De braços abertos: as expectativas quanto aos impactos do Porto do Açu, Rio de Janeiro


Rosélia Perisset da Silva Piquet
Coordenadora do Mestrado Profissional em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes (UCAM-Campos).

Eduardo Shimoda
Coordenador do Mestrado em Pesquisa Operacional e Inteligência Computacional da Universidade Candido Mendes (UCAM-Campos).

1 Introdução

A mobilização produtiva dos território é uma estratégia política de desenvolvimento local que, a partir das duas décadas finais do século XX, tendo como referência experiências concretas de regiões da Europa, determina que os atores locais devem organizar-se/mobilizar-se para promover o desenvolvimento de seus próprios território. Ela compreende tanto ações pró-ativas quanto defensivas, no sentido de não permitir práticas econômicas danosas aos interesses locais. Com surgimento de tal concepção, ocorre, no Brasil, uma verdadeira febre de propostas objetivando a montagem dos chamados arranjos produtivos locais, cujo pressuposto relaciona-se à ideia de que a mobilização dos agentes sociais locais – isto é, empresários, administração pública e população em geral – pode ser capaz de redimir não apenas os problemas localizados, mas também algumas das mazelas nacionais.

O que se procura analisar, neste artigo, não são as proposições locais de arranjos produtivos que foram apresentadas, em situações e lugares mais variados, depois da ênfase dada à estratégia de mobilização produtiva; busca-se averiguar, sim, uma situação inversa: qual o poder dos agentes locais quando uma grande empresa resolve “eleger” determinado lugar para sua implantação? Ou ainda: qual tipo de comportamento pode ser esperado dos agentes locais? Receber de braços abertos o empreendimento – pois, afinal, este é portador de perspectivas alvissareiras – ou adotar medidas cautelares, atitudes de prudência, e, por conseguinte, questionar o novo ator que chega, desde o início, com características de ator principal?

A grande empresa, quando elege um local para sua implantação, apresenta, normalmente, apenas os pontos positivos do empreendimento: os empregos que serão gerados, as melhorias para os meios de comunicação, os impostos que serão acrescidos aos orçamentos municipais, dentre outros. As vozes que alertam para os possíveis efeitos deletérios, como, por exemplo, para a posssibilidade de crescimento populacional acelerado, sobrecarga nos serviços educacionais e de saúde, deslocamento de populações rurais das suas respectivas terras, são consideradas discursos de pouca valia ou derrotistas. A literatura que analisa os impactos locais de grandes empreendimentos dispõe de vasto arsenal metodológico nas áreas da sociologia, antropologia, economia e das ciências ambientais, através do qual é possível realizar balanços sobre as perdas e ganhos causados por esses projetos. São mais escassos, todavia, os estudos que tomam como base a percepção da própria população atingida.

O propósito deste artigo é discutir, com mais profundidade, as questões levantadas anteriormente, tomando como referência empírica a construção do Complexo Logístico e Industrial do Porto do Açu, no município de São João da Barra, litoral norte do Estado do Rio de Janeiro. Para conhecer a visão/percepção da população local quanto a esse grande empreendimento, foi realizada uma pesquisa de campo em São João da Barra e Campos dos Goytacazes, municípios que sofrerão os maiores impactos do projeto. Antes da exposição detalhada dos resultados analíticos advindos do trabalho de campo, é apresentada uma síntese das recentes mudanças econômicas passadas na região do Norte Fluminense.

2 O Norte Fluminense: uma síntese de suas mudanças econômicas recentes

O Norte Fluminense, até os anos 1970, era marcado pelo predomínio da agroindústria do açúcar. Com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) – política adotada pelo governo brasileiro para fazer frente à brusca alta dos preços internacionais do petróleo em 1973, conhecida como “primeiro choque do petróleo” –, essa região perdeu a posição de grande produtora, por não acompanhar as mudanças tecnológicas modernizadoras adotadas, nacionalmente, pelos principais empresários do setor.

Nesse período, graças aos generosos financiamentos concedidos pelo governo federal, o parque industrial do setor de açúcar e álcool foi quase totalmente modernizado e reestruturado, ocorrendo a passagem de boa parte das usinas do Norte Fluminense para empresários externos à região, mais interessados na aquisição das “quotas de produção” dessas usinas que em suas instalações industriais, a maioria já ultrapassada tecnologicamente. Uma vez que o setor era regulado pelo Estado nacional, a entrada de novos produtores estava sob o controle dele, podendo cada indústria produzir apenas dentro dos limites de sua quota estabelecida. Os empresários paulistas, desejosos de ampliar sua própria produção, passaram a utilizar a estratégia de adquirir quotas de outras empresas para, em seguida, fechá-las e levar o “direito de produzir” para suas usinas. Assim, a Região Norte Fluminense, vista, desde o século XVII, como grande produtora de açúcar e álcool, foi deslocada de forma gradual, mas inexorável, do setor.

Esse Norte Fluminense histórico, tendo a cidade de Campos dos Goytacazes como principal polo, passou a apresentar problemas que iam da estagnação e queda dos índices de produtividade de seu principal produto a um alto nível de desemprego, o que, consequentemente, ocasionou um processo de pauperização, desenraizamento e deslocamento do trabalhador rural para as periferias das cidades da região. Contudo, nesse mesmo momento, a Petrobras, que desde a década de 1960 vinha desenvolvendo pesquisas na plataforma continental marítima, finalmente vê um de seus esforços obter êxito: no ano de 1974, o poço pioneiro 1-RJS-9A, situado a uma profundidade de 100 metros, veio a produzir em vazões comerciais e a constituir-se como o ponto de descobrimento de petróleo na Bacia de Campos (CAETANO FILHO, 2003, p. 52).

Segundo Caetano Filho (2003, p. 47), o procedimento de adotar para uma bacia o nome de uma cidade próxima ou acidente geográfico é internacionalmente seguido e regido pelo Código de Nomenclatura Estratigráfica. Considerando isso, a Bacia de Campos recebe essa denominação em função de as descobertas marítimas terem ocorrido no litoral norte do Estado do Rio, cuja cidade principal é Campos dos Goytacazes. A área estratigráfica dessa bacia tem cerca de 100.000 km2 e estende-se do Espírito Santo até Cabo Frio. É necessário assinalar que a notícia da descoberta de petróleo na Bacia de Campos, em plena crise mundial do petróleo, no auge do regime ditatorial brasileiro, parecia anunciar um novo tempo para a região.

O início da produção petrolífera punha na ordem do dia a montagem da base operacional da Petrobras na área, e todos esperavam que esta fosse implantada na cidade de Campos. No entanto, em 1978, a Petrobras, por questões logísticas, elegeu a cidade de Macaé, situada 100 km mais próxima à capital do Estado, como sua base de atividades de prospecção e de produção. Inaugurou-se, então, um novo ciclo econômico regional, dessa vez baseado, direta e indiretamente, nos recursos oriundos da exploração petrolífera. A elite açucareira, que, anos antes, propugnava as políticas para a região em nome de seus próprios interesses, assistiu ao declínio de seu prestígio.

Com o correr dos anos, foi confirmado que as maiores reservas brasileiras de petróleo e gás encontravam-se nesta bacia; ela tornou-se produtora de cerca de 80% do petróleo e 40% do gás produzidos no país. Desde então, a Região Norte Fluminense teve mudanças positivas no volume do PIB, na morfologia do tecido empresarial, na oferta de postos de trabalho, na demografia – com a chegada de trabalhadores qualificados e também de pessoas que buscavam alguma oportunidade –, na infraestrutura urbana, a educação e a saúde, e, principalmente, no aumento dos orçamentos municipais, em função dos generosos repasses garantidos pelo petróleo.

Tratando-se de uma aglomeração industrial baseada na extração de um bem natural não renovável, as firmas estão aí localizadas para explorar os recursos existentes. Como as províncias de petróleo e gás apresentam um ciclo de vida – nascimento, crescimento, maturidade e declínio –, quando ambos se exaurem, as empresas líderes do setor dirigem-se para áreas com perspectivas de novas jazidas. Em tais situações, às firmas de pequeno e médio porte, fornecedoras de produtos ou de serviços de alta competência tecnológica, resta a alternativa de tornarem-se fornecedoras globais para a indústria de petróleo, associando-se a grandes companhias multinacionais em novas províncias minerais. Já àquelas que atuam em setores não-intensivos em conhecimento resta-lhes encerrar as atividades ou migrar para uma indústria correlata. Pelas razões expostas, foram comuns os debates sobre o futuro econômico da região na era “pós-petróleo”.

Quis o destino que novas perspectivas surgissem no setor petrolífero: novas reservas de óleo e gás foram descobertas na camada de pré-sal e, em 2007, tiveram início as obras do Complexo Logístico-Industrial do Porto do Açu, no município de São João da Barra. Esse empreendimento, inserido na atual etapa da modernização portuária brasileira, inicialmente de propriedade do empresário Eike Batista e da empresa de mineração Anglo American, em sua origem, visava a implantar um eficiente corredor de exportação de minério de ferro oriundo de jazidas localizadas no Estado de Minas Gerais. Para tanto, em 2007, foi iniciada a construção de um mineroduto de 530 km de extensão, atravessando 32 municípios dos dois estados, e do terminal portuário no município de São João da Barra.

As duas empresas que estiveram envolvidas nesse projeto possuem histórias diversas. Eike Batista destacou-se no cenário empresarial brasileiro por seu comportamento ousado e agressivo, atuando em diversificados ramos, tais como: mineração – nela incluída a extração de petróleo –, hotelaria, construção de portos – do Porto Sudeste, na Baia de Sepetiba, até o bilionário empreendimento do Porto do Açu(1). A Anglo American, empresa originária da África do Sul, é uma das mais poderosas empresas do setor de mineração mundial, operando na extração e produção de platina e diamantes, metais básicos, minério de ferro e carvão. No Brasil, há cerca de 30 anos, emprega 4.200 pessoas e controla minerações de nióbio, fosfato e níquel, nos Estados de Goiás, Amapá e São Paulo. Segundo entrevista de seu presidente no Brasil, a aquisição majoritária das empresas do Sistema Amapá e do Sistema Minas-Rio, do grupo EBX, constituía parte da estratégia da companhia para atingir a meta global de 150 milhões de toneladas da commodity em 2017(2).

No Plano Diretor do Complexo, foram previstas a operação de um terminal portuário – o Porto do Açu –, com capacidade inicial de exportação de 26,6 milhões de toneladas de minério de ferro na forma de pellet-feed, e instalações portuárias para atender a navios cape size e very large ore carriers, os maiores da navegação mundial na atualidade. O projeto do empreendimento não se restringia apenas ao corredor de exportação mina-porto, mas pretendia transformar-se também em um porto-indústria, graças à localização de empresas voltadas ao comércio exterior em sua retro área.

O pequeno município de São João da Barra, com economia de base agrícola e população de cerca de 30.000 habitantes, dos quais apenas 4% com nível superior de escolaridade, iria tornar-se a sede de um empreendimento moldado nos padrões de um mundo globalizado. Os efeitos desse empreendimento não se limitariam, é claro, a esse município, cuja sede dista aproximadamente 30 km de Campos dos Goytacazes, município de cerca de 400.000 habitantes e que conta com uma infraestrutura de serviços capaz de atender aos trabalhadores mais qualificados. Vale destacar, ainda, que o empreendimento desencadeou um forte movimento especulativo nas terras localizadas ao redor dele, sendo que, no Plano Diretor do município, cerca de 50% do litoral de São João da Barra é área prevista para as atividades do Complexo.

Diante de tais expectativas, cabem algumas indagações: como o poder local pode agir? Como controlar o comportamento de corporações com extraordinário poder econômico? Não há como fugir da discussão sobre a força e o poder de coação exercidos pela unidade dominante, e ter presente, portanto, que o comando maior dos processos estará fora do espaço em análise(3).

A natureza do projeto – construção de infraestrutura portuária e de um complexo industrial voltado para a exportação – tem como característica a baixa internalização de suas atividades no local de implantação e, portanto, uma capacidade limitada de gerar encadeamentos favoráveis a dinamização da economia da região, tendendo a induzir apenas a criação de pequenos negócios ou serviços, que exigem, normalmente, pessoal menos qualificado. É também esperada uma grande mudança no contingente populacional da área, uma vez que, segundo projeções da empresa gestora, São João da Barra pode vir a passar dos atuais 30.000 habitantes para 250.000 e Campos do Goytacazes, de 450.000 para 700.000 – um acréscimo total de cerca de 500.000 habitantes até 2025(4).

Todas as informações sobre os impactos que esses empreendimentos podem desencadear na região foram colhidas pela empresa de consultoria contratada, pelo Grupo EBX, para realizar projeções de demanda até 2025. Não é modesta a demanda adicional de equipamentos até 2025 que São João da Barra exigirá. Os dados indicam, por exemplo, a necessidade de acréscimo de 995 salas de aula (hoje o local dispõe de 196), 660 leitos hospitalares, contra os 36 disponíveis atualmente, e 84.000 novas moradias, que deverão ser acrescidas às atuais 14.000(5).

Da parte do setor público, não houve nenhum tipo de análise a respeito dos impactos de tais investimentos. Confirmando essa ausência de análise, o Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro afirmou: “receberemos o empreendimento de braços abertos, como o Cristo Redentor”(6). Seria esse também o posicionamento da população local? Claro está que a sociedade é constituída por classes sociais distintas e, consequentemente, por expectativas diferenciadas em relação ao empreendimento. Com o intuito de registrar as expectativas antes de o Complexo iniciar seu funcionamento, os autores do presente texto realizaram uma pesquisa de campo no local, cujos resultados são apresentados a seguir.

3 Evidências empíricas indicadas pela pesquisa de campo

Este bloco tem como objetivo analisar, sob a ótica das populações de São João da Barra e Campos dos Goytacazes, as expectativas quanto aos impactos que poderão ser gerados pela instalação do Complexo.

Na pesquisa de campo(7), foram entrevistados 800 indivíduos, sendo 400 (margem de erro = 4,87%) do município de São João da Barra e 400 (margem de erro = 4,90%) de Campos dos Goytacazes. Em ambos, as entrevistas tiveram lugar no centro da cidade, próximo a áreas de grande movimentação, como bancos e agências de correio, caracterizadas pela heterogeneidade de perfis das pessoas. A coleta de dados foi realizada durante o mês de janeiro de 2013, antes da quebra do Grupo EBX.

Solicitou-se aos entrevistados que avaliassem a situação dos municípios e suas expectativas após a instalação do Complexo, a partir dos seguintes itens: “Emprego”, “Segurança”, “Trânsito”, “Educação”, “Saúde”, “Comércio”, “Meio ambiente”, “Preço de produtos/serviços”, “Agricultura, “Água e saneamento”, “Energia”. Os entrevistadores ficaram responsáveis pelo preenchimento dos questionários. As questões foram elaboradas com alternativas em gradação, adotando-se a escala de Likert (1932) de cinco pontos, conforme explicitado no Quadro 1.

Quadro 1 – Escala de Likert adotada nos questionários  

 

 

 

Fonte: Os autores.

As análises estatísticas consistiram na apresentação de frequências das respostas médias e erros-padrão. Abaixo, encontram-se os resultados gerais obtidos pelos pesquisadores.

3.1 Percepção da população de São João da Barra

A Figura 1 apresenta a percepção da população de São João da Barra quanto à situação atual do município. Observa-se que parte dos itens é vista como “muito boa” e “boa”, destacando-se Educação e Empregos, bem como Comércio e Água e saneamento.

Na Figura 2, encontram-se registradas as expectativas em relação aos efeitos esperados com a instalação do Complexo. Houve uma mudança na ordem de percepção. A população espera “melhorar muito”, com frequências superiores a 50%, os seguintes quesitos: Emprego, Educação, Comércio, Energia e Água e saneamento.

Quanto a “melhorar pouco”, o item Saúde destacou-se, obtendo uma frequência acima de 54%. Já, quanto aos itens Trânsito, Meio ambiente e Preços produtos/serviços, os entrevistados acreditam que irão “piorar pouco”; já Segurança e Agricultura consideram que ambos irão “piorar muito”.

3.2 Percepção da população de Campos dos Goytacazes

A Figura 3 apresenta as frequências dos itens quanto à situação atual no município de Campos de Goytacazes. Comércio, Energia e Água e saneamento foram avaliados como estando em situação “muito boa”. Já Preço dos produtos/serviços, Emprego e Educação foram percebidos, pelos entrevistados, como “bons”; como “ruins”, Agricultura, Meio Ambiente e Saúde, e, por fim, “muito ruins”, Trânsito e Segurança.

As expectativas quanto às mudanças decorrentes da instalação do Complexo divergiram da atual. Como se observa na Figura 4, a população indicou que os itens Emprego, Comércio e Educação têm um potencial de “melhorar muito”, uma vez que a qualificação será um dos pontos relevantes para atender às demandas do Complexo. Referente aos itens Água e saneamento, Energia e Saúde, a população pensa que eles vão “piorar pouco”, exatamente o contrário de Preços de produtos/serviços, Meio ambiente e Agricultura, que, segundo expectativas, irão “piorar muito”. Trânsito e Segurança apresentaram as maiores frequências com valores negativos; se na atual situação esses itens já são problemáticos e de difícil solução, com o aumento da população, a tendência esperada é de que os problemas sejam ainda mais agravados.

Figura 1 – Percepção da população de São João da Barra quanto à situação atual do município.  


Fonte: Os autores.

Figura 2 – Expectativas da população de São João da Barra com a instalação do Complexo.  


Fonte: Os autores.

Figura 3 – Percepção da população de Campos dos Goytacazes quanto à situação atual do município.  


Fonte: Os autores.

Figura 4 – Expectativas da população de Campos dos Goytacazes com a instalação do Complexo  


Fonte: Os autores.

3.3 Comparação entre as percepções das populações de São João da Barra e de Campos dos Goytacazes quanto à situação atual e às expectativas com a instalação do Complexo

Na Figura 5, encontram-se os resultados da comparação das expectativas da população de ambos os municípios em relação à instalação do Complexo.

Em São João da Barra, a população considerou positivo, com tendência a melhorar: Emprego, Educação, Comércio, Água e saneamento e Energia; em Campos dos Goytacazes, receberam essa mesma avaliação apenas Comércio e Energia.

Os itens que exibiram frequência negativa, mas com tendência a melhorar, de acordo com a percepção da população de São João da Barra, foram Segurança e Saúde; já em Campos dos Goytacazes, foram Emprego, Saúde e Água e saneamento.

Somente em São João da Barra, a população indicou Meio ambiente e Preço de produtos/serviços com frequências positivas, mas com tendência a piorar.

Agricultura e Trânsito, conforme percepção da população de São João da Barra, e Trânsito, Segurança, Meio ambiente, Agricultura e Preço de produtos/serviços, pela de Campos dos Goytacazes, foram os itens que obtiveram frequências negativas, com tendência a piorar.

Em São João da Barra, Trânsito, Agricultura e Meio Ambiente foram os itens que apresentaram tendência a piorar; em Campos dos Goytacazes, esse foi o caso dos quesitos Trânsito, Meio ambiente, Agricultura e Preço de produtos/serviços.

Figura 5 - Comparação entre percepção quanto à situação atual e as expectativas com a instalação do Complexo nos municípios de Campos dos Goytacazes e São João da Barra.  
Fonte: Os autores.

4 O que se pode concluir

Da realização da pesquisa de campo ao presente momento, ocorreram profundas modificações no controle acionário do Grupo EBX, que entrou em uma fase de rápido declínio a partir de meados de 2013. Essa transição concretizou-se em 11/12/2013, quando o grupo norteamericano EIG Holding assumiu o controle da LLX Logística, principal acionária dos investimentos no Porto no período.

Tal mudança de controle acionário não alterou os impactos do empreendimento no município de São João da Barra, pois, embora com atrasos, as obras portuárias foram retomadas, e o primeiro embarque de minérios está previsto para ocorrer ainda no segundo semestre de 2014. Permanece, portanto, procedente a análise das expectativas da população local quanto aos efeitos do projeto.

Como exposto anteriormente, o interesse nesse levantamento está ligado ao fato de que os estudos empíricos que versam sobre os impactos locais de grandes empreendimentos indicam que, nas localidades que recebem os projetos, ocorrem crescimento populacional acelerado e ocupação urbana desordenada, sobrecarga nos serviços educacionais e de saúde, deslocamento de populações rurais de suas terras e muitos outros malefícios. De modo geral, ao lado dos impactos negativos, são também gerados efeitos benéficos. No entanto, o balanço entre perdas e ganhos só pode ser efetivamente positivo quando existir a mobilização dos agentes locais para a defesa de seus interesses. Enquanto do lado da população é extremamente complexa essa mobilização – dado que toda sociedade é constituida por segmentos com interesses diversos, alguns sendo, no caso de grandes empreendimentos, beneficiados e outros prujudicados –, do lado da grande empresa, a situação é outra. Com o auxílio de profissionais qualificados, ela intenta apresentar o empreendimento exclusivamente sob ângulos positivos, criando uma aura de “benfeitora” ao seu redor e mostrando-se como a portadora do “progresso”.

No exemplo analisado, pelo porte do empreendimento e diversidade das atividades, vê-se que as mudanças serão de grande profundidade e, por essa razão, é válido esperar que venha a ocorrer sobrecarga no uso dos equipamentos coletivos e dos serviços sociais. Essa condição pode vir a aprofundar-se com a corrente prática de as empresas construírem residências e equipamentos urbanos, sociais e culturais exclusivos para seus funcionários. Fora desses espaços privilegiados, o crescimento acelerado, costumeiramente, traduz-se pela ocupação não planejada das beiras de estradas, margens de rios e encostas de morros.

Esses efeitos ocorreram e estão presentes, por exemplo, em Macaé, município onde, na década de 1970, estavam localizadas a Petrobras e demais empresas do setor petrolífero. A cidade atravessou um profundo processo de desfiguração e deterioração de seu tecido urbano.

Recentemente, o quadro negativo da cidade vem sendo modificado. Essa e muitas outras experiências sobre os fortes impactos locais dos grandes empreendimentos não têm sido levadas em consideração nas análises sobre os atuais projetos de grande porte.

Os dados da pesquisa são reveladores: as expectativas da população nos dois municípios pouco diferem, e a tendência predominante é a avaliação de que o empreendimento trará mudanças benéficas. Contam com expectativas altamente positivas aspectos como educação, oferta de emprego e serviços essenciais. A população espera, em suma, que haja melhorias no que se refere à qualidade de vida em geral. Esses resultados não surpreendem.

O que surpreende, como já referido anteriormente, é a total ausência de análises das administrações públicas sobre os impactos positivos ou negativos que tais investimentos proporcionarão. Não houve (e ainda não há), na instância estadual ou municipal, nenhum tipo de estudo que indique as mudanças que se avizinham. Novamente, os efeitos negativos que poderiam ser diagnosticados e minimizados estão sendo ignorados. Nem mesmo o BNDES, o grande credor do grupo EBX, pronunciou-se a respeito disso.

Nas audiências públicas sobre o Porto, realizadas em São João da Barra, já foi denunciado que dezenas de famílias foram desapropriadas de modo ilegal; que, por erro do projeto de dragagem, houve salinização do solo; que o licenciamento ambiental foi realizado de modo fracionado, minimizando os impactos esperados. Diante disso, será que serão feitas restrições aos novos controladores do empreendimento ou, mais uma vez, irá se repetir o mesmo quadro: a população, assim como a administração pública, esperará de “braços abertos”, como o Cristo Redentor, as benesses do empreendimento.

Referências

BRANDÃO, Carlos Antônio. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 2007.

CAETANO FILHO, E. O papel da pesquisa nacional na explorarão e exploração petrolífera da margem continental na Bacia de Campos. In: Piquet, R. (Org). Petróleo, royalties e região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. p. 39-94.

PIQUET, Rosélia. O norte fluminense em tempo presente. In: SANTOS, Ângela Penalva; MARAFON, Gláucio; SANT’ANNA, Maria Josefina (Org.). Rio de Janeiro: um olhar socioespacial. Rio de Janeiro: Gramma, 2010.

LIKERT, R. A technique for the measurement of attitudes. Archives of psychology, New York, vo. 22, no. 140, p. 1-55, 1992.

MONIÉ, Frédéric; VASCONCELOS, Flávia. Evolução das relações entre cidades e portos: entre lógicas homogeneizantes e dinâmicas de diferenciação. Revista confins, Paris, n.15, 2012.

Download PDF

Voltar