O Planejamento Regional e Urbano no Brasil

Histórico das políticas regionais

O processo de ocupação do Brasil e os ciclos econômicos refletem a história de um país em que a desigualdade regional aparece como uma das características mais marcantes. Com efeito, historicamente, tal processo ocorreu de forma fragmentada e regionalizada. Isso é o que Furtado (1980) demonstra em seu clássico livro Formação Econômica do Brasil. Nele, o autor argumenta que os ciclos econômicos brasileiros reproduzem ciclos regionais. Assim, os ciclos do pau Brasil, da cana de açúcar, mineração, do mate e das charqueadas no sul, do café e da borracha são todos econômicos regionais. Apenas no século XX, com o Governo Vargas (1930-1945), passou a haver a preocupação de promover-se um processo de integração nacional mais efetivo. 

Enquanto a preocupação com a integração nacional figura como uma política tardia, a questão regional remonta à época do Brasil Império. Em 1877, por exemplo, foi criada uma Comissão Imperial para analisar o problema das secas, questão relevante para o Nordeste. Ela propunha, dentre outras ações, o desenvolvimento dos transportes, a construção de barragens e a transposição do Rio São Francisco, porém, devido à Proclamação da República, seus desdobramentos foram pequenos.

No início do século XX, o problema da seca voltou a ser objeto de discussão. Foram, então, fundadas comissões no Ceará e Rio Grande do Norte, resultando, por conseguinte, na criação da Inspetoria de Obras contra a Seca (IOCS), em 1906. Esta foi transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (FOCS) e, por fim, deu origem ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), estabelecido em 1945, atualmente ligado ao Ministério da Integração. Em 1920, foi criada a Caixa Especial de Obras de Irrigação de Terras Cultiváveis no Nordeste Brasileiro, com 2% do Orçamento da União. Em 1923, a Constituição Federal fixou em 4% o Orçamento Federal para o controle das secas. Em 1945, pela atuação do Ministério das Minas e Energia, fundou-se a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), cujo objetivo era aproveitar o potencial hidráulico da Bacia do Rio São Francisco. 

A partir disso, foi construído um conjunto de usinas hidrelétricas (UHE) ao longo de tal bacia, sendo o Complexo de Paulo Afonso (Paulo Afonso, I, II, III e IV), Sobradinho e Xingó as mais importantes.Em 1948, sob forte inspiração do Tenesse Vale Autority (TVA), foi criada a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). Com ela, pretendia-se impulsionar o desenvolvimento econômico e, tal qual o da CHESF, valer-se do potencial do Rio São Francisco. Hoje, a CODEVASF é uma empresa vinculada ao Ministério da Integração.

Em 1951, surge o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), todavia, seu funcionamento inicia-se em 1954. No âmbito do BNB, foi constituído um braço técnico, denominado ETENE. Ao lado deste, estava o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). Esse grupo teve Celso Furtado como um de seus principais expoentes e, além disso, serviu de base para a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que apareceu no cenário político brasileiro em 1959.  Ainda em 1951 foi proposta uma nova regionalização para o país, com a criação do “polígono das secas”.

Em direção à outra problemática (isto é, para além da questão da seca nordestina), foi estabelecida, em 1912, a Superintendência de Defesa da Borracha, revelando, de certo modo, a preocupação brasileira com a competição asiática. Em 1942, criou-se o Banco de Crédito da Borracha (Acordos de Washington), transformado, em 1957, em Banco de Crédito da Amazônia, o qual originou o Banco da Amazônia (BASA), fundado em 1966.

A Constituição Federal de 1946, com a dotação de 3% do Orçamento da União para o desenvolvimento da Amazônia, deu os primeiros passos no intuito de estabelecer um fundo de desenvolvimento regional. Em 1953, foi efetivada a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), transformada em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) em 1966.

Em 1957, criou-se a Zona Franca de Manaus, a qual foi implementada em 1967 com a fundação da SUFRAMA. Na década de 1960, foram estabelecidas as superintendências de desenvolvimento regionais SUDECO, SUDESUL, SUDESTE.

A Constituição Federal de 1988 instituiu os Fundos Constitucionais para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, operados, respectivamente, pelo BASA, BNB e Banco do Brasil. Entretanto, o que se assistiu na década de 1980 e 1990 foi o desmantelamento das políticas regionais, com a extinção da SUDENE e da SUDAM, recriadas, posteriormente, como agências. Os fundos constitucionais, por sua vez, ficaram subordinados à necessidade de controle fiscal, não sendo aplicados em sua totalidade. Importante salientar que, hoje, ainda lhes falta um planejamento para ordenar sua aplicação.

O resgate da política de desenvolvimento regional e seus desafios

No Governo Lula (2003-2010), a questão regional foi resgatada. O Decreto n° 6.047, de 22 de fevereiro de 2007 estabeleceu as bases da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Por diversas razões, apesar dos avanços teóricos que deram sustentação à PNDR, houve falhas em sua concepção e articulação. Alves e Rocha Neto (2014, p. 1) pontuam que, dentre outros problemas, “[h]avia ausência de consensos nos diversos nichos governamentais (seja horizontalmente, no âmbito dos distintos órgãos do governo federal, seja verticalmente, em diferentes níveis federativos) e de estratégias robustas e coordenadas de implementação”.

Levando em consideração esses aspectos, o Ministério da Integração Regional, junto da Secretaria de Desenvolvimento Regional, propôs a segunda fase da PNDR. Esta se baseou, segundo Alves e Rocha Neto (2014), nos princípios da transescalaridade, multidimensionalidade e transversalidade de políticas, solidariedade, valorização da diversidade territorial, ambiental, social, cultural e econômica, sustentabilidade, federalismo cooperativo. 

Pelo que se observa, a II PNDR possui uma visão da questão regional bastante abrangente. São quatro os objetivos dela: a) convergência; b) aumento da competitividade de regiões com declínio populacional e elevadas taxas de crescimento; c) agregação de valor e diversificação; d) construção de uma rede de cidades com maior harmonia entre os diferentes níveis hierárquicos, identificando e fortalecendo as centralidades que possam operar, em diferentes escalas, como vértices de uma rede policêntrica, com vistas a contribuir para a desconcentração e interiorização do desenvolvimento. 

A segunda fase da PNDR representa, pois, um avanço e uma atualização de um processo de construção histórica iniciada em princípios dos anos 2000, quando a questão regional foi retomada como objeto de política pública. A despeito disso, algumas questões persistem e precisam ser equacionadas. O financiamento da política por meio de um fundo único para o desenvolvimento regional ainda é, por exemplo, uma questão pendente. Realmente, como levar a cabo uma política nacional sem um fundo direcionado especificamente para essa finalidade é algo que chama a atenção. Um outro ponto diz respeito à centralidade da questão regional. É necessário conceber o planejamento do Estado brasileiro a partir de uma visão territorializada. É certo que, em 2008, o Ministério do Planejamento esforçou-se para alcançar tal intento. Seus resultados e aplicações foram postos, porém, em segundo plano.

Bibliografia

ALVES, Adriana Melo; ROCHA NETO, João Mendes da. A nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR II: entre a perspectiva de inovação e a persistência de desafios. Revista Política e Planejamento Regional, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014.

Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Estudo da dimensão territorial para o planejamento. Brasília, DF: MP, 2008. v. 1.

DINIZ, Clélio Campolina. A busca de um projeto de nação: o papel do território e das políticas regional e urbana. Revista ANPEC, Brasília, DF, v. 7, p. 1-18, 2007.

DINIZ, Clélio Campolina (Org.). Política de desenvolvimento regional: desafios e perspectivas à luz das experiências da União Europeia e do Brasil. 1. ed. Brasília, DF: Ed. da UnB, 2007. v. 1. 

DINIZ, Clélio Campolina; CROCCO, Marco (Org.). Economia regional e urbana: contribuições teóricas recentes. 1. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil.17. ed. São Paulo: Nacional, 1980.

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