Territórios, políticas e manipulações: a segurança pública no olhar da letalidade violenta no Estado do Rio de Janeiro


Vinicius Ferreira Baptista
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Departamento de Administração Pública e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Wanderson Cesar dos Santos
Administrador Público. Mestrando em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Referências

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1. Introdução 

O objetivo do presente texto é analisar dados e contextos da política de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, entre 2019 e 2020, considerando as áreas de planejamento delimitadas pela política e operacionalizadas pelos agentes de segurança. Entendemos que a Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro é marcada por uma concepção política de violência que incide diferenciadamente, em termos de planejamento, por território. Como será destacado, a política de Segurança no Estado se desenvolve a partir de três eixos de organização: estratégica, tática e operacional, distinguindo e caracterizando territórios.

Metodologicamente, esta pesquisa tem finalidade aplicada, de abordagem quali-quanti, com objetivo exploratório-descritivo e caráter empírico. Foram analisados, qualitativamente, os documentos normativos que delimitam a caracterização e delineamento da Política de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, assim como destrincham a concepção de território empregada na política. Ao mesmo tempo, nos amparamos em dados estatísticos acerca dos índices de letalidade violenta obtidos no Instituto de Segurança Pública, afim de demonstrar como estes dados se relacionam com o planejamento territorialmente situado.

O trabalho está organizado na seguinte maneira: primeiramente abordamos conceitualmente as noções de território e territorialidade, ao passo em que delimitamos suas relações com o território e a segurança pública; em seguida, delimitamos a organização territorial pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro; posteriormente, apresentamos os dados relativos de letalidade violenta e articulamos com as noções territorializadas de violência do referido órgão. Finalizamos com as considerações finais em que apresentamos a defesa de uma compreensão territorial que seja resistente às manipulações políticas a fim de caracterizar territórios com mais ou menos violento.

2. Território e exercício do poder

De acordo com a concepção de Raffestin (1993, p. 144), “o espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”. Nesse sentido, o espaço, onde a vida acontece materialmente, uma vez submetido à racionalização humana é considerado um território, ou seja, é o reflexo da ação intencional de um ator, ou conjunto de atores, com poder para esse estabelecimento, pois,

as fronteiras, os limites territoriais, se colocam como fundamentais para entender as relações sociais e de poder, o que implicará relações de pertencimento e estranhamento (um nós e um eles), assim como relações de dominação e exploração através do espaço pela apropriação/expropriação de seus recursos. (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 288)

 

Por conseguinte, uma vez que esse limite passe a existir, um grupo pode exercer influência direta sobre esse espaço, ainda que isso não seja um fator que resuma esse conceito, já que

a abordagem territorial não se dá apenas pelo seu reconhecimento, mas pelo exercício de três fatores: “1) construção institucional e participação social dos atores; 2) intersetorialidade das atividades propostas; e 3) elaboração de projetos estratégicos de desenvolvimento como elementos centrais no desenho da política territorial, privilegiando os temas da governança e da gestão social” (DELGADO & ROCHA, 2017, p. 140).

 

Haesbaert (2005, p.1) pontua que “território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional ‘poder político’. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação”. Pela própria característica de se viver em sociedade, nenhum lugar é totalmente homogêneo, nos mais variados quesitos, percebe-se que existem peculiaridades, o que denota o surgimento do conceito de territorialidade. Com a multiplicidade histórica, cultural, ecológica, política e econômica a vida social ganha variações na conjugação dessas nuances, pois, 

a vida é tecida por relações, e daí a territorialidade poder ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema (RAFFESTIN, 1993, p. 160) 

 

Dito de outra forma, territorialidade é o conjunto de elementos distintivos na relação com atores pertencentes ao espectro exterior de uma sociedade, que se reconhece por sua lógica de produção, de troca e de consumo. O território, então é composto por suas territorialidades, pelos valores simbólicos e os códigos que geram um coletivo que interage e se reconhece.

Para Haesbaert (2005, p.3) "todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’”. Funcional porque é fonte de recursos materiais, o ter. Simbólico porque se manifesta na identidade, o ser. 

Por isso, o território é o lugar onde o poder é exercido política e juridicamente, que atua sobre um espaço tanto de modo concreto pela dominação (político-econômica), portanto, funcional e de troca; quanto de modo subjetivo, pela apropriação (cultural-simbólica), sendo pelo vivido, de uso. É no território que as relações sociais se dão enquanto relações de poder, desde o “anti-poder” da violência até a sutileza do poder simbólico, que compõem o território e a territorialização como “continuum” (HAESBART, 2005, p. 2).

Dessa maneira, a territorialidade é composta multiplamente por relações política, econômicas e culturais, é “um componente do poder, [...] meio para criar e manter a ordem, [...] estratégia para criar e manter o contexto geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado” (HAESBAERT, 2005, p. 6776). 

Pela conceituação de Santos (2004, p. 233), o território tem relações com a materialidade, sendo “imutável em seus limites uma linha traçada de comum acordo ou pela força. Esse território não tem forçosamente a mesma extensão através da história, mas em um dado momento ele representa um dado fixo”. Essa materialidade, os objetos do território, recebem significados e são determinados pelo espaço, assim “a utilização do território pelo povo cria um espaço” (HAESBAERT, 2005, p. 232-233).

Nessa visão, espaço é um campo de forças desigual, que surge de relações sociais ao longo do tempo, “é um sistema de valores, que se transforma permanentemente” (SANTOS, 2006, p. 67). Ou seja, consequência de uma racionalidade de produção já que é orientada a um fim, assim, “o ato de produzir é igualmente o ato de produzir o espaço” (SANTOS, 2004, p. 202). Outrossim, nele ocorrem as especificações do todo social resultado da noção de território que representa a harmonização forçada entre lugares e os agentes que o ocupam.

3. Segurança pública, território e poder em disputa 

Sem querer aprofundar aqui uma reflexão sobre o conceito do território, a acima apresentada abordagem tem uma interlocução com a perspectiva da Segurança Pública para qual a noção de território e de sua gestão indicam um campo de constante tensão política e simbólica com repercussões de toda espécie na vida das pessoas e da sociedade. De fato, é o poder em disputa. Considerando, por exemplo, os termos usuais em reportagens em jornais, como “território do crime” ou “território dominado pelo tráfico”, nota-se que o território se torna 

alvo de diferentes definições e debates, sendo construído não somente por suas fronteiras (uma vez que essas nem sempre são precisas ou visíveis), mas principalmente pelas relações simbólicas, estruturais e de poder que garantem a sua existência e dinamicidade (DE OLIVEIRA, 2017, p. 211).

Essa dinamicidade tem de um lado a atividade criminosa e do outro a ação da polícia que atua para preservar o poder estatal sobre a porção de terra do Estado-Nação. No entanto, a relevância dessa delimitação de território de acordo com suas relações e a maneira como serão articulados os esforços, mesmo no âmbito da Segurança Pública, pode envolver outras abordagens diferentes do confronto bélico e da violência. Na Holanda tem-se um exemplo no uso de estratégias não convencionais sobre o crime com políticas públicas governamentais em que a base cognitiva dessa política foi a "prevenção situacional do crime" baseada em três objetivos práticos:  

prevenção de crimes através de projetos ambientais; fortalecimento da vigilância em zonas de alto risco; e melhor integração dos jovens através da escola e de um programa de integração ao mercado de trabalho. (BEATO FILHO, 1999, p.24)

 

No Rio de Janeiro, porém, uma política de Segurança Pública que ganhou notoriedade abrange as Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs), as quais, apesar de anunciadas com um discurso de promoção da aproximação entre polícia e as comunidades atendidas, na prática, teve sua atuação focada nas delimitações territoriais por critérios aparentemente políticos intencionando gerar confiabilidade internacional para a ocorrência dos megaeventos esportivos. Ou seja, apesar da proposta de gerar confiança mútua mesmo a implementação das UPPs não demonstrou qualquer instrumento ou processo que justificasse sua área de abrangência, seu território, com base numa construção dialógica social, entre o poder público, seus agentes a população atendida.

Essa política de Segurança Pública é político-normativa, ou seja, um instrumento normativo do Estado que conjuga percepções sociais, políticas e institucionais acerca do território e que marca a vida das pessoas (SANTOS; BAPTISTA, 2020). Ao mesmo tempo em que orienta concepções políticas relativas ao crime, o criminoso, a vítima, a sociedade e os motivos, logo, situa uma interpretação do fenômeno da violência (BAPTISTA, 2021). Isso parece indicar que o território pela perspectiva de segurança pública revela o poder do Estado através da sua capacidade de determinar uma visão prévia e criminológica sobre certas localidades, sobretudo, estigmatizando locais e suas respectivas populações.

Apesar de ter sido implementada em 19 de dezembro 2008 no Morro Santa Marta, o programa das UPPs só recebeu legislação pelo Decreto nº 42.787 de 2011[1] objetivando pacificar localidades dominadas por grupos criminosos e preservar a ordem pública com foco em comunidades pobres onde o poder público não conseguia exercer sua gestão. Seus objetivos eram de consolidar uma visão do controle estatal, cujo objetivo da proposta envolvia a noção de paz e a tranquilidade pública para dar base ao exercício da cidadania, ao desenvolvimento social e econômico local. Os objetivos das UPPs foram mais detalhados pelo Decreto nº 45.186 de 2015[2], em seu art 3º

I - Retomar territórios sob o jugo de grupos criminosos, visando à extinguir a coação ilegal sobre seus moradores; II - Reduzir a violência armada, especialmente a letal; III - Recuperar a confiança e a credibilidade dos moradores na polícia; IV - Contribuir para uma cultura de paz, regulando, de forma pacífica, os conflitos no interior das áreas atendidas, sob a orientação de padrões não-violentos de sociabilidade. 

 

Para além do reconhecimento de que o combate a grupos criminosos teria estreita ligação com a retomada do controle ou desarticulação do domínio de um território, é válido notar a menção sobre a adoção de padrões não-violentos de sociabilidade, bem como a necessidade de interagir as forças policias com a população local. No âmbito da Segurança Pública, gerir um território no sentido de produzir estabilidade e confiança demanda sinergia em âmbito estratégico das funções de cada polícia. Com essa finalidade e para promover maior efetividade da atuação integrada das polícias civil e militar por meio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (SSP) foi definida na Resolução SSP nº 248/1999[3] a criação das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP).

Em seguida, por meio da Resolução SSP nº 263/1999[4] definiu as AISP como “delimitações geográficas que correspondem à definição de metas estratégicas e intervenções táticas das organizações policiais”. Essa territorialização na ótica da Segurança Pública, primando pela melhoria dos serviços e de transparência de Segurança Pública teve como objetivo, a partir da lógica da gestão, o combate à criminalidade, à violência e à desordem com uma melhor alocação dos recursos, sincronia de esforços táticos e de inteligência das polícias bem como, em tese, a participação consultiva da sociedade. Também, a noção de território é geográfica, associada às intervenções policiais em um caráter de planejamento estratégico.

Outro movimento na direção da organização e sincronização de esforços policiais ocorreu pelo Decreto Estadual nº. 41.930/2009[5]. Por este instrumento foram demarcadas 7 Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP), conforme o art.1º, “objetivando a articulação territorial regional, no nível tático, da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), com a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ)”. O art.3º definiu que cada AISP, nível intermediário dessa gestão, seria composta por um Batalhão de Polícia Militar (BPM) e de duas a seis Delegacias de Polícia (DP). Entretanto verifica-se que as AISP 10, 11 e 25 têm atualmente 9, 8 e 7 DPs respectivamente em seu território de gestão. Neste aspecto, a delimitação do território pelas AISP assume um caráter de planejamento a média escala, em termos gerenciais de ações a serem executadas. Veja na figura 1 (próxima página) as relações AISP-RISP-CISP.

No art. 4º do Decreto Estadual nº. 41.930/2009, foram criadas as Circunscrições Integradas de Segurança Pública (CISP) que constituem “a esfera de integração territorial, em nível operacional, das companhias Integradas da PMERJ com as Delegacias de Polícia da PCERJ”, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) são 137[6] e é válido ressaltar que a área de cobertura de uma CISP é aquela de jurisdição de uma DP. Pode-se observar que estas delimitam o caráter operacional mais próximo de ações territorialmente localizadas.

Figura 1. Relação AISP-RISP.

Fonte: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/RelacaoAISP.pdf

 

Assim, em termos de planejamento da Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, as RISP, AISP e CISP correspondem, respectivamente, aos níveis estratégico, tático e operacional de delimitação territorial que conjugam bases geográfica, criminológica e de intervenções policiais.

4. A perspectiva da letalidade violenta no Estado do Rio de Janeiro 

Para gestão dos dados coletados em cada nível do território do Estado do Rio de Janeiro foi desenvolvido o Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados (SIM), criado pelo Decreto nº 41.931/2009[7] que indicou em seu art. 2º quais seriam os indicadores de estratégicos de criminalidade. Esses indicadores sofreram alterações de redação pelo Decretos nº 42.780/11 e nº 45.567/16, verificáveis no Guia Prático nº 3[8], hoje são: “Letalidade Violenta(homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, homicídio decorrente de intervenção policial e latrocínio); Roubo de Veículo e Roubo de Rua (roubo a transeunte, roubo em coletivo e roubo de celular)” (SESEG, 2016, p.5)

 Ressalte-se que a estrutura de gestão sofreu uma relevante modificação pela Resolução nº. 478/2011, da, até então, denominada Secretaria de Estado de Segurança do Estado do Rio de Janeiro (SESEG), que extinguiu e redistribuiu as AISP 1 e 13, ao passo que reconfigurou a extensão administrativa de outras áreas, resultando nas 39 AISP atuais[9]. É importante citar que pelo Decreto nº 46.581/2019 a SESEG foi extinta e foram criadas as Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) e Secretaria de Estado de Polícia Civil, vinculadas diretamente ao gabinete do então governador Wilson Witzel.

Esse método de demarcação de espaços de atuação das polícias tem relação com a concepção construtivista no regionalismo que “preocupa-se principalmente com processos como o planejamento estratégico para solução de conflitos e construção de consensos”. (GIL et al., 2007, p.8). Preferencialmente, deve envolver governança na construção de políticas públicas, colaboração por parte dos atores voluntariamente envolvidos na promoção de consensos, de maneira que a delimitação de territórios se relacione com a gestão pública e a integração social. Isso se percebe quando o Governo do Estado do Rio de Janeiro delimita o território em termos de planejamento conceitual, alocação administrativa de ações e sua execução. Trata-se de uma delimitação política e administrativa que concebe interpretações de territórios associados à criminalidade.

Ainda, estas interpretações político-administrativas têm relações associadas à capacidade do governo em estabelecer os limites de atuação e o exercício do poder. No campo da Segurança Pública é indispensável que essas demarcações sejam concebidas e implementadas com participação social numa ótica de benefício mútuo, com respeito às regionalidades e com agentes capacitados de forma ampla para lidar com a diversidade cultural sem que a postura do policial represente uma cauterização das expressões e da dinâmica plural dos locais, impondo uma socialização não natural e desconectada das múltiplas realidades socioeconômicas que há no Rio de Janeiro. Contudo, nos termos “frios” da delimitação legal, não parece ser o que se indica.

Sobre isso, tem-se o uso do indicador de Letalidade Violenta (LV) como um dos elementos para analisar um território no que tange as mortes ocorridas nele, com destaque àquelas concernentes ao número de pessoas levadas a óbito por agentes do Estado. A ênfase dada às mortes ocasionadas pelo exercício policial tem fundamento no papel da atuação policial que deveria conduzir os territórios à ordem promovendo a segurança tanto pela presença quanto pelo proceder, entretanto, a consequência de uma postura belicosa numa lógica de guerra acaba mais por contribuir ao cenário de insegurança estabelecendo, da prática ao imaginário social, a figura do policial como antagônica a determinados grupos e não aos delitos como a lei penal descreve.

O ISP-RJ indica que, em 2020, dos 4.892 casos ou vítimas da LV 1.239 foram ocorrências de morte por intervenção de agente do Estado, pouco mais de 25%[10]. Tais dados servem de termômetro na percepção da relação polícia-cidadão e contribuem na configuração da crise de segurança no Estado do Rio de Janeiro, podendo ser “mais que uma crise, ser uma construção política sobre uma situação de insegurança que é crônica no meio urbano. O medo do delito, sim, seria mais importante, social e politicamente, que o delito mesmo” (AGUIAR, 2005, p.230).

A LV engloba, como já citado, homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio (roubo seguido de morte), crimes previstos no Código Penal[11] pelos artigos 121, 129 e 157, respectivamente. A LV ainda contempla o homicídio decorrente de intervenção policial, verificado no artigo 292 dessa mesma lei, onde é assinalado que os agentes “poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência”. Outrora denominado de “auto de resistência”, pelos próprios agentes para inscrições do termo circunstanciado que indicava a desobediência à voz de prisão, tal possibilidade de registro surgiu pela

Ordem de Serviço N, nº 803, [de 02 de outubro de 1969], da Superintendência da Polícia Judiciária do antigo Estado da Guanabara – depois ampliada pela Portaria E, nº 30, [de 06 de dezembro de 1974], do Secretário de Segurança Pública – que “dispensa a lavratura do auto de prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial” (VERANI, 2020, n/p)

A questão dos autos de resistência é uma prática no âmbito policial brasileiro, em que isso se caracteriza como modus operandi a partir de concepção política da violência, do crime, dos autores e suas vítimas (MARTINS, BAPTISTA, 2020). Esta prática remonta aos anos de 1990, onde o maciço investimento do governo do Estado do Rio de Janeiro no material bélico das polícias, assim como no crescimento das operações policiais que davam visibilidade de que a Polícia estava “presente”, além da institucionalização da então denominada “gratificação faroeste” (MISSE, 2011). Em especial, a prática envolve a ocultação de uso excessivo da força, execuções ou homicídios comuns, impactando em uma força de segurança, cuja política é um extermínio (CONGRESSO NACIONAL, 2016).

O Conselho Superior de Polícia por intermédio da Resolução Conjunta nº 2, de 13 de outubro de 2015, em seu art. 2º[12], definiu que a denominação de mortes ocorridas no exercício policial deve ser classificada como "lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial" ou "homicídio decorrente de oposição à intervenção policial". Meses depois essa mudança de nomenclatura foi sancionada pelo Decreto nº 45.567, de 28 de janeiro de 2016[13], no Estado do Rio de Janeiro. No ano seguinte, dando nova redação ao conteúdo do Artigo 9º do Código Penal Militar[14], referente aos crimes militares cometidos em tempo de paz, a Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017[15], estabeleceu que se durante a atividade militar há dolo contra a vida de civis ou de outro militar será considerada crime. Outro registro de mudança de nomenclatura ocorreu em nível nacional definido pelo Ministério da Segurança Pública através da Portaria nº 229, de 10 de dezembro de 2018, com finalidade de padronizar a classificação em nível nacional e considerando entidades internacionais chamando “Morte por intervenção de agente do Estado”[16].

Diante de todo esse ajuste de descrição o então Governador Wilson Witzel sancionou o Decreto nº 46.775, de 23 de setembro de 2019[17], que usou o termo Crimes Violentos Letais Intencionais – CVLI evitando usar a denominação Letalidade Violenta, aparentemente, uma manobra para não incluir Morte por intervenção de agente do Estado como ação intencional. E ainda na contramão da diretriz de redução da LV estabelecida pela Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – PNSPDS[18], esse decreto deixou de fora a gratificação pela redução das mortes provocadas.

Em julho de 2020, Witzel sancionou a Lei nº 8.928 que estabeleceu procedimentos para a devida apuração dos casos de lesão corporal ou morte em razão do exercício da atividade policial, mas é válido ressaltar que, mesmo após toda essa lide tautológica, a própria página da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ chama tais fatos de “autos de resistência” [19]. Dessa forma por isso que este trabalho apresenta os dados que abordem a questão de óbito nos termos da LV, entendendo que a vida é valor absoluto e objetivo principal da segurança pública. Será com esse olhar que lidaremos com os dados disponibilizados na plataforma do ISP-RJ.

O indicador estratégico de LV, como já citado, envolve quatro categorias onde há morte decorrente. Para possibilitar uma comparação, de um lado serão situadas as mortes por intervenção de agente do Estado e, agrupadas, do outro lado os tipos criminais homicídio doloso, lesão seguida de morte e latrocínio. 

As informações sobre LV disponíveis no ISP-RJ apontam uma diminuição de óbitos entre 2019 e 2020, passando de 5.980 a 4.892, diferença de 1.088 vítimas e que representa uma redução de 18,2%. Logo, separar as mortes vinculadas à atividade policial é uma forma de verificar se os dados refletem o que define a Portaria Interministerial 4.226/2010, pois, em suas diretrizes contempla os Direitos Humanos nos padrões internacionais, cidadania e, explicitamente, no item 2 do anexo I quando diz que “o uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência (BRASIL, 2010)

Ademais, o uso da força pela PMERJ está estabelecido pela IN33/2015, em que verifica-se o acróstico LONPE – Legalidade, Oportunidade, Necessidade, Proporcionalidade e Ética (RIO DE JANEIRO, 2015, p.28) e a gradual utilização da força conforme o modelo de força FLETC, da Universidade de Illinois, em 5 níveis (Idem, p. 30): Verbalização; Persuasão e Manipulação Psicológica; Contenção e Neutralização; Técnicas Defensivas Não Letais; e, Técnicas Defensivas Letais (visando a sobrevivência ou autopreservação do agente). Acrescente-se que a prática do uso de arma de fogo deve ocorrer em defesa própria ou de terceiros em caso de perigo iminente de morte ou lesão grave, sendo prática não aceitável o denominado “disparo de advertência”, de acordo com a Portaria Interministerial 4.226/2010. Em resumo, a força utilizada pelo agente de segurança deve visar a defesa do próprio agente e/ou de terceiros, com ponderação, onde a arma de fogo se apresenta como recurso específico diante da iminência de morte ou lesão grave.

Junto às orientações referentes à atuação policial, pontue-se que ao olhar sobre o território do Estado do Rio de Janeiro é possível construir deferentes interpretações a depender de suas divisões regionais. Para Raffestin (1993, p.192-193) a região é dita, é uma construção de sentido, comumente não remetendo a nada material e recebendo seu significado em função de projetos políticos. De modo que o processo de regionalizar ocorre como construção de um espaço abstrato e estratégico de análise, ou seja, a região é um estabelecimento político que envolve o objeto de análise, seus critérios e objetivos a partir do analisador (ou grupo) e do compartilhamento desse modelo mediante instrumentos legais ou acadêmicos. O ERJ tem diversas possibilidades análise por suas divisões regionais, algumas delas são: Grandes Regiões, Meso e Microrregiões[20], Regiões de Governo, e as supracitadas RISP, AISP e CISP, no âmbito do planejamento da Segurança Pública.

Na página do ISP-RJ os dados são agrupados em Grandes Regiões, Regiões de Governo, RISP, AISP e CISP; há ainda outros níveis de detalhamento, mas aqui o foco será nestes recortes citados. Enfatizando a Segurança Pública e considerando o nível estratégico das RISP, ocorre a sobreposição com as Grandes Regiões e Regiões de Governo ainda que cada recorte apresente sua utilidade estratégicas em temáticas diversas, veja as figuras 2 e 3 abaixo. Esse recorte no âmbito da segurança pública que estabelece tais regionalizações não oferta clareza conceitual, em outras palavras, não fica evidente quais os sentidos ou ainda quais justificativas que condicionam ou são condicionadas no bojo de projeto políticos da gestão do Estado do Rio de Janeiro para a promoção da segurança pública como um bem social. 

Figura 2. Divisão por Grandes Regiões

Fonte: http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/RegioesJPG.jpg

 

A página do CEPERJ pontua que o ERJ está dividido em 92 municípios que formam as oito Regiões de Governo[21], sendo: Região das Baixadas Litorâneas, Região Centro-Sul Fluminense, Região Costa Verde, Região do Médio Paraíba, Região Metropolitana, Região Noroeste Fluminense, Região Norte Fluminense, Região Serrana, vide figura 3. Destaque-se a Região Metropolitana (RM) que, em sua delimitação, contempla mais de 70% da população do ERJ de acordo com o CEPERJ, e a ênfase aqui dada à essa região se relaciona à demonstração de grande concentração pelo indicador de LV, como pode ser verificado pela figura 4.

Figura 3. Regiões de Governo e Municípios do ERJ.

Fonte: http://arquivos.proderj.rj.gov.br/sefaz_ceperj_imagens/Arquivos_Ceperj/ceep/informacoes-do-territorio/cartografia-fluminense/Mapa das Regi%C3%B5es de Governo e Munic%C3%ADpios do Estado do Rio de Janeiro - 2019 - CEPERJ.pdf

 

Figura 4. Regiões de Governo – LV, RM 2020

Fonte: https://www.ispvisualizacao.rj.gov.br:4434/

 

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RM) compreende as RISP 1, 2, 3 e 
4-A[22] (Grande Niterói), agrega ainda mais quatro municípios da RISP 4-B[23] e o município de Petrópolis da RISP 7. Tal delimitação reúne altíssimo índice de LV, sendo em 2020, dos 4.892 registros, 3.582 casos só na RM, ou seja, 73,22%[24] do total. Mas em termos estratégicos, esse dado seria suficiente para a construção de uma política pública de segurança? Ainda, com o recorte em RISP, AISP e CISP, sobre o mesmo indicador de LV, como se verifica essa concentração? A tabela a seguir demonstra a relação RISP-Grandes Regiões-Municípios. 

 

Tabela 1. Relação RISP, Grandes Regiões e Municípios do ERJ

RISP

Grande Região

Município

1

Capital

Rio de Janeiro

2

3

Baixada Fluminense

Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaguaí,                   Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu,                    Paracambi, Queimados, São João de Meriti e Seropédica

4

   (A) Grande Niterói

Niterói, Maricá e São Gonçalo

   (B) [25]

Demais Municípios do ERJ

5

Interior

6

7

Fonte: Elaboração própria com base nos dados ISP, CEPERJ e IBGE[26]

 

A figura 5 expõe uma mancha de distribuição que destaca a RISP 3 (Baixada Fluminense), seguida por RISP 4, RISP 2 e RISP 1. Ressalte-se que a RISP 4 é composta por parte da RM e contempla a Região da Baixada Litorânea. Já quando o filtro dado é por AISP, ocorre uma distribuição mais ampla, e essas manchas mais destacadas são aquelas com mais de 200 ocorrências de LV sendo possível ordenar de forma decrescente as AISP: 7 (São Gonçalo); 20 (Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis); 15 (Duque de Caxias); 25 (Araruama, Saquarema, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio , Armação dos Búzios, Iguaba Grande e Arraial do Cabo); 41 (Rio de Janeiro – CISPs 27, 31 e 39); 32 (Casimiro de Abreu, Conceição de Macabú, Macaé, Rio das Ostras, Quissamã e Carapebus);  39(Belford Roxo); e, 24 (Seropédica, Itaguaí, Paracambi, Queimados e Japeri).

 

Figura 5. RISP – LV em 2020 e AISP em 2020 (Esquerda) e AISP – LV em 2020 (Direita

 

Fonte: https://www.ispvisualizacao.rj.gov.br:4434/

 

Já quando a leitura é realizada sobre CISP a distribuição apresenta maior fragmentação nas ocorrências de LV e outras regiões ganham maior visibilidade. Nesse recorte, em 2020 e com mais de 100 casos em cada uma, as CISP 54, 74, 75, 64, 58, 123, 34, 39, 60, 126, 166, 59 e 56 são as que têm maior número de ocorrências em ordem decrescente. Ficam em destaque outras regiões em suas áreas costeiras: Baixadas Litorâneas, Costa Verde e Norte Fluminense.

 

Figura 6. CISP – LV em 2020.

Fonte: https://www.ispvisualizacao.rj.gov.br:4434/

As indicações feitas acima referentes à LV em 2020 perceptíveis pelas manchas nos mapas destacam a Região Metropolitana, as RISP 3 e 4, um conjunto de 8 AISP com mais de 200 ocorrências por áreas, e um grupo de 13 CISP com mais de 100 casos cada uma. Em termos comparativos com o Estado do Rio de Janeiro, relacionando essas unidades com os números de 2019, torna-se possível a seguinte tabulação:

Tabela 2. Comparação de maiores índices de LV em 2020 com 2019

 

2019

2020

Redução %

LV

TC

MIP

LV

TC

MIP

LV

TC

MIP

ERJ

5980

4166

1814

4892

3653

1239

18,2

12,3

32,7

RM

4706

3059

1647

3582

2499

1083

23,9

18,3

34,2

RISP 3 e 4

3067

2090

977

2427

1708

719

20,9

18,3

26,4

AISP (8uni)

2749

1876

873

2396

1681

715

12,8

10,4

18

CISP (13uni)

2158

1464

694

1782

1249

533

17,4

14,7

23,3

 

Fonte: Elaboração própria com base no ISP. Legenda: TC: Tipos Criminais (homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio); MIP: Morte por Intervenção de Agente do Estado.

            Vale ressaltar que somando as RISP 1 e 2, que juntas representam o território da Capital do ERJ, foram 1913 e 1416 casos em 2019 e 2020 respectivamente, logo, houve redução de 26%. Seria isso relacionado à menor circulação, do desemprego ao lazer, em razão da pandemia da COVID-19 e ao menor número de operações nas favelas da Capital? Referente a tabela 2, verifica-se que de modo geral a redução foi proporcional entre as unidades mais violentas (considerando a LV), porém em relação ao grupo de AISP a redução foi menos expressiva, isso pode significar que apesar de haver indicações de redução sustenta-se nessas localidades uma incidência nessas localidades.

            Pontue-se que a Capital teve 726 e 412 de redução nesse recorte, respectivamente em 2019 e 2020, ou 43%. Não há menção sobre mudança de postura referente ao policiamento no Estado nesse intervalo, por isso não é possível afirmar que houve uma mudança estrutural no tipo de ostensividade. A tabela 2 destaca também uma redução expressiva no âmbito do ERJ e ainda maior na RM, porém, no grupo de AISP sinalizado a redução é menor. Ainda, é possível verificar que existe uma proporção expressiva vinculada à atividade policial, ou seja, as Mortes por Intervenção Policial têm participação notável na LV.

            Para detalhar as AISP com maiores índices de LV em relação a 2020, antes é importante citar que cada Área Integrada de Segurança Pública congrega em geral dois ou mais municípios, todavia as exceções são cinco Município-AISP: 1) São Gonçalo – AISP 7; 2) Duque de Caxias – AISP15; 3) São João de Meriti – AISP 21; 4)Petrópolis – AISP 26; e, 5) Belford Roxo – AISP 39. O caso mais particular é o da Capital, município que tem sozinho tem 17 AISP agrupando seus 163 bairros[30].

 

Tabela 3. AISP em 2020 com mais de 200 ocorrências, comparação com 2019

Posição no ERJ

AISP

2020

Posição no ERJ

AISP

2019

LV

MIP

Proporção

LV

MIP

Proporção

7

490

198

40,4%

1 ª

7

498

220

44,2%

2 ª

20

360

86

23,9%

2 ª

20

459

92

20,0%

3 ª

15

310

82

26,5%

3 ª

15

407

111

27,3%

4 ª

25

275

48

17,5%

8 ª

25

299

57

19,1%

5 ª

41

256

127

49,6%

9 ª

41

275

108

39,3%

6 ª

32

255

18

7,1%

14 ª

32

173

24

13,9%

7 ª

39

230

70

30,4%

5 ª

39

327

119

36,4%

8 ª

24

220

86

39,1%

6 ª

24

311

142

45,7%

Total

2396

715

29,8%

Total 

2749

873

31,8%

Fonte: Elaboração própria com base no ISP

            Pela tabela 3 vê-se que as três primeiras AISP mantiveram sua posição de 2019 a 2020 em relação à LV, as AISP 25 e 41 em 2019 já se enquadravam nas áreas com mais de 200 ocorrências ocupando a 8ª e 9ª posição respectivamente, já a AISP 32 na 14ª posição tinha 175 ocorrências, essas três áreas tiveram aumento em número de casos de LV; as AISP 39 e 24 tiveram diminuição nas ocorrências, mas se mantiveram acima de 200 casos. Sobre as proporções é possível verificar que a AISP 41[31] teve porcentagem consecutiva, passando de 39,3% a 49,6% de MIP entre 2019 e 2020, nesse mesmo período sobre esse indicador os menores números de casos foram da AISP 32[32] com redução passando de 13,9% a 7,1%, reitere-se que a AISP 32 não compõe a RM.

Para que seja realizada o detalhamento sobre as 13 CISP com maiores incidências de morte notadas pela LV em 2020, cite-se a alteração das AISP 39 e 40 que trocaram entre si suas numerações para se igualarem aos números de seus respectivos 39ª e 40ª BPM. Essa mudança ocorreu por meio da Resolução SESEG Nº 477 de 23 de maio de 2011[33], dessa forma os bairros do Município do Rio de Janeiro agora compõem a AISP 40[34] e o Município de Belford Roxo é AISP 39. Também em 2011, no mês de julho, a AISP 39 foi realocada da Capital para a Baixada Fluminense e o inverso aconteceu com a AISP 40[35]. Essa informação é relevante na medida em que a AISP 39 cobre o município de Belford Roxo e é operacionalizado apenas pela CISP 54, mas esse fenômeno também ocorre com a AISP 21 que cobre o município de São João de Meriti sendo operacionalizado apenas pela CISP 64. Os outros Municípios-AISP já citados têm seus territórios subdivididos operacionalmente: São Gonçalo e Duque de Caxias tendo quatro CISP cada; e, Petrópolis tendo duas CISP.

A tabela 4 mostra que esse grupo de CISP deteve 36,4% da LV em 2020, um pouco a mais que os 36% em 2019 no âmbito do ERJ. Da Letalidade Violenta ocorrida nesse recorte 32,1% em 2019 e 29,9% em 2020 foram de Morte por Intervenção Policial.

 

Tabela 4. CISP com maiores indicadores de LV em 2020 em relação a 2019.

RISP

AISP

Bairros

Município

CISP

2019

2020

LV

TC

MIP

LV

TC

MIP

3

39

#

Belford Roxo

54

327

208

119

230

160

70

4

7

Monjolos

São Gonçalo

74

171

96

75

170

96

74

4

7

Ipiiba e Sete Pontes

São Gonçalo

75

127

75

52

157

108

49

3

21

#

São João de Meriti

64

162

112

50

152

94

58

3

20

Posse, Austin, Miguel Couto, Vila de Cava 

e Tinguá

Nova Iguaçu

58

185

165

20

140

127

13

6

32

@

Macaé

123

101

88

13

133

122

11

2

14

Bangu, Gericinó, Padre Miguel e Senador Camará

Rio de Janeiro

34

230

131

99

128

74

54

2

41

Acari, 

Barros Filho, Costa Barros, Parque Colúmbia 

e Pavuna

Rio de Janeiro

39

146

88

58

125

63

62

3

15

Campos Elyseos

Duque de Caxias

60

132

94

38

117

89

28

4

25

@

Cabo Frio

126

125

99

26

111

90

21

5

33

@

Angra dos Reis

166

141

91

50

108

76

32

3

15

Duque de Caxias (Centro)

Duque de Caxias

59

152

104

48

106

74

32

3

20

Comendador Soares, Cabuçú e Km32

Rio de Janeiro

56

159

113

46

105

76

29

 

TOTAL

2158

1625

533

1782

1249

533

 

Fonte: Elaboração própria com base no ISP. Legenda: @: Município compõe com outro(s) a AISP; #: CISP tem a mesma área que a AISP

O município de Belford Roxo teve 327 casos de LV em 2019 e 230 em 2020, com a mudança sinalizada os índices da AISP 54 são agregados à Baixada Fluminense e não mais à Capital o que pode ter contribuído para redirecionar indicadores de violência às regiões afora do Município do Rio de Janeiro. Assim, quais seriam os critérios ao isolamento dos municípios de São João de Meriti e Belford Roxo em termos de AISP e CISP? Esse isolamento permite uma leitura adequada desses territórios? Ao que tudo indica tais divisões resultam de mecanismo políticos e não está baseada em elementos críticos.

Tabela 5. CISP com maiores indicadores de LV em 2020 em relação a 2019

IDHM
2010

Municípios

Ranking IBGE[36]

Densidade Demográfica

Território

Posição 

no ERJ

População

Posição 

no ERJ

hab/km²

Posição 

no ERJ

Área-km²

0,799

Rio de Janeiro

1

6.747.815

4

5.265,82

4

1200,329

0,739

São Gonçalo

2

1.091.737

6

4.035,90

66

248,160

0,711

Duque de Caxias

3

924.624

8

1.828,51

34

467,319

0,713

Nova Iguaçu

4

823.302

10

1.527,60

21

520,581

0,684

Belford Roxo

6

513.118

3

6.031,38

83

78,985

0,719

São João de Meriti

8

472.906

1

13.024,56

91

35,216

0,764

Macaé

13

261.501

38

169,89

3

1216,989

0,735

Cabo Frio

14

230.378

16

453,75

40

413,575

0,724

Angra dos Reis

17

207.044

32

205,45

14

813,210

 

TOTAL 

3.432.873

 

TOTAL

4.994,360

Fonte: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rj/

            Aqui verifica-se que todos os municípios elencados apresentam um desenvolvimento médio, entre 0,5 a 0,799, Belford Roxo com o menor IDHM listado e a capital tendo o maior índice. Ainda que não pareça possível indicar uma relação entre território, população, densidade demográfica e IDHM que possa justificar certas mudanças de CISP e AISP de suas Regiões de Governo[37], esses dados foram referenciados como razões no projeto de Reestruturação das AISP iniciado em março de 2010[38]. Entendendo que a CISP é a unidade operacional e, portanto, aquela que atinge a população de forma mais regular e que, nessa mesma orientação, partindo da Capital para promover o estabelecimento de padrões no que se refere às políticas públicas, aqui nos termos da Segurança Pública, pode contribuir para uma percepção mais prática das distribuições de força. É proposta uma tabela que compara as Grandes Regiões, RISP, AISP e CISP, fazendo uma proporção ao ERJ com base na população e área.

 

Tabela 6. Dados das Grandes Regiões, distribuição e Capital como referência.

Área - Grande Região (km2)

População

RISP

Nº de AISP 

Nº de CISP

Capital

1.200

6.747.815

1 e 2

17

41

Baixada Fluminense

2.808

3.908.510

3

6

19

Grande Niterói

743

1.771.558

4-A

2

10

Interior

38.998

4.938.306

4-B, 5, 6 e 7

14

67

TOTAL ERJ

43.749

17.366.189

7 unidades

39 unidades

137 unidades

 

       

 

Distribuição

 CISP por AISP

População por CISP

CISP por Área (km2)

Capital como referência 
ao Nº de CISP, por

Capital

2,4

164.581

29

População 

Área (km2)

Baixada Fluminense

3,2

205.711

148

24

96

Grande Niterói

5,0

177.156

74

11

25

Interior

4,8

73.706

582

30

1332

  • Elaboração própria, com base no ISP, CEPERJ e IBGE-Cidades[39]

Proporcionalmente, a Capital teria uma CISP a cada 29 km2, unidade pela qual seriam atendidas 164.581 pessoas e a Grande Niterói uma unidade operacional a cada 74 kmatendendo 177.156 pessoas. Já a Baixada a cada 148km2 dispõe de uma CISP que atende 205.711 pessoas, seguida pelo Interior onde a cada 582km2 há uma unidade para cada grupo de 73.706 pessoas. É possível depreender que existe uma relação entre a estratégia de segurança púbica do ERJ em termos populacionais, já que a Capital mesmo ocupando aproximadamente 3% do território do Estado com a estimativa de agregar 39% da população, tem 44% das AISP e 30% das CISP. E ainda que em termos aproximados, mas usando a Capital como referência no policiamento mais operacional (recorte em CISP), no quesito de população e área tanto a Baixada Fluminense quanto a Grande Niterói estariam com número inferior de unidades. Já o interior apresentaria em termos populacionais mais que o dobro de unidades, porém, teria uma discrepância bastante acentuada se o critério usado fosse a área.

            É evidente que a RM seja apresentada como foco das orientações mais emergenciais, entretanto, as demais regiões que têm, de maneira geral, menores índices de criminalidade podem ter seus indicadores atrelados a diversos outros fatores, desde subnotificação dos casos à menor incidência por baixa densidade demográfica. São muitas questões que perpassam a noção de violência e proteção, de direito e dever, como também, que tipo de Segurança Pública é realmente fornecida pelo Estado e a quem?

5. Construções sociopolíticas e territoriais na letalidade violenta no Estado do Rio de Janeiro 

A questão da territorialização e regionalização no âmbito do planejamento da Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro segue, basicamente às orientações referentes à atuação policial. Portanto, a construção de um sentido de uma região (RAFFESTIN, 1993), neste caso, se constrói em perspectiva de um estabelecimento político das relações de criminalidade, policiamento e atuação dos agentes de segurança pública, em especial, acerca do quantitativo relativo aos índices de criminalidade. Não são evidentes, ao menos do ponto de vista conceitual para com a violência, os sentidos ou ainda quais justificativas orientam projetos políticos da gestão do Estado do Rio de Janeiro.

A construção da violência, enquanto parte conceitual, envolve a violação de direitos, o impedimento às prerrogativas constitucionais de indivíduos e, inclusive à própria criminalidade. A perspectiva unicamente quantitativa, referente aos deslocamentos, concentrações ou ênfases de índices de criminalidade não coincide com termos de planejamento de longo prazo, mas associados aos aspectos de curto prazo, os quais não necessariamente observam como territórios se interligam e interpenetram.

A questão da manipulação de dados a fim de criar territórios mais ou menos perigosos, belicosos ou urgentes de intervenção policial apontam mecanismos políticos de construção social que articulam percepções históricas, culturais e políticas associadas aos territórios. Ainda, quando aliados às dimensões “quantitativas” que situam uma “urgência” apontam para uma “objetividade” da ação do Estado que legitimaria a intervenção deste nos territórios percebidos como “perigosos”.

No caso da delimitação da Região Metropolitana (RM), temos oito Regiões de Governo, cuja ênfase dada à essa região se relaciona à demonstração de grande concentração pelo indicador de LV. Contudo, ao se observar, algumas RISP de tal região reúnem altíssimo índice de LV, o que dá um caráter intensivo à RM. Pelo filtro da AISP, ocorre uma distribuição mais ampla, e essas manchas mais destacadas são aquelas com mais de 200 ocorrências de LV. Já quando a leitura é realizada sobre CISP, a distribuição apresenta maior fragmentação nas ocorrências de LV, e outras regiões ganham maior visibilidade. O exemplo do município de Belford Roxo, o qual registrou 327 casos de LV em 2019 e 230 em 2020, com a mudança sinalizada os índices da AISP 54 são agregados à Baixada Fluminense e não mais à Capital o que pode ter contribuído para redirecionar indicadores de violência às regiões afora do Município do Rio de Janeiro.

É possível perceber, portanto, que a dimensão “territorial” e “regional” no âmbito das estratégias de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro para com a Letalidade Violenta apresenta contornos distantes de bases conceituais claras acerca do que se organiza como critérios para delimitação territorial. Alguns indicativos político-administrativas, como no âmbito da Região Metropolitana, situam esta como a mais letal, todavia, o é por contar com outras dimensões territoriais que agregam índices capilarizados em manchas por vários limites territoriais associados ou às Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) ou às Circunscrições Integradas de Segurança Pública (CISP).

Ainda, tal perspectiva territorial ou regional destacada no âmbito do planejamento das dimensões espaciais elencadas pela política de Segurança Pública, aponta unicamente para o sentido quantitativo, o qual, facilmente, se manipula para construir visões de territórios mais “perigosos”, ou seja, com maiores índices de Letalidade Violenta. Como visto no trabalho, um território delimitado na política pode concentrar outros territórios objetivando ampliar os dados de letalidade. Ou, se necessário, para constituir uma intervenção unicamente em um território, empreende-se nova construção quantitativa definindo outra delimitação territorial que englobe o dado território-alvo.

As configurações de poder estão como parte constitutiva na definição de um território (HAESBAERT, 2005) e delimitar territórios como mais ou menos perigosos no âmbito de um planejamento também delimita relações de poder e materialidade da ação e presença do Estado (SANTOS, 2004). Este sentido unilateral. Aparentemente sem critérios conceituais que limite o sentido da violência se desenvolve por relações simbólicas, estruturais e de poder, uma vez que desconsideram os próprios atores sociais localizados nos territórios (DE OLIVEIRA, 2017).

As construções quantitativas de territórios mais ou menos perigosos empreendem uma sensação de medo implícita (AGUIAR, 2005), uma expectativa iminente de uma possível desestruturação social que pode acontecer conforme índices deslocando-se, ao passo em que fronteiras também se alternam com o objetivo de manipular limites territoriais associados às relações sociais e de poder (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Por fim, essa dispensa de conceituação sobre violência, territórios, organização política e compreensão das lógicas de planejamento de Segurança Pública destacam essa isenção da exposição do convencimento acerca do ato do Estado em delimitar claramente os territórios em questão (VERANI, 2020). A questão ao fim e ao cabo, é que, no sentido geral do planejamento da Segurança Pública, os critérios associados à uma dimensão quantitativa, objetiva, com números que atestam a periculosidade, dispensam argumentações acerca das ações e intervenções policiais, uma vez que o dado flagrante que demonstre um alto índice de letalidade violenta superpõe argumentos, por conta de sua “objetividade”. 

6. Conclusão 

Pretendemos com este trabalho analisar dados e contextos da política de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, entre 2019 e 2020, considerando as áreas de planejamento delimitadas pela política e operacionalizadas pelos agentes de segurança. Apesar de os dados disponíveis sobre a LV pelo ISP-RJ darem uma noção sobre onde o foco desse indicador estratégico de criminalidade estaria localizado, o olhar e a interpretação com base em dados agrupados podem acabar contribuindo para uma tendência perversa, ou seja, que sirva mais à estigmatização de certas localidades como violentas gerando uso político com discurso distorcido da finalidade do bem comum. De outra forma, a conjugação de dados mais específicos por unidades menores deveria contribuir como insumo para a ação, propiciando base à tomada de decisão mais acertada em termos estratégicos, gerenciais e operacionais. 

Essa territorialização na ótica da Segurança Pública prima pela lógica ótima alocativa dos recursos, sincronismo de ações táticas e de inteligência das polícias e, igualmente, deveria contar com a participação consultiva da sociedade, porém o território não tem lastro na autonomia local, mas é palco da disputa de poder entre o Estado e as organizações criminosas, ao passo que a regionalização surge conceitualmente como projeto político adverso que mais deprecia certas localidades do que promove o bem social da segurança pública. Também envolve noção geográfica, associada às intervenções policiais em um caráter de planejamento estratégico. Em relação ao planejamento da Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, as RISP, AISP e CISP obedecem, ao mesmo tempo, aos níveis estratégico, tático e operacional de demarcação territorial que arrolam bases geográfica, criminológica e de intervenções policiais.

A CISP é a coesão operacional que atinge a população de forma mais satisfatória por seu carácter de maior contato, mas considerando isso e partindo da Capital para agenciar o estabelecimento de padrões para com as políticas públicas de Segurança Pública, fica perceptível uma agudeza prática das distribuições de força. Não obstante, é manifesto que a Região Metropolitana do Rio é foco das orientações emergenciais, contudo, o que se percebe em geral pelos menores índices de criminalidade nas demais regiões pode ter lastro nas diferenças socioeconômicas, culturais, de acesso e de densidade demográfica.

Por outro lado, percebemos a manipulação de municípios para realocação quantitativa da criminalidade, em especial, da Letalidade Violenta. Sublimar ou aumentar o quantitativo em determinado território pode impactar na construção social de uma criminalidade latente e de um território como violento. Ou, ao contrário, que um espaço determinado não é mais alcançado em termos de criminalidade. Assim, quais seriam os critérios para o isolamento dos municípios como São João de Meriti e Belford Roxo em termos de AISP e CISP? Esse isolamento permite uma leitura adequada desses territórios? Ao que tudo indica tais divisões resultam de mecanismo políticos e não está baseada em elementos críticos de um planejamento da Segurança Pública.

 

 

[6] Vide em: http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=197. Acesso em 22 jan. 2021

[9] 39 AISP, vide em: http://www.ispdados.rj.gov.br/divisaoTerritorial.html. Acesso em: 24 jan. 2021

[10] Vide em: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Monitoramento.html. Acesso em 25 jan. 2021.

[14] DL nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em 14 ago. 2021.

[19] Vide em: http://www.alerj.rj.gov.br/Visualizar/Noticia/49047. Acesso em Acesso em: 14 ago. 2021.

[20] Meso e Microrregiões são nomenclaturas já substituídas pelo IBGE desde junho de 2017 por Regiões Intermediárias e Imediatas, respectivamente, e com algumas alterações de alocação. Conforme essa nova orientação, foram definidas cinco Regiões Intermediárias e catorze Regiões Imediatas. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100600.pdf.  Acesso em: 07 fev. 2021. 

[21] Vide: http://www.ceperj.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=81. Acesso em 16 fev. 2021.

[22] Denominação própria neste trabalho.

[23] Idem, são eles: Cachoeira de Macacu, Itaboraí, Tanguá e Rio Bonito.

[24] Vide em: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Monitoramento.html. Acesso em 12 fev. 2021.

[25] Demais municípios da RISP 4: Araruama, Saquarema, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Armação dos Búzios, Iguaba Grande, Arraial do Cabo, Tanguá, Itaboraí, Rio Bonito, Silva Jardim e Cachoeira de Macacu.

[26] Vide: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rj.html. Acesso em 18 fev. 2021

[27] Com exceção dos municípios de Casimiro de Abreu e Rio das Ostras

[28] Bairros respectivos: CISP 27 – Colégio (parte), Irajá, Vicente de Carvalho, Vila Kosmos, Vila da Penha e Vista Alegre; CISP 31 – Anchieta, Guadalupe, Parque Anchieta e Ricardo de Albuquerque; e, CISP39 – Acari, Barros Filho, Costa Barros, Parque Colúmbia e Pavuna.

[29] Para verificação da numeração e limites da AISP, vide: http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/AISPjpg.rar. Acesso em 19 fev.2021

[30] Vide em: https://www.data.rio/pages/rio-em-sntese-2. Acesso em 22 fev. 2021.

[31] A AISP 41 é composta por três CISP: 27) Colégio (parte), Irajá, Vicente de Carvalho, Vila Kosmos, Vila da Penha e Vista Alegre; 31) Anchieta, Guadalupe, Parque Anchieta e Ricardo de Albuquerque; e, 39) Acari, Barros Filho, Costa Barros, Parque Colúmbia e Pavuna.                                                                                                   

[32] A AISP 32 faz parte da RISP 6 e agrega seis municípios em 5 CISP, sendo: 121) Casimiro de Abreu; 122) Conceição de Macabú; 123) Macaé; 128) Rio das Ostras; 130) Quissamã e Carapebus.

[34] São eles: Campo Grande, Cosmos, Inhoaíba, Santíssimo e Senador Vasconcelos.

[35] Arquivo disponível em: https://www.ispdados.rj.gov.br:4432/Arquivos/DesmembramentoDeCispEMudancaDeAisp.xlsx. Acesso em 20 fev. 2021.

[36]  Arquivo disponível no link disponibilizado pelo IBGE, consulte em: https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Sinopse/Unidades_da_Federacao/sinopse_uf_Rio_de_janeiro.zip. Acesso em 22 fev.2021

[38] Vide: http://www.isp.rj.gov.br/Noticias.asp?ident=166. Acesso em 24 fev. 2021.

[39] Área da Unidade Territorial sem casa decimal neste trabalho, para verificação com maior precisão, vide: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/panorama. Acesso em: 19 fev. 2021

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