Escalas de poder e gestão e a implementação de políticas de desenvolvimento regional no estado do Rio Grande do Sul


Antônio Paulo Cargnin
Dr. em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e da Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã do Governo do Estado do Rio Grande do Sul

1 Introdução

Este artigo tem como objetivo identificar como se comportam e interagem os atores envolvidos na implementação de políticas públicas destinadas à redução das desigualdades regionais no estado do Rio Grande do Sul. Também pretende realizar uma avaliação geral dos resultados e repercussões das políticas de desenvolvimento regional empreendidas no território gaúcho nas diferentes escalas de poder e gestão nas últimas décadas.

O esforço aqui realizado tem como propósito discutir como as escalas de poder e gestão, consideradas estratégicas para a compreensão das repercussões territoriais das políticas de desenvolvimento regional, influenciam o processo de construção e implementação de tais políticas. Não se trata de compreender todas as dimensões que envolvem a questão regional no território gaúcho, mas de construir uma síntese que preserve os atributos essenciais da problemática, tendo em vista as escalas selecionadas, conforme propõe Racine, Raffestin e Ruffy (1983) e Rückert (2002). Toma-se como base o pressuposto de que a análise do comportamento dos agentes que atuam nas principais escalas de poder e gestão de determinado território permite observar como eles se articulam com vistas à promoção do desenvolvimento regional.

2 A escala global e as políticas territoriais no Rio Grande do Sul

Embora se trate de um tema de grande complexidade, costuma-se associar, em consonância a uma estratégia mundial de negócios, o fortalecimento das escalas global e local à ação das grandes empresas multinacionais. Historicamente, essas empresas tiveram sua ação facilitada com a emergência do regime flexível de acumulação e com a mudança do sistema de regras, materializado com o auxílio de um modelo de Estado baseado no controle e na regulação (HARVEY, 1993; LIPIETZ, 1994).

O estabelecimento de relações globalizadas enfraqueceu a atuação do Estado Nacional e, consequentemente, as empresas passaram a negociar sua expansão com atores localizados em escalas subnacionais, de maneira mais direta. O global e o local foram identificados como escalas priorizadas nesse novo momento da economia mundial (SANTOS, 1994; ARAÚJO, 2007; VAINER, 2007).

Tais escalas foram lastreadas nos âmbitos acadêmico e institucional através de uma nova ortodoxia, consubstanciada na síntese das “regiões ganhadoras”. Propagaram-se, a partir dos países centrais, estudos relacionados ao desenvolvimento dos territórios por meio do aproveitamento das vantagens proporcionadas por essas escalas. Termos e conceitos, como, por exemplo, desenvolvimento endógeno, competitividade e clusters, foram assimilados, tanto pela academia quanto pela esfera estatal dos países periféricos, de forma pouco crítica, devido, especialmente, à divulgação deles por reconhecidos organismos internacionais (AMIN; FERNÁNDEZ; VIGIL, 2008).

No contexto brasileiro, esse quadro se fez sentir, com maior intensidade, no final da década de 1990. Nesse período, a acelerada onda de privatizações de empresas estatais que operavam em setores estratégicos sem um marco regulatório definido aguçou a disputa por investimentos, dando início à denominada “guerra fiscal” entre estados e municípios. A relação da estratégia de atuação dessas escalas com a política territorial e com as políticas de desenvolvimento regional brasileiras é bastante complexa; alguns de seus aspectos relevantes merecem ser discutidos com mais profundidade.

Primeiramente, cumpre destacar que, no caso brasileiro, a atuação dessas escalas foi facilitada pelo arrastado processo de transição do Estado desenvolvimentista para um novo modelo de base neoliberal, associado com o modelo autoritário que então governava o país. Essa demora colaborou para que o Brasil fosse submetido a um rápido processo estratégico de privatização de empresas em um momento em que o novo paradigma de Estado não estava preparado para exercer a regulação dessas atividades. A isso, deve-se agregar a inexistência de um projeto nacional de desenvolvimento e, por consequência, a ausência de planejamento e políticas territoriais na escala nacional. Esse cenário facilitou a expansão indiscriminada de grandes projetos empresariais, que se constituíram como vetores de fragmentação territorial, com grande potencial de transformação dos espaços. Em um período em que não possuía capacidade financeira para propor ações de maior vulto e a agenda monetária monopolizava as ações governamentais, o Estado passou a concentrar sua atuação no apoio a estratégias de expansão de tais empresas (CARGNIN; LIMA, 2009).

A ação dos agentes globais é facilmente perceptível no país como um todo e também nos estados. No território gaúcho, grandes empresas alojaram-se, inicialmente, nos setores da telecomunicação e energia, atuando em nichos específicos, como nos segmentos automotivo, de máquinas e equipamentos agrícolas, de produtos alimentares, do tabaco e, mais recentemente, da celulose e dos laticínios. Não cabe, aqui, realizar uma avaliação de longo prazo da conveniência desse movimento para o Rio Grande do Sul. Entretanto, é importante assinalar que, embora o Estado tenha assumido, em alguns casos, um papel de protagonista na atração dessas empresas e a efetivação delas tenha vindo ao encontro da complementação do parque industrial gaúcho, quase nada pôde ser feito para influenciar suas localizações.

Ao observar os movimentos macrorregionais do desenvolvimento gaúcho, Bandeira (2010) afirma que há apenas uma tênue desconcentração das atividades econômicas rumo às franjas metropolitanas. Na verdade, essa tendência não retrata uma desconcentração industrial propriamente dita, mas, sim, um relativo processo de desconcentração-concentrada das atividades econômicas, reflexo do complexo jogo das economias e deseconomias de aglomeração que vem favorecendo as franjas dos principais eixos de desenvolvimento.

Esse processo tem suscitado um contínuo deslocamento das atividades e do emprego industrial de Porto Alegre para Caixas do Sul e Lajeado, fortalecendo, ao longo prazo, os centros urbanos periféricos da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e cidades vizinhas, como Erechim, Passo Fundo, Lajeado, Santa Cruz do Sul e a própria Caxias do Sul. Todavia, em sentido oposto ao desejado, o movimento de desconcentração das atividades econômicas vem sendo alimentado por um severo adensamento das economias de aglomeração na RMPA e adjacências, o que tem gerado sérios problemas para a região (1).

Mesmo que esses investimentos tenham sido importantes para a complementação da estrutura produtiva do Estado, diretamente, pouco colaboraram para a desconcentração industrial ou para o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas. Ao contrário, em um período de expansão de grandes investimentos estrangeiros, intensificou-se a ocupação do eixo industrializado do estado, agravando ainda mais os aspectos de concentração espacial.

Ainda que o Rio Grande do Sul tivesse pouca margem de decisão sobre o futuro desses investimentos, que seguem uma lógica mundial, a não-existência de uma estratégia de planejamento e ordenamento territorial impediu que se argumentasse, de forma organizada, em favor de uma possível melhor localização para eles. Convém assinalar que, em muitos casos, esse movimento foi encorajado pelo próprio Estado, através de mecanismos voltados à descentralização industrial.

Não se trata de um processo exclusivo do Estado, mas, desde o início dos anos 1990, com a intensificação da chegada de grandes empresas internacionais, houve um acentuado processo de centralização do capital que envolveu praticamente todos os setores da economia gaúcha. De acordo com Benetti (2004), no Rio Grande do Sul, o agronegócio foi atingido de modo específico: empresas multinacionais adquiriram empresas locais e, assim, verticalizou-se a produção e setores estratégicos da cadeia produtiva, que vão desde a produção até a pesquisa genética, foram controlados. Entre os casos concretos dessa estratégia, podem ser citadas as cadeias da soja, do leite e de máquinas e implementos.

Para uma melhor ilustração do que foi exposto nas linhas acima, pode ser tomado como exemplo o caso das máquinas e implementos agrícolas. Após um longo período no qual várias empresas, em sua maioria de capital local, havia-se consolidado por meio da expansão do cultivo de grãos no noroeste do Estado, houve, a partir da década de 1980, um movimento em que grandes empresas globais adquiriram as empresas gaúchas, concentrando a produção local. Tal lógica obedeceu à reestruturação do capital global do segmento e, conquanto mantenha parte de seu parque industrial nas regiões de origem, esse tipo de indústria vem reestruturando-se ou realocando suas fábricas conforme as necessidades do mercado. Assim, nem mesmo a existência de políticas de isenção fiscal tem garantido que as regiões detentoras desse ativo consigam manter suas indústrias a longo prazo (CASTILHOS et al., 2008).

A instalação da fábrica de tratores da John Deere, em 2008, em Montenegro, localizada a 50 km da capital gaúcha, e de seu escritório de negócios da América do Sul, em Porto Alegre, em 2006, são amostras do comportamento do grande capital, baseado em uma estratégia de negócio. A empresa, localizada em Horizontina, no noroeste do estado, que havia adquirido 20% da empresa local Schneider Logemann & Cia. Ltda. (SLC), em 1979, passou a ter o controle total desta última no ano de 1999. Apoiada pelas ferramentas destinadas à desconcentração industrial, a John Deere inaugurou sua nova planta de tratores localizada na RMPA.

No que tange à busca de um desenvolvimento regional mais equilibrado, nenhum aspecto merece maior destaque que a interferência da instalação dessas empresas no planejamento territorial, fato que obriga, dentre outras coisas, o Estado a cumprir os diversos requisitos de infraestrutura para sua efetivação, conforme foi observado originalmente por Santos (2006).

Um exemplo dessa estratégia foi a instalação da indústria automotiva no Rio Grande do Sul, em fins da década de 1990, objeto de grande polêmica. Isso se deu, em grande medida, devido ao forte questionamento da validade do esforço empreendido para atraí-la. A concretização da planta da General Motors (GM) no município de Gravataí, em 2000, e a perda da Ford para a Bahia são exemplos concretos da atuação do Estado através das unidades da federação, as quais operam, como já indicado, no sentido de favorecer a instalação dessas empresas, imersas em um contexto de acirradas disputas de “guerra fiscal”.

Em relação à General Motors, alguns pontos são de especial interesse. A atração da fábrica representou um grande esforço institucional do Estado do Rio Grande do Sul, haja vista a quantidade de leis e decretos aprovados com a finalidade de viabilizar o investimento. Um outro aspecto foi a falta de capacidade de direcionar esses investimentos para fora das áreas já industrializadas; na verdade, a decisão sobre a localização dessas empresas vinculou-se a uma ampla reorganização da produção mundial, associada a uma estratégia de expansão, acirramento da concorrência das empresas, reorganização produtiva e saturação dos mercados dos países desenvolvidos (ALMEIDA et al., 2006).

Um fato ainda mais recente, que ilustra bem a capacidade das empresas globais pautarem o planejamento territorial do Estado, foi a expansão das papeleiras no Rio Grande do Sul. Viabilizado, parcialmente, pela crise mundial, o projeto de difusão das papeleiras, acordado em um Protocolo de Intenções, comprometia o Governo do Estado com investimentos de grande vulto, todos no sentido de disponibilizar um sistema logístico favorável à instalação das empresas. No caso das empresas Aracruz e Votorantim, o Estado devia executar as seguintes obrigações: complementação do modal rodoviário, envolvendo obras junto ao entorno das fábricas, acesso às fazendas de produção e aos terminais de exportação; medidas de suporte tributário, com a desoneração de ICMS para as empresas que participassem do investimento; liberação da circulação de veículos de transporte de grande porte; elaboração e execução de um plano de qualificação dos trabalhadores da empresa.

Merecem também destaque os investimentos nos segmentos do tabaco – realizados nas regiões do Vale do Rio Pardo e do Taquari e, contemporaneamente, no entorno metropolitano –, na indústria de laticínios, no norte e noroeste gaúchos, e no campo da produção de energia. Este último tem-se expandido, diversificando as formas de geração de energia: termelétrica, na região da Campanha; hidrelétrica, junto à Bacia do Rio Uruguai; e eólica, a partir de projetos implantados na área litorânea. Ademais, podem ser citados os investimentos na indústria naval no município de Rio Grande e segmentos relacionados ao Porto do Rio Grande. O município tem recebido expressivos recursos, consolidando-se como referência nacional na fabricação de plataformas de petróleo e demais equipamentos.

Em conjunto, todos esses projetos evidenciam a presença e o papel decisivo dos grandes players globais para o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul e, mais especificamente, para os territórios que são privilegiados por esses capitais. O volume de investimentos privados, sobretudo na última década, foi significativamente ampliado, sendo muito superior aos destinados pelo Estado, sejam eles em nível federais ou estaduais. Embora sigam um padrão em que o capital tem primazia na negociação com os territórios, não se deve desconsiderar que esses investimentos, sem se preocuparem diretamente com o equilíbrio territorial, podem contribuir, ainda que de forma tênue, para o desenvolvimento das unidades da federação e para a desconcentração das atividades econômicas no Rio Grande do Sul.

Resumidamente, o Estado, no Rio Grande do Sul, através das políticas desenvolvidas a partir dos anos 1990, tem-se empenhado na atração desses atores, concedendo incentivos fiscais e criando infraestruturas capazes de dar suporte a esses investimentos (2). Entretanto, os resultados desse esforço demonstram, claramente, suas limitações na promoção de políticas e sua baixa capacidade de escolher os setores a ser estimulados nas regiões. Por outro lado, evidencia o papel das grandes empresas estrangeiras como agentes transformadores dos territórios, o que ocorre, muitas vezes, em desfavor do equilíbrio territorial, agravando ainda mais as fraturas existentes entre as regiões pobres e ricas. Ao Estado, nas diferentes esferas, tem restado o papel de controle e regulação, que, por vezes, é exercido em favor do estímulo à instalação dessas empresas.

3 A escala nacional e as políticas de desenvolvimento regional

A partir das bases legais definidas pela Constituição de 1988 e com a estabilização econômica e o arrefecimento da onda privatista no final dos anos 1990, começaram a aparecer os primeiros sinais de uma efetiva recuperação do planejamento de médio e longo prazo entre as atividades e planos de desenvolvimento elaborados pelo Estado. Assim, ainda que tenha ficado mais no campo do discurso que no das práticas, o planejamento territorial foi novamente incorporado à escala nacional através da ação do Governo Federal, que passou a dar maior ênfase à elaboração de estratégias de futuro, integração territorial e redução de desigualdades regionais.

A retomada do planejamento territorial significou, para o país e para grande número de estados, uma nova oportunidade para dar atenção às fraturas territoriais, acentuadas, nas últimas décadas, pelo longo período de abandono dessa temática e pela ausência de políticas públicas que visassem reduzir as desigualdades regionais. Na área do desenvolvimento regional, o Programa das Regiões Diferenciadas pode ser considerado uma das primeiras tentativas de distinguir recortes territoriais com o objetivo de implantar políticas específicas (3). Através dele, foram reforçados e mesmo criados recortes regionais voltados ao desenvolvimento de regiões pouco dinâmicas. Para o Rio Grande do Sul, um dos resultados foi a institucionalização das atuais mesorregiões da Metade Sul do Rio Grande do Sul e da Grande Fronteira do Mercosul.

A construção da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) organizou, efetivamente, a ação do Estado, ao estruturar o método de operação para o combate às desigualdades regionais (4). Ela restabeleceu o viés territorial da ação estatal, dando enfoque, através de uma abordagem multiescalar, ao aspecto desigual do desenvolvimento e às disparidades de renda. A articulação entre os diferentes níveis escalares foi viabilizada mediante a elaboração de um mapa de elegibilidade, definido a partir de uma tipologia de renda que divide o território em quatro grupos de microrregiões ou municípios: alta renda, dinâmicas, estagnadas e de baixa renda. Junto da PNDR e seguindo suas definições de áreas prioritárias para a ação, foram produzidos instrumentos para a intervenção nos diferentes níveis escalares, quais sejam: planos, programas e fundos de combate às desigualdades regionais. No Rio Grande do Sul, as intervenções da PNDR restringiram-se aos instrumentos denominados planos e programas nas escalas macrorregional e regional.

A Região de Fronteira foi uma das áreas selecionadas, tendo sido objeto de um amplo Plano Estratégico de Desenvolvimento. Esse plano constituiu as bases para a preparação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), o qual viabilizou, ainda que de maneira tímida, projetos nas chamadas cidades gêmeas. Esses projetos, predominantemente, constituíram-se em pequenas obras destinadas à melhoria da infraestrutura das cidades de fronteira, em especial nas áreas de saneamento, urbanização, educação, saúde e assistência social. O PDFF também apoiou o desenvolvimento de ações direcionados aos segmentos produtivos potenciais das regiões, articulados com o Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (PROMESO) (5).

O PROMESO foi, sem dúvida, o instrumento da PNDR com ações mais destacadas no território gaúcho. Ele foi posto em prática nas Regiões Diferenciadas da Metade Sul do Rio Grande do Sul e na Grande Fronteira do Mercosul – a primeira, localizada totalmente no território gaúcho, e a segunda, abrangendo municípios do noroeste e norte e parte dos estados de Santa Catarina e Paraná. As principais repercussões dele foram a criação do Fórum da Mesorregião da Metade Sul e da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul, as iniciativas de apoio aos APLs e a capacitação de recursos humanos para a competitividade. Também deve ser ressaltada a fundação da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – resultados de debates nos fóruns regionais.

No que se refere à organização institucional, o Ministério da Integração Nacional (MI) tem sido o principal braço de ação do Estado na escala nacional das políticas territoriais dirigidas a regiões menos desenvolvidas, detendo a atribuição e desempenhando papel ativo na promoção de políticas de desenvolvimento regional. A não-regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), previsto como instrumento da PNDR desde sua concepção, conferiu um papel ainda mais decisivo ao MI, porquanto o Rio Grande do Sul não está sob jurisdição dos fundos constitucionais já existentes, destinados às áreas estagnadas e de baixa renda. Desse modo, ficou a seu cargo a articulação dos atores para elaboração dos planos e também a viabilização dos projetos priorizados e discutidos junto às regiões.

Com menor destaque, outros órgãos federais e empresas públicas apresentam estratégias territorializadas ou influenciam as ações na escala nacional. O Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG), por exemplo, centraliza os instrumentos formais de planejamento, possuindo a função de atuar no tema através da promoção de políticas multissetoriais. Contudo, o planejamento governamental, elaborado via MPOG, tem demonstrado dificuldades em construir e executar políticas territoriais com enfoque multissetorial. O Plano Plurianual federal aparece como um exemplo concreto dessas dificuldades, pois não tem materializado os avanços da PNDR na elaboração de programas e ações governamentais.

Há ações federais que se preocupam com a territorialidade das ações governamentais, mas, ao mesmo tempo, possuem enfoques setoriais, e, por tal razão, não foram considerados como formuladores de políticas de desenvolvimento regional no âmbito desta pesquisa. Dentre estas, encontra-se o programa Território Rurais, conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – mais tarde, seu escopo foi ampliado, passando a ser denominado de Territórios da Cidadania.

Vale frisar, ainda, a atuação do BNDES, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e da PETROBRAS. O BNDES se destaca por ser um banco público que financia projetos de acordo com as estratégias de desenvolvimento regional, como o Programa de Reconversão Produtiva da Metade Sul do Rio Grande do Sul (RECONVERSUL); já a EMBRAPA, por apresentar uma estratégia nacional que apoia localmente projetos inovadores no desenvolvimento agropecuário. O trabalho da PETROBRAS no setor estratégico de energia lhe confere grande importância. Ações como a construção e manutenção de refinarias de petróleo, incentivo e apoio à produção de biodiesel e a realização de investimentos na construção de plataformas de petróleo têm grande capacidade de dinamizar a economia local. Esse tipo de ação pode ser observada na indústria naval implantada no município de Rio Grande, embora seus efeitos não sejam ainda notados nas regiões vizinhas.

Entre os atores não-governamentais que apresentam estratégia para o território nacional, estão alguns integrantes do Sistema S (6), formado por instituições vinculadas ao interesse de categorias profissionais, em sua maioria de direito privado. Distingue-se, do conjunto, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o qual, embora mantenha uma estratégia nacional, desenvolve suas ações em interface com a escala local, na medida em que trata da capacitação de trabalhadores e do desenvolvimento de projetos vinculados aos Arranjos Produtivos Locais (APLs) de cada região.

O MI tem-se encarregado de alimentar o debate sobre o desenvolvimento nas regiões através da realização sistemática de seminários, reuniões técnicas e formações, assim como de impulsionar o envolvimento de órgãos e instituições governamentais que possuem estrutura territorializada. Boa parte dessas iniciativas vem sendo realizada desde o processo de elaboração do Plano Estratégico da Região de Fronteira e dos Planos de Ação para as Regiões Diferenciadas. Merece menção o Curso de Gestão Estratégica de Desenvolvimento Regional e Local, realizado em março de 2009, no município de Santa Maria. O evento foi promovido pelo MI, em parceria com os Fóruns das Mesorregiões da Metade Sul e Grande Fronteira do Mercosul, o Governo do Estado, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) (7) e governos municipais, com apoio técnico do Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social (ILPES).

Esse modelo de atuação conjunta dos governos federal, estadual e municipal não tem sido a forma predominante de construção e implementação de políticas na escala nacional. A dificuldade de estabelecer um diálogo entre os governos federal e estadual tem levado o MI a operar com os próprios agentes regionais, principalmente com universidades regionais, prefeituras e movimentos sociais. A mobilização regional para ações mais abrangentes e desenvolvimento de projetos é viabilizada pelos Fóruns das Mesorregiões Diferenciadas, que têm nos COREDEs sua base de organização e, por consequência, uma relevante participação das universidades comunitárias.

No PROMESO, a execução dos projetos tem-se tornado exequível pela ação dos municípios, predominantemente. Também aparecem como responsáveis pela efetuação de projetos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e, em limitados casos, o Governo do Estado. No caso da Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul, cujas ações envolvem municípios dos três estados sulinos, é significativa a participação de fundações e organizações não-governamentais de Santa Catarina e Paraná.

4 A escala estadual: o protagonismo do Estado do Rio Grande do Sul e dos atores regionais

A escala estadual foi aqui entendida, prioritariamente, como a atuação do Estado do Rio Grande do Sul em diferentes recortes regionais através de seus poderes, constituídos no intuito de promover o desenvolvimento mais equilibrado entre as regiões. Ela corresponde também à ação das organizações de atores que possuem uma estratégia organizada para todas as regiões do estado e têm exercido algum protagonismo na construção de um projeto de desenvolvimento ou mesmo liderado o processo de articulação de iniciativas regionais, funcionando, assim, como um filtro entre as demandas da sociedade e as políticas governamentais.

Considerando essa abrangência, o interesse pela questão regional no Rio Grande do Sul foi retomado com alguma premência em comparação aos demais estados brasileiros. A existência de porções do território que se inseriram de forma marginal no processo de desenvolvimento do estado foi, certamente, um fator preponderante para que se desse uma maior atenção ao assunto e para que o poder público mantivesse uma postura mais propositiva em relação às desigualdades regionais.

Mas não é só isso. O ambiente nacional, marcado por estabilidade política e econômica, colaborou para o retorno de temas e preocupações relacionados ao planejamento, o que propiciou, igualmente, a retomada das discussões sobre o problema da fragmentação territorial. No Rio Grande do Sul, como indicado acima, o movimento em direção à elaboração de políticas de desenvolvimento regional e instituição de mecanismos de participação popular ocorreu de forma antecipada, sendo influenciado, em grande medida, por dois motivos principais: a emergência da questão da Metade Sul e a instauração de governos mais engajados na democratização do Estado.

O primeiro deles teve como elemento propulsor o surgimento de uma ação política de cunho regional, iniciada em meados da década de 1980, em favor da emancipação da Metade Sul do estado como unidade federativa. Isso gerou uma reação do Governo do Estado, que, associado ao Governo Federal, foi obrigado a propor iniciativas concretas para evitar o fortalecimento de tal ideia (8). De certo modo, a formalização do recorte da Metade Sul exemplifica a contradição da posição do Estado nas escalas nacional e estadual, que, em uma clara tentativa de sustentar seu poder sobre o território, no sentido proposto por Raffestin (1993), e desenvolver suas políticas generalizantes, passa a valorizar a questão regional. Além disso, o empobrecimento da região e a formulação de um consistente discurso acadêmico e político favorável à emancipação fez com que o Estado formulasse e mantivesse um discurso nesse sentido – apesar de não haver um consenso sobre sua real necessidade ou se a demanda representava o que as comunidades locais efetivamente desejavam.

Depois dessa primeira movimentação, foram idealizados outros recortes territoriais, também eles objeto de políticas públicas. Esse é o caso do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Uruguai, de 1997 (9), e do grupo de COREDEs com Produto Interno Bruto (PIB) abaixo da média do estado. Os novos recortes tiveram em comum o fato de a maior parte deles surgir como reação à falta de prioridade dada a regiões que não conseguiam se inserir, adequadamente, no processo de desenvolvimento mais amplo. Os exemplos citados acima foram tratados de modo prioritário nas políticas públicas, transformando-se, respectivamente, em região diferenciada do MI, denominada Grande Fronteira do Mercosul, e no Grupo de Trabalho para as Regiões Menos Dinâmicas.

O segundo motivo foi a eleição de governantes mais comprometidos com os movimentos sociais na Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Eles instalaram práticas de participação popular no fazer político, mesclando democracia representativa e participativa (10). Essa tendência estendeu-se para o Governo do Estado com a eleição do governador Alceu de Deus Collares, no ano de 1990, cujo mandato foi de 1991 a 1995. Em sua gestão, a experiência dos Conselhos Populares foi ampliada para o Estado, sendo criados, assim, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CRDs), renomeados, posteriormente, de COREDEs. Com a fundação dos COREDEs, inaugurou-se a prática da participação da sociedade no planejamento governamental, inicialmente por meio de demandas encaminhadas ao sistema de planejamento e, logo depois, de forma mais sistemática, ao Plano Plurianual e ao Orçamento do Estado. Em que pesem as críticas à sua hegemonização por alguns atores, a criação dessa institucionalidade representou uma das iniciativas mais inovadoras no campo da organização dos agentes regionais, constituindo-se em um importante ativo.

Os COREDEs possuíam um funcionamento autônomo, característica que possibilitou a esse fórum realizar a mediação da ação do Estado com as demandas regionais, uma vez que, pela sua estrutura, podiam contemplar todos os segmentos da sociedade civil organizada. Porém, a falta de representatividade de muitos desses segmentos na composição dos Conselhos Regionais levou o Estado, em alguns momentos, a buscar novas alternativas para uma participação mais ampla. Isso ocorreu especialmente no período de 1999 a 2002, quando os COREDEs passaram a ser tratados como mais um ator regional nos debates do Orçamento Participativo. No período, uma estrutura estatal paralela, representada na figura dos coordenadores regionais do Orçamento Participativo, mobilizava diretamente os agentes envolvidos no processo de elaboração do Orçamento. De certo modo, essa situação, resultado de um momento singular em que se objetivava incluir novos atores no processo orçamentário, tornou-se, em menor grau, prática política dos governos seguintes. Embora continuem como fórum de discussão privilegiado da questão regional e canal oficial de participação no planejamento governamental, os COREDEs têm sido tratados, pelo Governo do Estado, como um ator específico, não como um fórum que reúne um conjunto extenso de atores, sendo, por vezes, mobilizados por fora da estrutura dos conselhos. Com isso, eles passam a ser um ator responsável por filtrar as demandas da sociedade civil.

O fato exposto demonstra, em certa medida, a falta de capacidade de algumas regiões para mobilizar diferentes agentes da sociedade. Não cabe, aqui, avaliar o sucesso dos COREDEs, no entanto é importante sublinhar que existem vários tipos e graus de organização e de participação nas 28 regiões que atualmente os compõem. De forma geral, pode-se afirmar que naquelas em que há um maior diálogo e junção com a sociedade civil, existe mais clareza na formulação de estratégias regionais, bem como das prioridades para o desenvolvimento e efetivação delas – sem contar que isso faz com que elas se mantenham durante os sucessivos encaminhamentos aos instrumentos de planejamento do Estado, como se pode verificar no histórico da apresentação de prioridades do Plano Plurianual.

Um fator que interfere diretamente nesse aspecto é a forma como a estrutura dos conselhos regionais foi construída no estado e em suas respectivas regiões. O movimento de criação dos COREDEs foi desencadeado pelo governo estadual, tendo como principais parceiros as universidades, notadamente a densa rede de universidades comunitárias existentes no estado. Isso beneficiou, tanto na organização e articulação dos agentes quanto no suporte para o planejamento e organização das demandas regionais, os interesses das regiões que possuíam universidades mais atuantes.

Vê-se que as universidades tiveram um papel destacado desde o início do processo de participação, o que explica a influência delas no funcionamento dos COREDEs e nas escolhas por eles realizadas. Um exemplo concreto da capacidade de articulação dessas instituições é o Programa dos Polos Tecnológicos, um dos mais tradicionais do estado, estruturado com base na rede de universidades e, não por acaso, priorizado na maioria das edições da Consulta Popular em várias regiões. Sem desconsiderar as vantagens que a ação dessas instituições tem trazido para o desenvolvimento das regiões, sendo, muitas vezes, promotoras do debate em torno de questões mais amplas, convém assinalar que essa posição “quase hegemônica” – traduzida na aprovação de projetos – pode ter preterido a participação de agentes regionais que não possuíam a mesma capacidade de articulação e oportunidade de atuação. Para entender esse ponto, é interessante recuperar, rapidamente, a proposta de Gramsci (2004) para explicar o papel decisivo exercido pela classe intelectual na construção de uma hegemonia. Como mostra o autor, essa classe, por ser mais preparada, tende a influenciar bastante nas decisões e, assim, a reproduzir um modo de pensar dominante em uma determinada região.

Concernente à capacidade de propor estratégias de desenvolvimento para as regiões, apesar de que o Estado sempre tenha se preocupado com o acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos conselhos regionais, estimulando-os a organizar seus planos estratégicos de desenvolvimento desde sua implantação, a maior parte dos planos elaborados, pelo menos até o ano de 2009, reunia apenas um conjunto de intenções sem nenhuma priorização. Somente em 2010, para atender uma histórica reivindicação dos conselhos regionais, o Governo do Estado lançou o Planejamento Regional Integrado, cujo objetivo era elaborar 28 planos estratégicos de desenvolvimento com metodologia unificada. O processo contou com uma capacitação da CEPAL/ILPES, promovida pelo MI em conjunto com o Governo do Estado e COREDEs. Como resultado, foram produzidos um diagnóstico da realidade de cada região, propostas estratégias para seu desenvolvimento e uma carteira, por ordem de importância, de projetos prioritários. Essas propostas estão sendo consideradas no processo de construção do Plano Plurianual 2012-2015 e nos novos instrumentos de participação desenhados a partir de 2011.

Não se pode deixar de apontar, para além dos pontos positivos da inter-relação, que o Estado tem contribuído também para que os COREDEs se afastem de um de seus papéis mais importantes, a saber: a discussão sobre as estratégias de desenvolvimento. Por um lado, o grande avanço que representou a participação no Orçamento Estadual levou as regiões a concentrarem seus esforços na repartição dos recursos provenientes dos mecanismos de participação popular. Por outro, a excessiva preocupação com a repartição dos recursos do Orçamento fez com que os conselhos pusessem em segundo plano os debates relacionados ao futuro das regiões. Do ponto de vista da questão regional, o olhar simultâneo para questões de curto (repartição) e longo prazo (futuro) é fundamental para que sejam feitas escolhas que influenciem positivamente o desenvolvimento das regiões – daí a importância de se ressaltar os problemas advindos da relação dos COREDEs com a instituição Estado.

Em referência à formulação de planos e políticas, a principal interface de atuação do Estado do Rio Grande do Sul na questão regional tem sido representada pela Secretaria da Coordenação e Planejamento (SCP), atualmente denominada Secretaria do Planejamento, Gestão e Participação Cidadã (SEPLAG). A partir de 1995, as ações do governo estadual relativas ao desenvolvimento regional passaram a ser centralizadas nessa secretaria, inicialmente no Departamento de Desenvolvimento Regional e Urbano (DDRU), que funcionou até o ano de 2002. Tal departamento ficou responsável pelo acompanhamento dos COREDEs, realizando um trabalho continuo de fomento de sua estruturação, organização da personalidade jurídica para recebimento dos recursos previstos por decreto e estímulo à elaboração de planos regionais de desenvolvimento. Através da SCP, foram propostas a Política de Desenvolvimento Regional de 1998 e a Consulta Popular (11), seu principal instrumento.

Em 2004, após uma frustrada tentativa de criação do Gabinete de Combate às Desigualdades Regionais, com status de Secretaria de Estado, o papel de formulação de políticas destinadas à redução das desigualdades regionais retornou à SCP, onde se mantém até os dias atuais (12). Também tiveram atuação nessa área a Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (SEDAI), a Secretaria Extraordinária de Relações Institucionais (SRI) e o Gabinete da Vice-Governadoria. A primeira passou a denominar-se, em 2011, Secretaria do Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI) e, a segunda, depois de sua extinção, teve parte de suas funções incorporada à SEPLAG, no Departamento de Participação Cidadã (DEPARCI).

A SEDAI foi a responsável, de 1991 a 1994, pela gestação e implantação do programa que instituiu os COREDEs, pela coordenação do Fundo Operação Empresa (FUNDOPEM) e, posteriormente, do Programa de Harmonização do Desenvolvimento Industrial do Rio Grande do Sul (INTEGRAR/RS) (13), papel que ainda desempenha, mas com a denominação de SDPI. A SRI, fundada em 2003, ocupou-se das relações de cunho executivo com as regiões, tendo entre suas principais obrigações a operacionalização da Consulta Popular, bem como o repasse de recursos para a ajuda de custo e, mais recentemente, para os planos estratégicos de desenvolvimento dos COREDEs.

De forma independente, a Assembleia Legislativa do Estado tem desempenhado um importante papel no curso da priorização da questão regional na agenda política, ora reforçando a ação do Poder Executivo, ora propondo debates ou encontros sobre o tema. Em relação à atuação dela, devem ser citados dois exemplos relevantes. O primeiro foi sua participação ativa na gestação do recorte territorial e dos programas para a Metade Sul. Nessa ocasião, ela agiu de forma a legitimar, politicamente, o recorte, criando a Comissão Especial para o Desenvolvimento da Metade Sul, através da qual foram promovidas reuniões em alguns municípios e, ao mesmo tempo, levantadas demandas e estratégias favoráveis ao desenvolvimento da região. O segundo foi a instituição do Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional, em 1999. Ele foi estabelecido após um intenso debate público que tinha como meta rechaçar a legitimidade da Consulta Popular, implementada no ano de 1998, e implantar o Orçamento Participativo. Alijados do processo devido à figura dos coordenadores do Orçamento Participativo, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento aliaram-se à Assembleia Legislativa, à Federação das Associações de Municípios (FAMURS) e à União de Vereadores do Rio Grande do Sul (UVERGS) e fundaram o Fórum Democrático de Desenvolvimento. Em 2008, depois de uma reformulação, o Fórum passou a ser chamado de Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional e teve ampliada a sua representação, contando, a partir de então, com representantes da Assembleia Legislativa, dos COREDESs, de universidades, da sociedade civil organizada e de instâncias federativas. Entre suas atividades mais recentes para a promoção do desenvolvimento regional, está o projeto Sociedade Convergente, responsável, desde 2007, por um amplo conjunto de reuniões e discussões sobre o tema. Esse projeto já teve como resultado uma publicação com proposições para áreas selecionadas.

Os demais atores, especialmente os vinculados à iniciativa privada, apresentam, de acordo com as regiões, envolvimentos distintos. Pela amplitude adquirida, mesmo que em um período recente, deve ser mencionada a Agenda 2020, fórum desenvolvido a partir de uma iniciativa empresarial desde 2006. Ele é sustentado pela Agência de Desenvolvimento Polo RS e tem, insistentemente, ocupado espaço na mídia gaúcha. A Agenda 2020 apresenta forte conteúdo reformista e, tendo como propósito tornar o Estado “o melhor lugar para se viver e trabalhar até 2020”, defende ideias para o setor público baseadas em conceitos como diminuição do Estado, meritocracia e ajuste fiscal. Possui um conjunto de propostas elaboradas por “voluntários” e, por isso, oriundas de vários trabalhos, muitos deles produzidos pelo próprio Poder Executivo. Com respeito ao desenvolvimento regional, a Agenda tem propagado propostas produzidas pelo próprio Governo do Estado, fundamentadas nas concepções de agenda mínima e governança regional.

Considerando os atores da escala estadual nas políticas de desenvolvimento regional, pode-se postular que, no território do estado do Rio Grande do Sul, a ação deles vem sendo construída de forma interdependente: o Estado, com o papel preponderante de propor a política regional, e as regiões, organizadas principalmente através do fórum dos COREDES, como agentes cada vez mais atuantes no processo. Duas interpretações teóricas são bem apropriadas para o entendimento desse processo. A primeira, apoiada em Raffestin (1993), refere-se ao comportamento do Estado e das regiões na produção de políticas de desenvolvimento regional. Para o autor, o poder estatal intenta empreender políticas generalizantes, mas é pressionado pelas regiões, que representam seu contraponto, ou seja, a diversidade. A segunda, inspirada em Gramsci (1975), compreende a atuação dos atores como parte de uma construção hegemônica de um determinado período histórico. Para o pensador italiano, essa construção implica a subordinação de algumas classes e é resultado de um jogo complexo de atores numa disputa pelo poder, na qual, de um lado, está a sociedade política e, do outro, a sociedade civil: enquanto esta busca obter mais acesso às decisões, aquela procura consolidar seu poder através do Estado. De certo modo, a luta dos atores regionais para influenciar as decisões nas instâncias governamentais de planejamento e orçamento está relacionada a uma busca por uma efetiva participação nas deliberações e também por mais poder político.

Outro elemento que dificulta a superação das características relativas ao subdesenvolvimento é a complicada tarefa de se formar lideranças capazes de operar a favor de uma verdadeira transformação nas regiões. Nesse aspecto, a classe intelectual ganha em importância por sua capacidade de realizar o debate, utilizando-se de elaboradas análises do mundo acadêmico para construir uma visão hegemônica. O acesso desigual à formação acadêmica em uma sociedade com grandes diferenças de renda, bem como o lento e complexo processo de formar lideranças vinculadas a diferentes movimentos sociais conduzem a uma tendência natural de dominação dos estratos hegemônicos (GRAMSCI, 2004).

5 A escala regional ou sub-regional e sua articulação para o desenvolvimento regional

A escala regional ou sub-regional compreende múltiplos atores que atuam nas políticas de desenvolvimento regional na malha territorial concreta, ou seja, no espaço vivido, onde se realizam, efetivamente, as práticas sociais. Como já foi observado, não se trata do “local”, muitas vezes confundido com a abrangência municipal, mas, sim, de um nível intermediário de articulação entre essa esfera e a que está logo acima, a escala estadual.

Embora se relacionem com os demais atores do processo, os agentes dessa escala não transitam com a mesma desenvoltura entre as diferentes escalas e, normalmente, delegam sua participação a alguém que os represente. Assim, cada região possui atores e redes de associação de densidades distintas, os quais, através das relações de poder, constroem sua hegemonia e definem seus representantes. Isso não significa que esses agentes tenham sua atuação restrita exclusivamente às regiões, pois também se articulam com a sociedade, a cultura e a economia – todas elas permeadas pelas diferentes escalas. Mas o ponto que aqui deve ser marcado é que a atuação da região no âmbito das políticas regionais não é definida somente pela articulação direta dos seus atores ou pela densidade de suas relações de rede, mas também pelo protagonismo de quem se legitima como representante dela.

A escala regional pode ser considerada a mais significativa do ponto de vista da atuação dos atores; contudo, a população pouco se envolve na discussão da questão regional de forma direta. Existe, de modo geral, uma tendência natural de atuação mais incisiva em questões cotidianas, relacionadas aos problemas dos municípios e das cidades,

A escala regional pode ser considerada a mais significativa do ponto de vista da atuação dos atores; contudo, a população pouco se envolve na discussão da questão regional de forma direta. Existe, de modo geral, uma tendência natural de atuação mais incisiva em questões cotidianas, relacionadas aos problemas dos municípios e das cidades, especialmente no caso dos centros de maior porte. Desse modo, a mobilização maciça para questões que extrapolam esse espectro fica restrita a temas nos quais as pessoas vislumbram um interesse imediato, normalmente financeiro. Isso fica ainda mais evidente quando se trata da construção de políticas de desenvolvimento de longo prazo, com maior abrangência territorial. São exemplos disso a preponderância da participação direta em assuntos mais concretos, como no caso da Consulta Popular, e, diversamente, a forma como a sociedade tem-se envolvido na elaboração de planos estratégicos regionais.

Além disso, a estrutura das esferas de poder do Estado brasileiro influencia o processo. Há, entre os governos estaduais e municipais, uma lacuna político-administrativa que tem dificultado a propagação de uma cultura alicerçada na construção de estratégias regionais e de projetos que envolvam soluções para fora dos limites municipais. Assim, no debate cotidiano, predominam as questões que são objeto de reivindicação direta à representação local, ao município e a seus poderes constituídos, como as que se referem à saúde, educação, segurança e emprego.

É importante sublinhar também que a democratização do Estado é um processo recente e ainda não atingiu níveis de descentralização que permitam um maior envolvimento da população, o que beneficia os atores mais estruturados e que possuem interesse ou algum acúmulo sobre o tema. Frisar esse aspecto não significa refutar os avanços do processo em curso, nem tampouco dizer que essa busca tenha de ser promovida fora da institucionalidade existente, especialmente no que tange aos Conselhos Regionais de Desenvolvimento. Apesar de ter seu funcionamento autônomo, o fórum propiciado pelos COREDEs é um fórum público, criado pelo Estado, cujo papel de acompanhamento e promoção da inclusão dos atores excluídos vem sendo deixado de lado. Isso pode ser ilustrado com o fato de o Estado, desde 1998, não realizar um acompanhamento mais sistemático das atividades rotineiras dos conselhos. A ação estatal recente tem visado mais à ampliação do público que participa das votações do orçamento e à elaboração de listas de demandas para alimentar outros instrumentos de planejamento; já o estímulo à organização, participação e construção de estratégias regionais ligadas à própria realidade das regiões vem sendo posto em segundo plano.

Não obstante esse quadro, tanto o interesse despertado pelo tema quanto a resposta dada à mobilização podem ser ponderados. Em um país em que questões relacionadas às necessidades básicas da população, como a pobreza, a fome, as deficiências na habitação e no saneamento, dentre outras, ainda não foram resolvidas de modo satisfatório, é compreensível que a temática do desenvolvimento regional fique relegada a um papel secundário, especialmente por parte dos atores sociais excluídos. Nesse sentido, os avanços já obtidos devem ser valorizados, e a caminhada para a democratização dos processos de descentralização, embora lenta, precisa ser continuamente alimentada pelo interesse público através do Estado.

Pode-se afirmar, considerando todos esses pontos, que a atuação da escala regional nas políticas destinadas ao combate das desigualdades regionais no Rio Grande do Sul tem-se concretizado de acordo com a capacidade e o interesse do Governo do Estado em promover a questão regional e com o protagonismo dos atores que foram legitimados para representar as regiões. No caso do Estado, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento e as Associações de Municípios, por estarem organizados e atuarem também na escala estadual, estabeleceram-se como os principais atores, filtrando as demandas regionais e, em seguida, encaminhando-as para as demais escalas. No que se refere aos COREDEs, vale mencionar que eles estão organizados também em nível municipal, através dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDEs), responsáveis pela organização das demandas dos municípios.

Outros atores têm participado do debate sobre as políticas de desenvolvimento regional, diferenciando-se de acordo com a região, como as universidades, as entidades representativas de classe, os sindicatos e as associações cooperativas. Os governos municipais também vêm desempenhando um importante papel na política regional, e atuam nela de duas maneiras: os municípios não contemplados pela estratégia do mercado tendem a dirigir-se aos governos Estadual e Federal na busca de políticas para reverter o processo de exclusão; já aqueles que conseguem vantagens competitivas relacionam-se, de forma direta ou com a mediação do Governo Estadual, com empresas globais, podendo obter grandes benefícios para seu território. Concernente ao último caso, vale citar a instalação da Nestlé, em 2008, em Palmeiras das Missões. A escolha desse município para um investimento inicial de R$ 30 milhões foi pautada, em grande parte, nas vantagens competitivas de uma bacia leiteira consolidada; no entanto, a articulação dos prefeitos da região, negociando com o Governo do Estado o retorno fiscal que seria gerado pela produção de leite entregue à empresa, foi também fundamental para a decisão.

As universidades comunitárias e regionais, mesmo desempenhando funções que extrapolam a escala regional, influenciam decisivamente nas decisões tomadas nesse âmbito. Elas, desde sua origem, estão articuladas com os COREDEs e contribuem fortemente para a promoção de projetos direcionados ao desenvolvimento e à inovação, bem como propõem capacitações para a população local. Também apresenta um papel importante a atuação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o qual adota uma estratégia territorializada para atuar em favor do desenvolvimento. Através de sua estrutura regionalizada, o SEBRAE coopera para a elaboração de parcerias locais, para o incentivo das potencialidades das regiões e auxilia no Apoio de Arranjos Produtivos Locais (APLs). A maior parte de sua ação é feita pela sua própria rede, mas tem também operado nos fóruns regionais, na medida em que seus projetos são destacados como de interesse para as regiões.

Figura 1 – Escalas de poder e gestão – atores mais representativos que atuam nas políticas de desenvolvimento regional  


Fonte: O autor

6 Considerações finais

questão regional tem-se mostrado um tema recorrente entre as preocupações relacionadas ao desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul, especialmente quando o objetivo é formular políticas para diminuir a distância que separa as regiões mais ricas das mais pobres. A implementação dessas políticas é permeada pela atuação de vários atores, organizados através das escalas global, nacional, estadual e regional ou sub-regional.

A escala global influencia diretamente o comportamento das demais escalas, sobretudo da regional. Ao optar pela localização em um território específico, seguindo uma estratégia de mercado, uma grande empresa gera oportunidades de investimentos para todo o seu entorno. Por outro lado, desafia constantemente o Estado para que este exerça seu papel de controlador e regulador, a fim de que seja evitado o agravamento das desigualdades entre as regiões vizinhas.

As escalas nacional e estadual são as que têm apresentado maior protagonismo na questão regional, uma vez que têm promovido a retomada dessa discussão. Além disso, é através delas que o Estado propõe as políticas de desenvolvimento regional. Outros atores desempenham papel relevante nessas escalas, especialmente os que possuem alguma estratégia de ação territorial e que atuam junto aos fóruns de desenvolvimento. Contudo, os agentes que hegemonizam os fóruns de desenvolvimento regional são os que recebem maior destaque. No Rio Grande do Sul, esse papel vem sendo desempenhado pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento, com atuação marcante das universidades – em especial, as comunitárias – e das prefeituras municipais.

A escala regional, embora seja onde efetivamente as políticas se concretizam, ainda parece um pouco distante de uma ação mais organizada na questão regional, isto porque o debate sobre problemas de maior amplitude não têm sensibilizado a maioria dos atores locais. Dentre os fatores que contribuem para esse quadro, encontra-se o fato de a escala regional não se relacionar hierarquicamente com as demais escalas através da estrutura formal do Estado. Ademais, fica evidente que há dificuldade em mobilizar os atores representativos e a população em geral para debates a respeito de problemas mais abrangentes.

O tema é também influenciado pelo modo como o Estado tem construído seu discurso regional e a prioridade que vem sendo conferida a essa questão. A ação do Estado está organizada a partir de uma lógica generalizante e, por isso, normalmente não dá uma atenção prioritária às desigualdades existentes entre as regiões. Por outro lado, as políticas se viabilizam através de uma estrutura administrativa setorial e, nesse sentido, não são raros os exemplos em que, no processo de formulação de políticas, os gestores tangenciem a questão regional.

Em referência à atuação dos atores nas diferentes escalas, observa-se que os embates são muito mais evidentes na escala estadual. Isso se deve, acima de tudo, ao fato de que nessa escala os atores dividem o mesmo espaço e representam, muitas vezes, forças contraditórias em luta para alcançar a hegemonia.

Com base nas diferentes perspectivas analisadas, é permitido afirmar que as repercussões das políticas de desenvolvimento regional são proporcionais à evolução do debate acerca da própria questão regional. Em que pese o fato de que muitas das ações tenham, comprovadamente, tido repercussões concretas sobre o território, o maior acúmulo encontra-se na densidade que o debate do tema proporciona à rede de atores. A disponibilidade do Estado em cultivar esse capital, por meio de relações de poder mais simétricas com os atores regionais, é uma das condições para que os resultados obtidos sejam cada vez mais efetivos.

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