Aspectos do Desenvolvimento Político e Econômico da Guyana


Iuri Cavlak
Professor da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp-Assis).

1    Introdução

A história da América do Sul, após a chegada dos europeus em 1492 e o início do processo de ocidentalização e sua inserção no mercado mundial, foi marcada por dramáticas desigualdades regionais. No norte do continente, mais especificamente no platô das Guianas, essa questão se destacou, tendo como resultante a formação de pequenas entidades estatais com alto grau de subdesenvolvimento, embora com algumas possibilidades de crescimento e transformação.
O caso da Guyana é sintomático, todavia pouco conhecido no Brasil. Após trocar de soberania nove vezes entre o século XVI e XIX, fruto das disputas entre a Grã-Bretanha e a Holanda, o lugar se consolidou como uma importante colônia inglesa produtora de açúcar, formada por três divisões políticas, Demerara, Berbice e Essequibo, o chamado “Três Rios” (GIMLETTE, 2011, p. 6). A partir de 1831, a colônia foi unificada e batizada de Guiana Inglesa, status que perduraria até sua independência política em 19661. 

Mapa 1 - Localização da Guyana no Continente

Mapa Guyana

Fonte: How stuf works (2008).

Durante o século XIX, enfrentando o desafio de composição de mão de obra, após a abolição da escravidão em 1838, os ingleses promoveram a maior imigração de asiáticos para o continente, cerca de 370 mil, na sua maioria oriundos da Índia e da ilha de Java, direcionados para o trabalho nas plantations (RODNEY, 1981, p. 33). Igualmente, foram importados, todavia em menor número, portugueses e chineses para lidarem com o comércio varejista. Somados aos mais de 100 mil escravos advindos da África, a região sul-americana se tornou, assim, um dos lugares mais pluriétnicos do Ocidente. 
Na virada do século XIX para o XX, novas atividades econômicas se fortaleceram, como o cultivo de arroz e a mineração de ouro e da bauxita, diversificando o cenário e possibilitando condições para mudanças importantes na configuração política. Sindicatos foram emergindo e um grande partido político multiétnico tomou forma, embasado no ideário socialista e na luta pela independência.
O problema do subdesenvolvimento se tornou crucial, com a busca de recursos ingleses para o avanço industrial e as reformas sociais, bem como a mudança do caráter do Estado de promotor da monocultura de exportação para indutor do crescimento do mercado interno. No contexto da independência, novos modelos e parceiros internacionais foram perseguidos, enquanto o peso da Guerra Fria constrangeu ainda mais as disputas sociais.
Na medida em que a inserção no mercado mundial como país independente, mais uma democracia liberal aliada aos EUA, tendia a contribuir para a manutenção de um papel secundário no entorno regional, dado seu diminuto tamanho e sua pobre infraestrutura, os guianenses foram se projetando tanto na zona de influência da União Soviética quanto no chamado movimento dos países não alinhados, com o intuito de buscar, dessa forma, maior poder de barganha internacional. Por outro lado, os principais líderes políticos imaginaram que o ideário socialista poderia contribuir internamente para a construção de uma economia planejada e, no quesito ideológico, justificar a existência de uma única nação formada por diferentes povos, promovendo igualdade de condições para as diferentes etnias. 
Consultando as fontes primárias e as análises da política externa norte-americana, podemos acompanhar o quanto a grande potência do norte trabalhou para evitar essa situação. Ela intervia internamente na Guyana e redirecionava as forças sociais para uma configuração mais aceitável aos seus interesses políticos e econômicos. 
Várias questões se fazem pertinentes no sentido de justificar uma análise mais detida do ponto de vista das relações regionais desse pequeno e aparentemente insignificante país. A primeira seria a semelhança com o a região Norte do Brasil, com baixa atividade econômica, hipertrofia do Estado e dilatados índices de pobreza, facultando até mesmo possibilidades de comparação com os Estados limítrofes de Roraima e Amapá. A segunda seria as heranças coloniais díspares, articuladas às variadas formas políticas que historicamente se desenvolveram, mas que não lograram retirar o lugar do extremo subdesenvolvimento.
A Guyana foi colonizada por holandeses, depois ingleses, inserindo-se como país independente no mercado mundial em 1966; em 1970, declarou-se como uma República Cooperativa. O Estado chegou a comandar 80% da economia no início dos anos 1980. Nos anos 1990, a nação voltou a ser administrada nos padrões das democracias ocidentais, sem que todo o turbulento passado e sua complexidade política transformasse estruturalmente sua economia. 
Tendo isso em vista, seria pertinente indagar até que ponto a diversidade ideológica na gestão do Estado e diferenciadas tradições socioculturais poderiam agir de forma substantiva na estrutura econômica ou, no sentido inverso, como pequenas nações de largo passado como colônias poderiam forjar um novo tipo de desenvolvimento, seja ele socialista, seja liberal. Essas questões nos interessa tratarem de um caso vizinho ao Brasil, virtualmente ainda não considerado pela nossa historiografia. Nesse sentido, nosso objetivo neste artigo é problematizar alguns dos elementos da história política e do desenvolvimento econômico da Guyana no século XX, tentando analisar os limites e as possibilidades desse “cadinho” de povos divididos entre o Caribe e a América do Sul, tão longe e ao mesmo tempo tão perto. 

 2    Aspectos históricos
A Guyana é um país bastante desbalanceado, com apenas 4% de suas terras situadas na costa, mas com 90% de sua população aí vivendo. Mais de 80% do território é composto por florestas inabitadas, o que faz pensar sobre a contínua imigração de pessoas para o exterior em um lugar pleno de espaço a ser utilizado, maior do que muitos países desenvolvidos (RABE, 2005, p. 4). Desde a chegada dos europeus, era uma terra imaginada como portadora de riquezas sem fim; foi inaugurada na expedição de Sir Walter Raleigh, em 1596, e ganhou o mundo em sua posterior descrição, espécie de “carta de Caminha” guianense (RALEIGH, 2006). Raleigh procurava uma cidade coberta de ouro, o famigerado El Dorado, esconderijo das riquezas de um recluso imperador inca.
Outros escritores dedicaram, igualmente, sua imaginação para essas paragens, como Shakespeare, no Falstaff, Voltaire, no Candido, Milton, no Paraíso Perdido, e Arthur Conan Doyle, em seu Lost Word. Passando da ficção ao mundo real, os primeiros peregrinos que colonizaram os Estados Unidos pensaram em se estabelecer na Guiana, desistindo dessa opção por problemas de logística (SPINNER JUNIOR, 1984. p. 1). De qualquer forma, pode ser considerada uma região eternamente marcada pela expectativa de grandes projetos.
Os holandeses comandaram a empresa colonizadora pela maior parte do tempo, entre o século XVI e o início do século XIX. Dentre as peculiaridades dessa nação, destacou-se a procura pela expansão comercial sem a preocupação de povoar ou mesmo estabelecer um enclave de valores e costumes próprios. Diferente dos ibéricos, os holandeses não tentaram evangelizar os nativos e nem mesmo reforçar o pacto colonial, pois, desde cedo, liberaram a Guiana para o comércio e também o assentamento de latifundiários de outras nacionalidades. Quando da sua expulsão do Nordeste brasileiro, na metade do século XVII, muitos holandeses se mudaram para o litoral guianense, construindo diques e canais para lidar com as inundações das águas do Atlântico, coincidentemente parecidas com Amsterdam (GOSLINGA, 1971). 
Talvez, dentro do contexto colonial, o período de maior prosperidade tenha-se dado durante o governo de Laurens Storm Gravesande entre 1742 e 1775. Nessa época, a Guiana se limitava ao entorno do Rio Essequibo, sendo que esse novo governador, aproveitando de plantadores ingleses vindos de Barbados, aprofundou a ocupação de terras para além da faixa litorânea e, assim, atingiu a região de Demerara. Foi atingida a marca de 14 mil escravos distribuídos em cerca de 500 plantations, com fluxo comercial dos mais altos para todo o império holandês (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 4). 
Porém, as três guerras no século XVIII envolvendo holandeses e ingleses, as revoluções burguesas na Grã-Bretanha e na França e a Revolução Industrial estabeleceram um novo equilíbrio de poder que relegou a Holanda para o segundo plano. Encerrou-se o chamado século de ouro, com essa nação retirando-se do capital comercial e especializando-se no capital financeiro, incapaz de fortalecer seu setor industrial. Progressivamente, suas colônias ultramarinas enfraqueceram-se – um dos motivos para a queda de investimentos no norte do continente sul-americano. As guerras napoleônicas propiciaram a invasão dos franceses e, posteriormente, a ocupação inglesa, determinada, enfim, pela Convenção de Londres em 1814. Esta finalmente dividiu as guianas entre britânicos, que dominaram Essequibo, Demerara e Berbice, holandeses, limitados à faixa costeira central (Suriname), e franceses, com um grande pedaço a leste (Guiana Francesa). 
Em 1823, Demerara foi palco de uma extraordinária revolta escrava, talvez a maior do mundo ocidental depois da haitiana, com a participação de 12 mil cativos, que conjugou a determinação dos escravos em busca da liberdade com as noções abolicionistas advindas dos missionários ingleses que ali estavam. Esse levante, esmagado pelo aparato repressivo inglês, impulsionou mudanças cruciais, como a unificação política das três colônias em um único centro administrativo e a abolição da escravidão sete anos depois, antecedendo em mais de meio século a abolição no vizinho Brasil (COSTA, 1998). 
Imediatamente após a abolição, uma parcela dos ex-escravos estabeleceu-se em pequenas propriedades, enquanto outra passou a negociar melhores condições de trabalho e assalariamento com os antigos donos. Tal situação perturbou a classe proprietária, temerosa de uma queda na taxa de lucro em seus empreendimentos. A saída escolhida foi a busca por um tipo de mão de obra o mais semelhante possível com as antigas condições compulsórias, resultando na contratação de imigrantes, em sua maioria indianos que passavam por terríveis condições econômicas nas colônias inglesas na Ásia. Uma forma de conseguir mão de obra barata, desafogar as regiões pobres e super povoadas do Oriente (ameaça contínua de sublevações) e de criar um cordão sanitário entre a elite branca e a massa de afro-guianenses. A lucratividade advinda do tráfico negreiro poderia ser continuada com esse novo tráfico humano. 
Assim, entre 1838 e 1917, cerca de 240 mil indianos e javaneses vieram para a América do Sul como trabalhadores contratados, donde um terço conseguiu retornar para sua terra natal (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 7). Da Europa também chegaram, todavia em menor número, ingleses, irlandeses e alemães, que não se efetivaram no novo mundo e/ou sucumbiram e logo retornaram. Portugueses oriundos das ilhas de Açores e Madeiras aportaram para trabalhar no comércio e nas cidades, assim como chineses. 
A partir de 1900, entretanto, novas mudanças tomaram forma quando parte dos indianos começou a se dedicar à plantação de arroz, possibilitando o abastecimento do mercado interno e a ascensão de alguns trabalhadores à condição de pequenos proprietários. O capital monopolista avançou no setor açucareiro; as mais de 200 fazendas existentes no século XIX foram transformadas em apenas 19 na primeira metade do XX, sendo 15 delas propriedade da multinacional norte-americana Booker Brothers McConnel and Company Limited. O chiste que então corria era que o país, em vez de British Guiana, poderia se chamar Booker’s Guiana (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 9). 
No contexto da Primeira Guerra Mundial, os imensos depósitos guianenses de bauxita mostraram-se essenciais para o esforço de guerra dos aliados, proporcionando à colônia outra fonte de riqueza além do açúcar. Em 1914, foi criada a Companhia de Bauxita Demerara, de capital canadense (Aluminium of Canada), para explorar esse minério na cidade de Mackenzie, cerca de 100 km de distância de Georgetown. Posteriormente, a norte-americana Reynolds Metals Company encarregou-se de outras jazidas no Rio Berbice. Na falta de recursos para a construção de uma hidrelétrica, tornou-se inviável a montagem de uma refinaria para manufaturar a bauxita e agregar valor a esse estratégico produto. 
Essas novidades na economia foram sendo acompanhadas por algumas mudanças políticas, como o aumento do tamanho do aparelho de Estado. Certa representatividade nas câmaras foi aberta para os subalternos, enquanto escolas foram construídas visando a formação de quadros para auxiliar na administração. A população afrodescendente foi a que mais se beneficiou desse contexto, ocupando os postos de polícia e ensino, além dos escalões médio e baixo das multinacionais. Os indianos permaneceram excluídos das benesses urbanas, embora com altas taxas de natalidade, em vias, pois, de se tornarem maioria entre a população. 
Em 1919, após uma série de greves e manifestações, foi formada pela primeira vez dentro do império britânico uma organização operária estruturada, a British Guiana Labour Union (BGLU), sob a liderança do estivador negro Hubert Nathaniel Critchlow. Mais de uma década depois, em 1937, os trabalhadores indianos cortadores de cana também construíram sua própria organização, a Man Power Citzens Association (MPCA), liderados por Ayube Edun (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 23). Ambas inspiradas no movimento operário metropolitano, importando material e métodos secularmente desenvolvidos nas trade unions inglesas. Para reforçar o controle sobre a colônia, a Inglaterra elevou seus status para “colônia real” em 1929, incrementando seu poder governamental.
A Segunda Guerra Mundial impulsionou rapidamente outras mudanças sociais. O perigo da transformação do Brasil em aliado alemão, que o pragmatismo da política externa varguista em algum momento dos anos 1930 sugeriu, e a queda da Guiana Francesa nas mãos dos colaboracionistas levaram a uma valorização geo­política da Guiana por parte da Inglaterra e dos Estados Unidos. Recursos foram liberados para melhorar a vida da população e uma base aérea norte-americana, a Atkinson Field, foi construída em 1940. Por outro lado, os trabalhadores indianos foram desenvolvendo suas instituições de classes, bem como os trabalhadores negros envolvidos na extração da bauxita. 
Em 1941, o movimento operário guianense criou a Trades Union Council (TUC), uma central que passou a unificar os até então dispersos sindicatos. O avanço na consciência de classe fez crescer essa instituição, que se filiou em 1944 a Fabian Colonial Bureau (FCB), enviando representantes um ano depois para a primeira conferência mundial da World Federation of Trade Unions (WFTU). Nessa época, vinte diferentes sindicatos compunham o movimento dos trabalhadores na Guiana Inglesa; a MPCA contava com mais de mil filiados (SPINNER JR, 1984, p. 23)2.
Ao final de 1945, a política tornou-se um problema chave no seio da colônia, com as classes subalternas esperançosas na independência política e na construção da nova nação. O objetivo de uma democracia ampliada apontava para a possibilidade de socializar a riqueza produzida e estabelecer intercâmbios comerciais com outras nações, galvanizando a atividade econômica e superando as dificuldades geográficas.

3     Independência e Socialismo
Logo em 1946, numa demonstração da importância da questão trabalhista, Georgetown foi sede do primeiro congresso dos trabalhadores do Caribe, que hospedou vários proeminentes líderes sindicais da região. Apareceram as lideranças Cheddi Jagan e sua esposa, Janet Chagan, que haviam frequentado, no entre guerras, grupos de discussão sobre marxismo e conferências do Partido Comunista nos Estados Unidos. Convencidos, junto de outros militantes, que o movimento necessitava de um novo grau de organização, centrado na universalização das lutas em lugar da parcialidade de cada sindicato, fundaram o Political Affairs Comitee (PAC), muito próximo de um partido político formal. A novidade esteve na liderança do marxista H. J. M. Hubbard e a união com o movimento trabalhista negro, sob liderança de Ashton Chase (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 24.). Dentro desse invólucro de união étnica de inspiração marxista, o PAC propunha alfabetização universal, sufrágio e independência, juntamente das reformas econômicas para a proteção dos trabalhadores negros da cidade e indianos da zona rural. A instituição se dizia baseada no “socialismo cientifico” (RABE, 2005, p. 27). 
Em 1947 ocorreram as primeiras eleições no novo ambiente do pós-guerra. Embora crescente, o movimento trabalhista sentiu a fragilidade de disputar o parlamento sem ainda se constituir em partido político formal. O resultado foi a vitória de um único candidato, Cheddi Jagan, com os votos de negros e indianos, apoiado pelo influente professor afrodescendente Sydney King (JAGAN, 1966). 
Como deputado, Jagan destacou-se como uma voz solitária, combatendo os interesses da oligarquia do açúcar e das multinacionais exploradoras de bauxita. Com repetidos planos para a taxação desses empreendimentos, construção de casas populares, hospitais, escolas, distribuição das terras improdutivas para a população e ajuda estatal para a irrigação e para os pequenos produtores de arroz, tornou-se uma figura carismática entre a população. Não obstante, a repressão ao movimento trabalhista seguiu pesada, como em 1948, quando, numa tentativa de greve, cinco cortadores de canas foram mortos pela polícia, levando a imensas manifestações de protesto e solidariedade. 
Na metrópole, a liderança do Partido Trabalhista, sob direção de Clement Attlee, animava a militância na colônia, que imaginava próxima da abertura do processo de independência. Após a Segunda Guerra, ficou patente a decadência do colonialismo inglês e a necessidade de tal nação livrar-se do problemático mundo colonial, ainda que de forma gradual e controlada. Na Guiana as lideranças chegaram ao acordo da necessidade de um partido político de inspiração socialista que reunisse todas as etnias em torno da perspectiva marxista. Assim, com a entrada do influente advogado negro formado em Londres, Forbes Burnham, o Political Affair Comittee deu um passo adiante e, em 1950, constituiu-se no Peoples Progressive Party (PPP). 
Em 1951, em seu primeiro congresso, o PPP afirmou-se como partido centralizado e disciplinado, comprometido em levar para todos os lares guianenses os princípios socialistas. Tendo em vista a diversidade linguística e cultural e o elevado grau de analfabetismo na zona rural, o partido inspirou-se numa combinação de traços populistas e bolchevistas, no sentido de incentivar a vivência dos quadros partidários com o povo e, grosso modo, concebendo a consciência de classe de fora para dentro, até porque grandes plantas industriais ainda estavam para ser construídas. Em seu jornal mensal, no primeiro número, o partido afirmou que somente seria possível superar as mazelas sociais e os conflitos mundiais por meio da “reorganização socialista”, com a “socialização” e “democratização” da riqueza, pari passu a independência (RABE, 2005, p. 30). 
Rapidamente espalhou-se pelo Caribe, Inglaterra e Estados Unidos a percepção de que a Guiana Inglesa estava infiltrada de comunistas. O crescimento do PPP dava-se concomitante à Guerra da Coreia e ao Macarthismo, resultando em mais um difícil obstáculo para os guianenses. Em 1952, Jagan e sua esposa foram proibidos de entrar em vários países, seguidos pela apreensão de livros e panfletos oriundos da Inglaterra, enviados pelo Partido Trabalhista e pelo Partido Comunista Inglês, este último bastante simpático à causa do PPP3. 
Em 1953, com um novo governador colonial, ocorreu a eleição legislativa para 24 cadeiras no parlamento guianense. Num clima festivo e de empolgação, o PPP conquistou sua primeira grande vitória, com 51% da votação e 18 cadeiras, saltando sua representação única para a maioria de deputados. A administração republicana nos EUA e os conservadores na Inglaterra se mostraram ainda mais preocupados com essa situação. Jaggan e Burnham, com outros seis parlamentares, formaram o Conselho Executivo da Colônia, dirigindo-a junto do governador nomeado por Londres. 
O novo ministério, composto pela maioria do PPP, passou a implementar os programas que constava no programa do partido, o que aumentou ainda mais a resistência das classes proprietárias. O ensino, até então responsabilidade da igreja católica, passou para as mãos do Estado. Uma série de taxas e impostos sobre o açúcar e a mineração foi colocada em discussão, assim como o aumento de verbas para o sistema universitário. Recusou-se o envio de representantes para saudar a Rainha Elizabete II que estava de passagem pela Jamaica. Seguindo uma lei já instituída, mas nunca cumprida, o PPP cobrou dos fazendeiros e donos de imóveis a realização das benfeitorias necessárias nas terras que necessitavam de diques, de outro modo, seriam penalizados e mesmo obrigados a devolver seus bens para o Estado. 
Com efeito, a intervenção norte-americana teve início quando vários representantes da recém-criada International Confederation of Free Trade Unions (ICFU) desembarcaram em Georgetown. Tratava-se de uma central sindical anticomunista, patrocinada pela CIA e preparada para atividades contra os governos que não seguiam Washington. Ainda em 1953 dirigiu-se à Guiana o líder sindical Serafino Romualdi, que, com grandes somas, passou a conquistar o apoio de vários sindicatos locais, preparando a desestabilização do PPP (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 41). Uma greve dos cortadores de cana foi deflagrada em agosto, ameaçando o não cumprimento da cota de exportação e aumentando a insegurança da elite colonial. Distúrbios e choques entre policiais e grevistas ocorreram pela colônia afora.
Tanto os representantes da Booker Brothers quanto da Aluminiun Canada dirigiram-se ao governo conservador em Londres e acusaram a conivência do governador da colônia com a “ascensão do comunismo” (RABE, 2005, p. 40). Os Estados Unidos se pronunciaram temendo que “a deterioração da situação e a violência” na Guiana Inglesa afetaria todo o Caribe britânico, impedindo um plano de ajuda econômica. Assim, no começo de outubro, tropas inglesas baseadas na Jamaica e em Bermuda foram enviadas para o continente. Em 9 de outubro de 1953, na denominada “sexta feira negra”, a colônia foi militarmente ocupada, a constituição suspensa e os líderes do PPP proscritos e posteriormente presos. Apenas 133 dias separaram a vitória eleitoral do PPP da cassação e encarceramento de seus próceres (RABE, 2005, p. 46). 
O Partido Trabalhista britânico, agora na oposição, criticou a ação do governo e igualmente condenou o PPP, que recebeu da ala esquerda do partido somente palavras de solidariedade. Com a colônia reocupada militarmente e o sindicalismo ligado aos EUA dividindo o movimento trabalhista, a situação do PPP tornou-se ainda mais complexa. O mundo colonial britânico ficou abismado com a violência utilizada na Guiana, um retrocesso no esquema de descolonização controlado pelas instituições liberais. 
Como explica Thomas Spinner Jr, tratou-se da “necessidade de o governo britânico demonstrar sua capacidade de ação internacional, somada à pressão norte-americana, que já se preparava para também depor o governo de Jacob Arbenz na Guatemala” (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 53). O dilema posto era semelhante ao de vários países sul-americanos no mesmo contexto da época: necessidade de novas eleições, mas, se ocorridas com lisura, retorno pelo voto da força política indesejada. 
No seio do PPP, ocorreu uma divisão entre os principais líderes. Forbes Burnham, aparentemente já em contato com os agentes anglo/americanos, começou a culpar os erros do partido, seu “radicalismo”, pela intervenção armada e o atraso no processo de independência política. Com a facção negra, postulou-se uma separação em relação aos indianos, reforçando a divisão étnica que, apesar de realmente existente, foi subsumida pela política naquele momento. Em 1955, a separação consolidou-se dentro do partido, embora ainda não estivesse calcada no predomínio de uma raça sobre a outra. 
O governo inglês, entre 1951 e 1963 nas mãos dos conservadores, formulou um novo plano de desenvolvimento para a colônia, centrados na atividade exportadora em detrimento da distribuição de renda, não obstante tímidos avanços na seguridade social tenham sido atingidos. O resultado do ponto de vista econômico foi pífio, sem diversificação econômica e taxas de crescimento abaixo de 3% ao ano. 
Em agosto de 1957, novas eleições tomaram lugar na Guiana Inglesa. Mesmo concorrendo contra cinco outras facções, mais uma vez o PPP e Cheddi Jagan saíram vitoriosos, conquistando nove das catorze cadeiras em disputa, número de votos maior que todos os outros grupos somados. Abatido pela derrota, Burnham saiu em definitivo do PPP e criou o Peoples National Congress (PNC). Jagan tornou-se Chefe de Gabinete e Ministro da Indústria e Comércio, sua esposa, Janet Jagan, ministra do Trabalho, e outros partidários assumiram os principais ministérios (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 73). 
Jagan tentou redirecionar o plano econômico formulado por Londres. Conseguindo fundos nas Nações Unidas, nacionalizou o sistema elétrico, responsável por diversos blecautes e incapaz de sustentar um processo de industrialização, dada a necessidade de investimentos para o aumento de sua capacidade. Na agricultura, implementou projetos de drenagens e irrigação, visando aos pequenos plantadores de arroz. Para os canavieiros, investiu na construção de moradias, o que havia sido negada pelos donos, aprovou ainda uma legislação que encurtou as horas de trabalho semanal de 47 para 41, possibilitou o direito de indenização por acidente e a férias remuneradas (SPINNER JUNIOR, 1884, p. 74). Firmou um acordo com Cuba, a partir do qual se dispôs a comprar o excedente da produção de arroz.
Uma terceira força política entrou em cena quando o rico empresário de origem portuguesa Peter D’Aguiar, dono da maior distribuidora de bebidas, criou a United Front (UF). Com apoio das classes média e alta, independentemente de cor ou raça, passaram a compor uma aliança com Burnham. Mesmo com o crescimento dos partidos de oposição, Jagan parecia cada vez mais prestigiado como ministro, na medida em que a proteção social aos trabalhadores desenvolvia-se de forma inédita. Em 1960, Jagan viajou para Havana, conferenciando com Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara e conquistando um empréstimo de U$ 5 milhões para a industrialização do país. Também ocorreram novos acordos para a compra da produção de arroz guianense e intercâmbio cultural. Jagan retornou para Georgetown, porém sua esposa permaneceu mais tempo em Cuba para conhecer melhor e estudar o processo revolucionário em curso (RABE, 2005, p. 70). 
De acordo com Stephen Rabe, 1961 foi o ano de maior prosperidade na história econômica e política da Guiana no século XX, com o crescimento da exportação de açúcar e arroz, mais a abertura da exploração de manganês. A renda per capita subiu para U$ 384, pobre para as medições, mas, ainda assim, superior à média do Caribe, então abaixo de U$ 200. A população atingiu a marca de 600 mil habitantes, com melhoramentos no sistema público de saúde (RABE, 2005, p. 73). Outra grande vitória eleitoral do PPP ocorreu em 1961, quando elegeu 20 parlamentares, contra 11 do PCN e quatro da UF.
O contexto internacional, por outro lado, seguiu apresentando constrangimentos ao PPP. Spinner Jr. afirma que “uma cruzada de grupos anticomunistas oriundos dos Estados Unidos viajou para a Guiana Inglesa para trabalhar contra Jagan na campanha eleitoral, e diversos congressistas e senadores lamentavam a possibilidade de outro Castro no Caribe” (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 82). A administração Kennedy providenciou altas somas financeiras para o sindicalismo aliado à AFL-CIO desestabilizar-se de todas as formas possíveis. Ficou evidente o papel secundário que a Grã-Bretanha passou a desempenhar a partir dos anos 1960, abandonando, de vez, o protagonismo na sua própria colônia e delegando a responsabilidade para seu mais forte aliado no continente. 
Para a diplomacia norte-americana, não havia dúvida do perigo que Jagan representava para o Ocidente, posto que “Cuba também era uma pequena ilha” e Castro havia-se firmado inicialmente como “reformista apenas”4. O problema estava na potencialidade que o lugar possuía, quando alçado à condição de país independente e livre para estabelecer relações diplomáticas e laços econômicos com demais nações, tanto caribenhas quanto centro e sul-americanas. Preocupava-lhe, sobretudo, a vontade de o PPP firmar relações com Cuba e também enveredar sua política externa para o Brasil, naquela época inaugurando a PEI (Política Externa Independente). 
Sentindo toda essa atmosfera, Jagan viajou para Washington no intuito de conferenciar com Kennedy, tentar frear a campanha contra seu governo e conquistar ajuda financeira para o desenvolvimento econômico. Em 15 de outubro de 1961, em um programa de televisão nos EUA, perguntado sobre a China e a URSS, Jagan, sinceramente, respondeu que eram países em pleno crescimento, e que, segundo estudos de especialistas ocidentais, a vida de chineses e soviéticos “melhorava a cada dia”. Indo mais longe, e caindo na armadilha do entrevistador, afirmou entender o comunismo como “a cada um conforme sua necessidade, de cada um conforme sua capacidade”, o que “no meu ponto de vista é uma coisa boa” (RABE, 2005, p. 83). O público norte-americano, após anos de doutrinação anticomunista, ficou chocado com tamanha audácia de um líder político em rede nacional. Em 25 de outubro, em conversa pessoal com Kennedy, Jagan conseguiu alguma promessa de ajuda econômica e apoio para a independência. Todavia, na visão do governo norte-americano, seu destino já estava selado. 
Uma das soluções encontrada por Washington foi dinamizar o patrocínio para a coalizão entre Burnham e D’Aguiar contra Jagan, incrementando o apelo étnico do PNC aos eleitores negros. Para os seguidores de D’Aguiar, o clamor pela supremacia negra era um problema menor, se comparado ao plano de Jagan de taxar, cada vez mais, os lucros e incrementar a legislação social. Burnham, por sua vez, passou a pregar que os indianos estavam tomando os empregos dos negros, o que incitou a violência dos últimos contra os primeiros. 
O orçamento aprovado para 1962 previa construção de mais estradas, irrigação, canais, sistema de saúde e educação, resultando em cortes na importação de produtos não essenciais, bem como o aumento de impostos das multinacionais e das grandes riquezas. Sob os salários, incidiria um imposto de 5% para aqueles que recebiam acima de 100 dólares guianenses, sendo que 10% dos lucros dos empresários seriam confiscados em troca de bônus do tesouro a serem devolvidos com 3,7% de juros. A resposta foi uma série de greves e lockouts comandados por um braço da AFL-CIO, o American Institute for Free Labor Development, “uma instituição ainda mais comprometida a lutar contra os socialistas, marxistas, radicais e comunistas, defendendo os interesses do governo dos Estados Unidos” (RABE, 2005, p. 93). 
Com a mídia nas mãos de D’Aguiar, não foi difícil transmitir contrainformação e vilipendiar o PPP – ações que fomentaram ainda mais os distúrbios e o caos social. Brigas de ruas, com incêndios de residências e linchamentos, passaram a ser constantes, com bandos de afro-guianenses, maioria no corpo policial, massacrando os indianos. Jagan ficou numa situação extremamente vulnerável e teve de chamar o exército britânico para conter a escalada de violência (ele e seu partido que se queriam símbolo da independência e distância da intervenção externa). 
Em março de 1963, no contexto da discussão da implementação de novas leis trabalhistas, outra onda de greve geral espalhou-se pela colônia, numa situação em que sindicatos viciados posicionaram-se contra a aprovação de leis que claramente beneficiariam seus próprios filiados. Os donos das fazendas e das minas paralisaram a produção, funcionários públicos cruzaram os braços e os trabalhadores negros, claramente fomentados contra seus parceiros indianos, apoiaram o movimento paredista. A estimativa é a de que a CIA tenha gasto cerca de um milhão de dólares nessa operação, alimentando e pagando salários para 50 mil grevistas por dois meses (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 101). A União Soviética enviou, por navios cubanos, alguns produtos e petróleo para ajudar o governo (RABE, 2005, p. 113). Nos embates de rua, o número de mortos chegou a 150 e cerca de 800 feridos, 200 casas destruídas e mais de dois mil indianos desabrigados (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 106). 
Em outubro, o método eleitoral foi mudado para o voto proporcional, quebrando o sistema de contagem simples que até então havia colocado o PPP na primeira posição. Também o número de vagas em disputa subiu para 53. Às vésperas da eleição, inclusive uma irmã dissidente de Fidel Castro esteve em Georgetown para alavancar a histeria anticomunista. Em 7 de dezembro de 1964, a última eleição na colônia foi levada a cabo, com mais uma vitória do PPP, todavia com 46% dos votos (24 parlamentares), seguido pelo PNC com 40,5% (22 parlamentares) e UF (United Force, partido de D’Aguiar), com 12,4% (7 parlamentares). A união entre o segundo e o terceiro colocado deslocou o PPP da hegemonia no governo e Burnham tornou-se Chefe de Ministros (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 114). 
O governo de Burnham contou com o apoio de Londres e Washington e opôs-se às principais diretrizes que o PPP até então vinha desenvolvendo. Reforçou a polícia e o nascente exército guianense com a população negra, bem como o serviço público, incitando as divisões étnicas. Em maio de 1964, nova onda de violência de negros contra os indianos assolou a colônia. Até o final do ano foi registrado 368 brigas entre afro-guianenses e indianos, matando 200 e ferindo 800 indianos. No período, 13 mil guianenses escaparam da colônia na condição de refugiados (RABE, 2005, p. 126). Em 26 de maio de 1966, nasceu a Guyana, sob forte tensão racial e social.

4    O País independente
Um desafio hercúleo, que quase todas as ex-colônias não conseguiram superar de maneira satisfatória, foi posto à Guyana: a superação dos entraves econômicos do passado, como a monocultura de exportação, e a construção de indústrias e de um mercado interno, baseado na diversificação agrícola. Até então, sempre que o preço do açúcar subia no mercado internacional, novas terras eram agregadas a essa produção; o contrário ocorrendo nos momentos de recessão, o que limitava tremendamente a margem de manobra para o crescimento sustentável (DYETT, 1994, p. 5). De acordo com esse autor,

[...] [a] [e]xportação de cinco mercadorias representou cerca de 90% das exportações agregadas. Em 1912, açúcar, arroz, borracha natural, rum e ouro representavam 95% do total dos ganhos exportados. Sozinho, o açúcar representava 76% em 1920; açúcar, bauxita e arroz 79% em 1940 e açúcar, bauxita e alumínio 68% em 1966 (DYETT, 1994, p. 32).

Como colônia, isso não demonstrava ser um problema, uma vez que era esse objetivo mesmo de sua existência, gerar riquezas para a metrópole. Tratando-se de uma nação soberana, a história era, todavia, outra. 
Um dos tantos problemas que passou a assolar o desenvolvimento econômico guianense foi a necessidade de aumentar as rendas de exportação para melhorar a balança comercial, dado que a maioria das manufaturas e dos alimentos eram importados. Contudo, se a diversificação econômica significasse a diminuição da ajuda governamental para os produtos tradicionais de exportação, esses perderiam competitividade no mercado internacional e o Estado deixaria de arrecadar, enfraquecendo sua capacidade de cumprir com seus objetivos no sentido do desenvolvimento. 
Em torno de 65% do comércio no final dos anos 1960 era realizado com apenas três países: Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá. Mais uma barreira a ser superada, qual seja, a procura por novas parcerias e fontes de investimento (DYETT, 1994, p. 53). 
Do ponto de vista econômico, a independência da Guyana deu-se numa conjuntura bastante adversa. A recessão mundial dos anos 1970 complicou ainda mais as possibilidades de crescimento, juntamente da revolução microtecnológica, que acelerou a mecanização de vários setores e o gap entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Por não ser um país produtor de petróleo, a Guyana ficou do lado daqueles que tiveram que pagar mais caro por esse produto. 
Além do mais, os anos 1970 mostraram-se problemáticos para os países produtores de matérias primas, com o avanço das indústrias na produção de sintéticos e a proteção agrícola formada na comunidade europeia. A saída pensada foi a construção de laços com os países vizinhos, sobretudo o Brasil. Planejou-se a construção de uma estrada de ferro para ligar Georgetown até Roraima, projeto abandonado por falta de verbas. Os navios que levavam e traziam as mercadorias guianenses eram de empresas privadas, nenhuma delas interessadas em abandonar as lucrativas rotas e apostar em trajetos que demorariam a retornar os lucros. (DYETT, 1994, p. 67). 
Os Estados Unidos liberaram um empréstimo de U$ 5 milhões nesse caso para o país recém-criado, o que foi também uma forma de atar os laços de lealdade e compromisso. Por meio da Aliança Para o Progresso, mais U$ 25 milhões aportaram entre 1965 e 1967 (RABE, 2005, p. 140). Em 1968, uma eleição totalmente fraudada aumentou o poder de Forbes Burnham e seu partido. Inventou-se o voto de procuração, com listas de inexistentes guianenses supostamente no exterior. Até o nome de cavalos que pastavam em Londres entraram no rol de eleitores a favor do PNC (SPINNER JUNIOR, 1984, p. 140).
Mais dinheiro estrangeiro foi direcionado a Guyana, vindos da Inglaterra e do Banco Mundial, muito se perdendo na corrupção de um governo autoritário e violento. As reformas sociais e os investimentos em infraestrutura estancaram; o país estagnou-se numa posição de extremo subdesenvolvimento.
Em 23 de fevereiro de 1970, Burnham declarou que o país seria transformado numa república cooperativa, embora ainda pertencesse à Commonwealth. O nome foi mudado para República Cooperativa da Guyana, e o projeto de nacionalização da economia, esboçado pelo PPP dez anos antes, retomado com uma nova coloração. Na falta de uma definição ideológica para a construção da nação e de uma sociedade civil fraca, assim como na presença difusa do imaginário socialista, o governo se apropriou dessa referência como justificativa ideológica, objetivando seu fortalecimento político e econômico, de maneira a barganhar com os EUA e mesmo aproximar-se do Leste Europeu (THOMAS, 1983, p. 28).
Na verdade, diferentemente dos casos clássicos, em que a burguesia fortaleceu-se ao moldar o aparelho estatal, na Guyana ocorreu o contrário, com o Estado formando-se e, a partir dele, uma moderna burguesia sendo cristalizada. Em outras palavras, o Estado tornou-se uma burguesia nacional, nas condições do mercado mundial dos anos 1970 do século XX, numa remota porção do território sul-americano (THOMAS, 1983, p. 29). O governo avançou na compra das multinacionais produtoras de açúcar e responsáveis pela mineração, exatamente quando essas empresas passavam por um processo de descapitalização e clamavam pela intervenção em seus negócios (THOMAS, 1983, p. 30). Embora tenha nomeado o processo como “cooperativa”, o governo seguiu administrando as empresas baseadas na hierarquia, no trabalho assalariado e na busca de lucratividade. 
Em 1971, o Estado comprou o setor de mineração. Em 1972 estatizou o setor madeireiro e exportador de arroz, e em 1976 a secular Booker’s Brothers, responsável pelo açúcar, passou para o controle estatal. Em 1979, as rádios, jornais e revistas também foram encampados (DYETT, 1994, p. 102-103). 
O que mudou foi o aparelhamento da economia. As empresas canadenses, inglesas e norte-americanas, na medida em que se tornaram estatais, transformaram-se em fontes de controle social e “cabides de emprego” (THOMAS, 1983, p. 31). Do ponto de vista econômico, o país seguiu produzindo os três produtos básicos, açúcar, bauxita e arroz, cada vez mais desvalorizados mundialmente com a competição de outras nações; a corrupção e falta de investimentos contribuíram, igualmente, para a perda de produtividade. 
No final dos anos 1980, o país produzia menos de 50% de açúcar e bauxita produzida em 1970, sendo o mesmo caso da produção de energia elétrica (RABE, 2005, p. 169). Em lugar de progredir industrialmente, a já pobre Guyana regrediu. 
A década de 1970 seguiu recheada de atos simbólicos guianenses em relação ao campo socialista. Em 1973, Fidel Castro visitou o país, falando para uma audiência de mais de duas mil pessoas na casa de Forbes Burnhan. Esse último retribuiria a visita em Cuba em 1975. Um ano depois, em um documento chamado Report to the Nation, o líder guianense anunciou que o PNC iniciava o estabelecimento de uma sociedade socialista baseada no marxismo-leninismo. Até essa altura, o partido havia evitado declarações oficiais nesse sentido. Foi criado o Instituto Cuffy de Formação Ideológica, e a Guyana passou a contar estranhamente com o governo e a oposição, ambos declarando-se no campo soviético (SING, 1988, p. 145). 
Essas iniciativas acabaram a pôr o PPP e Cheddi Jagan cada vez mais próximo de Burnhan. O partido tornou-se menos crítico, com uma oposição domesticada, o que abriu espaço para o surgimento de grupos radicais. Mais de onze denominações intituladas de marxistas apareceram no cenário guianense, sendo a mais importante liderada pelo brilhante historiador e ativista negro Walter Rodney, assassinado pelo governo num atentado a bomba em 1980 (GARNER, 2008, p. 165). 
Em abril de 1978, Burnhan viajou em busca de empréstimos e qualquer tipo de ajuda econômica. Esteve na Coreia do Norte, Alemanha Oriental, URSS e, finalmente, Inglaterra, sem grandes resultados, dada a recessão mundial que atingia o mercado. No mesmo ano, retomou contato com Washington e o FMI, sem sucesso tangível, igualmente. Se o governo queria chamar a atenção do mundo para seu país, conseguiu de maneira sinistra. Foram cedidas terras e facilitou-se a compra de armas e materiais para o Reverendo Jim Jones e sua seita, o People Temples of Christ, que se instalou na região oeste, em terras contestadas pela Venezuela. Jones fundou uma cidade, Jonestown, que terminou em novembro desse mesmo ano no maior suicídio coletivo que se tem notícia, com mais de 900 mortos.
Os anos 1980 mostraram-se ainda mais severos para os guianenses. O PIB de 1986 foi menor do que o de 1970, enquanto a dívida externa era de 3,5 vezes o valor de tal índice. A imigração, em massa, de mão de obra qualificada, que não encontrava emprego no país, gerou um retrocesso populacional de 1% ao ano. Alguns produtos soviéticos e iugoslavos chegaram, mas em pouca quantidade, com sua distribuição controlada entre/pelo o pessoal do topo da administração (GARNER, 2008, p. 177). 
Em 1984, Forbes Burnhan morreu de um ataque cardíaco e o processo de transição para a democracia liberal teve início. Técnicos do Banco Mundial desenvolveram programas de auxílio para a extrema pobreza, envolvendo reestruturação dos débitos e mobilização de recursos. Em 1992, foram realizadas eleições sem fraudes, a primeira desde 1964, com apoio norte-americano através da presença de altos funcionários, como Dona Hrinak, e fiscalização do instituto Jimmy Carter. Muito longe dos ideais do passado, Cheddi Jagan e o PPP venceram o pleito.
O PIB de 1990 era 22% menor que o de 1980 e 28% inferior ao aferido em 1976. A descapitalização das empresas de açúcar, arroz e bauxita foi a principal responsável por essa regressão econômica. A exportação de mercadorias atingiu o valor de US$ 389 milhões em 1980, caindo para US$ 200 milhões em 1990. As importações desse ano eram 47% menor em relação ao início da década de 1980. A dívida externa subiu de US$ 207 milhões para US$ 664 milhões (DYETT, 1994, p. 126). 
Diante desse cenário, a Guyana iniciou os anos 1990 seguindo todas as recomendações do FMI e do Banco Mundial. Conseguiu empréstimos e devolveu à iniciativa privada os setores estatizados nos anos 1970. Nessa espetacular reviravolta, de colônia para nação independente, daí para economia controlada e de volta ao liberalismo, o país encontrou-se ainda mais debilitado, com os planos de austeridade exigidos e pelo esgotamento das minas e das terras aráveis da costa, utilizadas desde o século XVII. Sem conseguir desenvolver o interior, o país seguiu com a fuga de pessoas num contexto de extrema pobreza e subdesenvolvimento. 

5    Conclusão
A conturbada história política da Guyana, tal como foi desenvolvida até os dias atuais, acabou por dificultar sobremaneira os avanços econômicos. A população em geral, com poucas oportunidades de emprego, convivendo com um sistema de educação e saúde deteriorado e imersa numa pobreza generalizada, enxerga, virtualmente, a migração para o estrangeiro como a única possibilidade de melhoria material.
As estatísticas são cruéis: menor renda per capita da América, à frente apenas do Haiti; mortalidade infantil 700% maior que a dos EUA; expectativa de vida de 62 anos (nos EUA vive-se em média 15 anos a mais); 3% da população adulta infectada com o HIV; 71% das crianças sofrendo de desnutrição (RABE, 2005, p. 4 e 165). 
Com praias barrentas, inviável para a indústria do turismo, a economia sobrevive com contínuos déficits na balança comercial, escassez de produtos nos supermercados e diversas mercadorias negociadas no mercado negro. A capital Georgetown concentra a maioria da população e os povoados no interior padecem da falta de qualquer infraestrutura. 
O Brasil possuía 90 milhões de habitantes em 1970, hoje passa dos 200 milhões, enquanto a Guyana saltou de 600 mil nos anos 1960 para cerca de 700 mil atuais, muito pouco para a dinamização da vida social, mesmo sob as regras da economia de mercado. A falta de contato com outras nações não se deve tanto às instituições formais, já que o país faz parte do CARICOM (Mercado Comum do Caribe) e amiúde participa das discussões da Unasul (União das Nações Sul-americanas) e do Mercosul (Mercado Comum do Sul); na ausência do que exportar, a ligação econômica se mostra insignificante. A conturbada história política impediu ligações mais estruturadas com outros países e instituições internacionais. 
Assim, o país segue etnicamente dividido, com eleições regulares funcionando em meio a uma permanente crise social, na esperança de que mudanças nos países maiores e mais importantes possam ali reverberar e reanimar as possibilidades de desenvolvimento, perdidas em algum momento do século XX.

 

Notas
1.    Em 1966, buscando uma grafia que mais se assemelhasse às origens indígenas, optou-se por Guyana em vez de Guiana. Utilizarei do nome antigo quando tratar do período colonial.
 2.    A população guianense na época girava em torno de 400 mil.
3.    Em 1951, Jagan fez sua primeira visita a Londres. Aí reforçou seus vínculos com o Partido Comunista Inglês, do qual recebeu abundante literatura e alguma ajuda material. In: SPINNER JR, Thomas. Op. Cit. p. 35.
4.    De acordo com documentos da política externa norte-americana, era dessa forma que a administração Keneddy justificava para os conservadores ingleses sua luta na derrubada de Jagan (RABE, Stephen. Op. Cit. p. 81).

 

Referências
COSTA, Emilia Viotti. Crows of glory, tears of blood: the emerara Slave Rebellion of 1823. New York: Oxford University Press, 1997.
DYETT, Harry. Enigma of development: Guyana 1900 to 1989, an unrealised potential. Gerogetown: Institute of Development Studies, 1994.
GARNER, Steve. Guyana 1838-1985: ethnicity, class and gender. Miami: Ian Randle Publishers, 2008.
How Stuff Works. Geography of Guyana. 30 mar. 2008. Available in: <http://geography.howstuffworks.com/south-america/geography-of-guyana.htm>. Access in: nov. 2014.
GOSLINGA, Charles. The dutch in the Caribbean and on the wild cost (1580-1680). Gainesville: University of Florida, 1971.
RABE, Stephen. U.S. intervention in British Guiana: a cold war history. Washington: North Carolina Press, 2005
RALEIGH, Walter. The discovery of the large, rich and beautiful empire of Guiana. London: Hakluyt Society, 2006.
SINGH, Chaitram. Guyana: politics in a plantation society. New York: Praeger Publishers, 1988.
SPINNER JUNIOR, Thomas. A political and social history of Guyana, 1945-1983. Colorado: Westview Press, 1984.
THOMAS, Clive. State capitalism in Guyana: an assessment of Burham’s Co-operative Socialist Republic. In: FITZROY, Amburley; COHEN, Robin (Ed.). Crisis in Caribbean. New York: Monthly Review Press, 1983. 

            

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