O cooperativismo no Rio Grande do Norte


Boanerges de Freitas Barreto Filho
Professor do Departamento de Economia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em Pau dos Ferros/RN, Mestre em em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido.

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1. Introdução

No Brasil, o movimento cooperativista se iniciou oficialmente com a Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, em Minas Gerais, em 1889 e outra no Rio Grande do Sul, em 1902. A primeira cooperativa de crédito foi criada na cidade de Nova Petrópolis, pelo Padre suíço Theodor Amstad e, até hoje, ainda permanece em funcionamento (PINHEIRO, 2008).

Para que o cooperativismo fosse difundido e se tornasse reconhecido no país foi criada, em 1969, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), entidade que representa e congrega parte do segmento cooperativista brasileiro. No ano de 1998 surgiu o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), com o objetivo de estimular o ensino e a formação profissional dos trabalhadores associados em cooperativas (NINAUT, MATOS, 2008).

O cooperativismo, ao longo do tempo, vem desempenhando papel relevante na economia brasileira. De acordo com Rios (2017), ainda na década de 1970, as cooperativas eram responsáveis pela comercialização de 45% da soja, 84% do trigo e 62% da lã, além de dispor de 30% de toda a capacidade de estocagem do país e, em 1995, o segmento cooperativista realizou transações econômica de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Mesmo ao reconhecer a contribuição econômica do segmento das cooperativas, é imperativo ressaltar que, além da divisão existente entre o “cooperativismo dos ricos” e o “cooperativismo dos pobres”, também existe uma distribuição desigual do peso econômico e da presença do cooperativismo no país. (SCHNEIDER, 1981; RIOS, 2017).

Neste aspecto, no Nordeste ficam também evidentes contrastes entre diferentes arranjos que as cooperativas assumiram na região. Dentro de uma perspectiva democrática, pela qual prevaleceram adesão voluntária e interesse comum, foram constituídas inúmeras cooperativas e associações com motivações edificantes para o enfrentamento das dificuldades e problemas socioeconômicos vivenciados por milhares de famílias nordestinas. Mas, por outro lado, também é verdade que uma parte das cooperativas do Nordeste foi organizada por representantes da elite que comandaram e ocuparam os cargos mais altos nas estruturas para angariarem benefícios econômicos e políticos. Nesta visão, pode-se dizer que parte do cooperativismo no Nordeste apresenta dificuldades à medida que o principal objetivo de uma cooperativa seria o de trabalhar em benefício dos cooperados e da comunidade e não ser apropriado como instrumento de transferência de recursos financeiros para o bem próprio de seus dirigentes. (DANIEL, GAL, 1981).

Apesar de cooperativas poderem servir a propósitos pessoais e/ou de grupos economicamente privilegiados, acredita-se que o cooperativismo pode contribuir para a promoção do desenvolvimento, inclusive nas áreas que apresentam carências socioeconômicas diversas, como é o caso do Rio Grande do Norte (RN), principalmente, nos municípios situados na porção do semiárido potiguar. 

Neste sentido, o trabalho tem como objetivo construir, no período mais recente, de 2010 a 2018, um cenário do cooperativismo potiguar com destaque aos principais ramos de sua atuação, a alterações nos quantitativos de cooperados e ocupações geradas pelo segmento.

Para cumprir esta tarefa, foram realizadas pesquisas bibliográficas, com revisão narrativa da literatura, levantamentos de dados nas bases eletrônicas de entidades representativas do segmento, como a OCB, e a sistematização de dados em tabelas. A pesquisa caracteriza-se como quali-quantitativa e análise descritiva.

Além da introdução, o trabalho foi organizado em mais quatro seções. A segunda seção traz um apanhado histórico sobre o cooperativismo brasileiro e destaca a diversidade de experiências e os diferentes propósitos da constituição de cooperativas. A seção seguinte apresenta os traços marcantes da socioeconomia nordestina com ênfase à heterogeneidade e complexidade regional e aos seus rebatimentos sobre o cooperativismo nordestino, especialmente, o rural. Enquanto a quarta seção traz os resultados e uma discussão das investigações sobre o cooperativismo no Rio Grande do Norte, na quinta e última serão apresentadas as conclusões.

2. O cooperativismo no Brasil

Historicamente se verifica que o cooperativismo brasileiro recebeu normatização específica no início do século XX, com o estabelecimento de legislação regulamentadora do funcionamento a partir de 1907[1]. Assim, desde o início do século XX, o cooperativismo se tornou uma atividade reconhecida pelo Estado brasileiro, mas, segundo Silva et al (2003, p. 78):

[O] florescimento da prática cooperativa brasileira [ocorreu] a partir de 1932, motivada por dois pontos: a) o estímulo do Poder Público ao cooperativismo identificando-o como um instrumento de reestruturação das atividades agrícolas; b) promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro, de 1932, passando a definir melhor as especificidades daquele movimento diante de outras formas de associação. (Grifos nossos).

Este período de crescimento do cooperativismo brasileiro coincidiu com o período de crise econômica pós 1929, relacionada ao declínio da atividade cafeeira e de derrocada das economias dos países mais desenvolvidos. Bem como, um pouco mais tarde, o modelo de desenvolvimento brasileiro passou do primário-exportador para a substituição de importações com a alteração das forças políticas e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

Segundo Silva et al (2003, p. 78):

No Brasil, as cooperativas agrícolas, ao longo da primeira metade do século XX, não apenas se mostraram como as mais importantes em termos de volume de negócio como também foram as principais responsáveis pela difusão do ideário cooperativista no país. Ademais, a literatura acusa que o referido ideário cooperativista ou conjunto teórico doutrinário do movimento foi utilizado como instrumento ideológico do Estado, a serviço de um Estado conservador e autoritário. (Grifos nossos).

 

É interessante observar que, até meados da década de 1950, as cooperativas agrícolas, que receberam incentivos estatais, se tornaram o tipo de empreendimento cooperativo com maior movimentação econômica. Este apoio estatal teve a intenção de angariar sustentação política entre os representantes da elite rural o que, em falsificação dos pilares do cooperativismo europeu, lhe conferiu um caráter conservador.

Apenas bem após a Segunda Guerra Mundial, em 2 de dezembro de 1969, foi criada a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)[2], organização da sociedade civil (OSC), sem fins lucrativos e com declarada neutralidade política e religiosa. Tratava-se, em virtude do período de exceção política instalado no país a partir do golpe militar de 1964, da única representante do cooperativismo nacional reconhecida pelo Estado como legítima representante do segmento e símbolo da ingerência do Estado:

Tanto a lei específica sobre o cooperativismo de 1971 quanto a criação da OCB em 1969 ainda que tenham permitido uma maior definição das especificidades das cooperativas no Brasil, representaram forte ingerência do Estado no funcionamento destas organizações. Há de se salientar, nesse sentido, que o panorama político-institucional do momento era de ditadura militar. (SILVA et al, 2003, p. 79)

 

Essa demora da constituição de uma entidade nacional representativa dos interesses das cooperativas pode sugerir porque o cooperativismo não se difundiu rapidamente pelo amplo território nacional. Além do mais que foi tolerado apenas o tipo de cooperativismo alinhado aos interesses dos detentores do poder e ao projeto de “modernização conservadora” patrocinado pelo Estado. Aliás, o perfil conservador do cooperativismo brasileiro só foi alterado após a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal em 1988 ao se inserir num processo mais amplo de reconfiguração da própria sociedade brasileira, pelo ou menos no sentido político de ressignificação da democracia[3]. 

No debate teórico ganharam relevo ideias relacionadas a potencialidades de cooperativas alcançarem posições destacadas na competição global mediante a mobilização dos recursos e forças internas em determinados lugares; mesmo como caminho de sucesso para aqueles que se encontravam em situações de atraso. Assim, surgiriam novos conceitos: desenvolvimento local, endógeno, sustentável, capital social, economia solidária, economia social, boa governança etc., como alternativas reformadoras do velho capitalismo, propagando novos caminhos/alternativas para os lugares atrasados se livrarem da pobreza e alcançarem o desenvolvimento.

As novas abordagens relacionadas a política de desenvolvimento implicaram em mudanças, inclusive da ação estatal, no cooperativismo brasileiro. Pinho (2004) menciona a emergência de um “cooperativismo solidário”. Este se constituiu como resposta ao crescente desemprego estrutural decorrente da reestruturação produtiva e do paradigma neoliberal. Ao se pautar por uma orientação estratégica diferente daquela dada apenas pelo mercado, teria o potencial se tornar um instrumento do desenvolvimento, desde que devidamente estimulado pelo Estado.

Quando se considera apenas o peso econômico do cooperativismo na economia nacional, pode-se afirmar que o setor demorou a deslanchar. Ao apontar a experiências de formação de cooperativas para assumir a gestão de empresas com dificuldades econômicas, Singer (2002, p. 4), por exemplo, fez referência a “ressurreição da economia solidária[4] no Brasil” e indica o início da década de 1980 como o marco dessas experiências, além de mencionar os casos de cooperativas de produção agropecuária, muitas delas ligadas ao Movimento dos Sem Terra.

Mais recentemente, o cooperativismo no Brasil, como nos demais países do planeta[5], tem ampliado a relevância econômica e social. De acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2019, o número de cooperativas vinculadas, em 2010, ao Sistema OCB era de 6.652, diminuindo para 6.582 em 2014 e alcançando 6.828 em 2018, com crescimento de 62% no número de cooperados e de 43% no número de trabalhadores contratados pelas cooperativas. (OCB, 2019, p. 14).

Tabela 1, na página seguinte, apresenta dados referentes ao número de cooperativas, de cooperados e também de trabalhadores empregados no segmento para o biênio 2017/2018. Esse dados se referem as cooperativas vinculadas ao Sistema OCB, observando-se, no biênio 2017-2018, uma redução de 0,9% no número de cooperativas, sendo a maior queda percentual no ramo de turismo e lazer (-4,3%) e o maior crescimento no ramo especial (+25%). 

Em relação ao número de cooperados e de empregados totais ocorreram crescimentos de 2,5% e 6,8%, respectivamente. Destaque-se o crescimento de 152,1% no número de cooperados no ramo mineral e de 145,7% no ramo de turismo e lazer e para a retração no ramo de saúde de -13,7%. 

Tabela 1 – Panorama Geral do Cooperativismo Brasileiro – Por Número de Cooperativas Existentes nos Diferentes Ramos, Por Número de Cooperativados e Por Pessoal Empregado e Variação (%) 2017/2018

Ramos

Cooperativas

Cooperados

Empregados

 

2017

2018

Var. (%)

2017

2018

Var. (%)

2017

2018

Var. (%)

Agropecuário

1.618

1.613

-0,3

1.017.481

1.021.019

0,3

198.654

209.778

5,6

Consumo

179

205

14,5

2.585.182

1.991.152

-23

12.629

14.272

13

Crédito

929

909

-2,2

8.941.967

9.840.977

10,1

60.237

67.267

11,7

Educacional

270

265

-1,9

53.403

60.760

13,8

3.367

3.412

1,3

Especial

8

10

25

321

377

17,4

8

8

0,0

Habitacional

284

282

-0,7

106.659

103.745

-2,7

577

742

28,6

Infraestrutura

135

135

0,0

1.006.450

1.031.260

2,5

5.692

5.824

2,3

Mineral

97

95

-2,1

23.515

59.270

152,1

182

177

-2,7

Produção

239

230

-3,8

5.777

5.564

-3,7

2.960

1.132

-61,8

Saúde

805

786

-2,4

238.820

206.185

-13,7

103.015

107.794

4,6

Trabalho

943

925

-1,9

188.435

198.466

5,3

943

5.105

441,4

Transporte

1.357

1.351

-0,4

98.713

98.190

-0,5

9.835

9.792

-0,4

Turismo e lazer

23

22

-4,3

760

1.867

145,7

11

15

54,5

Total

6.887

6.828

-0,9

14.267.483

14.618.832

2,5

398.110

425.318

6,8

Fonte: OCB (2019, p. 20).

 

Em relação ao número de empregados[6], verifica-se o crescimento muito expressivo de 441,4% no ramo de cooperativas de trabalho e a queda no ramo de produção de -61,8%. 

Também por apresentar acentuada capacidade de mobilização dos fatores disponíveis nas diferentes áreas, o cooperativismo passou a ser encarado como um instrumento para promover o desenvolvimento, inclusive oportunizando perspectivas para que áreas pouco integradas ao circuito de valorização do capital se tornassem mais atrativas para a realização de investimentos. De acordo com Barreto Filho (2017, p. 6):

A lógica é, predominantemente, aproveitar as oportunidades de inserção no processo de globalização [...]. Neste sentido, tem-se que as relações interpessoais podem ser consolidadas num ambiente mais afeito ao cooperativismo/associativismo e o capital social pode florescer e produzir resultados mais satisfatórios quando se conhecem os recursos e diferenciais que podem ser mobilizados para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos. Em outros termos, o cooperativismo pode servir como catalisador das energias existentes e pode potencializar os resultados no enfrentamento da pobreza.

 

Propõe-se, nas áreas mais atrasadas do país, criar cooperativas para potencializar as oportunidades, sobretudo para as camadas sociais mais vulneráveis e/ou dinamizar a economia, com vistas a se alcançar níveis mais satisfatórios de desenvolvimento. Entretanto, conforme referido anteriormente, a criação de cooperativas não se inscreve apenas em perspectivas de mitigação da pobreza e promoção do desenvolvimento, mas também, ao desfigurar os princípios de democracia e dos vínculos originários com o movimento operário, pode ser utilizada como instrumentos de preservação dos interesses dos detentores dos poderes político e econômico.

3 A trajetória do cooperativismo no Nordeste

 

A partir de reportagens de jornais de ampla circulação do Centro-Sul e mesmo por obras literárias, como “Os Sertões” de Euclides da Cunha, o Nordeste passou a ser conhecido e explicado pela sua característica climática, a seca, e pelas características de sua gente[7], considerada inculta, violenta, de mentalidade atrasada e de outras propriedades em geral pejorativas, que formaram sua imagem de região-problema. Albuquerque Jr. (2001), considera que tais manifestações teriam contribuído para sedimentar uma visão estereotipada sobre o Nordeste e os nordestinos pobres, tornando-se lugar-comum associar a região ao problema da seca e as demais mazelas socioeconômicas existentes na região.

Ao se relacionar principalmente, com as características geográficas e raciais[8], o debate do aspecto climático tornou-se o elemento central a requerer intervenções do Estado enquanto a ideia eugenista de branqueamento da raça como condição sine qua non para se alcançar o desenvolvimento perdia força. Foi o movimento regionalista que combateu essas percepções eminentemente negativas em que a seca e a constituição racial, população majoritariamente de mestiços e negros, pareciam obstáculos a condições necessárias ao seu desenvolvimento.

Assim, o reconhecimento de uma condição de atraso demandaria esforços e investimentos para que pudesse ser superada e a mudança de tal condição indesejada (atrasada) para uma condição superior (moderna) só poderia ser alcançada, mediante a intervenção estatal, recorrendo-se as medidas cientificamente defensáveis para se lograr êxito na empreitada.

As secas, paulatinamente, tornaram-se uma preocupação para as autoridades constituídas na medida em que a área semiárida aumentou a densidade demográfica, sendo que algumas das secas se constituíram em verdadeiros desastres humanitários e passaram a suscitar acalorados debates sobre as possíveis soluções. 

De acordo com Campos e Studart (2001, p. 3): 

Basicamente haviam três linhas: os favoráveis à açudagem e à irrigação; os favoráveis à transposição do rio São Francisco e irrigação; os favoráveis à mudanças no perfil econômico da Região e os proponentes de soluções pontuais de impacto.

 

Segundo os autores, embora se verifiquem tentativas de enfrentamento não convencionais, como a adaptação de camelos, prevaleceram as medidas usuais para a mitigação dos efeitos das secas, destacando-se a açudagem e a transposição de bacias hidrográficas. 

A partir da seca se forja a imagem estereotipada do povo pobre (“tabaréu, violento, fanático, messiânico, incapaz, miserável...”) da área rural do Nordeste, cuja realidade serve aos interesses da elite regional que “[...] utiliza a seca como o seu mote principal na mobilização de recursos para investimentos na região” (VASCONCELOS, 2006, p. 8).

Com a apropriação pela elite regional do discurso da seca como mote para angariar recursos públicos, consolidou-se uma aliança tácita e imoral entre as oligarquias regionais e o núcleo central do poder político constituído pela elite sudestina-sulista. Essa articulação, especialmente sua vertente rural, empenha-se em conseguir repasses de verbas públicas para as ações emergenciais e infraestruturais de combate aos efeitos das secas e pelo tratamento diferenciado conferido pelo Estado, como a concessão de financiamentos e empréstimos em condições privilegiadas.

A aliança, movida por interesses complementares, assegura a manutenção do status quo para as oligarquias nordestinas ao lhes preservar o controle de terras, água e recursos públicos nas épocas de intensificação das secas. Em contrapartida, oferece apoio político ao núcleo central do poder ao dar seu apoio a políticas do Estado em favor da industrialização do Centro-Sul[9], notadamente em São Paulo. Assim, o Nordeste:

[...] caracteriza-se por ser uma região de contrastes, marcado por forte heterogeneidade e complexidade, não somente em termos de clima, vegetação, tipografia, cultura, mas, especialmente, em termos econômicos. (Silva et al, 2003, p. 82).

 

A heterogeneidade e a complexidade, reconhecidas como traços marcantes da socioeconomia nordestina, também se fizeram presentes no movimento cooperativista regional. De acordo com Silva et al (2003, p. 82):

 

A história do cooperativismo nordestino, [...], evidencia os mesmos contrastes, reproduzindo um modelo concentrador e excludente que teve numa estrutura agrária voltada para o latifúndio e para o setor agroexportador a sua base de sustentação.

 

No espaço nordestino, o cooperativismo[10] foi fortemente influenciado pelo poder político da classe dominante, posto que, em muitas circunstâncias, verificou-se a criação de cooperativas e associações como medidas para facilitação de acessos a recursos, quase sempre, de origem pública e que serviram para a manutenção do status quo

Silva et al (2003, p. 82), salientam o perfil conservador das cooperativas criadas no Nordeste:

[...] a criação de muitas cooperativas [serviu] como fonte de poder e influência de uma classe dominante, mantendo em seus quadros dirigentes um grupo de poder local, em detrimento dos interesses da ampla maioria dos cooperados que, em função de um nível socioeconômico desfavorecido, se reservavam a acatar as determinações do grupo mais forte economicamente. Assim sendo, constata-se que, no caso das cooperativas do Nordeste, a autoridade e o poder foram exercidos historicamente pelos dirigentes e não pelos seus associados nas assembleias.

 

É importante observar o perfil conservador assumido pelo cooperativismo no Nordeste que não abarca a totalidade das experiências, mas, especialmente em decorrência da difusão do cooperativismo ter ocorrido pela mão do Estado, se apresenta como sua característica geral. Pois, Rêgo (1991) indica que foi a partir de estímulos conferidos pelo Estado que o cooperativismo se expandiu no Nordeste[11].

A comunhão de interesses entre os governantes, especialmente aqueles com tendências autoritárias, e os oligarcas regionais deram o tom ao cooperativismo nordestino, notadamente aquele direcionado ao setor rural:

[...] grande parte das cooperativas rurais no Nordeste esteve organizada a partir de uma estrutura de classes, na qual os postos de comando sempre estiveram preenchidos pelos grandes proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, atendendo a benefícios de pessoas e de grupos específicos. Eis a razão pela qual, o cooperativismo nordestino foi identificado como instrumento de controle do que de mudança social, tendo servido, muitas vezes, como instrumento de transferência de recursos financeiros para os produtores (SILVA et al, 2003, p. 82). (Grifos nossos).

 

De acordo com Daniel e Gal (1981), as circunstâncias socioeconômicas mais precárias existentes na região afetaram as cooperativas do Nordeste; além das condições climáticas adversas, como as predominantes no Semiárido, se destacam a grande concentração de pessoas com baixa escolaridade e também inúmeros outros indicadores que a caracterizam como uma região de baixo desenvolvimento.

O cenário político regional, historicamente influenciado pelo poder dos coronéis e associado aos péssimos indicadores sociais, teriam sido determinantes para o formato das cooperativas. Apesar de contar com vários associados, essas tiveram apenas um chefe, geralmente um político ou alguém com maior poder econômico, que se tornava um verdadeiro dono da cooperativa[12]. Assim, aqueles que detinham o poder econômico acabaram por exercer o controle das cooperativas, reunindo grupos de pessoas apenas para efeito de obtenção de recursos (DANIEL, GAL, 1981). Esse tipo de arranjo repercutiu na gestão das cooperativas:

A carência de planejamento a curto e médio prazo, associado a uma fraca capacidade de investimento de capital, utilização de mão-de-obra sem qualificação e controle financeiro-contábil condicionaram um baixo nível de competitividade e conseqüentemente de capitalização das cooperativas, notadamente nas de pequeno porte (SILVA et al, 2003, p. 82). (Grifos nosso).

 

Os cooperados, em muitos casos, serviram como verdadeira massa de manobra para contemplar os interesses dos “donos” porque não tinham noção alguma do que era cooperativismo ou como poderiam influenciar nos rumos da cooperativa. Com alguma frequência foram criadas, em decorrência desses desvirtuamentos dos princípios do cooperativismo, cooperativas concorrentes que atuavam numa mesma localidade apenas para atender as conveniências das disputas políticas paroquiais. Assim, coexistiam, numa mesma localidade, duas cooperativas agropecuárias: uma chefiada por um político de um partido e a outra por político de outro partido adversário (DANIEL, GAL, 1981).

Os traços notados pelos autores indicam a prática de mandonismo dos grupos oligárquicos que impunham um controle vigoroso sobre as populações nos diversos espaços do interior nordestino. Trata-se de uma característica importante para compreender as limitações existentes para boa parte dos cooperados em exercitar os direitos e compartilhar dos benefícios nos mesmos moldes como os líderes políticos que, em geral, eram os organizadores e gestores dos empreendimentos. 

Ademais, ao utilizar dados do Censo Agropecuário sobre o cooperativismo agropecuário nordestino de 1995/1996 e realizar pesquisa de campo, em estudo minucioso Silva (2000, p. 181) apontou que: “[...] apenas 2,8% dos estabelecimentos rurais existentes na região, que representavam 14% da renda agropecuária bruta regional, eram filiados a cooperativas“.

Silva (2000, p. 168), categorizou as cooperativas[13] estudadas em três grupos: em grupo A: cooperativas de difícil recuperação (20 entidades); em grupo B: cooperativas revitalizáveis (10 entidades); e em grupo C: cooperativas potencialmente dinâmicas (10 entidades). As cooperativas do grupo A apresentavam:

[...] pequeno número de associados, elevado nível de endividamento e incipiente nível de atividade econômica. Essas organizações também apresentam baixo nível de relacionamento institucional, praticamente, não dispõem de instrumentação adequada para controle gerencial. (SILVA 2000, p. 168).

 

Segundo Silva (2000), as cooperativas do grupo B:

[...] possuem, em média, quadro social composto de cerca de 1.003 associados (p. 171);

[...] possuem ativos operacionais médios de R$ 5 milhões, dos quais 50,7% referem-se a operações de repasse a cooperados e 17,6% representam imobilizações permanentes (p. 172);

[...] dispõem apenas de 23,1% de capitais próprios, sendo o restante captado no mercado financeiro (p. 172);

[...] o faturamento líquido corresponde apenas 22% do ativo total, indicando a existência de ociosidade dos fatores de produção (p. 172);

[...] o faturamento médio situa-se em torno de R$ 1.100,00 por associado (p. 173);

[...] foram constituídas até os anos 1980 [e a] estrutura produtivas delas pode ser considerada ultrapassada e está voltada para atividades que vêm perdendo importância nos últimos anos (p. 174).

 

Já as características das cooperativas do grupo C foram sistematizadas pelo autor da seguinte forma:

[...] maior aporte econômico e maior participação na comercialização da produção agrícola e agroindustrialização de matérias-primas oriundas da unidade produtiva do produtor associado. 80% das cooperativas deste grupo foram constituídas antes de 1989.

[...] são constituídas, em média, por 877 associados.

[...] prestam maior assistência ao associado: 60% possuem loja de revenda dos insumos agropecuários; 80% delas prestam serviços de mecanização agrícola e 70% realizam atividades de agroindustrialização das matérias-primas (SILVA 2000, p. 174-5).

Ao utilizar pesquisa de campo em 40 cooperativas e os mencionados dados do Censo Agropecuário de 1995-96, Silva (2000) mostrou que os cooperados nordestinos mantinham poucas relações com as cooperativas nas quais se vinculavam[14]. Em boa parte dos casos não se justificava a agroindustrialização e/ou a comercialização através de cooperativas por causa da adoção de técnicas primitivas de produção agropecuária e, consequentemente, dos parcos excedentes obtidos.

Para o ano de 2018, de acordo com a OCB (2019) e ao considerar apenas o cooperativismo no ramo agropecuário nordestino, existiam 301 cooperativas, com 24.462 associados nas quais estavam empregadas 1.523 pessoas. 

Tabela 2 apresenta dados referentes ao número de cooperativas, de cooperados e também de trabalhadores empregados no ramo agropecuário nordestino para o biênio 2017/2018.

 

Tabela 2 – Panorama Geral do Cooperativismo Nordestino – Por Número de Cooperativas Existentes no Ramo Agropecuário, Por Número de Cooperativados e Por Pessoal Empregado e Variação (%) 2017/2018

Ramos

Cooperativas

Cooperados

Empregados

 

2017

2018

Var. (%)

2017

2018

Var. (%)

2017

2018

Var. (%)

Alagoas

33

16

-51,5

5.864

640

-89,1

53

1

-98,1

Bahia

64

31

-51,6

10.484

5.705

-45,6

502

289

-42,4

Ceará

35

36

2,9

6.803

4.476

-34,2

369

360

-2,4

Maranhão

31

32

3,2

414

354

-14,5

67

72

7,5

Paraíba

38

43

13,2

2.563

3.032

18,3

267

229

-14,2

Pernambuco

52

55

5,8

9.130

4.217

-53,8

171

379

121,6

Piauí

31

32

3,2

2.348

2.086

-11,2

158

162

2,5

Rio Grande do Norte

37

43

16,2

829

3.543

327,4

12

27

125

Sergipe

13

13

0,0

608

409

-32,7

4

4

0,0

Nordeste

334

301

-9,9

39.043

24.462

-37,3

1.603

1.523

-5

Fonte: OCB (2019).

 

Tabela 2 mostra uma redução no número de cooperativas atuantes no ramo agropecuário nordestino, no biênio 2017/2018, -9,9%, também caíram os números de cooperados, -37,3%, e de empregados nas cooperativas, -5%. Em relação ao número de cooperados, somente Paraíba e Rio Grande do Norte apresentaram aumento, com +18,3% e +327,4% respectivamente. O número de cooperativas diminuiu consideravelmente em Alagoas (-51,5%) e na Bahia (-51,6%), manteve-se inalterado em Sergipe e cresceu bastante na Paraíba (+13,2%) e no Rio Grande do Norte (+16.2%). Já em relação ao número de empregados contratados pelas cooperativas do ramo agropecuário nordestino, observa-se a quase eliminação dos postos de trabalho em Alagoas (-98,1%), quedas acentuadas na Bahia (-42,4) e na Paraíba (-14,2%), manutenção do quadro em Sergipe e crescimento acelerado em Pernambuco (+121,6%) e no Rio Grande do Norte (+125%).

Principalmente no período anterior à Constituição Federal de 1988 é importante destacar que, em relação ao indicado perfil conservador do cooperativismo rural nordestino, nem todas as cooperativas tiveram suas ações vinculadas diretamente ao comando de algum grupo ou personagem político. Havia aquelas experiências em que estiveram religiosos (padres e bispos) à sua frente e outras tantas iniciativas que surgiram de dificuldades vivenciadas por inúmeros grupos sociais como quilombolas, indígenas e trabalhadores sem-terra e, mais recentemente, como instrumento importante para a promoção do desenvolvimento.[15]

 

4. A situação recente do cooperativismo no Rio Grande do Norte

 

De acordo com Lucena (2014), a organização de uma entidade representativa do cooperativismo potiguar se deu após participação do Sr. Ulisses Celestino de Gois, como representante da Cooperativa Central de Crédito Norteriograndense Ltda., no II Congresso Brasileiro de Cooperativismo realizado em São Paulo/SP, em março de 1961. Na oportunidade ocorreu a filiação da cooperativa potiguar à entidade representativa do cooperativismo nacional, a União Nacional das Associações Cooperativas (UNASCO) o que constituiu o movimento inaugural para a criação da representação institucional das cooperativas potiguares. Ainda segundo Lucena (2014, n/p):

Em 03.10.1963, o Presidente da Cooperativa Central, Ulisses de Gois, encaminha Circular a todas as Cooperativas do Estado, convocando-as para a ‘união’ do movimento. Em 24.10.1963, na sede da Cooperativa Central de Crédito, foi constituída a ‘União das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Norte’ (UCERN).

 

Eleito para o quadriênio de 1963 a 1967, o primeiro presidente da UCERN foi o Sr. Múcio Vilar Ribeiro Dantas; a partir de 1970 a entidade passou a ser denominada Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Norte (OCB-RN) (LUCENA, 2014). 

Para Ferreira (2010, p. 163):

As primeiras experiências associativas no RN tiveram suas origens no movimento mutualista, através da organização dos operários em formas de ligas, associações e caixas beneficentes, sendo a primeira associação registrada na data de 1873 com o nome de Associação Beneficente dos Artistas de Canguaretama.

 

Já o cooperativismo agropecuário foi marcado pela presença de inúmeros agentes interessados, produtores rurais, trabalhadores, meeiros, posseiros, lideranças políticas e a Igreja Católica, além, evidentemente, da forte atuação do Estado. Saliente-se que, na década de 1960, o cooperativismo rural potiguar recebeu assistência técnica da SUDENE para a elaboração de projetos e captação de recursos, porém com participação modesta no cenário econômico. (FERREIRA, 2010). Aliás, o cooperativismo, ao considerar todos os ramos de atuação, ainda não alcançou uma posição destacada no RN.

De acordo com o Relatório de Gestão do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio Grande do Norte (SESCOOP-RN), de 2018, existiam 121 cooperativas, com 52.507 cooperados, empregando 2.178 trabalhadores e abarcando dez ramos de atuação. (SESCOOP-RN, 2019, p. 11). 

Tabela 3 apresenta as informações sobre o número de cooperativas vinculadas ao Sistema OCB e variação da quantidade, de 2010 a 2018.

 

Tabela 3 – Número de Cooperativas e Variação da Quantidade, de 2010 a 2018

Ano

Quantidade

Variação em relação ao ano anterior (%)

2010

210

-

2011

121

-42,38

2012

124

+2,48

2013

136

+9,68

2014

140

+2,94

2015

104

-25,71

2016

109

+4,8

2017

111

+1,9

2018

121

+9

Fonte: OCB-RN apud SESCOOP-RN (2010 a 2018).

 

Os dados mais expressivos relacionadas ao número de cooperativas vinculadas ao Sistema OCB no RN, para o período de 2010 a 2018, foram: as diminuições acentuadas em 2011 e 2015, que mais do que contrabalançaram a tendência de crescimento nos demais anos da série, sendo que no ano de 2018 se observa o mesmo número de cooperativas de 2011, representando um pouco mais da metade da quantidade existente em 2010.

O Relatório de Gestão do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio Grande do Norte (SESCOOP-RN), de 2010, indicava a existência de 210 cooperativas no RN:

O segmento cooperativista, [...], abrange, no Rio Grande do Norte 12 dos 13 ramos econômicos: Agropecuário, Consumo, Crédito, Educacional, Habitacional, Infra-estrutura, Mineral, Produção, Saúde, Turismo, Trabalho e Transporte. Fechou 2010 com um universo de 210 cooperativas, que somam mais de 73 mil associados e gira em torno de 2 mil empregados. (SESCOOP-RN, 2011, p. 10).

 

O Relatório de Gestão do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio Grande do Norte (SESCOOP-RN), de 2011, apontava que:

 

O segmento cooperativista, [...], abrange, no Rio Grande do Norte em 09 dos 13 ramos econômicos: Agropecuário, Crédito, Educacional, Habitacional, Infraestrutura, Produção, Saúde, Trabalho e Transporte. Fechou 2011 com um universo de 121 cooperativas, que somam 54.798 mil cooperados e gira em torno de 1.301 mil empregados. (SESCOOP-RN, 2012, p. 11).

 

No biênio 2010-2011 ocorreu uma enorme redução no número de cooperativas, -42,38% (89 cooperativas), também ocorreram reduções nos números de ramos de atuação, de cooperados e de trabalhadores. Em 2012, o RN contava com “124 cooperativas, distribuídas em 12 ramos, com exceção do ramo Especial, com 2.350 empregados e mais de 54.937 de cooperados”. (SESCOOP-RN, 2013, p. 8). 

Tabela 4 apresenta as informações sobre o número de cooperados de cooperativas vinculadas ao Sistema OCB e variação da quantidade, de 2010 a 2018.

 

Tabela 4 – Número de Cooperados e Variação da Quantidade, de 2010 a 2018

Ano

Número de cooperados

Variação em relação ao ano anterior (%)

2010

73.000

-

2011

54.798

-24,93

2012

54.937

+0,25

2013

55.584

+1,18

2014[16]

55.865

+0,99

2015

52.151 

-6,65

2016

52.265

+0,01

2017

52.194

+0,09

2018

52.507

+0,60

Fonte: OCB-RN apud SESCOOP-RN (2010 a 2018).

 

Os anos que apresentaram reduções, em relação aos exercícios anteriores, foram 2011 (-24,93%) e 2015 (-6,65%), média de -15,79%, superando largamente a média de crescimento dos demais anos, de 0,52%, resultando numa diminuição de 20.493 (-28%) cooperados no RN, quando considerados os anos de 2010 e 2018.

Tabela 5 apresenta as informações sobre o número de empregados contratados pelas cooperativas vinculadas ao Sistema OCB e variação da quantidade, de 2010 a 2018.

 

Tabela 5 – Número de Empregados Contratados pelas Cooperativas e Variação da Quantidade, de 2010 a 2018

Ano

Número de trabalhadores

Variação em relação ao ano anterior (%)

2010

2.000

-

2011

1.301

-34,95

2012

2.350

+80,63

2013

2.361

+0,47

2014

2.354

-0,29

2015

2.175

-7,60

2016[17]

2.058 

-5,46

2017

2.175

+5,38

2018

2.178

+0,14

Fonte: OCB-RN apud SESCOOP-RN (2010 a 2018).

 

Os anos que apresentaram reduções, em relação aos exercícios anteriores, foram 2011 (-34,95%), 2014 (-0,29%), 2015 (-7,60%) e 2016 (-5,46%), média anual para o período de diminuição no número de cooperados de -12,07%, sendo superada pela média de crescimento anual dos demais anos, de 21,65%, resultando no aumento de 178 trabalhadores contratados pelas cooperativas no RN (+8,9%), quando considerados os anos de 2010 e 2018.

O Relatório de Gestão de 2013 apresenta o detalhamento dos números das cooperativas do RN, por ramo de atuação, conforme Tabela 6. (SESCOOP-RN, 2014, p. 12).

 

Tabela 6 – Cooperativas por Ramo no Rio Grande do Norte

Ramo

Cooperativas

Cooperados

Trabalhadores

Agropecuário

33

10.554

228

Consumo

4

2.175

18

Crédito

8

2.114

50

Educacional

7

635

77

Especial

0

0

0

Habitacional

5

5.048

42

Infraestrutura

9

28.327

351

Mineral

2

52

0

Produção

11

1.143

21

Saúde

13

2.816

1.469

Trabalho

22

808

11

Transporte

20

1.659

89

Turismo e Lazer

2

253

5

Totais

136

55.584

2.361

Fonte: OCB-RN apud SESCOOP-RN (2014, p. 12).

 

            Verifica-se que o ramo agropecuário apresentava o maior número de cooperativas, 24,26% do total, mas com apenas 18,99% do total de cooperados e contando com 9,66% dos trabalhadores empregados nas cooperativas do RN. O ramo do cooperativismo potiguar com maior número de associados era o de Infraestrutura, com 50,96% do total e o que dispunha de maior número de trabalhadores empregados era o de Saúde, com 62,22% do total do RN.

5. Conclusão

A constituição e o funcionamento de uma cooperativa requerem a participação, a colaboração, e a união entre as pessoas; por apresentar tais características é que o cooperativismo pode ser entendido como um movimento que busca constituir uma sociedade mais justa em bases democráticas (SCHMIDT et al, 2005). Embora esses aspectos possam ser relacionados ao cooperativismo, verifica-se na prática que a formação de cooperativas, quase sempre, está vinculada à dimensão econômica. Quer seja como instrumento para alcançar maior grau de integração ao mercado[18] pela redução de desvantagens em operações individuais, ampliação da competitividade, atendimento de exigências regulamentadoras, inserção em cadeias globais etc.; quer seja para promover melhorias nas condições de vida dos integrantes, inclusive através de práticas da economia solidária, do terceiro setor etc., constituindo-se como um instrumento, de alguma forma, anticapitalista.

Verificou-se que o número de cooperativas vinculadas ao Sistema OCB no RN, no período de 2010 a 2018, caiu de 210 para 121 cooperativas, implicando na redução do número de cooperados que, em 2010, era de 73 mil, passando para 52.507, em 2018. No mesmo período, a quantidade de trabalhadores contratados no setor passou de 2.000 pessoas, em 2010, para 2.178, em 2018, restando evidente uma modestíssima ampliação nos postos de trabalho gerados pelo cooperativismo potiguar.

Em relação a distribuição por ramos de atuação, apurou-se que o de Infraestrutura era o que congregava maior número de cooperados (28.327), seguido pelo Agropecuário (10.554) e Habitacional (5.048). O maior número de cooperativas era do ramo Agropecuário (33 cooperativas), seguido por Trabalho (22 cooperativas) e Transportes (20 cooperativas). O ramo da Saúde era o que mais gerava postos de trabalho (1.469 pessoas), respondendo por 62,22% do total do RN, seguido por Infraestrutura (351 postos de trabalho) e Agropecuário (228 postos de trabalho).

Por fim, saliente-se que o cooperativismo agropecuário potiguar apresentou experiências exitosas ao longo da história principalmente nos momentos em que o Estado concedeu incentivos e recursos. De outro lado, percebe-se que o Estado foi complacente com as gestões pouco eficientes dos empreendimentos, especialmente daqueles capitaneados por lideranças políticas locais/regionais comprometidas com o apoio aos governantes do momento.

 

[1] Pinheiro (2008, p. 28) assinala que: “Já em 6 de janeiro de 1903, o Decreto do Poder Legislativo nº 979, posteriormente regulamentado pelo Decreto nº 6.532, de 20 de junho de 1907, permitia aos sindicatos a organização de caixas rurais de crédito agrícola, bem como de cooperativas de produção ou de consumo, sem qualquer detalhamento do assunto (art. 10).” E ainda aponta que: “A primeira norma a disciplinar o funcionamento das sociedades cooperativas, no entanto, foi o Decreto do Poder Legislativo nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907. As cooperativas poderiam ser organizadas sob a forma de sociedades anônimas, sociedades em nome coletivo ou em comandita, sendo regidas pelas leis específicas (art. 10).” (PINHEIRO, 2008, p. 28).

[2] “As cooperativas brasileiras são disciplinadas pela Lei 5.764/71, as quais possuem a OCB como representante nacional e as OCEs, [por exemplo, Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Norte] como representantes estaduais” (PORTO; FERREIRA, 2015, p. 328).

[3] Segundo Silva et al (2003, p. 79), “[...] o esforço de revitalização das práticas cooperativas se inscreve dentro de um movimento mais amplo de modernização das atividades e de ampliação da democracia, e ganha ressonância com as discussões sobre economia solidária / terceiro setor.”

[4] “A economia solidária se compõe das empresas que efetivamente praticam os princípios do cooperativismo, ou seja, a autogestão. Ela faz parte portanto da economia cooperativa ou social, sem no entanto se confundir com as cooperativas que empregam assalariados.” (SINGER, 2002, p. 6).

[5] O Sistema OCB (2019, p. 8), baseando-se na publicação World Cooperative Monitor (2018) e em dados da Organização Internacional de Cooperativas de Indústria e Serviços (ACI), indica a existência de 1,2 bilhão de cooperados, 3 milhões de cooperativas (com 1,2 milhão do setor agro), responsáveis pela geração de 280 milhões de postos de trabalho, em que as 300 maiores cooperativas do mundo alcançaram um faturamento de US$ 2,1 trilhões.

[6] De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS de 2018, o ano de 2018 fechou com 46.631.000 vínculos formais, com 349.525 a mais do que em 2017, o que corresponde a um aumento de 0,8% nos postos com carteira assinada no país. Evidenciando que a expansão, de 6,8%, no setor de cooperativas foi bem maior do que o aumento geral, de 0,8%, dos postos de trabalho com carteira assinada. (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2020).

[7] Segundo Vasconcelos (2006, p. 2): “A partir do paradigma naturalista, a importância do meio combinado às características da raça justificava, categoricamente, os porquês do comportamento do brasileiro. A exemplo disso via-se o negro do litoral sendo mais malevolente, o homem do sertão mais sisudo e ríspido, a mulata sensual... E, assim foi-se criando um Brasil de tipos (degenerados) e construindo no discurso sobre a identidade nacional o contorno de alguns estereótipos.”

[8] Couto (2016, p. 102) indica a vinculação “científica” sobre a questão racial que prevalecia no final do século XIX e primeiras décadas do século XX: “O olhar da geração de [18]70 para a temática racial foi majoritariamente subsidiado pelas teorias raciais de meados do século XIX. Autores como Le Bom, Taine e Gobineau viam o processo de miscigenação como fator de degeneração e desequilíbrio. O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais, incorporava os defeitos das raças inferiores, além de apresentar o agravante de constituir-se a partir de elementos raciais mal equilibrados. Era um decaído. Influenciada por essas teorias, a maioria dos intelectuais brasileiros tinha uma perspectiva muito pessimista com relação à mestiçagem.” (Grifamos).

[9] Apenas em meados do século XX é que se reconhece a importância de se promover a industrialização do Nordeste, e demais regiões atrasadas do país, tendo como marco institucional importante a implantação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959 e por inspiração de Celso Furtado.

[10] Silva (2000, p. 97) buscou demonstrar que a base produtiva reduzida do produtor rural cooperado também se constituiu como um fator limitante para o desenvolvimento do cooperativismo no Nordeste.

[11] Silva (2000, p. 22), citando Pinho (1982), indica que, entre 1940 e 1960, em virtude do apoio estatal, o número de cooperativas no Nordeste saltou de 118 para 453 e que o número de pessoas associadas passou de 1.805 para 93.843 cooperados.

[12] Mesma linha de argumentação de Bursztyn (1984, p. 57-8): “[...] as cooperativas prosperam, mas não necessariamente o conjunto dos seus associados. De uma maneira geral, as cooperativas estudadas, no Nordeste podem ser divididas em dois grupos: as que não atingiram um bom desempenho e as que apresentam bons resultados e que se enquadram no caso descrito na seção procedente, em que um grupo de ‘patrões’ se apoderam de seu controle efetivo, como se fossem seus proprietários [...] A medida que as cooperativas prosperam, a distância entre a maioria dos associados e os ‘patrões’ (os ‘cooperocratas’) aumenta. O poder interno das cooperativas se legitima, neste caso, pela dominação burocrática, agindo de forma autoritária em relação ao conjunto dos associados e apoiando-se na função destes ‘patrões’ enquanto intermediários entre os favores do modernizado representado pelas cooperativas acaba por reviver o esquema arcaico do coronelismo, onde um grupo de mandatários encarna o papel de mediação Estado-povo, tirando, obviamente, proveito dessa prerrogativa.” (Grifos nossos).

[13] No âmbito organizacional, o estudo aponta evidências de que as cooperativas agropecuárias nordestinas podem ser classificadas em três grandes grupos, segundo a confluência de fatores denotativos de tamanho, estrutura de capital, nível de atividade econômica e desempenho empresarial (SILVA, 2000).

[14] Diferentemente do que ocorria nas regiões Sul e Sudeste (Silva, 2000).

[15] Velloso e Locatel (2011, p. 1-2), tratam da “superação da visão liberal do cooperativismo como instrumento de controle social do Estado, principalmente da região nordeste do Brasil, para a visão emancipatória do cooperativismo como instrumento de promoção do desenvolvimento, propagando elementos essenciais como a confiança mútua, a cooperação, a formação de redes e o ambiente de democracia de transformação social e de distribuição de riquezas.”

[16] Os dados dos Relatórios de Gestão de 2014 e 2015 apresentam divergências para o número de cooperados e de empregados nas cooperativas referentes ao exercício de 2014. Foram considerados para o exercício de 2014 os dados do Relatório de Gestão de 2014.

[17] Os dados dos Relatórios de Gestão de 2016 e 2017 apresentam divergências para o número de empregados nas cooperativas referentes ao exercício de 2016. Foram considerados para o exercício de 2016 os dados do Relatório de Gestão de 2016.

[18] Rios (2017) sugere a distinção entre o “cooperativismo de negócio” e o “cooperativismo solidário”, como resultado da divisão de classes, típica do capitalismo, em que o primeiro tipo constituiria o “cooperativismo dos ricos” e o segundo o “cooperativismo dos pobres”.

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