões dos atores também são moldadas pela trajetória institucional. Nas palavras do autor:

Technological change and institutional change are the basic keys to societal and economic evolution and both exhibit the characteristics of path dependence. Can a single model account for both technological and institutional change? They do have much in common. Increasing returns is an essential ingredient to both (NORTH, 1990, p.103).

Ao focar a essência da estrutura organizacional na transação e tentar explicá-la em termos de eficiência ou habilidade em restringir comportamentos oportunísticos, a TCT deixa de fora o caráter inovador da firma. Incorporando essa perspectiva na análise da firma, é possível incluir outro aspecto ao seu estudo: o repertório de competências, o qual demonstra que a firma sabe mais do que seus contratos dizem (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2001). Esse repertório de competências é criado pelas rotinas (NELSON; WINTER, 1982; PENG et al., 2008) e contribui para o resultado da firma.
A instituição, quando opta por integrar verticalmente, em vez de transacionar no mercado, não o faz somente por entender que os custos de transação serão menores, mas também por acreditar que há um grau de conhecimento relevante. Para os evolucionistas, esse grau de conhecimento, aliado à percepção da existência de riscos e salvaguardas nas transações, é um outro importante elemento na decisão de onde (ou não) integrar (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2001). São, portanto, esses dois elementos que irão determinar sua estrutura de governança. 
Outro ponto em que é possível identificar uma relação entre os conceitos da NEI e da inovação é a compatibilidade que existe entre as instituições e as rotinas. As instituições são criadas como forma de reduzir incertezas e controlar as fontes de instabilidade, de modo a conduzir adaptações e ajustes estavelmente (WILLIAMSON, 1985; NORTH 1991). Já as rotinas são as características persistentes que determinam o possível comportamento das firmas. Elas emergem de um repertório de alternativas possíveis dentro da organização, acionado por eventos internos ou externos (NELSON; WINTER, 1982). Considerando esses conceitos, Pondé (1993) afirma:

[...] a riqueza comportamental de um sistema complexo em evolução admite a compatibilidade entre os dois enfoques, de forma que a rotina – caracterizando soluções “individuais” de convivência com a instabilidade – e a institucionalização das transações – enquanto ações interativas de controle da instabilidade que emana da interdependência entre agentes específicos – combinam-se e alteram-se em diferentes contextos (p. 61).

O autor sugere que a institucionalização das transações corresponde a uma reação frente à incerteza comportamental dos agentes; já as rotinas consistem em reações diante da incerteza geral que vem do ambiente econômico. Nesse sentido, fica evidente a complementaridade entre os conceitos das duas teorias e a possibilidade de trabalhá-los em conjunto para compreender melhor as ações e decisões tomadas por determinada firma.
As instituições também podem ser relacionadas a outro elemento relevante no processo de inovação: a seleção de inovação. Nesta, o ambiente se comporta como um mecanismo seletor natural das alternativas disponíveis (NELSON; WINTER, 1982). Os ambientes seletivos são múltiplos, caracterizados por elementos mutáveis que atuam como forças seletivas distintas. A instituição pode ser vista como um dos elementos seletivos identificados por Possas (1999) e já descritos anteriormente; ela se assemelha ao que ele identifica como natureza político jurídico-institucional e caráter cultural do processo de inovação. Essa aproximação é permitida pelo fato de as instituições serem entendidas pela NEI como sendo restrições informais (tabus, sanções, costumes, tradição e códigos de condutas) ou, de outro modo, como regras formais (constituições, leis e direitos de propriedade) (NORTH, 1991).
A relação existente entre as instituições e o aprendizado (conceito também explorado acima) não só restringe o comportamento dos agentes econômicos, como defendido pela NEI, como também procura coordenar o contexto em que eles aumentam as capacitações e os conhecimentos de que dispõem (PONDÉ, 1999). Assim, as instituições afetam a capacidade do sistema de gerar inovações.
Dosi (1982) contribui para a discussão do papel das instituições na inovação ao dizer que os fatores institucionais, ao lado dos econômicos e sociais, afetam a emergência de uma nova tecnologia, operando como forças direcionadas para o desenvolvimento tecnológico. O autor lista três fatores institucionais cruciais para o processo de seleção e para a emergência de uma nova tecnologia: (i) a acumulação de conhecimento tanto na ciência como nas formas aplicadas (tecnologia), evidenciando a necessidade de existência de “instituições pontes”; (ii) as formas de intervenção institucional que permitem a exploração tecnológica e as tentativas de produção; (iii) o efeito seletivo e focado, induzido por modos variados de interesses stricto-sensu não econômicos. Dosi (1982) ainda acrescenta que, mesmo em trajetórias tecnológicas bem estabelecidas, esses fatores facilitam a modelagem e determinam a taxa em que o avanço tecnológico pode ocorrer.

3.2 Inovação e a cadeia de suprimento 

Uma relação evidente entre a inovação e a cadeia de suprimento concerne ao desempenho desta última e, conjuntamente, de seus membros. Tal relação está patente no próprio conceito de inovação elaborado por Schumpeter (1982): na cadeia de suprimento, a inovação pode ser vista como uma forma de impulsionar o desenvolvimento dos seus membros, favorecendo a geração de valor nos seus diferentes elos e, portanto, sendo uma forma de superar as dificuldades de crescimento e de fazer frente aos concorrentes.
Kline e Rosemberg (1986) pontuam que o processo de inovação envolve uma grande diversidade de atividades. Se for considerado, como exemplo, o desenvolvimento de um novo produto, observa-se que é preciso, resumidamente, compreender claramente as necessidades dos clientes (identificando as oportunidades de negócios não aproveitadas pelos rivais), combinar os recursos e capacidades da firma, definir e adequar o processo produtivo e, além disso, escolher e desenvolver a estratégia de marketing, definindo também os canais de distribuição. É notório o envolvimento de diferentes agentes ao longo do processo de inovação; há a presença não só da firma que está inovando, mas também de seus clientes e, possivelmente, de seus fornecedores, os quais a provêm de insumos e serviços adequados ao novo produto. Assim, as inovações tecnológicas constituem o resultado, o ponto de convergência de uma ampla gama de processos de aprendizado (por meio, por exemplo, do LBD ou LBU (ROSENBERG, 1982), os quais não se restringem a um membro da cadeia, ao contrário, espalham-se para os demais membros neles envolvidos.
Tratando-se das inovações que envolvem o desenvolvimento de novos produtos, destaque-se, ainda, que elas entram, conforme propõem Lambert e Cooper (2000), no bojo dos processos de negócios da cadeia (atividades que produzem outputs com valor), especificamente no de desenvolvimento e comercialização. Esse processo auxilia a integração entre fornecedor-empresa-cliente, com o objetivo de lançar, com velocidade, novos produtos no mercado, tentando aproveitar a vantagem competitiva de ser o primeiro.
Omta (2004) argumenta que o processo de inovação dificilmente é conduzido por uma única firma, sendo necessário, por essa razão, olhar a inovação sob a perspectiva de cadeia de suprimento. A visão de envolvimento de diferentes agentes na atividade de inovação é reforçada por Lambert e Cooper (2000), que, como dito, compreendem os processos de gestão do relacionamento com o fornecedor e com o cliente como insumos para o processo de desenvolvimento e comercialização. Essa aproximação propicia o desenvolvimento de novos produtos/serviços, levando em consideração os interesses dos clientes, da empresa e dos fornecedores e, ao mesmo tempo, satisfazendo a todos e gerando valor.
Conforme apresentado, os conceitos de rotina, de aprendizado e de path dependence apresentam-se, significativamente, dentro do contexto de inovação, sendo, pois, componentes importantes para a tomada de decisão e comportamento dos agentes. Reconhecendo que a cadeia de suprimento é composta de relações interorganizacionais, influenciada pelos posicionamentos dos agentes, percebe-se que há espaço para a incorporação dos conceitos ligados ao processo inovativo nas discussões teóricas sobre a GCS.
Segundo Nelson e Winter (1982) as rotinas são as habilidades de uma organização, vistas como unidades de atividades ordenadas com um caráter repetitivo. As rotinas operacionais, ligadas aos procedimentos que visam a gerar lucros e receitas, contribuem para a produção de capacidades estáticas relacionadas às competências das organizações e, mais que isso, dizem respeito ao conjunto de processos de negócios e à constituição dos processos organizacionais para a utilização e combinação de recursos voltados para a criação de competências maiores (PENG et al., 2008). Considerando-se a noção de cadeias de suprimento, pode-se associar as rotinas operacionais tanto aos processos de negócios propostos por Lambert e Cooper (2000) quanto às funções de negócios tradicionais expostas por Mentzer et al. (2001), pois é por meio delas que os agentes da cadeia desempenham suas funções e estruturam e gerenciam seus processos de negócios, a fim de criarem valor, terem lucratividade e, por fim, satisfazerem seus clientes.
No tocante ao aprendizado tecnológico, estão as diferentes ideias do learning, cujo processo depende do conhecimento que é acumulado ao longo do tempo, podendo ser, como também foi mencionado, mediante LBD, LBU, LBS e/ou LBI. No caso específico da GCS, uma forma de aprendizado inerente ao seu contexto é o LBI, no qual os agentes da cadeia de suprimento permitem ações conjuntas, troca de informações, divisão de responsabilidades, estabelecimento de código e procedimentos com o intuito de desenvolver suas capacidades produtivas, tecnológicas e organizacionais.
Em função da cadeia de suprimento ser composta de relações interorganizacionais, com elementos de coordenação derivados da cooperação entre agentes que a compõem, suas apostas em inovações não costumam ser do tipo ad hoc; são consideradas, nela, a cumulatividade do aprendizado e do conhecimento, de forma que a história importa (path dependence).
Nessa discussão, vale destacar, ainda, um elemento teórico da NEI que tem impacto sobre as inovações e que influencia as cadeias de suprimento: a instituição. Os valores, crenças e símbolos construídos e repassados pelos membros de uma cadeia (instituições informais) criam um ambiente favorável, ou não, à inovação, ao aprendizado e à transmissão deles. Os relacionamentos existentes entre os membros e os seus resultados (crenças, valores, normas sociais) devem ser vistos como componentes importantes no processo de inovação e no seu fomento no âmbito da cadeia.

4     Considerações finais 
O objetivo deste artigo foi realizar uma discussão teórica sobre a aplicação da inovação sob a ótica da NEI e da GCS, tendo em vista o seguinte questionamento: como a inovação pode ser relacionada aos principais conceitos referentes à NEI e à GCS?
A questão proposta traz à tona um importante e atual debate acerca do papel da inovação nas cadeias de suprimento e evidencia alguns pontos frágeis da NEI. A Abordagem Evolucionista se mostra adequada a ser trabalhada em conjunto com a GCS pelo seu caráter dinâmico e pelo enfoque dado ao processo inovativo e às trajetórias. Isso evidencia a importância de analisar a inovação sob uma perspectiva transdisciplinar, considerando a trajetória dos seus membros e o aprendizado decorrente do processo inovativo, em especial quando a inovação é estudada em cadeia.
A discussão possibilitou ressaltar o relevante papel das instituições para a NEI e para GCS, bem como para a própria Abordagem Evolucionista, uma vez que elas, além de contribuírem para coordenar as ações dos membros da cadeia, impactando diretamente sua estrutura e seu desempenho, afetam sua capacidade (ou da firma) de gerar inovações. 
Tal perspectiva se deve ao fato de a GCS ser constantemente impulsionada pelas iniciativas associadas ao fluxo e transformação de materiais/serviços, pelas quais se busca melhorar as capacidades tecnológicas da cadeia em um mercado consumidor cada vez mais competitivo. Percebe-se, pois, que na GCS a inovação tem um papel estratégico, seja pela capacidade de desenvolver algo que os concorrentes não conseguem, seja pelas condições de apropriabilidade de lucros derivadas do ato de inovar que garantem maiores amplitudes para a expansão das atividades e/ou market share das firmas líderes em tecnologia.
Ficou evidente que os elementos vinculados à inovação (a busca; a seleção de inovação; a rotina; a aprendizagem e a path dependece), amplamente discutidos pela Abordagem Evolucionista, têm muito a contribuir para a NEI e para a GCS. No caso da NEI, eles minimizam as críticas feitas à teoria e, no da GCS, ampliam o entendimento acerca do processo de inovação e fornecem uma base capaz de aprimorar a gestão da cadeia, resultando em um melhor desempenho das firmas e no fomento de criação de um ambiente mais adequado para as inovações.


Notas
1.    Arrow (1962), Rosenberg (1982), Lundvall (1988) e Martins (2004) apresentam conceituações mais detalhadas para learning-by-doing, learning-by-using, learning-by-interacting e learning-by-searching. 
2.    “Termo” que se refere a uma das sequências de letras do teclado de um computador.

 

Referências
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