Editorial da Edição
Editorial (volume 4, número 2, ano 2017)
Gostaríamos de iniciar este número do volume 4 da RPPR de 2017 com um convite aos nossos leitores e demais colegas que compartilham conosco a preocupação com foco e temática da revista: queríamos chamá-las/los para contribuir a um debate que é trazido pelo último artigo deste número sobre dinâmica e impasses do desenvolvimento. Sem que ele mesmo articule, explicitamente, a abordagem de planejamento governamental e capacidades estatais de intervenção aos desafios de planejamento e política regional, o raciocínio apresentado poderia incentivar, a nosso ver, um importante, relevante e urgente debate sobre a situação atual e destino futuro do desenvolvimento, planejamento e política regional no Brasil.
Voltaremos a esse assunto após a apresentação dos demais sete artigos, agrupados em dois grandes grupos:
Um primeiro grupo reúne quatro textos que problematizam e tratam de diferentes assuntos no território em diferentes escalas. Com referência a escalas regional e estadual do Nordeste, Centro Norte, do Rio de Janeiro e São Paulo, discutem políticas de desenvolvimento regional, interfaces entre recortes regional e setorial, regional e econômico, entre formato institucional em relação a formas democráticas de gestão e questões de interiorização do desenvolvimento a partir de um recorte setorial (turismo).
Já as referências territoriais do segundo grupo de três artigos são processos e assuntos de âmbito local, urbano, metropolitano, suas periferias e a dimensão urbano-regional dos fenômenos investigados. São apresentações e reflexões acerca de processos de transformação nessas escalas, do planejamento e de arranjos locais de desenvolvimento.
O primeiro texto retoma o problema das desigualdades regionais do Nordeste e as inúmeras políticas de desenvolvimento regional que o procuraram enfrentar com diferentes formas e em diferentes períodos da história brasileira. Sob o título “A trajetória das políticas de desenvolvimento regional do Nordeste: balanço entre a Operação Nordeste e a PNDR” o autor, Rafael Gonçalves Gumiero, compara a Operação Nordeste nos anos 1958 a 1964, e a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) no período 2003 a 2014, num primeiro momento, para realizar um balanço do diagnóstico das desigualdades regionais e prognóstico para sua superação. Num segundo momento, analisa a distribuição federativa e setorial de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Nordeste e constata que a paralisia da PNDR levou a uma polarização dos seus investimentos nos polos de dinamismo localizados na Bahia, Pernambuco e Ceará.
Uma outra região brasileira, o Centro Norte brasileiro, é objeto de investigação e análise do artigo de Thiago José Arruda de Oliveira e Moacir Piffer, que procura identificar se foi possível perpetuar o processo de desenvolvimento econômico regional a partir da capacidade dos municípios do Centro Norte em aproveitar os fluxos de capital e continuar com o processo de transformação da sua base. Com o título “O desenvolvimento regional no Centro Norte brasileiro: uma abordagem a partir da teoria de Douglass North”, os autores utilizam o Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) que permite observar, como base desse desenvolvimento, o desempenho das suas instituições e os mecanismos que gerarão inovações tecnológicas. No período estudado entre 2000 e 2015, nota-se a entrada de capital, processo iniciado na década de 1970, que melhorou o desempenho das instituições inclusivas dos seus municípios. Destacam-se, neste processo, Tocantins, Sudeste Paraense e a microrregião Imperatriz (MA), que possuem uma infraestrutura de transportes que facilita a formação de poupança interna, e assim, promoverão o desenvolvimento da sua base econômica nos próximos anos.
Referenciado ao estado de São Paulo, o artigo “As modalidades de governança territorial no estado de São Paulo: especificidades institucionais, políticas públicas e lógicas de desenvolvimento”, propõe-se interrogar as lógicas espaciais de organização coletiva de modalidades de governança territorial enquanto elemento inovador nas políticas públicas e sua possibilidade de influenciar as estratégias de planejamento do desenvolvimento territorial sustentável, democrático e participativo. Entretanto, apesar de avanços institucionais significativos, tais modalidades de governança ainda não permitem o estabelecimento de formas democráticas de gestão pública, que desafiam a cidadania ativa e a ação política dos governos estaduais e municipais. Assim, como mostra o autor, Elson Luciano Silva Pires, grande parte das modalidades das governanças estudadas enfrentam grandes desafios, exigindo que as administrações públicas, os agentes econômicos e os atores sociais se organizem e participem cada vez mais dos processos de construções territoriais.
As autoras Pâmela Ketulin Mattos Gomes e Lucia Helena Pereira da Silva em seu artigo “Políticas de turismo no Rio de Janeiro pós-fusão: programas para interiorização do turismo no estado” procuram mostrar como determinadas políticas públicas voltadas ao setor do turismo incentivaram a interiorização das atividades do setor no estado do Rio de Janeiro. A partir da investigação dessas políticas, formuladas tanto na esfera federal quanto na estadual, buscam compreender como opções políticas afetam o território que resgatam instrumentos de regionalização contidos nos programas e ações a elas atrelados.
O primeiro dos três artigos do segundo bloco debate a urbanização brasileira no século XXI e a heterogeneidade da periferia metropolitana fluminense. O autor, Daniel Pereira Rosa, de “Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica”, com referência a este município na região metropolitana do Rio de Janeiro, chama atenção pela necessidade de entender o papel das cidades periféricas que, apesar da primazia metropolitana, apresentam maior integração com a região metropolitana, sendo denominadas, assim, por alguns autores, de "periferia integrada". Torna-se necessário relativizar alguns consensos em relação ao seu suposto caráter de cidade-dormitório através de indicadores de mobilidade pendular, do aumento das centralidades, da modernização do território e do índice de desenvolvimento.
O artigo seguinte está voltado também para uma determinada realidade metropolitana; desta vez a de Curitiba. Sob o título “Desafios escalares do planejamento urbano-regional: reflexões sobre recuperação de mais-valia a partir da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde em Curitiba” pretende questionar o planejamento de dimensão urbano-regional sob o novo cenário criado pelo Estatuto da Cidade e pela recente normatização do Estatuto da Metrópole. As autoras Ana Carolina Martins Gavriloff e Mariana Galacini Bonadio pretendem traçar algumas reflexões sobre os desafios de reescalonamento do ordenamento territorial à luz da gestão social da valorização da terra. A Operação Urbana Consorciada Linha Verde (antiga BR-116), definindo um perímetro de atuação municipal em um eixo de caráter regional, serve como ilustração da lógica institucional fragmentária do planejamento. O uso controverso de instrumentos de recuperação de mais-valia para o financiamento de grandes projetos tem impacto e abrangência que extrapolam seus limites municipais.
Situando-se dentro do debate do desenvolvimento local, o texto de Thayse Andrezza Oliveira do Bu, Thaís Marculino da Silva e José Luciano Albino Barbosa objetiva trazer contribuições ao debate teórico sobre o uso dos Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) como instrumentos para o desenvolvimento integrado e sustentável. Com o título “Entre o localismo e as escalas do desenvolvimento: pensando os Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) como instrumentos para um desenvolvimento local integrado e sustentável”, é invocada a importância do Estado a respeito de formulação e implementação de políticas, diante do cenário global, da desorganização da esfera pública e da ação limitada dos ASPILs. Aponta-se para a importância de debater a categoria ASPIL com base na análise cepalina de centro-periferia.
Como anunciado no início deste Editorial, a publicação do última artigo deste número pretende incentivar e estimular DEBATES sobre temáticas que articulem os desafios a política, planejamento e desenvolvimento regional nos contextos atuais a uma reflexão acerca do presente – e passado, nos últimos 15 anos – contexto do planejamento governamental, capacidades estatais de intervenção, diferentes modelos de governança que procuram dar “respostas” às limitações governativas do Estado e assuntos correlatos. Conforme potencialidade atribuída por um dos pareceristas ao artigo, por causa da sua forma abrangente e competente, ele poderia desempenhar papel central organizador deste debate atual, na medida em que apresenta um balanço bem estruturado da dinâmica e impasses do desenvolvimento e constitui um arcabouço ou panorama abrangente das transformações que servem de pano de fundo para as discussões sobre políticas e planejamento territorial e regional.
Mesmo em relação aos demais textos incluídos neste número da revista (e referente a anteriores) releituras podem ser interessantes diante da recuperação do chamado “novo” ou “neo”-desenvolvimento no seu contexto histórico e político dos últimos 15 anos.
Neste sentido, o artigo “Planejamento governamental no novo-desenvolvimentismo democrático: auge e deterioração das capacidades estatais (2003-2016)” de Carlos Eduardo Santos Pinho analisa o planejamento governamental do novo desenvolvimentismo democrático (2003-2016) tanto a partir da retomada do planejamento e a inserção da questão social na agenda pública quando da eleição de Lula da Silva, em 2002, da inflexão desenvolvimentista e a revitalização das capacidades estatais e burocráticas para a promoção de políticas públicas voltadas à questão social e das reverberações sociais das políticas de planejamento governamental, focalizando o debate em torno da Nova Classe Média. Finalmente, investiga-se o esgotamento das políticas de planejamento, entre o final de 2014 e o início de 2015, que é causado por uma sucessão de fatores, como a crise fiscal do Estado brasileiro e a fratura da coalizão político-econômica de suporte.
Diante das recentes transformações das “capacidades governativas de intervenção” e da reformulação das agendas de atuação do Estado, convidamos os leitores a encaminhar a nós suas investigações, analises, diagnósticos, debates e discussões críticas ou sobre condições presentes e futuras da possibilidades e limitações de agendas regionais no Brasil. E reflexões sobre possibilidades e limitações tanto em termos estruturais em diferentes escalas e níveis de profundidade como em vista a conjunturas que possam abrir ou fechar oportunidades de perseguir um dos maiores desafios para qualquer governo: o reconhecimento de sua responsabilidade para atuar a favor da redução das desigualdades regionais e sociais deste país.
Rainer Randolph
Hermes M. Tavares
Editores