Crise da política regional de desenvolvimento e a guerra fiscal


Soraia Aparecida Cardoso
Professora Adjunta no Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia.

1 Introdução

O artigo pretende examinar, a partir dos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul, quais foram os setores industriais beneficiados pelos incentivos fiscais no âmbito da guerra fiscal dos anos 1990 a meados dos anos 2000(1). Por meio desse propósito mais geral será possível evidenciar que a guerra fiscal não foi capaz de mudar a divisão inter-regional do trabalho para todas as Unidades da Federação (UFs) aqui analisadas, apesar de possibilitar a dinamização de alguns setores no interior das regiões mais periféricas. Através do estudo desses casos fica evidente que: há limites para a desconcentração de atividades industriais mais complexas em direção aos estados mais periféricos; há grande grau de redundância na utilização desses incentivos para algumas atividades industriais; a capacidade de participação na guerra fiscal é muito desigual, o que induz os estados mais pobres da federação a apresentarem pesos maiores dos incentivos em relação a sua capacidade de arrecadação de ICMS - Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação -, comparativamente ao que estados mais ricos gastam em incentivos em relação a sua arrecadação de ICMS.

Os investimentos disputados pelas UFs não correspondem apenas a novos investimentos e a investimentos estrangeiros, mas, de uma forma bastante relevante, a investimentos já instalados há um tempo considerável em algumas regiões e que migram para outras, dentro do próprio território nacional, com incentivos fiscais e financeiros. Há casos em que empresas já instaladas fazem “chantagem” locacional, à medida que pleiteiam isonomia tributária em relação às empresas que estão sendo beneficiadas pelos incentivos sob a ameaça de levarem sua produção para outra unidade da federação.

2 Análise dos dados(2).

Bahia

Entre 1991 e 2001, o PROBAHIA foi o principal programa de atração de investimentos que vigorou na Bahia, atraindo 273 projetos. Como os dados referentes a esse período não permitem a realização de uma análise detalhada das atividades industriais incentivadas, serão tomadas como base as informações concernentes aos anos 2000 a 2005, organizadas na Tabela 1.

Concernente ao item “Papel e Celulose”, a Bahia teve uma participação de 46,7% no investimento incentivado total no período de 2000 a 2005 e uma relação entre investimento incentivado e Valor da Transformação Industrial (VTI) de 308,1. Segundo Cavalcante (2008), o estado passou de oitavo para quarto maior produtor nacional de celulose de fibra curta. O autor ainda pontua que o extremo sul baiano possui vantagens naturais que permitem produtividades bastante elevadas.

Tabela 1 – Atividades Industriais Incentivadas pelos Programas de Atração de Investimentos do estado: Bahia, 2000 a 2005.

 
Fonte: O autor, com base em dados cedidos pela Secretaria de Indústria e Comércio e PIA/IBGE.

Os empregos gerados nessa atividade foram muito inferiores aos projetados. Estimava-se a criação de 12.780 empregos por parte das empresas incentivadas, no entanto geraram-se apenas 740 novos postos. A produção de celulose e papel apresentou, entre 1996 e 2006, ganho de participação nacional de aproximadamente 2%, uma vez que a produção baiana correspondia, em 2006, a 5% do VTI nacional. Houve, contudo, uma redução na participação na estrutura industrial estadual de 1996 para 2006, cujos percentuais foram, respectivamente, 4,7% e 3,5%.

Com participação de 17,9% no total de investimentos contemplados pelos incentivos e investimentos correspondentes a 27,5% do VTI, a produção de “Produtos Químicos”, em virtude do Polo Petroquímico de Camaçari, criado no âmbito do IIPND, tem um peso considerável na indústria de transformação do estado. Apesar de ser contemplado pelos incentivos, o item apresentou expressiva perda de participação na estrutura industrial estadual, passando de 42,6%, em 1996, para 21,1%, em 2006. Por outro lado, essa atividade teve ganhos de 2% na participação nacional, isto porque a Bahia, em 2006, havia sido responsável por 10,4% da transformação industrial do referido gênero.

Os investimentos incentivados no item “Borracha e Plástico” tiveram participação de 5,5% no total e um peso de 92,1% sobre o VTI. A participação dessa atividade na composição da estrutura industrial do estado manteve-se praticamente inalterada entre 1996 e 2006. Já no VTI nacional elevou-se de 1,7% para 4,1% no mesmo período.

“Fabricação e Montagem de Veículos” também apresentou elevada relação entre investimentos incentivados e VTI (91,6%), com participação de 11,2% no total de investimentos incentivados. Esses resultados estão relacionados com os investimentos da Ford, incentivados através do PROAUTO. As informações sobre as empresas incentivadas revelam que muitas fornecedoras foram contempladas pelos incentivos fiscais estaduais. Isso mostra que, para o adensamento das cadeias produtivas, é necessário que as empresas que as compõem também sejam contempladas por incentivos. No tocante à origem das peças e matérias-primas utilizadas pelas sistemistas, Cerqueira (2007) destaca que a aquisição é feita, em grande medida, por meio da importação de produtos de grandes produtores internacionais ou de fábricas localizadas em outras unidades federativas (UFs), como São Paulo e Minas Gerais.

Cumpre assinalar que as empresas vinculadas ao segmento de informática, conquanto tenham apresentado pequena participação no total de investimentos incentivados e baixa relação no quesito Investimento incentivado/VTI (segundo os dados disponíveis), foram beneficiadas pelo Decreto Informática, em vigência desde 1995. Tais empresas são, normalmente, montadoras de equipamentos de informática e eletrônicos. A participação dessa atividade na composição da estrutura industrial baiana passou de 0,4% para 2,3% entre 1996 e 2006. Houve também uma considerável desconcentração do setor, dado que a Bahia foi responsável por 17,8% da transformação industrial desse gênero em 2006, contra os 1,6% apresentados em 1996. Cavalcante (2008) salienta que as empresas do setor que foram atraídas para esse estado têm suas linhas de produção baseadas na montagem de equipamentos de informática e eletroeletrônicos, não possuindo articulações com universidades.

Em suma, observa-se que parte significativa dos programas de atração de empresas e dos projetos incentivados refere-se a atividades industriais que já estavam instaladas no Estado da Bahia, mas que precisavam ser revitalizadas, como é o caso de “Produtos Químicos”, “Plásticos” e “Celulose e Papel”. Nesse sentido, a Bahia reforça seu papel de produtora de produtos intermediários em escala nacional. Entretanto, no cenário, sobressaem também duas atividades diferentes: as empresas calçadistas, influenciadas tanto pelos grandes incentivos a elas oferecidos, quanto pelas “vantagens” do baixo custo da mão-de-obra e da crise pela qual o gênero industrial enfrentou no Sul e Sudeste do país, em decorrência da política macroeconômica de abertura comercial e valorização da moeda nacional a partir dos anos 1990; e as atividades industriais tecnologicamente mais intensivas, como informática e montagem de veículos.

Goiás

Nesta seção, são descritos os dados dos investimentos incentivados pelos programas Fomentar e Produzir, tendo como objetivo verificar o perfil da atividade industrial beneficiada por ambas as políticas e lançar alguns questionamentos sobre a capacidade de elas promoverem a diversificação da estrutura industrial. Entre 1986 e 2003, o Fomentar apoiou 226 projetos e, no período de 2000 a 2008, o Produzir possibilitou que 174 empresas, por meio da utilização de incentivos, investissem no Estado de Goiás. A maior parte desses projetos corresponde a empresas ligadas à agroindústria – fato coerente com as características da estrutura produtiva goiana, que teve suas transformações econômicas e espaciais extremamente ligadas à expansão da fronteira agrícola.

As Tabelas 2 e 3 mostram a relação entre investimento incentivado e VTI para o período de 1996 a 2006; elas compreendem, respectivamente, os dados referentes ao Fomentar e ao Produzir.

Apesar da elevada participação de “Alimentos e Bebidas” entre os projetos contemplados pelos dois programas – 62% do total de investimentos incentivados pelo Fomentar e 64%, pelo Produzir –, a relação entre investimento incentivado e VTI desse gênero industrial é relativamente pequena, devido ao grande peso das empresas agroindustriais. Essa atividade, representante de 49,7% da composição da estrutura industrial do estado em 1996, ganhou oito pontos percentuais de participação entre 1996 e 2006.

Apesar da elevada participação de “Alimentos e Bebidas” entre os projetos contemplados pelos dois programas – 62% do total de investimentos incentivados pelo Fomentar e 64%, pelo Produzir –, a relação entre investimento incentivado e VTI desse gênero industrial é relativamente pequena, devido ao grande peso das empresas agroindustriais. Essa atividade, representante de 49,7% da composição da estrutura industrial do estado em 1996, ganhou oito pontos percentuais de participação entre 1996 e 2006.

A escolha do Estado de Goiás por grandes empresas agroindustriais foi influenciada pela importância do setor agropecuário. Este imprimiu importantes estímulos à produção agroindustrial. Cabe destacar que estão incluídos grandes grupos empresariais entre as empresas incentivadas pelos dois programas, tais como: Parmalat, Bunge Alimentos, Cargil Agrícola, Unilever (Arisco), Perdigão.

Na última década, houve uma tendência de expansão das plantações de cana-de-açúcar, inclusive para a região Centro-Oeste, tendo uma série de condicionantes que estimularam a ida das usinas para Goiás. O incentivo fiscal não foi o determinante, mas, mesmo assim, as empresas que para lá se encaminharam serão beneficiadas pelas isenções fiscais concedidas pelo governo estadual. É necessário questionar a concessão de incentivos fiscais às usinas, uma vez que elas se operam em um tipo de atividade que segue a expansão da fronteira agrícola.

Em 1998, a relação entre investimentos incentivados e VTI para “Vestuário e Acessórios” foi de 164,9%, enquanto nos demais anos o resultado foi muito menor. Esse considerável aumento deve-se aos investimentos realizados pela empresa Hering na cidade de Anápolis. O grande peso dos investimentos incentivados sobre o VTI para a atividade configura-se como um caso isolado; ele não foi suficiente para modificar o papel do item “Vestuário e Acessórios” na estrutura econômica estadual.

As participações do Investimento Incentivado sobre VTI referentes a “Produtos Químicos”, tanto no Fomentar quanto naqueles referentes ao Produzir (Tabelas 2 e 3), correspondem a empresas de produtos farmacêuticos, as quais se direcionaram para a cidade de Anápolis. A indústria farmacêutica que ali está se desenvolvendo é extremamente dependente de importações, como evidencia a análise dos dados de comércio exterior. O saldo comercial desse segmento apresenta-se negativo desde os anos 1990, mas, entre 1996 e 2002, o deficit elevou-se de US$ 3.672.134 para US$ 19.187.822, chegando a US$ 425.648.662, em 2008.

Os investimentos incentivados nas atividades “Papel e Celulose” e “Borracha e Plástico” refletem inversões realizadas, majoritariamente, por empresas de embalagens de pequeno porte. Concernente à composição da estrutura industrial, “Papel e Celulose” apresentaram ganho no VTI estadual, passando de 0,6%, em 1996, para 1,1%, em 2006. “Borracha e Plástico”, por outro lado, reduziu seu peso no VTI estadual, decrescendo de 2,4% para 1,7% no mesmo período. Os incentivos foram concedidos, em grande medida, para empresas produtoras de embalagens; motivadas pela expansão de outras atividades na indústria de transformação, estas viram boas oportunidades de negócios no estado.

Chama a atenção, nos anos de 1998 e 2000, a grande participação de “Montagem de Veículos Automotores” e “Máquinas e Equipamentos”, em razão, respectivamente, dos investimentos da Mitsubishi e da John Deere do Brasil (produtora de máquinas agrícolas, como, por exemplo, tratores, colheitadeiras e plantadeiras), instaladas na cidade de Catalão.

Tabela 2 – Atividades industriais incentivadas pelo Programa Fomentar – relação entre Investimento Incentivado e VTI, em porcentagem: Goiás, 1996-2003.

 
Fonte: O autor, com base em Secretaria de Indústria e Comércio do estado de Goiás e PIA/IBGE.

Goiás tem baixa participação nacional na produção de bens de consumo duráveis e bens de capital (BCD+BK) – apenas 0,5%, em 1996. Por outro lado, houve uma elevação dos BCD+BK na composição da estrutura produtiva estadual de 2,8%, em 1996, para 5,6%, em 2006. Em relação à “Montagem de Veículos” automotores, a participação nacional do estado foi de 0,9%, em 2006, ao passo que o peso no VTI estadual passou de 0,3% para 4,4% no mesmo período, o que sinaliza uma maior complexidade na estrutura produtiva industrial.

Os dados disponibilizados pela Secretaria de Indústria e Comércio do Estado de Goiás não trazem informações sobre os incentivos concedidos para a unidade da Hyundai, em Anápolis. Contudo, diversos órgãos de comunicação divulgaram que a empresa Hyundai foi inaugurada em 2007 e recebeu incentivos do Produzir, além de crédito outorgado e outros benefícios voltados para melhoria de infraestrutura. Dados dos incentivos estaduais concedidos à Hyundai não foram disponibilizados para esta pesquisa.

Tabela 3 – Atividades industriais incentivadas pelo Programa PRODUZIR
Relação entre Investimento Incentivado e VTI, em porcentagem: Goiás, 2000-2006.  


Fonte: O autor, com base em Secretaria de Indústria e Comércio do estado de Goiás e PIA/IBGE.

Do ponto de vista espacial, a microrregião do Sudoeste de Goiás teve a maior participação (27,3%) no total de investimentos incentivados pelo Fomentar no período 1986 a 2003, seguida das microrregiões de Anápolis (18,5%), Meia Ponte (14,4%) e Goiânia (12,4%). A grande participação da microrregião do Sudoeste de Goiás deve-se à instalação da empresa Perdigão, na cidade de Rio Verde, em 2003; o investimento dessa empresa corresponde a 55% do total de investimentos que foram direcionados para tal microrregião por via de incentivos do Fomentar. Os investimentos beneficiados pelo Produzir foram endereçados, majoritariamente, para as microrregiões de Goiânia (27,8%), Sudoeste de Goiás (14,3%), Entorno de Brasília (10,7%), Meia Ponte (10%), Anápolis (8,9%) e Catalão (8,5%).

A relação entre o incentivo financeiro concedido pelos programas abordados supracitados e o total de ICMS arrecadado elevou-se significativamente entre 2003 e 2004, passando de 12,9% para 15,7%, quase dois pontos percentuais. O peso dos incentivos manteve-se praticamente constante entre 2004 e 2005. Apresentou uma queda de 1,2 pontos percentuais de 2005 para 2006, mas ainda se manteve em um patamar mais elevado que o verificado em 2003.

Espírito Santo

O Espírito Santo intensificou a utilização de um instrumento de benefício fiscal à atividade importadora, o FUNDAP, levando muitas empresas a instalar seus escritórios de importação na capital capixaba para que pudessem beneficiar-se de expressivas reduções no ICMS recolhido. Apesar de ter sido criado nos anos 1970, esse instrumento foi efetivamente posto em operação a partir dos anos 1990, em um contexto de abertura comercial e valorização da moeda nacional (MOTA, 2002).

Tabela 4 – Distribuição percentual dos investimentos decorrentes das
operações FUNDAP por atividade econômica: Espírito Santo, 1990-2006.

Fonte: O autor, com base em Banco de Desenvolvimento do ES/BANDES.

O FUNDAP oferece verdadeiras isenções fiscais sobre a atividade importadora. Os dados da Tabela 4 mostram que, entre 1990 e 2006, cerca de 50% dos investimentos realizados pelas empresas fundapianas foram direcionados para atividades ligadas ao comércio. Sobressai a participação de “Armazenagem de Carga” no total de investimento incentivado: 32,6% de todos investimentos realizados no período. Além disso, outras atividades, intimamente relacionadas a atividades mercantis, destacaram-se, como, por exemplo, “Comércio Atacadista” (13,4%) e “Transporte Terrestre” (3,3%). Trata-se de mais uma evidência de uma escolha feita em função do atendimento dos interesses mercantis portuários, como ressaltado por Mota (2002). Há uma clara tendência de que a maior parte dos investimentos decorrentes das operações do FUNDAP não são direcionados à produção industrial.

Vale frisar que não apenas empresas ligadas à importação são atraídas para o estado; na verdade, os novos investimentos decorrentes da utilização do FUNDAP se dirigem, majoritariamente, para atividades do setor terciário, com destaque para aquelas que se ligam, de forma direta, ao comércio.

A opção pela atração de atividades portuárias mercantis causou algumas modificações na composição setorial do PIB estadual. Entre 1993 e 1999, ocorreu redução da participação da Indústria de Transformação no PIB setorial. A partir de 2000, sua participação elevou-se, mas, em 2003, ainda se mantinha em um nível inferior ao de 1993. Outro aspecto importante foram os ganhos de participação da indústria extrativa nos anos 2000, situação relacionada ao efeito câmbio, à recuperação dos preços das commodities e ao efeito China. O setor que mais ganhou participação foi o terciário.

Ao averiguar os resultados apontados por Mota (2002) e os dados da composição setorial do PIB capixaba para o período de 1985 a 1999, percebe-se, claramente, que o FUNDAP não alcançou o objetivo de diversificar a estrutura produtiva do estado e de ser um instrumento favorável à dinamização das atividades produtivas, pois ele não teve capacidade de criar efeitos dinâmicos na indústria de transformação.

Outra mudança significativa consistiu na participação do Espírito Santo no comércio exterior brasileiro. No total das exportações no Brasil, a participação das exportações capixabas mostrou-se praticamente estável entre 1989 e 2008, com queda em 2002. O peso das importações capixabas nas importações totais do país cresceu, significativamente, entre 1989 e 1994, quando passou de 2,9% para 5,9%. Embora tenha tido uma queda em 2002 (4,3%), ficou acima de 5% nos anos de 2006 e 2008. A maior importância do estado nas importações nacionais está associada aos incentivos do FUNDAP e, em grande medida, corresponde a importações feitas pelas empresas importadoras nele instaladas, as quais remetem os produtos importados para outras UFs a fim de que estes sejam, finalmente, utilizados no processo produtivo. Ou seja, a agregação de valor não é feita no estado.

A participação do Estado na guerra fiscal possui mais um reflexo no Espírito Santo: o déficit comercial com o exterior para a indústria de transformação e a consolidação da dependência de commodities para gerar saldos comerciais positivos. Isso acontece pelo fato de a indústria extrativa e a agropecuária serem atividades responsáveis pela geração de superavit comerciais, embora o superavit da agropecuária apresente-se em patamares inferiores aos proporcionados pela indústria extrativa.(3).

Os defensores dessa política podem argumentar que as atividades incentivadas pelo FUNDAP possibilitam que o estado, interferindo nas decisões das empresas que praticam a atividade de comércio exterior, aproprie-se de um montante de ICMS que não era gerado em seu território. Todavia, trata-se de uma política, cumpre ratificar, que tem pequena capacidade de geração de emprego e renda e transfere grande parte do ICMS gerado para grupos empresariais que, muitas vezes, apenas promovem o trânsito da mercadoria em território capixaba (quiçá, apenas as notas fiscais).

Entre 1994 e 2007, se levarmos em consideração o ICMS líquido apropriado pelo Estado do Espírito Santo (formado pelo ICMS gerado nas operações com FUNDAP, deduzidas a transferência de 25% aos municípios e a transferência de recursos às empresas incentivadas), restaram-lhe baixos níveis de recursos nas operações com o FUNDAP. A relação entre o ICMS líquido para o Estado e o total de ICMS gerado pelas empresas beneficiadas apresentou oscilações no período analisado, mas se destaca, mais fortemente, o baixo nível apresentado no ano de 1995, que foi de 4,4%. Em síntese, não se pode negar que o FUNDAP gera receita adicional aos cofres estaduais. Apesar disso, o ICMS líquido apropriado pelo Estado é muito baixo diante da receita de ICMS gerada, o que revela a elevada transferência de recursos públicos para grupos empresariais que tomam decisões de investimentos com limitados efeitos sobre a geração de emprego e renda.

Relativo à localização espacial das atividades contempladas pelos projetos aprovados pelo FUNDAP, verifica-se uma grande concentração na microrregião de Vitória, onde estão 66,7% dos projetos e 57,7% dos investimentos. Os projetos não industriais contemplados pelo FUNDAP tiveram a mesma tendência de concentração espacial, dado que 73% dos projetos localizaram-se nessa microrregião, revelando a limitada capacidade de interiorizar os investimentos e promover uma redução das desigualdades econômicas intraestaduais.

Rio de Janeiro

A Tabela 5 apresenta a participação relativa dos investimentos incentivados de cada atividade nos respectivos VTIs. A produção de bens de consumo não duráveis (BCND) teve reduzida participação, obtendo maior destaque “Alimentos e Bebidas”. Esse peso razoavelmente significativo deve-se a investimentos de empresas de expressão nacional, como da Sadia, em 1999, em Duque de Caxias, da Nestlé, em 2003, no Rio de Janeiro, da Yoki/Alimentos, na cidade de Bom Jesus de Itabapoana, também em 2003, e investimentos da AMBEV, em 2000.

Embora tenha havido concessão de incentivos para grandes empresas do setor de “Alimentos e Bebidas”, essa atividade industrial apresentou redução de participação na composição do VTI estadual, entre 1996 (14,1%) e 2006 (8,5%). Ademais, o Rio de Janeiro passou a responder, em 2006, por apenas 4% do VTI nacional referente a essa atividade, exibindo, portanto, uma queda de 2,3 pontos percentuais entre 1996 e 2006. A pouca expressividade dos setores agropecuários no estado é resultado de uma baixa articulação entre atividades primárias e agroindústria. Basta ressaltar que o peso das atividades primárias na composição setorial do PIB estadual é inferior a 1% em todo período de 1990 a 2004. “Alimentos e Bebidas” apresentou redução de 11.508 postos de trabalho entre 1996 e 2006.

As atividades produtoras de bens intermediários (BI) foram as que obtiveram melhores resultados para a relação investimento incentivado/VTI. Referente ao item “Produtos Químicos”, parte dos investimentos foi direcionada ao setor farmacêutico. Trata-se, portanto, de mais uma atividade incentivada que perde participação tanto na composição do VTI estadual, quanto no VTI nacional. A análise a três dígitos das atividades revela que a único setor que não perdeu peso no VTI estadual e no VTI nacional foi o de fabricação de produtos e preparados químicos diversos. O Rio Janeiro passou a responder, em 2006, por apenas 4,9% da transformação industrial de produtos farmacêuticos: uma queda de 4,6 pontos percentuais. O peso dessa atividade no VTI estadual caiu de 20,8%, em 1996, para 13,3%, em 2006.

“Borracha e Plástico” foi outra atividade que apresentou relação significativa entre investimento incentivado e VTI estadual. Ela parece ter sofrido efeitos indutores das empresas do setor automotivo, pois os projetos incentivados se concernem, primordialmente, aos investimentos da empresa Michelin, nas cidades de Rio de Janeiro e Itatiaia.

Acerca das atividades de BI, é preciso pontuar ainda que o item “Metalurgia Básica” atingiu, em alguns dos anos, um peso significativo de investimentos incentivados. Elevou em 2% sua participação no VTI estadual, mas perdeu participação nacional, decrescendo de 18,6%, em 1996, para 15,1%, em 2006. Uma análise a dois dígitos mostra que se trata de uma atividade que reduziu em 5.521 seus postos de trabalho.

 

As participações de “Fabricação e Montagem de Veículos Automotores” corresponde aos investimentos Wolkswagen-Caminhões e Peugeot-Citroën, ambas na microrregião do Vale do Paraíba Fluminense, da empresa Ciferal, produtora de carrocerias, e das novas inversões da Wolkswagen-Caminhões, na cidade de Resende. A atração dessas montadoras para o Rio de Janeiro repercutiu na concessão de incentivos para empresas produtoras de autopeças, com destaque para investimentos incentivados da Wolkswagen-Caminhões, voltada para produção de autopeças, na cidade de Porto Real, região administrativa do Vale do Paraíba Fluminense.

Assinale-se que entre os ramos industriais beneficiados pelos programas de incentivos fiscais no Rio de Janeiro no entre 1996 e 2006, apenas “Fabricação e Montagem de Veículos Automotores” apresentou ganhos de participação no VTI estadual e no VTI nacional. A participação do Rio de Janeiro na transformação industrial nacional referente a fabricação de veículos foi de 1,1% em 1996, elevou-se para 4% em 1998 e chegou em 5,7% em 2006. Já o peso do dito item na transformação industrial estadual, cresceu de aproximadamente 1,1%, em 1996, para 6% em 2006.

Do ponto de vista espacial, manifesta-se uma grande concentração dos investimentos, já que em apenas duas microrregiões, Rio de Janeiro e Vale do Paraíba Fluminense, concentraram-se 92,14% dos investimentos incentivados e 78,97% dos empregos que as empresas declararam que gerariam com a realização dos investimentos. Vale destacar, mais uma vez, que a participação da microrregião do Vale do Paraíba Fluminense deveu-se, em grande medida, à instalação de montadoras. Das dezoito microrregiões do Estado do Rio de Janeiro, apenas quatro concentraram 97,5% do total de investimentos incentivados.

Tabela 5 – Atividades industriais incentivadas, relação entre Investimento Incentivado
e VTI, em porcentagem: Rio de Janeiro, 1996-2003.  


Fonte: O autor, com base em CODIN e PIAs/IBGE.

Percebe-se, portanto, que as ações do Estado do Rio de Janeiro voltadas para a atração de investimentos não reverteu as tendências de redução da importância da indústria na composição setorial do PIB, de queda de participação na transformação industrial, dos deficits comerciais e de redução de postos de trabalho – tendências que podiam ser vistas desde os anos 1980. Pode-se dizer que os incentivos fiscais foram concedidos às empresas que os pleitearam, não consistindo em um instrumento de política industrial destinada à dinamização de cadeias produtivas específicas. O caso que parece ter apresentado resultados mais positivos foi o de “Fabricação e Montagem de Veículos Automotores”, que, como apontado, teve resultados positivos no seu peso na composição do VTI estadual e na participação no VTI nacional.

Rio Grande do Sul

A Tabela 6 ilustra a relação entre os investimentos incentivados pelo FUNDOPEM e o VTI estadual. Ela mostra que, no tocante ao grupo de indústrias produtoras de BCND, o maior peso dos investimentos incentivados foi no item “Fumo” em 1997, atividade tradicional que já possuía significativa participação nacional. Houve uma reestruturação desse segmento, conduzindo à transferência de grande parte da produção nacional para o Rio Grande do Sul. Nesse sentido, apesar de já existir uma tendência de relocalização desse setor industrial, ele foi amplamente beneficiado pelos programas de incentivos fiscais.

“Alimentos e Bebidas” e “Calçados”, atividades que também apresentam importante peso na indústria gaúcha, foram significativamente contempladas pelos incentivos, embora o peso dos investimentos incentivados sobre o VTI, em virtude da maior expressão que essas atividades têm na composição do VTI estadual, tenha sido bem inferior àqueles apresentados pela atividade industrial “Fumo”.

O Rio Grande do Sul contemplou, em seu programa de incentivos a investimentos, a atividade de “Couros e Calçados”, todavia tal política não foi suficiente para alterar as decisões de investimentos desse segmento, direcionadas principalmente para a região Nordeste. A indústria calçadista gaúcha perdeu expressão na estrutura industrial estadual, uma vez que, entre 1996 e 2006, seu peso reduziu-se de 16% para 9% do VTI estadual, o que teve reflexo em sua participação nacional – esta passou de 54,5% para 35,8% no mesmo período. A redução do peso da indústria de “Couro e Calçados” no Rio Grande do Sul repercutiu na sua participação nas exportações nacionais: em 1989, respondia por 72,8% das exportações brasileiras de calçados, percentual que se reduziu gradativamente: 70,9% em 1994, 61,5% em 2002, 46,93% em 2006 e 43,36% em 2008.

As atividades de BI que apresentaram maior expressão na relação entre investimento incentivado e VTI estadual foram “Borracha e Plástico” e “Metalurgia Básica”, cujas empresas incentivadas responderam entre 1996 e 2006, respectivamente, por 11% e 4,3% dos empregos gerados pelas empresas incentivadas. O setor petroquímico, incluindo a cadeia de plástico, foi contemplado com incentivos específicos para esse gênero por meio do Proplast/RS. O estado passou a responder por 9% da transformação industrial de “Borracha e Plástico” e por 8,7%, de “Produtos Químicos” em 2006, enquanto em 1996 respondia, respectivamente, por 6,4% e 6%.

Entre as atividades produtoras de BCD+BK, a que mais se destacou foi a de “Fabricação e Montagem de Veículos Automotores”. A baixa participação dos investimentos incentivados no VTI estadual correspondente a esse segmento, se comparada com a análise do mesmo indicador para os outros estados que disputaram montadoras na guerra fiscal, se liga à anterior existência de algumas atividades desse setor na indústria gaúcha; nesta, já havia, realmente, importante presença de empresas produtoras de cabines, carrocerias, reboques e autopeças e ônibus. O peso dos investimentos incentivados sobre o VTI, nos anos de 1997 e 1998 (Tabela 6), está associado à instalação da GM, que, com a criação de um programa especial para o setor, recebeu uma série de incentivos.

Com base em uma análise a três dígitos, observa-se que o Rio Grande do Sul passou a responder por 3,8% da produção nacional de automóveis, caminhonetes e utilitários. A análise a dois dígitos mostra que o peso da indústria gaúcha na transformação industrial nacional, referente à “Fabricação e Montagem de Veículos Automotores”, subiu de 4,2%, em 1996, para 6,7%, em 2006. Tal alteração esteve ligada, em grande parte, à instalação da GM em Gravataí.

Tabela 6 – Relação entre Investimentos incentivados pelo FUNDOPEM e VTI: Rio Grande do Sul, 1996 a 2006.   
Fonte: O autor, com dados cedidos pela SEADAPI e dados da PIA/IBGE.

Entre os anos de 1997 e 1999, o total de ICMS direcionado para a política de atração de investimentos no estado apresentou uma elevação, passando de 2,6% do total arrecadado para 6,7%. Depois disso, vieram as quedas, ficando em torno de 4,3% em 2003. A proporção dos benefícios concedidos para os investimentos no Rio Grande do Sul em relação ao ICMS total recolhido ficou, em todo o período, bem abaixo dos níveis averiguados em outros estados, como Ceará, Goiás, Espírito Santo e Amazonas. Isto demonstra que as UFs que apresentam uma menor diversificação em sua estrutura produtiva comprometem uma maior parcela de sua arrecadação com políticas de atração de investimentos.

Por fim, as atividades incentivadas apresentam significativa concentração espacial dentro do estado. De suas trinta e cinco regiões administrativas, apenas onze absorveram 95,4% dos investimentos incentivados e quatro regiões administrativas concentraram 83,1% do total de investimento: 40,1%, em Porto Alegre; 23,3%, em São Jerônimo; 11,6%, em Caxias do Sul; e 8,1%, em Santa Cruz do Sul. Vê-se, pois, a mesma tendência dos demais programas estaduais de atração de investimentos: a incapacidade de melhorar a distribuição da atividade produtiva industrial dentro do estado, dado que o investimento é direcionado para regiões que já possuem maior concentração industrial e dinamismo das atividades produtivas.

3 Considerações Finais

Foi possível examinar, neste artigo, que as diferentes frações do território nacional são incorporadas, ao processo de valorização de capital, de forma heterogênea. A competição entre as diferentes Unidades da Federação não se distancia dessa lógica, mesmo sendo uma ação do poder público que se subordina totalmente às exigências do capital privado. Nem todas as regiões do território são eleitas pelas decisões de investimentos; na verdade, os espaços mais periféricos têm maiores dificuldades e comprometem uma grande parcela da sua arrecadação para atrair capitais de maior conteúdo tecnológico e complexidade. A guerra fiscal não rompe com a tendência de concentração da atividade produtiva, característica típica do sistema capitalista. As localidades mais distantes do núcleo de acumulação industrial têm dificuldades para atrair investimentos mais complexos e produtores de BCD+BK.

Evidenciou-se também que não se pode restringir o debate acerca da competição fiscal aos investimentos de grande vulto e de capital estrangeiro. Ficou claro que os programas criados pelas UFs para atração de investimentos são, em grande medida, direcionados para atividades de maior relevância na estrutura produtiva das UFs, como a agroindústria em Goiás e Paraná, o fumo no Rio Grande do Sul, os produtos petroquímicos na Bahia. A redundância aparece nos casos em que, mesmo já havendo um movimento do capital em direção a determinada localidade, os governos estaduais insistem em contemplar os investimentos com incentivos fiscais. Por outro lado, não se pode estabelecer, generalizadamente, uma relação direta entre incentivo fiscal e ganho de participação das UFs na produção do gênero industrial incentivado.

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