A nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR II: entre a perspectiva de inovação e a persistência de desafios
1 Introdução
O debate sobre o tema do desenvolvimento, em suas diferentes abordagens, é permeado por posicionamentos teóricos diversos, refletindo orientações ideológicas que preponderaram em distintos contextos sociais e econômicos da história do Brasil. As políticas públicas voltadas para a promoção do desenvolvimento regional não estão imunes a esses vieses. Ao longo do tempo, vêm alternando diferentes formatações e estratégias, muitas vezes vinculadas a regimes de governo e ao cenário internacional, bem como a seus respectivos contextos ideológicos.
Desde o final dos anos 1930, as iniciativas de planejamento e implementação de políticas de desenvolvimento no Brasil estiveram associadas a preocupações com a ocupação dos vazios territoriais e, em alguma medida, com a redução das desigualdades regionais. De forma específica, as políticas regionais estiveram no centro da agenda nacional entre as décadas de 1950 e 1970, passando por um enfraquecimento paulatino durante toda a década de 1980 e culminando com sua derrocada no final dos anos 1990. Embora sempre presente no meio acadêmico, o debate sobre esse tema foi retomado na agenda de governo somente nos primeiros anos da década passada.
Assim, sem a devida maturação (caráter extemporâneo), a política regional brasileira foi institucionalizada em 2007. Havia ausência de consensos nos diversos nichos governamentais (seja horizontalmente, no âmbito dos distintos órgãos do governo federal, seja verticalmente, em diferentes níveis federativos) e de estratégias robustas e coordenadas de implementação.
A constatação de que a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) ainda carecia de instrumentos mais efetivos e necessitava de um novo desenho motivou a retomada de sua discussão em novas bases, a partir de um debate ampliado, com participação de diferentes segmentos da sociedade, num envolvimento de mais de 13 mil pessoas em um processo conferencial promovido pelo Ministério da Integração Nacional, realizado entre os anos de 2012 e 20131. O resultado desse processo foi a definição de princípios e diretrizes priorizados que fundamentariam a elaboração de uma nova política regional. A meta desta última seria superar os gargalos encontrados e reconhecidos na sua primeira versão, vinculados, especialmente, à fragilidade da governança para uma implementação coordenada e ao fortalecimento dos instrumentos de financiamento do desenvolvimento regional. A riqueza de contribuições decorrentes do processo conferencial imprimiu à proposta da PNDR II inovações que ainda precisam ser debatidas, particularmente no meio acadêmico, bem como necessitam ser aprofundados alguns dos estudos técnicos delas derivados, para os quais especialistas no tema podem contribuir de forma decisiva.
A argumentação deste artigo parte de uma revisão teórica sobre o tema, na qual dialogam autores de diversos campos do conhecimento. Em seguida, é-se feita uma explanação acerca da PNDR em sua primeira fase, com base nos documentos oficiais de referência que serviram de subsídio para a construção da política. Também são apresentados os componentes mais importantes do conteúdo da PNDR II, a segunda fase da política. Por fim, o artigo procura trazer algumas questões que ainda permanecem “em aberto” e que se constituem como um possível campo para investigações acadêmicas. Estas, certamente, podem contribuir para ampliar o processo de aproximação e diálogo entre governo e universidade – algo que tem despertado um interesse mútuo, seja por parte das instituições de governo, seja pelas instituições de pesquisa e ensino que tratam do tema.
2 Uma introdução histórica ao tema e seu espaço nas políticas públicas
Atualmente, o Brasil é um dos 15 países mais desiguais do mundo. Suas desigualdades regionais foram constituídas ao longo da história de sua formação socioeconômica. Diversos autores apontam a estreita relação dessas assimetrias com o processo de industrialização regionalmente concentrada iniciado no começo do século XX, com o acelerado processo de urbanização verificado após os anos 1970 e com os deslocamentos populacionais em massa ao longo de décadas. Dentre outras possibilidades analíticas, a persistência do problema denota a inconsistência temporal das iniciativas governamentais direcionadas à superação dos exorbitantes níveis de desigualdade inter e/ou intrarregionais em suas distintas problemáticas, as quais, normalmente, estão associadas à incidência da pobreza em sua manifestação espacial.
Essas desigualdades intensificaram-se (e ampliaram-se) em decorrência de dinâmicas exógenas que repercutiram no território nacional. Considerando isso, a discussão sobre a questão regional brasileira deve considerar a contextualização e complexidade do cenário mundial, assim como o entendimento do multifacetado processo de globalização. Tal aspecto deve ser ressaltado por que o fenômeno da desigualdade manifesta-se em diversas dimensões e relaciona-se com questões estruturais intrínsecas ao modo de produção capitalista. É nessa direção que caminha a argumentação de Lannes Júnior (2006), segundo o qual
[...] [a] existência de desigualdade nos níveis de renda entre as diversas regiões de um mesmo país é um fenômeno que pode ser observado, em maior ou menor grau, em todo o mundo, independentemente do modelo econômico vigente (2006, p. 5).
Recentemente, o cenário global tornou-se mais complexo: a competitividade entre mercados passou a ser o motor da economia internacional, tendo como consequência a formação de diversos blocos econômicos, a disseminação de acordos comerciais bilaterais, a regulação do ambiente econômico por organismos supranacionais e a intensificação das trocas entre nações com diferentes níveis de desenvolvimento. Em tese, essas transformações proporcionariam uma relação mais equitativa entre os países. Entretanto, tal fato não pode ser tomado como verdadeiro, visto que um ciclo de crises nacionais que abalaram o mundo foi observado desde o início da década de 1990, culminando com uma grande crise global no final da primeira década deste século.
Cabe assinalar que esse conjunto de aspectos do mundo globalizado não se constitui de forma dissociada da dimensão territorial. O território é o amálgama das distintas relações de poder entre agentes e atores diversos em múltiplas escalas geográficas. Nesse cenário, cidades e regiões são levadas constantemente a competir. Conforme reflete Santos (2005):
Num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir e, diante das regras atuais da produção e dos imperativos atuais do consumo, [...] a necessidade de competir é, aliás, legitimada por uma ideologia largamente aceita e difundida, na medida em que a desobediência às suas regras implica perder posições e, até mesmo, desaparecer do cenário econômico (2005, p. 57).
Os paradigmas da economia global aprofundaram as desigualdades tanto entre os países quanto dentro dos territórios nacionais, uma vez que frações deles foram selecionadas para que se integrassem às dinâmicas mundiais, em detrimento de porções que permaneceram à margem e que, ainda hoje, encontram dificuldades para a integração. Amim (2007) destaca que
[...] [n]ão se pode mais pensar em regiões como entidades espaciais; elas não são coesas, internamente, como um sistema econômico territorial. Essa constatação impõe uma limitação importante a estratégias de desenvolvimento regional autóctone que sejam definidas territorialmente. A vida regional está se tornando, cada vez mais, engolfada em um espaço mundial de muitas geografias interligadas (2007, p. 19).
Frente aos novos delineamentos da globalização, que atualmente se pautam no novo paradigma da economia do conhecimento, com produção flexível de bens diferenciados e alta tecnologia, amplia-se a importância do território, visto que o processo de inovação é fortemente dependente de atributos e interações nele enraizadas. Concomitantemente, aumenta-se o desbalanceamento das competições territoriais internas (BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2012).
Considerando o cenário global apresentado, as estratégias da União Europeia em sua política regional são uma importante referência não apenas para a PNDR, mas também para políticas de diferentes países do mundo – ressalte-se, ademais, que os países ocidentais do velho continente já eram pilares da tríade do capitalismo, com diferenciações de desenvolvimento internas e entre si. A União Europeia tem investido na coesão territorial como estratégia para garantir saltos de competitividade. As esferas de ação de suas políticas territoriais perseguem três objetivos principais:
(i) um sistema urbano balanceado por meio de múltiplos centros (policentrismo) e de novas formas de relação cidade-campo;
(ii) igual acessibilidade à infraestrutura e ao conhecimento; e
(iii) gerenciamento e desenvolvimento cuidadosos da herança natural e cultural (DINIZ, 2007).
Posteriormente, à formação original da União Europeia, foi agrupado um conjunto de nações bastante heterogêneas. Ele foi tornando-se mais complexo à medida que ocorriam ciclos de expansão ou “alargamentos”, os quais sinalizavam a existência de uma realidade cheia de contradições e desafios. Conti (2007) resume esse contexto destacando que
[...] [a] história das políticas territoriais formuladas e praticadas pela União Europeia pode ser entendida como resultado de um processo de tensão dinâmica entre centros de poder em “competição”, dentro de uma estrutura institucionalmente complexa (2007, p. 131).
No caso do Brasil, há traços que correlacionam fortemente a questão regional interna ao cenário europeu, em especial no que diz respeito ao dito tensionamento dinâmico dos centros de poder e da estrutura complexa. Isso se deve, dentre outras razões, aos acontecimentos que reestruturaram o território nos últimos 100 anos e às mudanças no desenho da federação. Tais transformações possibilitaram que o debate do tema regional fosse abordado em forma de ondas ou ciclos que se referenciavam nas áreas core para relativizar o problema das demais regiões.
Em seu trabalho, Cargnin (2012) faz uma digressão histórica e evidencia como esses ciclos se institucionalizaram. Segundo o autor, no período varguista houve uma relação intensa do rol de planejadores brasileiros com a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Ele menciona o Niemeyer Report como um documento pioneiro sobre a estrutura econômica do país, além de destacar a importância do Plano Geral de Viação para o período e da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Esse primeiro momento atinge seu ápice com a Missão liderada por Morris Llewellyn Cooke:
[...] entre as conclusões [dela] [...] estavam a identificação de deficiências na infraestrutura e a manifestação da preocupação com o desenvolvimento regional, tendo recomendado o desenvolvimento do sul do país (CARGNIN, 2012, p. 17).
Cargnin (2012) aponta um segundo ciclo iniciado no pós-guerra, mencionando o Plano SALTE, de 1947, o qual incorporava setores como saúde, alimentação, transportes e energia. Nos anos subsequentes, empresas estatais importantes para a estruturação da economia nacional foram criadas, como a PETROBRAS e o BNDE, então Banco de Desenvolvimento Econômico. No início dos anos 1950, a CEPAL e o BNDE elaboraram estudos que influenciaram o Plano de Metas. Este buscou a aproximação entre o Estado e a iniciativa privada em diversos setores da vida produtiva do país, sendo destacado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão como “a primeira ação sistemática do Estado para o planejamento territorial” (BRASIL, 2002, p. 12).
Na segunda metade da década de 1950 também foi criado o embrião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenado por Celso Furtado, que entendia o processo de desenvolvimento do Nordeste como “um centro industrial complementar ao centro desenvolvido brasileiro, assentado na substituição de importações, na introdução de modificações estruturais no meio rural” (CARGNIN, 2012, p. 18).
Nas décadas seguintes, foram centralizados os processos e, por conseguinte, as políticas de desenvolvimento. Isso se manifestou nos Planos Nacionais de Desenvolvimento, o I e o II PND – um pesado bloco de investimentos em infraestrutura básica e expansão da indústria de insumos básicos e bens de capital, como a construção da Usina de Itaipu (I PND), do Polo Petroquímico de Camaçari, do Projeto Carajás e da Zona Franca de Manaus, dentre outros investimentos do II PND. De acordo com Cargnin (2012), a crise do petróleo “marcou o fim do desenvolvimentismo no Brasil e, também, esvaziamento das políticas governamentais relacionadas ao território, tornando as iniciativas posteriores meramente formais” (CARGNIN, 2012, p. 19).
Os anos 1990 veem esse quadro agravado com as políticas de orientação neoliberal, inclusive para a dimensão territorial. Alves e Rocha Neto (2014) destacam que
[...] [e]sse processo de enfraquecimento do sistema deu-se paulatinamente, mas o ápice de sua crise se manifestou concomitantemente aos escândalos de corrupção e à finalização de alguns instrumentos de incentivos que eram considerados fundamentais (ALVES; ROCHA NETO, 2014, p. 61).
O desfecho desse período deu-se quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso editou duas Medidas Provisórias extinguindo a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e criando as agências Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE) e Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), completamente esvaziadas de poder e de mandato institucional sobre o desenvolvimento regional, seja da perspectiva do planejamento, seja da ótica da gestão. Como assinalam Alves e Rocha Neto (2014):
Percebe-se que a trajetória desse sistema foi marcada por expectativas, que logo começaram a se frustrar. [...] As superintendências se viram reduzidas a meras operadoras de recursos destinados a projetos que, muitas vezes, estavam completamente dissociados das questões regionais (p. 61).
Esse ambiente complexo, externa e internamente, também se configurou, de forma paradoxal, como palco de experimentações que referenciaram os documentos-base de retomada do tema do desenvolvimento regional por parte do governo brasileiro entre os anos de 2003 e 2007. Ressalte-se que tal aporte não foi de todo incorporado à Política Nacional de Desenvolvimento Regional, instituída pelo Decreto n° 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, que acabou por absorver da Política Europeia apenas a adoção da tipologia para elegibilidade dos territórios prioritários.
No entanto, a herança de funções programáticas do orçamento federal anteriores à institucionalização da PNDR e a proposta de um sistema de governança bastante fragilizado acabaram por possibilitar uma entrada frágil do tema na agenda de governo. Em 2007, as superintendências de desenvolvimento regional estavam em plena recriação e o conteúdo do decreto de instituição da PNDR não havia incorporado a participação dos governos estaduais no processo de implementação da política. Kingdon (2007) traz um debate interessante acerca desse momento:
Previsíveis ou imprevisíveis, janelas abertas são pequenas e escassas [...]. As janelas não ficam abertas por muito tempo [...]. A escassez e a curta duração da abertura de uma janela de oportunidades criam um poderoso imã para problemas e respostas [...]. Como consequência, o sistema acaba ficando saturado de problemas e propostas [...]. Outros problemas e propostas ficam à deriva, uma vez que não há suficiente mobilização de recursos para a sua implementação (p. 237).
A lacuna deixada pela ausência de uma política regional durante as décadas de 1980 e 1990 pode ter-se constituído como um dos problemas que levaram, em 2007, à institucionalização de uma PNDR bem menos robusta do que os estudos e trabalhos acadêmicos propunham. Como o desenvolvimento regional retornou à agenda com um bom aporte teórico, mas com bases frágeis do ponto de vista estratégico, as propostas apresentadas para o enfrentamento da questão careciam, naturalmente, de articulação. As soluções vieram, pois, fragmentadas em vários aspectos: tanto no âmbito da recriação dos órgãos macrorregionais de planejamento e desenvolvimento, quanto no âmbito da extinção e consequente reformulação de funções programáticas no orçamento federal; ou ainda devido à institucionalização de fóruns colegiados em diversos níveis, mas com atuação fragmentada ou descontinuada, a exemplo da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional2, composta por secretários executivos de ministérios e coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, criada com o objetivo de articular ações setoriais em territórios prioritários. Frise-se, ainda, que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional proposto também não foi aprovado, dada sua vinculação à proposta de Reforma Tributária, que também não logrou êxito.
Nesse período, o ciclo virtuoso da economia e a janela de oportunidades na agenda de políticas públicas, ao menos teoricamente, consistiram em um momento ímpar para a PNDR; todavia, os problemas relatados no parágrafo anterior sobrepuseram-se e levaram a um quadro de baixo comprometimento de instituições que atuavam transversalmente com o tema do desenvolvimento regional. O Relatório de Avaliação da PNDR (2011) é contundente ao sublinhar que “a Política Regional caracterizou-se como um conjunto de ‘instrumentos sem uma política’” (BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2011a, p. 89). Apesar disso, a PNDR foi, acima de tudo, a materialização do primeiro esforço de instituição de uma política nacional de desenvolvimento regional no país.
Abaixo, são elencadas algumas características da primeira PNDR. Muitas delas foram relevantes para a formulação da PNDR II:
a) A PNDR representou uma mudança de paradigma nas ações de desenvolvimento, na medida em que visava a superar uma abordagem exclusivamente macrorregional, identificando que as problemáticas regionais apresentavam-se em múltiplas escalas geográficas e que sua atuação deveria ser necessariamente nacional;
b) Superou a abordagem exógena, do tipo top-down, caracterizada pelas ações de implantação de grandes investimentos e sem o devido controle social, e propôs a valorização do desenvolvimento endógeno, do tipo bottom-up, com empoderamento, participação e controle social;
c) Avançou na apuração do olhar sobre as regiões, superando a equivocada associação de que o “moderno” estaria atrelado às regiões mais desenvolvidas e o “arcaico” às menos desenvolvidas. Nesse sentido, a diversidade regional devia ser apreendida como um ativo a ser bem explorado economicamente;
d) Por outro lado, apresentou fragilidade institucional por encontrar-se vinculada unicamente a um Ministério de linha e não a uma instância de coordenação estratégica, já que se tratava de uma política transversal por natureza;
e) Apresentou limitações relativas ao financiamento do desenvolvimento regional, cujos instrumentos ainda eram macrorregionais (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e restritos ao setor privado, com uma lacuna percebida fortemente naquilo que se referia aos recursos voltados para o setor público, sobretudo para projetos complementares;
f) Sua implementação foi prejudicada: a participação e o empoderamento da sociedade mostraram-se insuficientes, pois se restringiram às instâncias colegiadas associadas aos programas, com lacunas importantes do ponto de vista tático e estratégico, o que lhe conferiu pouca visibilidade e transparência;
g) Sua avaliação – um velho dilema para a maior parte das políticas públicas – adquiriu contornos de enorme desafio, uma vez que, por sua natureza transversal, não houve aprofundamento das conexões existentes entre as diferentes ações programáticas do governo federal e as ações estaduais que dialogavam com o tema.
Sobre tais itens, Souza (2012) argumenta:
O balanço das iniciativas analisadas mostra que tão significativa quanto a confirmação da coexistência de distintos diagnósticos, prioridades, modelos de gestão e instrumentos de intervenção foi a constatação da ausência de instâncias efetivas de pactuação e coordenação (p. 49).
Outros aspectos foram sinalizados no Relatório de Avaliação mencionado e serviram de subsídio para a elaboração da proposta da PNDR II. De forma convergente, os textos de referência e as deliberações do processo de consulta à sociedade3 evidenciaram uma preocupação em superar os gargalos da primeira versão da política. O tópico seguinte propõe-se a trazer esclarecimentos sobre a natureza e o conteúdo da nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional, a PNDR II.
3 Pontuações relevantes para um debate sobre a PNDR II
Apesar de não ser fator determinante, a natureza jurídica da PNDR II é basilar para o desdobramento e implementação de seus instrumentos. A vontade coletiva de institucionalizar uma política de Estado surgiu como uma “mensagem-força” resultante do processo conferencial para reformulação da política e adequou-se ao que afirma Bucci (2006): “[...] há políticas cujo horizonte temporal é medido em décadas – são as chamadas ‘políticas de Estado’ –, e há outras que se realizam como parte de um programa, são as políticas de governo” (p. 19).
A PNDR II adquire um status de política de Estado em face da profundidade do problema que deseja atacar – a desigualdade – e do longo caminho que deve percorrer para reverter tendências que foram historicamente forjadas e incorporadas à sociedade e ao território nacional. Trata-se de uma política que, inexoravelmente, está vinculada a um projeto maior de desenvolvimento para o país, pois objetiva a coesão territorial como parte da coesão social, econômica e política. Isso significa a interrupção do ciclo vicioso do modelo vigente de reprodução de desigualdades, que subordina certos territórios e regiões àqueles que se hegemonizam em face de suas relações com economias já consolidadas e internacionalizadas.
A PNDR II procura contemplar um conjunto de princípios que irrompem no contexto da democracia brasileira, como a transparência e a participação social. Tais princípios não devem ser vistos como uma concessão do Estado, mas como uma construção reivindicada pela sociedade civil, fundamental para que, nas duas últimas décadas, o Brasil fosse transformado “em um país democrático e com uma impressionante diversidade de práticas participativas, as quais vinculam Estado e sociedade ao processo de formulação de políticas públicas e redistribuição de bens e serviços” (ALMEIDA, 2013, p. 11).
Outros princípios são a transescalaridade, a multidimensionalidade e a transversalidade de políticas. Neles, prepondera a acepção da terceira geração de políticas regionais, fruto das avaliações sobre o processo de desenvolvimento endógeno. Essas avaliações conduziram ao entendimento de que o processo de globalização impunha uma competição entre sistemas industriais regionais; em consequência disso, as políticas de desenvolvimento regional não podiam ser exclusivamente locais. A coordenação horizontal de vários atores (bottom-up) devia ser complementada pela coordenação vertical entre os diversos níveis de ação (top-down) (CROCCO; DINIZ, 2006, p. 14-15). A terceira geração de políticas regionais, dessa forma, propõe uma síntese de ações exógenas e endógenas.
Essa forma integrada de atuação tende, em tese, a potencializar os resultados da PNDR II, pois a superação das desigualdades não está limitada à dimensão estri-
tamente econômica e social, e sim a um conjunto de vetores que impulsiona o desenvolvimento em dado território, sendo considerado, inclusive, o fortalecimento institucional. Grau (2005) destaca o caráter intersetorial das políticas públicas. Segundo ela,
[…] la integración entre sectores posibilita la búsqueda de soluciones integrales. Esta premisa le asigna un fundamento expresamente político a la intersectorialidad y se traduce en la asunción de que todas las políticas públicas que persigan estrategias globales de desarrollo, tales como la modificación de la calidad de vida de la población, deben ser planificadas y ejecutadas intersectorialmente (GRAU, 2005, p. 1).
A solidariedade regional é também um outro importante princípio da PNDR II. Ele está ancorado em mais uma “mensagem-força” resultante da Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional, a partir da qual se aponta a necessidade da redistribuição territorial das atividades estruturantes do desenvolvimento – um grande desafio a ser enfrentado. O próprio contexto da globalização impôs uma cultura de competição entre estados nacionais e entre as frações territoriais de um mesmo país, o que vem dificultando sobremaneira as iniciativas de cooperação. Os resquícios do ideário neoliberal em diversas políticas públicas agravam ainda mais esse aspecto. Santos (2005) contribui para pensar a respeito dessa questão ao afirmar que
[...] [q]uando o sistema político formado pelos governos e pelas empresas utiliza os sistemas técnicos contemporâneos e seu imaginário para produzir a atual globalização, aponta-nos para formas de relações econômicas implacáveis que não aceitam discussão e exigem obediência imediata (p. 44).
Do raciocínio do autor, depreende-se que a política pública que tenha pretensão de reverter tal situação, amparada em mecanismos de promoção e estímulo à solidariedade regional, encontrará complexos obstáculos gerados pelo próprio aparelho governamental, que tende a operar a partir de lógicas setoriais e com priorizações geográficas que nem sempre favorecem a equidade.
A PNDR II propõe como princípio, igualmente, a valorização da diversidade territorial, ambiental, social, cultural e econômica. Essa política, além de reconhecer devidamente o que se