Internacionalização do agronegócio e seus novos territórios de acumulação no Brasil
Daniel Féo Castro de Araújo
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UnB).
Fernando Luiz Araújo Sobrinho
Doutor em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, Prof. em Geografia da Universidade de Brasília
REVISTA POLÍTICA E PLANEJAMENTO REGIONAL – RPPR – Rio de Janeiro, Vol. 8, No. 2, maio a agosto de 2021, p. 184 - 212 ISBN 2358-4556
Submetido em 13.07.2020; aprovado em 24.05.2021
1. Introdução
O agronegócio é, sobretudo, estimulado pelo Estado por expressivo investimento de capitais para produção de commodities, em especial, para compor o saldo positivo da balança comercial brasileira. De acordo com o Censo Agropecuário do IBGE (2017), o país é reconhecido internacionalmente por ser o maior exportador de soja em grãos e também se destaca nos rankings de exportações de café, açúcar, frango, carne bovina, milho, etanol, entre outros produtos.
Quando considerar os indicadores econômicos do Brasil, perceb-se ser o agronegócio um dos setores responsáveis pelo crescimento econômico do país, uma vez que, cresceu 3,81% em 2019, frente a 2018. Com esse desempenho, em 2019, o PIB do agronegócio representou 21,4% do PIB brasileiro total de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, 2020).
A cadeia produtiva do agronegócio e seus impactos envolve a agricultura, a indústria de alimentos e fibras, distribuição por atacado e varejo, transporte, combustíveis, armazenamento, concessionárias de rodovias e serviços portuários, insumos como agrotóxicos, fertilizantes, sementes e máquinas agrícolas. Embora, nos números econômicos referente ao agronegócio é inserido dados da agricultura familiar como se tudo fizesse parte do mesmo processo (CAUME, 2009). A agricultura familiar é, em especial, detentora da produção de alimentos consumidos no território brasileiro, por outro lado, o agronegócio tem o foco no lucro em uma produção em uma ampla escala para exportação.
De acordo com Delgado (2012), o modo de produção na agricultura capitalista adveio por três etapas de estruturação, desestruturação e reestruturação no último meio século, que retribuíram a três períodos cíclicos – a modernização conservadora do período militar, o longo período de transição que o sucede até a crise cambial de 1999 e a fase atual (a partir dos anos 2000) da economia do agronegócio. No período contemporâneo, o autor ressalta que o agronegócio na definição brasileira do termo é um cooptação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária. Portando, essa articulação realizada é uma estratégia econômica de capital financeiro, que segue, sobretudo, o lucro e a renda da terra, com o apoio do Estado através de políticas voltadas para o setor.
Isso é devido a consolidação e conservação da estrutura agrária do Brasil, pois o crescimento da monocultura da cana-de-açúcar, os cultivos de soja, de café e de eucalipto representam os principais exemplos de monoculturas no Brasil, agencia o acúmulo da produção, já que tem a concentração de terras nas mãos de empresas e grandes fornecedores, que gera contradições negativas aos pequenos produtores. Não obstante, a expansão destas monoculturas tem ocupado antigas áreas de pastagens degradadas, áreas de produção de alimentos para o mercado interno e incorporado terras em regiões de fronteira agrícola a partir do desmatamento. Assim, podemos observar o chamado “desenvolvimento” demonstrado pelos empresários com a “questão ambiental”, posto que o etanol em seu discurso se apresenta como uma alternativa energética menos poluente em relação ao petróleo e por ser um combustível renovável. Contudo, apesar de considerado uma “energia limpa”, sua produção provoca contradições tanto sociais como ambientais, contrariando o caráter sustentável do etanol.
Para viabilizar o processo de internacionalização e mundialização do capital no agronegócio foi preciso a liberalização e a desregulamentação do Estado brasileiro. Sendo uma estratégia política por parte dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) que impôs ajustes estruturais ao país, a partir do final da década de 1990. Assim, esse conjunto de acordos criou um panorama adequado e atrativo para que os IEDs chegassem ao agronegócio brasileiro. Acrescenta-se, ainda, a esse contexto político e econômico a adoção de políticas neoliberais, a partir do final da década de 1980 que permitiram a circulação mundial de capitais e, portanto, as fusões e aquisições (F&As). Este processo levou o agronegócio a uma nova configuração da acumulação capitalista no campo brasileiro, que levam a internacionalização do setor, no Brasil.
Diante deste contexto, o território brasileiro vem sendo alvo de grupos internacionais, mediante a produção do valor produzido a partir do Brasil para o mercado internacional. Deste modo, as práticas adotadas por grupos de empresas que podem ser denominadas de corporativas ou transnacionais. A primeira tende a acontecer com mais assiduidade nas fases iniciais e de crescimento, enquanto a transnacionalização tende a ocorrer quando as empresas e grupos estrangeiros adquirem através de investimentos a compra de empresas nacionais, passando assim a adquirir uma denominação “nacional”, mas a partir de capitais estrangeiros.
A análise da internacionalização produtiva de empresas e grupos é dominante na Administração de Empresas e na Economia. Na Geografia, os trabalhos consultados são gerais, visando corroborar na relação do avanço internacional das empresas com a crise de superacumulação capitalista e com as tensões entre essas instituições e os trabalhadores. Este artigo, é uma contribuição à Geografia Econômica e Agrária, particularmente na compreensão em escala regional dos investimentos produtivos internacionais.
Deste modo, pautamos o artigo nas vertentes teóricas cujas atenções se voltam à estratégia e estrutura organizacional das empresas o que é justificado à medida que, num mundo globalizado e de competição global, as empresas e grupos não agem globais, tanto em seus modos de pensar, mas ainda nas maneiras de operar.
Neste sentido, a produção teórica do economista francês François Chesnais merece destaque no que concerne o movimento do capital e as configurações do capitalismo na contemporaneidade. Ao pautar sua reflexão sobre o capitalismo no contexto por ele denominado de mundialização do capital, Chesnais aborda questões como os processos de internacionalização de capitais (produtivo, comercial e financeiro), o triunfo do capital financeiro e especulativo sobre o capital produtivo, a centralidade do capital financeiro no processo de acumulação, as configurações do mercado e da economia mundial, bem como a crise contemporânea do capital como expressão e resultado de sua mundialização.
Conforme Chesnais, se faz necessário distinguir, no curso histórico do capitalismo,
[...] certos momentos em que numerosos fatores desembocam num novo conjunto de relações internacionais e internas, que ‘formam um sistema’ e que modelam a vida social, não apenas no plano econômico, mas em todas as suas dimensões (CHESNAIS, 1996 (a), p. 14).
De acordo com Chesnais, ao tratar da mundialização capitalista se está designando um novo contexto histórico, marcado por profundas e significativas transformações. Apesar de estar marcado pelo complexo das contradições do capital, e, portanto, sem apontar para a constituição de uma sociedade pós-capitalista ou pós-industrial – como declararam alguns –, essas transformações abrem uma nova fase no curso histórico de desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias.
Dessa forma, o conteúdo efetivo da
[...] globalização é dado não pela mundialização das trocas, mas das operações do capital, sob a tripla forma do capital industrial, do capital concentrado engajado no negócio e na grande distribuição e, sobretudo, cada dia de maneira mais evidente, sob aquele do capital-dinheiro concentrado que se valoriza no seio da esfera financeira, mas que se nutre de punções sobre a esfera produtiva onde se formam o valor, a mais-valia e outras variedades de sobre produto (CHESNAIS, 1996 (a), p 67).
Conforme Oliveira (2016), a mundialização do capital concretizou as empresas mundiais, fruto de um acordo de classes entre as burguesias nacionais dos distintos países, transformando-se, em burguesia mundial.
A disputa foi substituída pela cooperação entre as empresas estrangeiras pelo processo de associação e/ou fusão com as nacionais. Dessa forma, as empresas mundiais nasceram como fruto dessa nova aliança de classes entre as burguesias nacionais dos diferentes países, transformando-se também, em burguesia mundial (OLIVEIRA, 2016, p. 97).
Ainda,
[...]a lógica dessas novas alianças originou-se da crescente necessidade de integração entre as diferentes tecnologias e setores da economia; dos custos crescentes em pesquisa e desenvolvimento; do encurtamento do ciclo de vida útil dos produtos; e da escassez relativa de mão de obra altamente qualificada nos países industrializados (OLIVEIRA, 2016, p. 97 - 98).
Isso fez com que certas economias nacionais se tornassem mundiais, passando a controlar a força de trabalho, os mercados e as fontes de matérias-primas dos diferentes países. Com isso, formou-se o mercado mundial de mão de obra, a posse e monopólios das fontes de matérias-primas e a divisão dos mercados, ao substituir a disputa entre empresas por uma cooperação entre empresas estrangeiras e nacionais por meio de aquisições e/ou fusões.
Dessa forma, partimos do pressuposto de que a internacionalização do agronegócio brasileira é uma estratégia de acumulação de capital internacional por parte de megaempresas mundiais interessadas na elevação dos commodity agrícolas em escala global. Nessa perspectiva, este artigo procura evidenciar como a financeirização, juntamente com o apoio do Estado, beneficiou o agronegócio com a incorporação de novos territórios. Justifica-se, portanto, considerar a presença da internacionalização do capital na produção brasileira desde a industrialização do Brasil que, como resultado do neoliberalismo, tornou a agricultura brasileira mundializada. De acordo com François Chesnais (1996(a)), a partir de um regime de acumulação capitalista desenvolvido em um processo de internacionalização do capital e profunda crise de superprodução, o conceito de mundialização surgiu para explicar os elementos fundantes deste novo período histórico do capitalismo.
Diante do brevemente exposto, serão problematizadas as modificações introduzidas no processo de internacionalização do agronegócio brasileiro a partir da interação de capitais (nacionais e internacionais) que incitam algumas perguntas, tais como: quais os motivos para a multinacionalização dos grupos? Quais as escalas de acumulação e como elas se articulam? Qual o papel do Estado na consolidação e na internacionalização das atividades do conglomerado? Essas perguntas são abordadas, direta e indiretamente, ao longo do desenvolvimento deste trabalho.
Para tanto, é imprescindível compreender aspectos teóricos, conceituais e espaciais desse processo da internacionalização da produção referentes à conceituação da internacionalização da produção, à análise da emergência das transnacionais sediadas em países periféricos e suas repercussões e redefinições nas relações espaciais - compreendidas historicamente como centro-periferia – e à construção de uma definição de uma centralização de capital desconcentrada em alguns países periféricos, em vez de somente na tríade: produção de commodities, bolsas de mercadorias e de futuros e formação de empresas monopolistas mundiais.
Para cumprir os objetivos propostos, foram realizadas as seguintes etapas metodológicas: tanto um levantamento teórico-bibliográfico, realizado em bibliotecas e acervos de diferentes tipos, a respeito da temática direcionado ao entendimento da dinâmica estudada, bem como a construção de referencial teórico de obras direta e indiretamente relacionadas. Em relação ao processo de globalização e mundialização do capital financeiro que foi determinante para a entrada de novos capitais no setor, e com as crises financeiras ocorridas, grupos de diferentes regiões do país aproveitaram o momento de fragilidade para apoderar-se de usinas no estado se destacam os autores Chesnais, (2005), Saes; Campos, (2006), Delgado (1985), Oliveira, (2009), Dunning; Hoesel; Narula (1997), Sposito; Santos, (2012) no que tange. Essa condição foi importante para a entrada do capital internacional. Como também foram utilizados dados levantados da produção e da situação econômico-financeira das empresas através de publicações de organismos nacionais e internacionais relacionados ao setor.
Com a intenção das análises e discussões apresentadas contribuírem para a interpretação e um novo debate, sobretudo na Geografia Econômica e Agrária, do atual momento vivido de internacionalização pelo agronegócio brasileiro que é visto como uma nova lógica de produção, desenvolvimento e expansão da política dos commodities.
2. Mundialização do capital, redes geográficas e Integração territorial do capitalismo mundial
Pretende-se, num primeiro momento, debater determinados aspectos imanentes à internacionalização do capital e debater, criticamente, as teorias que possam contribuir à compreensão deste processo em constante desenvolvimento. O propósito é de elaborar um constructo teórico capaz de permitir compreender, adequadamente, a internacionalização e as configurações que este processo tem adotado.
A internacionalização do capital pode ocorrer sob diferentes modos, de acordo com cada momento histórico. Cada período, em seu conjunto, é caracterizado pelo seu predomínio de uma característica da internacionalização, o que, aliás, não significa que outras características sejam eliminadas. Assim, as modificações ocorridas na base técnico-produtiva das empresas e as novas formas na esfera normativa dos Estados-Nação permitem a introdução de novas disposições espaciais com integração regional, reestruturação produtiva e organizacional das empresas, especialização territorial produtiva, criação de redes intrarregionais, internacionais e mudanças na forma de agir do Estado na esfera econômica e social. Essas características estão relacionadas diretamente às relações que certas empresas estabelecem em outros países, como, por exemplo, através do comércio de bens e de serviços, de investimentos diretos estrangeiros (IDEs), de associações com empresas de outros países (joint venture) e fluxos de capital financeiro.
As relações constituídas pelas empresas em outros países apresentam, não apenas uma dimensão temporal, mas também uma dimensão espacial. De tal modo, nos diversos períodos de internacionalização do capital, o predomínio existente tem um aspecto espacial subjacente do resultado das condições de acumulação vigentes como característica determinante para a acumulação de capital.
No final do século XX e início do século XXI o termo globalização começa a ser debatido e o processo de internacionalização da economia ganhou atenção à medida que as fronteiras territoriais dos países não iam ser mais capazes barrar influências do exterior e impedir a busca por novas oportunidades. De acordo com Milton Santos(2008), a configuração contemporânea do mundo permite pensar na presença de um novo momento histórico. Deste modo, a globalização deve ser compreendida enquanto período histórico demarcado por acontecimentos que se materializam nos lugares, incorporando ciência e tecnologia, nomeando pelo meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2008).
Esse período, segundo Furtado (1999), se define pela manifestação de um novo processo de acumulação econômica com a incorporação dos espaços econômicos periféricos na economia-mundial, com base na difusão dos conhecimentos do tripé aliança entre informática/eletrônica/comunicação (FURTADO, 1999). Por Chesnais (1996 (a)),este ciclo é definido como mundialização do capital:
O fato de colar o termo “mundialização” ao conceito de capital consiste em registrar o fato de que parte dos segmentos mais decisivos dos mercados financeiros é hoje em dia mundializado com modalidades e instrumentos variados. Além disso, significa que o campo no qual se desenvolve o capital industrial concentrado (campo este que podemos também designar como o âmbito que as empresas transnacionais definiram para elaborar suas estratégias “globais”) é aquele das relações constitutivas do oligopólio mundial, o qual domina os mercados (e também as formas de mercado) internos, até mesmo nos países mais fortes. A mundialização do capital apresenta-se, portanto, como uma fase específica de um processo muito mais longo de constituição do mercado mundial em primeiro lugar e, depois, de internacionalização do capital, primeiro sob sua forma financeira e, em seguida, sob sua forma de produção no exterior (CHESNAIS, 1996 (a), p 06).
A mundialização é a justaposição do político e do econômico com o fortalecimento, por Estados e empresas, da esfera rentista e especulatória do capital para consolidar novas formas de acumulação em escala mundial. A mundialização deve ser entendida como processo que impulsiona o desenvolvimento do capitalismo no período histórico contemporâneo; a globalização como forma de superexploração econômica atual. Deste modo, Furtado, (1999) se refere ao processo de mundialização indicando múltiplas dimensões, a saber: a tecnológica, a comercial, a financeira, a produtiva e a territorial. Assim, hierarquias territoriais são consolidadas, ao disputar com as economias centrais, pela promoção de uma integração hierarquizada das economias periféricas através de especializações produtivas e narrativas de competitividade nacional, excluídas da dinâmica econômica mundial.
Conforme Chesnais (1996b) é possível compreender o processo de internacionalização das empresas, na década de 1970, a partir de medidas de liberalização e desregulamentação inicialmente tomadas pelos Estados Unidos e Inglaterra, particularmente, e respaldadas e difundidas a outros países por instituições supranacionais como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. Isto extinguiu o controle de movimento de capitais, permitiu a integração internacional dos mercados financeiros nacionais com fusões e aquisições e acentuou a centralização e a concentração da produção e da comercialização no plano mundial.
Ou seja, esse aporte político em formulações neoliberais em países de capitalismo avançado, em voga desde os anos 1970, promoveu uma reestruturação produtiva de produção e consumo, em primeiro momento por empresa multinacional, com o suporte do advento de novas redes de circulação viabilizadas pela difusão de sistemas de comunicação, informática e eletrônica. Isso só foi possível porque:
[...] estamos num contexto novo de liberdade quase total do capital para se desenvolver e se valorizar sem ter que continuar a se submeter a entraves e limitações que ele havia sido constrangido a aceitar, especialmente na Europa, depois de 1945. Esse capitalismo liberado [...] não é de nenhuma maneira um capitalismo renovado. Ele reencontrou simplesmente a capacidade de exprimir brutalmente os interesses de classe sobre os quais está fundado (CHESNAIS, 1996 (b), p.16).
Em relação às mudanças ocorridas nas últimas décadas, que viabilizaram a liberdade assumida pelo capital, diz Chesnais diz um pouco mais:
É nos domínios da moeda e da finança, de uma parte, e do emprego e das condições contratuais de trabalho, de outro, que as políticas de liberalização, de desregulamentação foram levadas mais longe e de maneira mais homogênea de um país capitalista a outro. É claro que as prioridades ditadas pelo capital são as engajadas na extração da mais valia na produção de mercadorias e de serviços, mas, depois de quinze anos, são, sobretudo, de maneira sempre mais importante, as de um capital extremamente centralizado que conserva a forma dinheiro e que pretende se frutificar como tal no interior da própria esfera financeira. [...] as operações do capital-dinheiro incluem um componente sempre mais importante de capital fictício (CHESNAIS, 1996 (b), p. 16).
O autor descreve, detalhadamente, as condições que permitiram a remoção das regulamentações e dos controles nacionais que levou à liberalização dos mercados de câmbios, à oferta de títulos públicos a operadores estrangeiros e à entrada de empresas estrangeiras na bolsa de valores. Ainda a desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e a desintermediação abriram caminho para inovações, com a criação de novas formas de aplicação monetária, salientando o papel exercido pelos principais estados nacionais (Estados Unidos e Inglaterra). Isto é, embora não desconsidere a chamada flexibilização do mercado de trabalho, dá prioridade às modificações ocorridas no campo monetário e financeiro.
De acordo com Chesnais (1996 (b)), para uma crítica a economia mundial, é imprescindível compreender o conceito de capital, que precisa ser refletido como uma unidade diferenciada e hierarquizada. Assim, pensar nas três formas de capital (capital-produtivo, capital mercadoria e capital-dinheiro) podem aparecer contradições, todavia, por mais intensas que constituem essas dinâmicas, não podem evitar o fato de que o capital é constituído na propriedade privada e que atualmente, mesmo o capital-produtivo, é caracterizado por um grupo rentista seleto. Portando, o autor traz algumas características quanto ao capitalismo contemporâneo,
O caráter de fetiche das relações capitalistas foi multiplicado por dez com o ressurgimento, numa escala sem precedente histórico, das operações do capital que conserva a forma dinheiro e se valoriza por punções nas rendas formadas na produção de valor e de mais-valia, mas sem sair da esfera financeira. [...] No momento em que Marx escrevia [...] as operações do capital dinheiro eram ainda de um montante muito pequeno. Elas eram, sobretudo, subordinadas ao movimento do capital industrial e não pretendiam reger a atividade social, de parte à parte, como hoje (CHESNAIS (b), 1996, p. 18).
Para Furtado (1999), ao analisar o fenômeno, destacando que “estaríamos em uma fase nova de desenvolvimento do sistema econômico, caracterizado pelo predomínio da dimensão que ultrapassa o quadro nacional e vai além da dimensão internacional tradicional”. Para o autor, a mundialização apresenta um conjunto de continuidades e rupturas na qual,
[...] a onda atual de mundialização consiste na expansão sem precedentes do sistema, numa escala ampliada, segundo modalidades e características próprias, distintas das anteriores e que rompem com suas trajetórias. Estabelece-se agora hierarquias sem nenhum precedente histórico, que ocorrem em três planos: o das frações do capital, o dos grupos sociais e o das regiões ou espaços. Mudaram concomitantemente as relações entre as diferentes modalidades da riqueza, com novos setores dominantes, sobretudo com a financeirização, com a busca de modalidades de valorização em que os grupos econômicos característicos do capital concentrado arbitram entre diferentes aplicações – em que funções produtivas e comerciais tomam cada vez mais as características próprias do capital financeiro (FURTADO, 1999, p. 100).
O processo de mundialização é compreendido no capitalismo, enquanto modo de produção e acumulação, assim, não se desenvolve em uma única fração do território: sua sobrevivência é alcançada graças às relações que promove em territórios nacionais distintos e descontínuos. O uso desses territórios nacionais ocorre mediante um conjunto mundializado de técnicas e normas que racionaliza e padroniza a produção, a circulação e o consumo; um motor que impulsiona a vida econômica e social.
A mobilidade do capital é elemento central na compreensão da mundialização contemporânea. A esse processo Harvey (2012) chama de acumulação flexível e afirma que,
[...] ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual tanto entre setores como entre regiões geográficas (HARVEY, 2012, p. 140).
Os progressos de inovações tecnológicos e a aproximação entre a política das empresas e a política dos Estados (SANTOS, 1997) são fatores indispensáveis para exame da mundialização como elemento que cria configurações de apropriação/expropriação nos modos contemporâneos do território através das atividades produtivas. A mundialização como concretude dos processos de acumulação opera enquanto motor único de um intenso e rápido processo de reestruturação produtiva conectando escalas e agentes, simultaneamente, em um sistema de produção flexível, mas racional e padronizado; um sistema-mundo para além da dimensão econômica.
As consequências do desenvolvimento das forças produtivas na contemporaneidade apontam para a perspectiva de Delgado (2012) que categoriza o atual momento histórico em relação aos meios de produção que dinamizam a esfera financeira.
Dessa forma, a economia capitalista monopolista finalmente, engendrou sua própria mundialização. Essa mundialização é muito mais do que a pura e simples internacionalização ou multinacionalização da economia. A internacionalização decorreu dos processos de evolução dos diferentes setores industriais a partir de uma crescente integração dos fluxos de conhecimentos técnicos, matérias-primas, bens intermediários, produtos e serviços finais através de diversos países do mundo. A multinacionalização por sua vez, originou-se do processo de transformação das empresas nacionais em empresas internacionais e multinacionais através da expansão por diferentes países via abertura de filiais, aquisições, fusões, associações etc. (Delgado, 2012, p. 05).
O autor chama atenção que multinacionalização, internacionalização e mundialização são processos interligados e que, por detrás dessa dinâmica, há uma hegemonia dos grupos transnacionais monopolistas e o controle das instituições financeiras (bancos, companhias de seguro, fundos de pensão e sociedades financeiras de investimento coletivo). Portanto, são esses investimentos que tornaram imprescindíveis os agentes dos grupos de investidores, pois os mesmos compreendem como funciona o sistema financeiro articulando-se estrategicamente na produção industrial e nas relações de trabalho.
Assim, a partir dos ativos financeiros das empresas multinacionais e da alta competitividade alinhados com a Bolsa de Valores, as empresas investem a partir do processo de acumulação, por investidores institucionais, como por exemplo, os fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros, bancos que conduzem sociedades de investimentos, que procuram realizar através da centralização dos lucros não reinvestidos das empresas e das rendas não consumidas das famílias, sobretudo os planos de previdência privados e a poupança salarial, o saldo de uma acumulação financeira de grandeza (CHESNAIS, 2005). Além disso, para o autor, o capital financeiro não foi levado ao lugar que hoje ocupa por um movimento próprio.
Antes que ele desempenhasse um papel econômico e social de primeiro plano, foi necessário que os Estados mais poderosos decidissem liberar o movimento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas financeiros. Foi igualmente preciso que recorressem a políticas que favorecessem e facilitassem a centralização dos fundos líquidos não reinvestidos das empresas e das poupanças das famílias (CHESNAIS, 2005, p. 35-36).
Foi assim que as instituições especializadas se tornaram proprietárias dos grupos: proprietários-acionistas uma característica particular das estratégias inteiramente submetidas à maximização de uma nova grandeza, o valor acionário (CHESNAIS, 2005).
Sendo assim, não basta uma empresa comercializar seus produtos no mercado internacional para que ela seja analisada como uma empresa multinacional ou global, também não a abertura de uma filial em outra nação. A dimensão global ou nacional está na expansão geográfica do controle de produção e dos mercados, impondo padrões produtivos e de acumulação, alterando relações de trabalho e de reprodução social em escala extranacional, promovendo uma (re)estruturação da produção e nas relações de poder e soberania entre Estados e empresas.
A esfera do comércio internacional é apenas um dos elementos da mundialização, segundo Michalet (2003), a multidimensionalidade do processo de mundialização abarca a dimensão das trocas de bens e serviços, a mobilidade da produção e a circulação de capitais financeiros. Sua complexidade está relacionada aos elementos de multidimensionalidade apresentados no território e na formação das redes.
Em conformidade com a percepção de mundialização, pautamo-nos pela noção de totalidade mundo e os lugares, de acordo com Santos (2009), sendo estas as coordenadas a seguir ao examinar a materialidade presente do objeto dessa pesquisa. Assim, a produção do agronegócio no Brasil ocorre engendrada a movimentos externos de normatização e controle dos mercados produtores de alimentos e da integração entre produção e consumo por uma complexa rede de circulação de capitais e mercadorias em territórios nacionais descontínuos, mas com implicações diretas na esfera do território brasileiro, assim ao inserindo-se na esfera mundial com a produção de commodities agrícolas.
Contudo, a próxima seção irá discutir o processo de internacionalização do agronegócio brasileiro, com destaque para o debate sobre a participação do capital internacional na formação da economia brasileira, a partir da interação de capitais (nacionais e internacionais). Para isso, retomaremos alguns pontos importantes que culminaram na configuração do atual cenário das empresas do agronegócio, fazendo um retrospecto dos investimentos estrangeiros no agronegócio brasileiro.
3. O debate sobre a internacionalização da economia no Brasil
A agricultura brasileira passou por profundas modificações ao longo dos anos, especialmente em seu processo de financeirização envolvendo o Estado via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e atualmente com um sistema de financiamento privado baseado nas tradings internacionais. De tal modo, com maior expressão na década de 1990, novos agentes em forma de empresas mundiais que passaram a controlar múltiplos segmentos agrícolas apareceram no cenário agrícola caracterizado por uma transformação que deriva da intensa influência do capital monopolista internacional na economia brasileira (MEDEIROS, 2015).
De acordo com Samuel Pinheiro Guimarães (2000), os efeitos das diferenças entre o capital de investimento direto estrangeiro e nacional sobre a economia e as políticas de capital são cruciais para as perspectivas, ao longo prazo, para o desenvolvimento da sociedade e do lugar do Estado brasileiros na esfera internacional. Para este autor, na contemporaneidade em relação aos investimentos e ao comércio, o capital estrangeiro toma a forma de megaempresas multinacionais; no caso dos financiamentos, em megabancos e, no caso do capital especulativo, em megafundos de pensão. Em sua esmagadora maioria, essas megaentidades têm sede nos principais países desenvolvidos, que se encontram no centro do sistema econômico internacional e no centro das estruturas hegemônicas de poder (GUIMARÃES, 2000).
A compreensão das relações entre capital estrangeiro e capital nacional, entre tecnologia e emprego, entre coesão social e violência, entre soberania e subordinação, entre centro e periferia é crucial para entender o processo de globalização – excludente e assimétrica – no qual está inserido o Brasil, e assim permitir a definição de políticas que façam com que a sociedade brasileira se beneficie de seus aspectos positivos e se defenda de seus efeitos negativos (GUIMARÃES, 2000, p. 144).
Analisando a origem do debate sobre a participação do capital internacional na formação da economia brasileira, os autores Alexandre Macchione Saes e Fábio Antônio de Campos (2006) localizam a origem e a ascensão do debate intelectual sobre o capital internacional na formação econômica brasileira entre o início do período republicano e a eclosão do golpe militar em 1964. Esse período divide-se em “origem”, do final do século XIX a 1930, e “ascensão”, do Governo Vargas ao início do regime ditatorial em 1964 (SAES; CAMPOS, 2006).
A partir de uma contextualização histórica os autores transcorrem sobre a emergência de novos setores econômicos provenientes do crescimento urbano-industrial brasileiro no final do século XIX. Iniciando a contextualização pela Inglaterra, ao final do século XIX, seguindo com a expansão imperialista de novas potencias como Alemanha, França e Estados Unidos para os países periféricos que se tornavam mercados atraentes para investir (SAES; CAMPOS, 2006).
No plano interno, durante grande parte do século XIX, a inserção estrangeira foi fundamentalmente conduzida por capitais ingleses. Em todo período imperial, os bancos ingleses auxiliaram o governo brasileiro por meio de empréstimos, e por volta da década de 1870 os investimentos voltaram-se para a construção de ferrovias. Nesse sentido, eram os setores vinculados à economia exportadora que mais atraíram os interesses estrangeiros (SAES; CAMPOS, 2006, p. 171).
De acordo com os autores, o momento foi caracterizado por uma problemática política centrada na discussão entre liberalismo e protecionismo, em que a elite brasileira era cooptada pela ideologia liberal inglesa e alguns poucos políticos defendiam a proteção tarifária do mercado nacional (SAES; CAMPOS, 2006), e durante o período republicano existiu o debate sobre a necessidade de abrir o mercado nacional para o capital estrangeiro.
Deste modo, os eventos que influenciaram a dinâmica dos fluxos de capitais ao redor do mundo, entre 1930 e 1964, foram originados pela crise de 1929 e a grande depressão dos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial, havendo uma retração dos investimentos externos, já que os países se encontravam preocupados em afirmar a economia de seus mercados internos (SAES; CAMPOS, 2006). Nessa conjuntura, o país organizou seu desenvolvimento industrial articulado com a construção do aparelho do Estado. No início, esses capitais eram empregados no viés do desenvolvimento agrário exportador e a partir dos anos 1950, com o desenvolvimento industrial em ascensão no Brasil e a recuperação mundial pós Segunda Guerra, existindo novamente uma abertura ao capital internacional. De acordo com Delgado (1985),
A integração de capitais, entendida como forma de fusão de capitais agrários, industriais, comerciais e bancários, conjugada ao apoio financeiro dessas corporações no âmbito da política governamental, representa uma maneira particular de articulação do capital financeiro com a agricultura (DELGADO, 1985, p. 124).
Podemos dizer que se antes prevalecia um modelo de financiamento rural, com predominância dos bancos estatais, taxas de juros altamente favorecidas e todo um adjacente de outros parâmetros de política financeira, Delgado (1985) aponta as modificações no modelo de financiamento a partir dos novos critérios da política monetária adotadas na agricultura, tais como:
a) A nova importância que assumem as fontes de autofinanciamento na produção rural, à vista do encarecimento rápido dos custos financeiros; b) Uma seleção da clientela que demanda crédito, com a emergência de clientes preferenciais representados por empresários rurais ligados a atividades econômicas integradas com a indústria, comércio exterior, serviços, etc.; c) A própria integração direta dos grandes bancos e grandes grupos econômicos com interesses em aplicações na produção agrícola e no mercado de terras, expandindo o negócio bancário para além do crédito; d) As novas formas e fontes de captação de excedentes financeiros – as poupanças individuais, sua remuneração e aplicação no crédito rural – admitindo-se que o novo sistema operaria fundamentalmente com menores transferências de saldos líquidos a custo nulo, como o são os depósitos à vista e as transferências fiscais e para-fiscais para o empréstimo ao setor rural, e; e) Em período de crise financeira aguda como o autor destaca no início da década de 1980, a mudança do padrão de financiamento, como ora vem se processando, se manifesta geralmente de forma negativa, reduzindo o volume de financiamentos e exacerbando as tendências mais parasitárias do negócio do dinheiro, sem lograr solidificação de novas associações dos empreendimentos produtivos com as instituições financeiras. (DELGADO, 1985, p. 125-126).
A multinacionalização das empresas, motivada pela internacionalização do capital, é um fenômeno que se reforça cada vez mais, sendo este processo subjacente ao próprio modo capitalista de produção, podendo ser entendido como outra face do capitalismo (SPOSITO; SANTOS, 2012).
Examinando pela ótica marxista, o desenvolvimento das forças produtivas através das empresas mundiais começa a partir do processo de acumulação em que elas focam seus capitais ociosos (capital-dinheiro) aos países periféricos, (América Latina), cujos Estados estavam promovendo a industrialização. O contexto dos países da América Latina oferece mão de obra barata, matérias-primas e, especial, mercados em potencial para as empresas multinacionais (SPOSITO; SANTOS, 2012). Ademais, esses países beneficiaram-se da competição por monopólios e da expansão do contexto das multinacionais estadunidenses e europeias para atrair investimentos em condições vantajosas para seus processos de industrialização tardia. De tal modo, a internacionalização deixou de ser comercial e passou a ser produtiva, sem eliminar as trocas comerciais (SPOSITO; SANTOS, 2012).
Para isso, os autores John H. Dunning (1988) e Dunning; Rajneesh Narula (1997) propõem um corpo teórico que vincule a emissão e a recepção de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDEs) de um país e seu nível de desenvolvimento. Alguns aspectos estão diretamente ligados às relações que as empresas estabelecem em outros países, por exemplo, por meio do comércio de bens e de serviços, dos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED[1]),das associações com firmas de outros países (na forma de joint ventures) e dos fluxos de capital financeiro. Eles denominam esse corpo teórico de caminho de desenvolvimento do investimento (Investment Development Path), no qual se procura enquadrar os países em várias etapas (Quadro 01 abaixo), correlacionando entrada e saída de IDEs à medida que os países elevam seus níveis de desenvolvimento.
O modelo e o caminho do desenvolvimento e o investimento sugere que os fluxos de IDEs, internos e externos, são uma função/reflexo do avanço dos níveis de desenvolvimento dos países. Os dois primeiros modelos são entendidos por estratégias de catch up vis-à-vis dos países desenvolvidos, enquanto a fase três corresponde aos países mais desenvolvidos e às suas empresas multinacionais.
Quadro 1: Características dos investimentos diretos estrangeiros externos nos diferentes estágios do caminho de desenvolvimento do investimento
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Primeira fase |
Segunda fase |
Terceira fase |
Destinação |
IDEs regionais: países vizinhos e outros países em desenvolvimento |
Majoritariamente ainda regional, mas expandindo para uma base global. |
Base global |
Motivação |
Procurando recursos e mercados nos países em desenvolvimento |
Em países em desenvolvimento procurando recursos e mercados. Em países industriais procurando ativos e procurando mercados. |
Procurando eficiência – A motivação Empresas Multinacionais visam Uso otimizado de cada Vantagem comparativa e competitiva dos Países. |
Tipos de IDEs externos |
Em países em desenvolvimento Intensivo em ativos naturais, produção em pequenas escalas em indústrias leves (Heksher-Ohlin), movendo-se em direção às indústrias Smithianas sem diferenciação. |
Em países em desenvolvimento setores intensivos em ativos naturais como na primeira onda. Em países industriais. a) tipo montagem, IDEs procurando mercados primeiramente em indústrias Smithianas. b) Investimentos procurando ativos em indústrias schumpeterianas. |
Setores intensivos em capital e conhecimento (schumpeteriano) Índice de capital/trabalho dependente de ativos naturais/criados do país de origem. |
Vantagens de propriedade |
Primeiramente específicas do país de origem. |
Tanto da firma como dos países de origem. |
Principalmente vantagens avançadas específicas da firma (propriedade dos ativos e da condição de transnacional). |
Exemplos de vantagens de propriedade |
1. Propriedade do Grupo conglomerado. 2. Tecnologia (principalmente adaptada). 3. Gerenciamento adaptado às condições do Terceiro Mundo. |
1. Propriedade do Grupo conglomerado 2. Gerência adaptada às condições do Terceiro Mundo 3. Baixos custos (incluindo pessoal da gerencia e técnico) 4. Vantagens étnicas 5. Alguns produtos diferenciados 6. Habilidades de marketing limitadas 7. Controle vertical sobre mercados de fatores/produtos 8. Capital subsidiado. |
1. Tamanho grande – economias de escala 2. Acesso a mercados de capitais 3. Tecnologia 4. Diferenciação de produtos 5. Know-how de marketing 6. Habilidades de marketing além das fronteiras 7. Atividades intra- firmas eficientes. |
Fonte: Dunning; Hoesel; Narula (1997). Org.: ARAÚJO, 2020.
4. A nova dinâmica da agricultura latino-americana e brasileira no contexto da expansão do capital internacional
Ao analisar a agricultura e a indústria brasileira na conjuntura da internacionalização e/ou mundialização, se encontra um desenvolvimento ligado ao capital internacional, que se expressou mais fortemente a partir da década de 1990. O Brasil, ao acreditar na igualdade de capitais, promoveu a desregulamentação da indústria e a promoção do capital externo difundido por empresas mundiais/ multinacionais que transformaram o modo de produção no país.
Assim, há no Brasil 453 milhões de hectares de terras agrícolas sob uso privado, que correspondem a 53% do território nacional. Segundo dados do Atlas da Agropecuária Brasileira, um projeto do Imaflora em parceria com o GeoLab da ESALQ/USP, 28% das terras privadas têm tamanho superior a 15 módulos fiscais. Os latifúndios brasileiros seriam o 12º maior território do planeta, com 2,3 milhões de km² se formassem um país. Apenas com nossas terras improdutivas poderíamos ainda formar outro país de dimensões continentais: os 66 mil imóveis declarados como “grande propriedade improdutiva”, em 2010, totalizavam 175,9 milhões de hectares. Sozinho, este estoque de terras seria suficiente para suprir a demanda por reforma agrária e conceder títulos aos 809.811 produtores rurais sem-terra.
A figura 1 mostra que dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, 16 contam com mais de 80% de suas terras em propriedades privadas. O caso do Mato Grosso do Sul é ilustrativo: com 92,1% de sua área de sob títulos privados, o estado tem também o maior índice de latifúndios (83%) entre imóveis rurais no Brasil. A concentração de terras em grandes propriedades é uma característica marcante da região Centro-Oeste, cujo tamanho médio dos imóveis rurais é de 339 hectares, contra uma média nacional de 79 hectares.
Ainda que o coronelismo siga como prática vigente em várias regiões do país, essa expansão tornou o processo de ocupação e uso da terra mais estruturado e vem se integrando, progressivamente, às cadeias globais de valor, muitas vezes em associação ao capital transnacional.
Figura 1: Estados campeões na concentração de terra. Fonte: Santos e Glass (2018).
Grande parte da produção brasileira de commodities agrícolas está vinculada a conglomerados de estrutura verticalizada, que controlam do plantio à comercialização. A seguir a figura mostra a expansão da produção de soja e de cana-de-açúcar no Brasil, 1973 – 2014.
Figura 2: Expansão da produção de soja e de cana-de-açúcar no Brasil, 1973/2014.
Fonte: Santos e Glass (2018).
Eliseu Saverio Spósito e Leandro Bruno Santos (2012) apresentam uma perspectiva de interpretação do papel das grandes empresas, neste caso as “multilatinas”, que são como se apresentam as grandes organizações que se transnacionalizam a partir de alguns países da América Latina (Brasil, México, Argentina e Chile).
Para Oliveira (2009) a mundialização da agricultura brasileira é abordada na perspectiva teórica de François Chesnais, que trouxe o alerta sobre a aliança de classe da burguesia capitalista em nível mundial. O autor faz no texto associações entre empresas monopolistas internacionais com empresas nacionais que alteraram suas estruturas, deste modo ficando como empresas mundiais, ou seja, o capital desenvolve-se pelos países emergentes, levando setores das burguesias nacionais para outro patamar, alterando sua configuração para capitalistas mundiais. As multinacionais são analisadas pelo autor como a demonstração mais avançada de um capitalismo que, a partir da crise inter-imperialista, acomodou novas configurações de organização interna e de relações de trabalho, assim, essas que por sua vez, aceitaram sobrepujar as contradições geradas pela disputa de mercados e fontes de matérias-primas entre as empresas nacionais.
O domínio e expansão das empresas multinacionais, dessa forma, envolvem, simultaneamente, três processos relacionados: necessidade de movimentos internacionais de capitais, produção capitalista internacional e existência de ações de governos a nível internacional (OLIVEIRA, 2009, p 3).
Deste modo, se observa indicadores da atividade das multinacionais da América Latina que demonstram um aumento da atividade destas empresas nos últimos anos. As aquisições de ativos tiveram uma forte alta em 2017, enquanto que os anúncios de investimentos estrangeiros por parte de empresas da América Latina em 2018 aumentaram em 163% e se colocaram em níveis próximos aos registrados em 2010 e 2011, a época de maior expansão do IED regional (Gráfico 1).
Gráfico 1: Fluxos do IED para o exterior, fusões e aquisições executadas e projetos de investimento anunciados por empresas da América Latina (milhões de dólares), 2010 – 2018[2].
Fonte: Santos e Glass (2018).
Assim, podemos examinar que as economias da América Latina deixaram para trás a recessão de 2015 e 2016, e emplacaram dois anos consecutivos de crescimento em 2017 e 2018, desacelerando em 2019 em 0,6%, mas com aspectos de recuperação para 2020, quando se espera um crescimento de 2,3%, em que pese os efeitos da pandemia de Covid-19 e sua consequente recessão global. Assim, podemos observar no fenômeno da internacionalização que é a procura por novos espaços para a continuidade do processo de acumulação. Sendo a busca por novos espaços uma alternativa à crise de superacumulação e às contradições do modo capitalista de produção em economias maduras[3] (SPOSITO; SANTOS, 2012).
Para Oliveira (2012), a mundialização assumiu atributos básicos do capitalismo monopolista no final do século XX, integrando o capital na escala mundial, cunhando as empresas mundiais com o intuito de se produzir em qualquer lugar do mundo onde as possibilidades de redução de custo e ingresso ao patamar tecnológico vigente seja possível.
A mundialização decorreu dos processos de evolução dos diferentes setores industriais a partir de uma crescente integração dos fluxos de conhecimentos técnicos, matérias-primas, bens intermediários, produtos e serviços finais através de diversos países do mundo. A mundialização por sua vez, originou-se do processo de transformação das empresas nacionais em empresas mundiais através da expansão por diferentes países via abertura de filiais, aquisições, fusões, associações, etc. Internacionalização, multinacionalização e mundialização são, portanto, fenômenos integralmente interconectados. São expressões do processo de transformação do capitalismo industrial e financeiro, centrado principalmente nas economias nacionais, para um capitalismo centrado na economia mundial. (OLIVEIRA, 2016, p. 100).
Podemos observa a partir do Gráfico 2 (abaixo) a utilização de técnicas e tecnologias de agricultura de precisão. Deste modo, o mercado de máquinas e tecnologia agrícola é espantoso. A partir dos dados do Atlas do agronegócio de Santos e Glass (2018) o mercado de máquinas e tecnologia agrícola tem um faturamento mundial de US$ 137 bilhões, sendo que 2013 foi o melhor ano do setor.
Desde então, as vendas de tratores, enfardadeiras, máquinas de ordenha, equipamentos de alimentação e outros aparelhos técnicos estão diminuindo, em função dos baixos preços dos produtos agrícolas, saturação dos mercados europeu e norte-americano e diminuição dos subsídios. O que vem desenvolvendo, todavia, é o mercado da chamada agricultura de precisão[4]. Segundo um estudo recente da Berg Insight (2020), o mercado global de soluções para agricultura de precisão chegou a 2,2 bilhões de euros no ano passado e deverá alcançar 4,2 bilhões até 2021, com um crescimento anual em torno de 13,6%.
No Brasil, o maior investimento em equipamentos e maquinas agrícolas de precisão ocorre nas lavouras de soja e milho, em especial na região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Segundo Gimenez; Molin (2018) as tecnologias mais usadas são pilotos automáticos em tratores, colheitadeiras e afins, o gerenciamento da adubação das lavouras (aplicação de fertilizantes e corretivos dependendo da necessidade de cada “pedaço” de solo em uma área, o que diminui desperdícios) e o monitoramento da semeadura e da colheita. Com isso, apontam os autores Gimenez; Molin (2018), os grandes produtores esperam aumentar a produtividade, diminuir custos e a necessidade de mão de obra.
Gráfico 2: Maior investimento em equipamentos e maquinas agrícolas de precisão.
Fonte: Santos e Glass (2018).
Uma das alterações mais acentuadas que a economia mundial sofreu no século XXI, é o novo papel do protagonismo dos países em desenvolvimento, seja em termos de PIB, comércio, capacidades produtivas ou investimento estrangeiro direto. Se em 1999 em torno de 93% do IED eram gerados nos países desenvolvidos, em 2018 esse percentual foi reduzido para 55%. Isso significa que enquanto que em 1999 quase todas as empresas multinacionais que existiam no mundo vinham dos Estados Unidos, Europa ou Japão, em 2018 quase a metade dos novos negócios internacionais surgem em empresas de países em desenvolvimento (Gráfico 3[5]).
Gráfico 3: Proporção dos fluxos do IED no mundo que têm origem em economias desenvolvidas e economias em desenvolvimento e transição, 2001 – 2018
Fonte: Global LATAM (2019).
A entrada do capital externo advém sobre a configuração de IED, que incide na movimentação de capitais internacionais para propósitos específicos de investimentos, quando empresas ou indivíduos no exterior designam ou adquirem operações em outros países.
Os autores Garcia, Lima e Vieira (2015) destacam que os IED podem ingressar de distintos modos no agronegócio, como por exemplo aquisição de ações de empresas instaladas no país, empréstimos externos, entre outras configurações. A maneira de entrada mais comum é a abertura a partir da compra ou aquisição de empresas, fusões de empresas nacionais com transnacionais e a instalação de novas empresas com capital externo.
O Gráfico 4 apresenta os resultados líquidos dos fluxos de IDE do Brasil em valores correntes, sendo esses fluxos o resultado obtido pela diferença ano a ano das entradas e saídas desse tipo de investimento[6]. Na perspectiva de entrada de IDE, o Brasil passou a receber grandes volumes de investimento a partir de 2006, e o gráfico nos mostra que a trajetória ascendente das entradas se mantém superior às saídas[7]
Gráfico 4: Fluxos líquidos de IDE - saída e entrada entre 2000 e 2018 (milhões US$).
Fonte: Global LATAM (2019).
Segundo o Banco Mundial, entre os benefícios do IED estão: a geração de empregos; transferência de competências e desenvolvimento; transferência de tecnologia; acesso a redes de marketing internacionais; fonte de financiamento externo; balanço de pagamentos; efeito de transbordamento na economia doméstica e desenvolvimento da infraestrutura. Adicionalmente, o investimento estrangeiro faz com que as empresas cresçam, nivela as economias de escala em mercados domésticos e promove resultados tais como: maior produtividade, rentabilidade, geração de riquezas e empregos.
Observando o Gráfico 5, visualizamos a distribuição do IED nos diferentes setores econômicos brasileiro nos anos de 2008, 2009 e 2010, destacando o significativo aumento em 2008, sobretudo na agricultura, pecuária e extrativa mineral,
Gráfico 5: Fluxos saída de IDE por setores de produção - Participação no Capital (US$ bi.)
Fonte: Global LATAM (2019)
Foi o ano em que o agronegócio enfrentou uma forte crise financeira e sua internacionalização foi intensificada. O gráfico também mostra que as multinacionais brasileiras adquiriram entre 2006 e 2018 mais participações no capital de empresas dos setores de serviços e indústria, enquanto os setores extrativistas e de aquisição e venda de imóveis tiveram seus investimentos reduzidos a quase nulidade nesse mesmo período. Os valores oscilaram bastante, tendo 2010 como o ano com o maior volume registrado, US$ 30,3 bilhões, sendo também o melhor ano em termos absolutos para investimentos na indústria e nos serviços nos países receptores do IDE brasileiro.
Segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2018), o Brasil passou a ser o 4º maior destino de Investimento Estrangeiro Direto em 2018, atraindo 40% dos fluxos totais para a América Latina. Nove das 10 maiores aquisições de empresas estrangeiras foram no Brasil; sete envolveram compradores chineses. As aquisições envolveram eletricidade, petróleo, infraestrutura (transmissão de gás) e empresas do agronegócio. De acordo com o relatório, o setor petrolífero, apesar de ter registrado uma queda dos fluxos de investimento estrangeiro direto em 2017 (baixa de 12%, para 3,7 bilhões de dólares), teve um papel importante na recuperação econômica do país em 2018. O documento lembrou que, em outubro de 2017, o Brasil realizou leilão de seis dos oito blocos de pré-sal. A Shell (Reino Unido e Holanda) arrematou quatro blocos do pré-sal, a British Petroleum (Reino Unido) arrematou dois blocos e a Exxon Mobil (Estados Unidos) arrematou um bloco. O documento lembrou ainda que o governo brasileiro espera que os leilões gerem 30,2 bilhões de dólares em investimentos das companhias vencedoras e 39,3 bilhões de dólares em royalties e outras receitas.
O Gráfico 6 mostra o fluxo de entrada de IED em 2012 e 2018. O Brasil é o principal destino desses investimentos na América Latina e Caribe, seguido do Chile e México.
Gráfico 6: América Latina e Caribe: fluxo de entrada de investimentos estrangeiros direto (IED), 2012-2018 (em bilhões de dólares)
Fonte: Global LATAM (2019).
Também é possível examinar os investimentos no exterior para toda América Latina, em que se sustentaram estáveis durante os últimos três anos, contudo as cifras individuais para cada país têm variado muito. Entre 2017 e 2018, todos os países que apresentam dados oficiais tiveram variações de mais de 25% para cima ou para baixo, e dois deles inclusive passaram de fluxos positivos a negativos, ou vice-versa[8]. Mesmo que o IED seja por natureza um investimento estável, que responde a decisões estratégicas de longo prazo das empresas, costuma-se concretizar-se em grandes aquisições ou projetos de nova fábrica que não se distribuem homogeneamente no tempo. Deste modo, as cifras oficiais registram um grande fluxo do IED no ano em que o investimento é executado, mas nos anos seguintes, enquanto a empresa consolida seus novos projetos, apenas são registrados novos fluxos. Para os países da América Latina, nos quais apenas um punhado de empresas pode empreender grandes investimentos, isso gera grandes altas e baixas no IED de ano a ano, o que não indica necessariamente mudança nas estratégias das empresas ou nos determinantes macroeconômicos.
Segundo a UNICA (2012), a estimativa de participação do capital estrangeiro será em torno de 25% até 2020 no agronegócio brasileiro, marcado por um processo contínuo de aumento das exportações. Este processo se inicia na década de 1990 com a chegada de grandes corporações estrangeiras ao país, que, por meio de fusões e aquisições, contribuíram para elevar a concentração de capitais e de terras no setor. Concorre para isso a estabilização da economia após o Plano Real, além da rápida abertura comercial, a desativação de monopólios estatais, a integração ao MERCOSUL, a desregulação dos mercados agrícolas e as mudanças no crédito rural e na política de preços mínimo (SILVA; RUEDIGER; RICCIO, 2007). Ainda cabe destacar que tal modernização teve efeitos positivos sobre o mercado no que se refere à abertura de oportunidades, e também estimulou economias de escala e de escopo para as commodities agrícolas, cujos ganhos facilitaram a entrada desses produtos no mercado internacional.
Para isso acontecer, existe um estudo de fatores locacionais e de mercado do país em que as grandes empresas estrangeiras pretendem se instalar, pois a internacionalização está ligada às exportações – voltadas a um mercado mundial, característica do agronegócio brasileiro. De acordo com Silva, Ruediger, Riccio (2007), o recente processo de internacionalização do agronegócio brasileiro se dá a partir dos pressupostos dos modelos clássicos sobre a internacionalização de empresas, aonde ao investir fora do país de origem, as multinacionais estão em busca da maximização de sua eficiência, da redução de riscos e do envolvimento em um processo de aprendizagem. Assim, existem vantagens específicas que são de natureza estrutural.
[...] as vantagens específicas da firma podem ser de natureza estrutural advindo da posse de ativos intangíveis como patentes e habilidades de gestão, e/ou de natureza transacional, ligadas a habilidades de governança, como as representadas por fatores como abundância de recursos naturais, tamanho do mercado, regime cambial e estabilidade política e econômica (SILVA; RUEDIGER; RICCIO, 2007, p. 4).
Benko e Pecqueur (2001) dissertam sobre a pesquisa em geografia econômica e seu desempenho de renovação a partir da década de 1990, pondera uma “nova geografia econômica”. Mundialização, metropolização, formação das áreas de livre comércio, articulação entre o global e o local estão no centro das preocupações da economia espacial. Mas a mundialização não significa homogeneização dos espaços. A noção de território está de volta nas análises econômicas. Os territórios oferecem recursos específicos, intransferíveis e incomparáveis no mercado. Esses recursos específicos diversificam os espaços e estabilizam as localizações das atividades econômicas. Os atores locais e a política local desempenham um papel imprescindível na constituição e na gestão dos recursos presentes no território. Com isso, lança mão de um novo conceito que os autores determinam de nova palavra-chave: a globalização, ou articulação crescente dos territórios locais à economia mundial.
De acordo com Silva; Ruediger; Riccio, (2007), o empenho por fusões e aquisições são mais empregadas pelas empresas por atuar em ambientes culturais de elevados riscos e incertezas, já que essas empresas necessitam de controlar seus direitos de propriedade intelectual. Essa primazia acende à medida que se expande a distância cultural entre as empresas e o país estrangeiro.
No setor de equipamentos e máquinas agrícolas, algumas poucas corporações dividem o mercado entre si. Em vez de crescer de forma orgânica, estas empresas compraram concorrentes menores e mantiveram suas marcas. O mercado global é dominado por três atores: a corporação estadunidense Deere & Company é a líder do Mercado; ela é conhecida pela sua maior marca, a John Deere. A CNH Industrial pertence ao grupo Fiat, da Itália; suas doze marcas incluem Case, New Holland, Steyr, Magirus e Iveco. O terceiro maior ator é a AGCO, dos EUA, com Gleaner, Deutz-Fahr, Fendt e Massey Ferguson. Estas três empresas compartilham mais de 50% do mercado global. Apenas a Deere teve um faturamento de US$ 29 bilhões em 2015: maior do que as vendas combinadas de sementes e agrotóxicos da Monsanto e da Bayer.
O que se compreende deste processo são organizações multilaterais criadas no acordo Bretton Woods, FMI e Banco Mundial, sendo que novas funções são atribuídas, como a de propagar as políticas neoliberais no centro do debate para exigir o realinhamento da política econômica com intervenção mínima do Estado, privatização de empresas e desregulamentação da economia aos países periféricos, que são estratégias a uma resposta à crise de acumulação do capital, que estabelece, então, ao imperativo de uma maior liberdade de circulação para que possa continuar a ampliar-se, em escala crescente, o capital excedente (SANTOS, 2006). As empresas transnacionais passam a dispor de maiores possibilidades de obter um melhor aproveitamento de suas economias de escalas e de escopo em suas unidades instaladas em diferentes países. Essas empresas congregam distintas frações do agronegócio brasileiro, pautadas em grande aparato tecnológico e capital (SANTOS, 2006).
A discussão do capital internacional é importante para compreensão da internacionalização do agronegócio. Dito isso, podemos entender que as empresas transnacionais permanecem submetidas ao modo capitalista de produção, de que são empresas nacionais de regra, grande porte e de que nascem nos países desenvolvidos, onde o modo de produção atingiu um elevado nível de desenvolvimento, ou seja, economias que já alcançaram maturidade expressiva. Em um determinado momento histórico as economias desenvolvidas chegaram a uma superacumulação de capital, cuja implicação adjacente é a prevalência de uma convergência de baixa nas taxas de lucro dos capitalistas, com o capital não conseguindo mais se valorizar na mesma proporção anterior. A saída para a crise é a busca de novos espaços para a acumulação em países emergentes.
5. Considerações Finais
A incorporação de capital internacional proveniente das transnacionais a partir dos anos 2000 impactou o agronegócio brasileiro e as consequências sofridas são de intensas transformações ao longo dos últimos anos. Podemos compreender este contexto a partir do desdobramento de uma crise financeira com forte impacto no agronegócio no ano de 2008, e que determinou o desenvolvimento da atividade por grupos e empresários financeiramente mais preparados para encarar situações de crise.
É dessa conjuntura econômica que o capital internacional se vale para submergir nos países que se encontram descapitalizados e com dívidas acumuladas. A integração de capitais no setor aconteceu com fusões, aquisições, joint ventures, em que as corporações multinacionais como estratégia de atuação de modo mais direto na exploração de benefícios comparativos e competitivos derivados da produção de commodities, a partir do controle dos recursos e ativos territoriais.
Atualmente, o agronegócio é caracterizado pela integração de capitais (nacional e internacional) e a incorporação de grupos estrangeiros que agenciam um aumento da produção de cana-de-açúcar a partir de investimentos tecnológicos, diversificando a estrutura industrial e alavancando o mercado externo de biocombustíveis – adicionados a um movimento de centralização patrimonial e de cooptação com o capitalismo internacional.
Levando em consideração esse debate, nosso objetivo, ao estudar as estratégias das corporações multinacionais no agronegócio no território brasileiro, foi demonstrar os interesses externos, especialmente a partir da valorização das commodities agrícolas no mercado mundial. Como o Brasil corresponde a um pais competitivo no agronegócio, seu território é utilizado de maneira corporativa, constituindo-se num cenário almejado pelas transnacionais.
Para compreender as modificações na agricultura capitalista representadas pelo agronegócio apresentou-se, inicialmente, algumas discussões pioneiras referentes a essa temática que trouxessem elementos para compreender o cenário contemporâneo de crescimento produtivo e inserção de novos agentes. Essas pesquisas constituíram-se importantes referências para análise do setor, principalmente quanto ao interesse de expansão da fronteira agrícola que alcançou as áreas de Cerrado, inserindo-as na produção global de soja e cana-de-açúcar. Assim, os interesses das corporações transnacionais têm sido produzir em lugares que oferecem vantagens, sobretudo com a diminuição de custos e desenvolvimento tecnológico.
Desta forma, a internacionalização é expressiva para a manutenção da agricultura brasileira, já que além de colaborar com a inserção das commodity agrícolas no mundo ocasionou em um novo sopro com a admissão do capital financeiro no setor e sua manutenção via BNDES, maximizando os impactos da crise e descapitalização de empresários brasileiros, enquanto algumas empresas no país adquiriram dívidas e encerraram suas atividades por não se colocarem na lógica da mundialização, mas especialmente devido a competitividade regional da produção agrícola no Brasil.
Assim, a internacionalização da agricultura pode ser vista como um novo estímulo para os empresários do agronegócio, uma vez que disponibilizou investimentos que impediram a quebra de grandes empresas e também originou um novo aparato tecnológico no setor. Contudo, ela resulta numa despatrimonialização de um setor com imprescindível tecnologia nacional e construído à custa do Estado, além de potencializar os impactos negativos ao território e a subordinação ao mercado internacional.
[1] Importante chamar atenção pela diferença entre os termos IDE (investimento Direto Estrangeiro) e IED (Investimento Estrangeiro Direto). O IDE tende a envolver o estabelecimento de um interesse substancial e de longo prazo na economia de um país estrangeiro. Devido ao nível de investimento significativamente maior exigido. A natureza do IDE, como criar ou adquirir uma instalação de fabricação, torna muito mais difícil liquidar ou retirar o investimento. O IED (Investimento Estrangeiro Direto) é, num sentido mais amplo, a movimentação de capitais internacionais para propósitos específicos de investimento, quando empresas ou indivíduos no exterior criam ou adquirem operações em outro país. O IED engloba fusões e aquisições, construção de novas instalações, reinvestimento de lucros auferidos em operações no exterior e empréstimos intercompany (entre empresas do mesmo grupo econômico.
[2] Os anúncios de investimento se referem ao total que as empresas da América Latina anunciaram cada ano que investiram fura do seu país. Estes investimentos podem ser implementados ao longo de vários anos, ou nunca chegar a serem implementados totalmente.
[3] Economias maduras seriam aquelas onde, num dado momento histórico, há uma superacumulação de capital e a prevalência de baixa tendência nas taxas de lucro. (SPOSITO; SANTOS, 2011, p. 91).
[4] Agricultura de precisão é toda prática de interferência a fim de estabelecer condições ideais às espécies cultivadas na agricultura, seja ela química, física ou biológica, utilizando-se da Geoestatística, que é a análise de dados de amostras georreferenciadas.
[5] No ano de 2018, o IED que saiu dos países desenvolvidos foi extraordinariamente baixo por causa do efeito da reforma fiscal nos Estados Unidos, que incentivou as empresas desse país a repatriar uma parte dos benefícios que tinham acumulado nas suas filiais no estrangeiro. Como consequência, o IED dos Estados Unidos foi reduzido em quase 400 bilhões de dólares. O efeito da reforma fiscal não será repetido em 2019, e se espera, portanto, que o percentual do IED que sai dos países desenvolvidos se recupere até um nível similar ao registrado em 2017.
[6] O Banco Central do Brasil BCB utiliza uma terminologia específica para o investimento direto. Dividido em duas categorias, de entrada e saída, o mesmo também pode ser identificado como ativos e passivos de investimento direto, sendo a saída o equivalente aos ativos, e a entrada aos passivos. Além disso, na Conta Financeira do Balanço de Pagamentos, os investimentos diretos são diferenciados em investimento direto no país (IDP), que são os movimentos de entrada, e em investimento direto no exterior (IDE), que são os movimentos de saída. Por fim, o estoque de investimento direto também é conhecido como posições de investimento direto, sendo o nome mais utilizado pelo BCB. Esses nomes poderão ser utilizados ao longo do artigo, mas optamos em reforçar o uso do termo investimento direto estrangeiro (IDE), deixando especificado seus movimentos (de entrada e de saída), por considerarmos que o emprego de vários nomes causaria confusão com leitores menos familiarizados com o assunto.
[7] O ano de 1995 foi um marco para o Brasil, pois além do Plano Real, a flexibilidade do Banco Central em fazer política fiscal, a abertura de mercado e as privatizações de empresas estatais, o país, assim como outras economias emergentes, passou a receber dinheiro de organismos financeiros internacionais para honrar empréstimos contraídos na década de 1980, período marcado por profunda crise econômica no Brasil. O Plano Brady, como ficou conhecido o plano de apoio às economias emergentes, aumentou a liquidez internacional e permitiu que países tomadores de empréstimos pudessem gerir melhor suas dívidas externas, mitigando riscos de calote. Aqueles países que aproveitaram desta oportunidade e apresentaram melhoras macroeconômicas se transformaram também em países de atração dos investimentos externos de economias mais desenvolvidas, e o Brasil foi um destes países beneficiados.
[8] Quando um país relata fluxos do IED até o exterior negativos, quer dizer que as suas empresas deixaram de investir no exterior mais do que investiram, por exemplo, para a venda de ativos.