Tecnologias urbanas, mobilidade e cenários pós-pandemia no Distrito Federal: usos de dados e informações no transporte público.
Carlos Henrique Magalhães de Lima
Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília
Renato Schattan
Mestre em Projeto e Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília - UnB; Diretor do Instituto Candeeiro de Cultura, Educação e Direitos Humanos, IC, Brasil.
Referências
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1. Introdução
O propósito deste trabalho é realizar uma leitura crítico-propositiva sobre o uso de tecnologias digitais e uso de dados para o planejamento urbano. Consideramos o contexto presente em que a circulação de dados e informações foi amplificada, decorrência de estudos dedicados a observar condições epidemiológicas da pandemia de Covid-19, como os índices de transmissão da doença e a cobertura vacinal. Em regiões metropolitanas mundo afora, os dados vêm sendo empregados para pensar diferentes fases de enfrentamento da crise e posterior retomada das atividades sociais. Como exemplo, citamos o rastreamento de contatos, uma medida de controle epidemiológico em prática desde o início do séc. XX, cujo propósito é acompanhar a circulação de pessoas sintomáticas, realizar testes para verificar a presença do vírus ativo e recomendar a quarentena ou isolamento social em caso de resultado positivo – no caso chinês, é uma medida compulsória. Esse rastreamento está inexoravelmente associado à circulação de pessoas no espaço urbano, o que nos leva a imaginar possíveis desdobramentos do emprego de tecnologias informacionais em benefício do transporte público (CHORUS, 2020). Diversos estudos apontam as condições dos lugares de transporte (estações, veículos, passarelas etc.) como espaços que merecem atenção redobrada em contextos pandêmicos (TIRACHINI e CATS, 2020). Imaginamos que, por isso, podem também ser elementos de transformação das condições de vida na cidade em cenários futuros, entendendo a mobilidade como elo fundamental para as fases de recuperação após os reverses decorridos da sobreposição entre crise social, sanitária e econômica proporcionada pela pandemia.
As medidas de restrição na circulação de pessoa e a atenção e cuidado na forma como ocorre a mobilidade são fundamentais. A falta de articulação e planejamento que vem se verificando na maior parte das cidades brasileiras trouxe consequências negativas muito diversas. A falta de políticas orientadas para o transporte aumenta o risco de contaminação, com pessoas sendo transportadas em veículos coletivos lotados; prejudica as atividades produtivas, reduz expectativas de vida, imanta sujeitos em uma posição desigual de acesso e circulação na cidade.
Neste trabalho, tomamos o Distrito Federal como fonte e foco das especulações desenvolvidas, onde restrições intermitentes resultaram na redução de atividades sociais e produtivas, afetando diretamente a indústria, comércio e serviços. Por parte de empresas e governo, houve medidas pontuais orientadas para tentar conter a propagação do vírus, o que exigiu ações imediatas como a intensificação dos procedimentos de higienização, a aquisição de equipamentos de proteção para os trabalhadores do setor, criação de regimes especiais de turnos para operação do transporte. Mas os desafios implicados no quadro atual ultrapassam as questões técnicas e de funcionamento do transporte e exigem pensar alternativas para as condições de mobilidade, por dois motivos principais. Primeiro, nos últimos 24 meses, as variantes do vírus e a eclosão de novos casos em contexto local ou em escala ampliada, põe em relevo tópicas relacionadas ao tipo de atividade que se irá privilegiar, envolvendo medidas emergenciais, protocolos e práticas recomendadas. Assim, os locais de transporte entram no centro das discussões.
Considerando a tendência atual, a retomada das atividades de toda ordem trará dificuldades num cenário de curto e médio prazo no Distrito Federal e, consequentemente, na Área Metropolitana de Brasília, bastante dependente da infraestrutura, emprego e serviços disponíveis na capital federal Além disso, o padrão disperso de morfologia urbana identificada no DF – associada à densidade baixa – (JATOBÁ, 2017), onera deslocamentos e compromete a sustentabilidade do sistema, fortemente caracterizado por um padrão de movimento centro-periferia. Após um ano do início de isolamento novos decretos distritais ampliaram as restrições. Além disso, os sistemas de oferta de serviços e o modo de cobrança das tarifas apresentam sinais de desgaste em diversos contextos (LIMA, Carvalho & FIGUEIREDO, 2020), o que leva a pensar sobre o financiamento das infraestruturas e os custos de operação para o transporte. No caso de nosso argumento, focalizamos o sistema de ônibus, pois respondem, em Brasília, pelo maior número de viagens do transporte coletivo, o que torna necessário pensar em contratos sociais mais equilibrados, onde haja melhor eficiência e maior transparência da parte de atores públicos e privados. Isso visa a segurança de jurídica e econômica de empresas e governos, e, acima de tudo, a melhor oferta de serviços para a população.
Á luz dos impactos causados pela pandemia no DF, no primeiro semestre de 2020, relacionada à operação dos serviços urbanos de ônibus, este artigo objetiva especular sobre ações estratégicas visando conter efeitos prolongados resultantes da pandemia, dentre os quais destacamos: possibilidade de queda na arrecadação tributária, riscos de custos e operação de receitas para empresas, de viabilidade e adaptabilidade para oferta dos serviços em eventuais cenários de circulação restrita.
Justificamos esta escolha pelo seguinte: a experiência recente mostra que em cenários de crise e estagnação, e com a intenção de dinamizar a economia, abrem-se exceções às regras de controle de gastos e aumento dos investimentos públicos, muitas vezes na forma de estradas, portos, ferrovias, o que contempla também programas de habitação e transporte em regiões metropolitanas. A criação de um expediente de obras é a alternativa mais imediata que se apresenta na agenda de diversos governos, cientes da capacidade da construção civil de alavancar investimentos e movimentar a economia gerando grande fator multiplicador. Entretanto, em programas como o Avança Brasil (2000) ou mesmo em obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC (2007-2014), encontramos alguns obstáculos para que projetos associados à mobilidade alcancem o êxito prometido.
O sucesso de empreendimentos vultosos demanda não só o aprimoramento dos mecanismos de seleção dos projetos, mas também de formulação e discussão de seu conteúdo, isto é, a distribuição das linhas, as áreas de abrangência e os equipamentos públicos necessários para seu funcionamento. E isso considerando não somente o custo das obras, mas também da operação. Nesse sentido, julgamos que os dados podem contribuir para um planejamento mais justo e consequente.
O artigo está organizado em três seções, além da introdução. A primeira parte faz breve discussão dos estudos relacionados ao impacto da pandemia no transporte urbano, com ênfase para os ônibus e o possível esgotamento do modelo tarifário vigente – em que custo da viagem arcado pelos passageiros. Em seguida, tentamos compreender, a partir de estudos recentes, como os dados podem oferecer alternativa para construir uma gestão democrática e transparente do território, o que pode significar a construção de indicadores e fontes relevantes. Por fim, apresentamos alternativas que visam subsidiar a construção de marcos relacionados ao financiamento do transporte e oferta à população.
2. Pandemia, isolamento e circulação no espaço urbano
O ato de circular pelas cidades mobiliza um conjunto diversificado de conhecimentos, que vão das formas de operação à engenharia de tráfego; da distribuição de modais entre linhas à interface com os usuários. A capacidade de transitar no espaço metropolitano é aspecto essencial da cidadania, fator determinante das condições de sustentabilidade urbana, de sua capacidade produtiva e reflexos na vida material. Vasconcelos (2000) ressalta que economias na periferia do capitalismo são marcadas por iniquidades consideráveis refletidas na mobilidade, pública ou particular, em diferentes modais, sobretudo nas viagens diárias de passageiros. A pandemia da Covid-19, ainda em curso, já resultou em mais de 600 mil mortes no Brasil. Além da trágica e absurda quantidade de perdas humanas, os efeitos devem se prolongar nas condições de vida da população, tendo afetado setores da vida urbana que envolvem o deslocamento no espaço.
Não só no Brasil, mas em diversas metrópoles do mundo todo, sobretudo em países emergentes, a capacidade de investimento para superar as sequelas da crise em curso dependerá das possibilidades de recuperação econômica, figurada, dentre outros fatores, na elevação de arrecadação e retomada nos níveis de atividade produtiva. O Distrito Federal tem forte presença comércio e serviços entre os segmentos da atividade econômica, além da administração pública, Defesa e Seguridade Social. No que respeita à Indústria, a Construção reponde por parcela que é quase o dobro do que aquelas representadas pelas indústrias extrativas e de transformação somadas (CODEPLAN, 2018).
São atividades cuja distribuição no território demandam a necessidade de pensar em políticas de transporte. E isso refere-se a pelo menos três questões fundamentais: a distribuição das linhas, a organização de concessões e o modelo de cobrança de tarifas. Quanto a isso, Vasconcelos (2000, pp.25-26) ressalta o peso do transporte no orçamento doméstico e o conflito em torno das tarifas, cuja oferta está permanentemente sujeita à instabilidade, consequência do ajuste contínuo entre custos e receitas.
Porém, a pandemia modificou a estrutura de relações estabelecidas que transferiam continuamente para os usuários (para as tarifas) o custo de operação de transporte. A retração econômica limitou a possibilidade de as empresas recorrerem ao aumento de preços ou redução da frota para aumentarem seus lucros. Ante esta oportunidade, vemos que a análise das políticas públicas orientada para o transporte podem ser objeto de consequente reflexão, no caminho de alternativas que privilegiem a circulação justa e viável em espaços metropolitanos – consideramos o caso particular do Distrito Federal.
3. Transporte público no Distrito Federal: considerações à luz de pesquisas recentes
As assimetrias da estrutura produtiva no Distrito Federal repercutem em sua distribuição populacional por unidades administrativas. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) estima 412 mil pessoas se locomovendo diariamente para o trabalho – dado que não considera o entorno da cidade, onde estão localizadas cidades como Luziânia e Águas Lindas. Apesar da tendência de queda, a RA Plano Piloto ainda responde por porcentagem significativa dos postos de trabalho e da massa salarial (CODEPLAN, 2018). E apesar das especulações – ou mesmo normas e portarias – a respeito do teletrabalho, a distribuição espraiada da população do DF deve fazer com que os temas da mobilidade e transporte permaneçam relevantes. Nesse sentido, dados e informações podem contribuir consideravelmente, em especial, considerando o conjunto levantado e trabalhado com vistas ao enfrentamento da pandemia. Ao identificar pormenores relacionados à configuração urbana no Distrito Federal, as agências de planejamento e desenvolvimento urbano podem fornecer subsídio para auxiliar por exemplo, modos de lidar com baixos índices de compacidade da capital, tema apresentado para sucessivos governos por parte de movimentos populares.
A Companhia de Desenvolvimento do Distrito Federal, Codeplan, empresa estatal brasileira criada nos anos 1960, tem contribuído nos últimos anos com estudos direcionados para temas muito diversificados e que contribuem para embasar intervenções no território. Quanto ao transporte público e sua relação com a pandemia, estudos amparados na disponibilidade de dados (por amostra de domicílio) e nas características urbanas, permitiram identificar áreas de maior vulnerabilidade em relação à propagação do novo Corona vírus no DF (FLORENTINO, et. al., 2020). Atender a população com segurança e qualidade é uma preocupação central para a contenção da doença, pois está relacionada com o risco de disseminação do vírus e sua distribuição socioespacial.
Referenciamos aqui ao campo de estudos dedicado a compreender as relações entre tecnologia e espaço urbano reunido sob o termo “cidades inteligentes”. O termo pode ser mero agregador de instrumentos voltados a dinamizar as formas de circulação na cidade, tornando-a atrativa a investimentos e criando um ambiente favorável de negócios; como chave de articulação crítica, instrumento eficaz de tecnologia e gestão de práticas urbanísticas controladas pela coletividade e orientadas para a construção de espaços comuns. Nos referimos ao termo práticas urbanísticas (FARIAS FILHO, 2010) com intuito de pensar que a cidade se faz numa articulação intricada de atores, que se movimentam num arranjo complexo mobilizando variados interesses. Recorremos ao termo com o propósito de apresentar o campo hegemônico, isto é, instituições governamentais, e grandes empresas, como heterogêneo e complexo, cuja mediação requer compreender facetas diversificadas da dimensão urbana.
O isolamento social e outras medidas restritivas são medidas não farmacológicas com intuito de reduzir a transmissibilidade do vírus. Nesse sentido, ao menos quatro características urbanas devem ser consideradas para que sejam alvo de políticas públicas: a. domicílios com número de cômodos reduzido em relação ao número de moradores; b. falta de acesso ao fornecimento de água; c. orçamentos familiares de deriva de participação no mercado de trabalho informal; d. uso de transporte coletivo como meio para o deslocamento para o trabalho (FLORENTINO, et.al, 2020, p.58).
Em pesquisa recente conduzida pela Codeplan (2018), o índice de uso do transporte público foi obtido pela divisão do número de moradores de cada Região Administrativa (RA) que utiliza ônibus e/ou metrô como deslocamento para o trabalho e o número total de moradores por RA. 40,5% dos moradores do DF utilizam o transporte público – a parcela que utiliza o metrô é de apenas 3,7% deste total. Paranoá, Recanto das Emas, Planaltina, Riacho Fundo II e Santa Maria são as cidades que apresentam maior percentual de moradores utilizando o transporte público. As populações de renda mais baixa são as que declaram utilizar o transporte público para chegar ao trabalho.
O mapa 1 (abaixo) foi elaborado a partir destas informações e oferece uma leitura espacial do problema. Podemos perceber que: a. os centros urbanos das Regiões Administrativa de Brasília (RAs) que fazem uso do transporte de forma mais intensiva estão situados, em média, a 29 km da Rodoviária do Plano Piloto – a RA 1, onde há maior oferta de empregos formais; b. o uso das linhas de ônibus é maior nas franjas do Distrito Federal, em regiões menos densas, não abrangidas pelo metrô.
De forma geral, ao analisar esses fatores e cientes de que a incidência da Covid-19 se distribui de forma desigual no território – considerando a dinâmica intraurbana – é necessário pensar em respostas condizentes potencialmente capazes de corrigir assimetrias, com soluções consistentes de enfrentamento que priorizem as pessoas sem condições de acesso às infraestruturas e serviços urbanos, neste caso, de mobilidade. No Distrito Federal, viagens longas em ônibus cheios caracterizam o cotidiano da população.
Os baixos índices de compacidade tornam as viagens onerosas para empresas e estes custos são transferidos para o usuário. Além disso, como observa Preteicelle (1990), a distribuição dos equipamentos de infraestrutura urbana tem forte relação com índices de atividade produtiva, são fatores co-implicados. Consequentemente, há necessidade de ampla elaboração envolvendo governos e setores da sociedade civil para elaborar políticas potencialmente capazes de equacionar, dentre outros, a abrangência por área em cada um dos contextos de transporte, os desenhos de linhas e a distribuição dos modais, o projeto e organização dos edifícios voltados para o transporte.
Mapa 1
Regiões Administrativas do Distrito Federal com maior porcentagem da população utilizando transporte público, relacionando distâncias para o centro do Plano Piloto (Rodoviária de Brasília) – onde 41% dos trabalhadores do DF declaram exercer suas atividades profissionais (CODEPLAN, 2020) e perfil de renda. Fonte: elaborado pelos autores
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Para Bria e Morozov (2019), quando o assunto é o transporte público, deve-se observar, por um lado, o modo como a delegação ou subcontratação de agentes particulares para prover um serviço e, para isso, receber remuneração por passageiros; por outro, simultaneamente, efetuar o gerenciamento, manutenção e construção de infraestruturas, a maior parte em âmbito local. Assim, fica a cargo do setor público, mesmo que haja variações no perfil dos fornecedores se serviço de transporte e na maneira como as atribuições contratuais estão distribuídas, o ônus prático e simbólico de administrar ativos patrimoniais consideráveis, além de permitir que as condições de competitividade sejam conduzidas para que não haja assimetrias e privilégios, quer dizer, que empresas ofereçam contrapartidas insuficientes às necessárias para a devida operação do sistema. Por sua vez, empresas não devem ser lenientes em manter o funcionamento dos espaços em operação. Nesse sentido, a gestão das cidades aponta para conexões significativas entre essas esferas e que bem podem ser mais bem exploradas.
No Distrito Federal, uma transformação que pode decorrer da pandemia da Covid-19 é a vasta infraestrutura de coleta de dados, seguida do manejo e análise de informações. A coleta sistemática e constante de dados para a construção de indicadores relacionados à transmissibilidade do vírus e as condições de vida da população, relacionadas ao movimento e ao transporte, podem ajudar no enfrentamento de problemas num longo prazo, resultando em políticas e programas que, ao melhorar a qualidade de vida, otimizem os gastos e investimentos públicos, resultando em melhor aproveitamento da infraestrutura do Estado e empresas.
4. Alternativas para o Distrito Federal: o transporte urbano e a retomada de atividades
O primeiro ponto a ser considerado diz respeito aos indicadores do transporte público. Como apontado em diversas análises, é preciso haver mudanças paradigmáticas visando encorajar o conjunto da sociedade, na forma de empresas, instituições e organizações civis, a tomar posição ativa no que se refere ao deslocamento no espaço urbano. Soluções mais vantajosas podem ser alcançadas desde que se tenham em perspectiva o uso articulado de dados, o controle social efetivo dos contratos de tal forma que seja possível para a população acompanhar as atribuições delegadas e o impacto social que se manifesta nessa lógica operacional. Acompanhar e perceber são palavras que estão ao alcance de todos. A percepção do transporte pouco depende de atores especializados, em posições de tomada de decisão. Podem ser associadas ao acompanhamento e avaliação, modo de medir impactos e traçar metas. Por isso a ideia de ter no horizonte objetivos específicos é tão fundamental, e nesse sentido a quantidade de dados é importante, mas tanto quanto a maneira como são relacionadas a informações.
O Distrito Federal possui rede e infraestrutura de transporte consideráveis. Projetos recentes como o BRT que conecta o eixo sul da região metropolitana e a reconfiguração da Estrada Parque Taguatinga, são exemplares da ampla infraestrutura instalada para o atender a atual necessidade de deslocamento de parte expressiva da população. Por outro lado, a matriz econômica do DF, com pouco grau de industrialização, faz com que a construção civil ocupe posição de destaque na composição orçamentária da cidade.
Esse fator é relevante pois, em cenários de retomada, de saída de crise, muitas vezes, governos optam por investir em obras públicas, mormente na forma de parcerias público-privadas, em que operações consorciadas podem vir a melhorar indicadores num curto e médio prazo. Porém, a premissa que adotamos aqui gravita em torno do aprimoramento de uso da infraestrutura existente sem impactar nos investimentos em obras, considerando o acesso e usos de dados como aliados para o planejamento. Tentamos nos posicionar em posição contrastante em relação aos imperativos de gestão urbana apresentadas exclusivamente no âmbito de agente privados, que encontram resistências na sociedade civil organizada e opinião pública quando propostos de maneira apressada, em que pese o histórico do Distrito Federal em que se observa longos processos de exclusão socioespacial – sejam induzidos e operados pelo próprio Estado ou resultantes de dinâmicas metropolitanas.
Como exemplo, apresentamos o programa Vaga verde, colocado em discussão pelo GDF em meados de 2020, cuja proposta era restringir o acesso de veículos a áreas centrais da cidade. Apesar de sua premissa meritória, sintonizada com debates em regiões metropolitanas que enfrentam problemas relacionadas ao congestionamento e poluição, o projeto mobilizou discussões intensas entre governo e sociedade civil. Pessoas que se deslocam diariamente para o centro da cidade possuem perfis de renda muito variados. Não são apenas indivíduos de classes médias altas, mas também trabalhadores que utilizam o carro como meio de trabalho (profissionais da construção civil que carregam ferramentas e eventualmente praticam transporte solidário com seus colegas). Assim, medidas pautadas por conceitos justificáveis podem mesmo vir a reforças ou introduzir novas assimetrias socioespaciais.
Ademais, no caso do Vaga Verde, os valores arrecadados com a exploração rotativa de estacionamentos devem bem ser empregados em conformidade com as mudanças de dinâmicas no modo de circular pela metrópole, e o referido programa, ao considerar o horizonte de 30 anos para que sejam revistos os termos de contratação, limita consideravelmente os tipos de projetos que podem ser implantados nas áreas públicas da cidade. Afinal, não é impossível que muitos estacionamentos hoje implantados na região central da cidade se tornem ainda mais ociosos em longos períodos do dia, o que coloca em debate as implicações éticas e os compromissos coletivos em relação ao uso e ocupação desses lugares (DINIZ, 2009). Arranjos colaborativos devem ser buscados para que se possa influenciar essa desigualdade histórica e seus efeitos espaciais.
Por isso, o desafio que se coloca é produzir espaços de criação e compartilhamento para o acesso da população residente no Distrito Federal aos serviços e bens que se encontram em regiões centrais. A regulamentação amparada na austeridade, as soluções binárias que apresentam atalhos sem considerar a vida da população devem ser evitadas. Um modelo alternativo e mais cooperativo de fornecimento de serviços – o que inclui relações entre municípios, mas também entre agentes privados. Como sugerido por Bria e Morozov (2019), o transporte requer abordagens holísticas, cujo foco vai dos dados aos arranjos institucionais (GRAHAM, MARVIN, 2001). A elaboração diferenciada para problemas isolados dificilmente trará resultados adequados. Sendo assim, interessa apresentar aqui uma abordagem em que os esforços das agências de governo sejam dirigidos para o planejamento futuro. A Codeplan, por sua concepção estratégia, vem elaborando boletins periódicos sobre o DF e o combate ao Covid-19. São dados que, por particularizarem a análise e referenciá-la à realidade do DF tornam mais sensíveis a elementos e dimensões dos cenários que se quer enfrentar.
Apresentamos duas propostas conectadas para conduzir equacionamento da crise urbanístico-sanitária: a) pensar alternativas para o índice de passageiro por quilômetro; b) constituição de banco de dados abertos para consulta e elaboração coletiva de programas e ações.
4.1 Alternativa ao índice de passageiro por quilômetro: repensando a oferta de serviços de transporte.
Segundo Boletim 41 publicado pela Codeplan, o DF ocupa 23ª posição nos casos de letalidade de Covid no mês de março de 2021, em comparação com o mês anterior. Segundo o documento, o contágio tende a ocorrer de forma mais rápida nas capitais que têm uma maior densidade demográfica, lista em que o DF não figura. Por outro lado, os longos deslocamentos em ônibus, o tempo elevado de viagens, são fatores a serem considerados quando se tenta mitigar os índices de transmissão. A lotação dos ônibus, no médio e longo prazo, deve ser enfrentada com novos índices para medir o aproveitamento do transporte e desenhos eficientes de integração entre trechos da malha metropolitana. No lugar de um índice de passageiros por quilômetro rodado, é possível construir mensurações que possam apresentar, por exemplo, a efeitos do consumo a partir de mudanças de linhas; índices de emprego e assim por diante, considerando intervalo de tempo específico.
Por que isso? É que os diversos agentes exercem influência considerável no desenho dos contratos a partir de uma coleção de índices que esquarteja a cidade entre zonas mais rentáveis que as outras, quer dizer, entre linhas de ônibus mais vantajosas consequentemente. No âmbito dos discursos a respeito de cidades inteligentes há o subtexto que encoraja as cidades a competirem umas com as outras. Em tramas metropolitanas intraurbanas e complexas, isso chega a ocorrer mesmo entre trechos de uma mesma cidade em áreas conurbadas, ou mesmo entre regiões administrativas. Essa circunstância, porém, não deve servir para desencorajar a busca por alternativas.
Consideramos que esta medida pode vir a beneficiar todos os atores envolvidos no provimento da circulação de ônibus na cidade. Pode-se prever possíveis crises econômica e sanitária suportas, com a paralisação de diversas atividades, o que traz consequências para governos, empresas e população. Se observarmos o contraste entre o número de viagens entre os meses de fevereiro de 2020 e 2021, há oscilação entre ondas de aumento expressivo e breve recuos relacionados aos decretos, o que significa dizer que há menos pessoas no transporte público, mas não necessariamente um menor número de pessoas circulando, já que, como vimos, alternativas para o deslocamento são buscadas de forma individual e coletiva. Em todo caso, importa observar que aumento nos índices de transmissão e os decretos que resultam, modificam padrões de deslocamento e ajudam a compreender melhor os polos geradores de viagem, o tipo de atividade econômica, tempo e características dos deslocamentos. Permite também identificar que regiões ou que empresas foram mais prejudicadas nesses períodos de instabilidade, permitindo construir uma malha urbana que ultrapasse a divisão entre regiões administrativas. Sendo assim, é razoável prever demandas adicionais para o transporte público que - além do funcionamento e manutenção dos serviços já oferecidos.
A queda de receita das empresas provocada na pandemia é efeito da menor circulação de pessoas, mas também fenômeno relacionado ao desejo das pessoas buscarem formas – colaborativas, muitas vezes – reduzirem o uso de ônibus. Para algumas famílias, o valor gasto com transporte chega a ser maior que os custos com alimentação (IBGE, 2019). A pandemia acelerou e agravou um processo de deterioração da relação com essa infraestrutura. Hirschman (1970) analisa que por menores que sejam as possibilidades de escolha, indivíduos tendem a se desconectar dos sistemas quando encontram alternativas colaborativas aos problemas da vida urbana que encontram no dia a dia. A mudança na forma de se relacionar com transporte, um lugar cuja associação ao risco foi amplificada e tende a acelerar um processo de mudança na matriz de financiamento e circulação de valores no sistema de ônibus. Um dos fatores, neste cenário, é a limitada capacidade de transferência das externalidades (custo de manutenção dos veículos, aumento no preço de combustíveis) para os passageiros.
Nas abordagens francamente liberais, os dados ficam limitados aos aspectos de eficiência e produtividade, medidos e articulados por indicadores como o de “passageiros por quilômetro” ou mesmo por algoritmos que indicam o uso de infraestrutura. Porém, a circulação, assim como a distribuição de educação, energia, saúde pública deve ser construída coletivamente. poderia permitir um arranjo produtivo da cidade a fim de torná-las mais confiáveis, competitivas e administráveis, qualquer que sejam as preferências teóricas de cada gestão, deve levar em conta as possibilidades de deslocamento e a eficiência do transporte público. Ao deixarmos uma abordagem puramente técnica do problema, podemos encampar perspectivas no que tange aspectos que privilegiam as necessidades dos diferentes setores da sociedade. Assim, a avaliação de dados é meio consistente de subsidiar orientações relacionadas a arrecadação tributária, ao direcionamento de recursos e possíveis isenções relacionadas à composição do orçamento no Distrito Federal.
O que viemos propor é realizar medições que permitam entender as diferentes Regiões de Brasília a partir de índice de retorno obtido por meio de tarifas das linhas em relação à extensão percorrida. Permite equilibrar a distribuição dos itinerários entre empresas, diversificando os vetores de circulação e potencializando o alcance de áreas em que a cobertura de transporte é insuficiente. Isto só se tornará possível de se alcançar considerando o planejamento em escala, os índices de desenvolvimento regional e atividades produtivas. Além disso, ressaltamos: disponibilização dos serviços de informação para plataformas públicas e de código aberto; modificação dos contratos entre empresas e governos com fim de atingir modelos cooperativos de fornecimento de serviços; potencialização de inovações sociais por meio de incentivos públicos. Essa abordagem integrada, holística, amparada no acesso e controle de dados, tem impacto tendencial enorme não só para contornar possíveis perdas de arrecadação, mas formas de impactar positivamente o território pelo aumento dos índices econômicos.
4.2 Fundo de transporte e uso de dados para o planejamento da cidade
A segunda hipótese de planejamento que gostaríamos de apresentar diz respeito à constituição de um fundo público de transporte, gerido por representantes de governos, empresas e sociedade civil. Otimizar o uso da infraestrutura instalada é fator determinante para o enfrentamento das crises que serão enfrentadas nos próximos anos. A proposta é que de posse de uma trama pormenorizada de ações, governo e sociedade podem tomar decisões em conjunto que, no limite, são potencialmente capazes de ampliar os ganhos para circulação e as práticas produtivas – no lugar de promover ganhos especulativos em intervalos curtos, como pode ocorrer. Quando pensamos nos dados, há uma soberania relacionada àquilo que denota a capacidade de cidadãos terem voz ativa e participaram na operação e na destinação de infraestrutura (Morozov e Bria, 2019, p.79). Essa ideia permeia as postulações de muitos movimentos populares urbanos e tem potencial de agregar parcelas consideráveis da população. Demanda-se não apenas a capacidade de conhecer e interferir no âmbito tecnológico, algo que está muito além do mero acesso eletrônico. Para que os contratos alcancem impactos sociais bem-sucedidos é desejável ampliar o número de pessoas envolvidas no acesso e construção de dados, quanto maior a capacidade de monitoramento e os meios necessários para produção de estatísticas por meio de instrumentos computacionais de processamento. Além disso, eventuais quedas de arrecadação implicam em menor capacidade do Estado em investir e, com isso, em destinar recursos para transporte ou conceder incentivos fiscais. Como esse desafio pode ser enfrentado?
Para Carvalho (2016) os fundos públicos representam desafio relevante que envolve a origem dos recursos e sua destinação. É uma forma de privilegiar O custeio de forma que o ônus do benefício não recaia nas costas usuários de baixa renda (IPEA, 2013). Idealmente, esses fundos devem ser compostos de “recursos oriundos do transporte individual ou outras fontes ligadas ao padrão de consumo dos mais ricos, já que eles pouco contribuem para o financiamento do transporte público” (CARVALHO, 2016, p.14). Em todo caso, prevendo possível reverberação negativa de propostas assim nas classes médias e altas, há quem defenda alternativas focadas por exemplo, no encaminhamento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) dos combustíveis para a formação de fundos para investimentos em transporte (IPEA, 2010). Portanto, dados e informações amplamente partilhados podem reduzir vieses e interpretações, contribuindo para o convencimento coletivo em benefício do transporte público.
É importante situar a composição da arrecadação tributária no atual cenário do DF. No Distrito Federal, o ISS por atividade econômica mostra maior participação no segmento de Instituições Financeiras e de Seguro (39,7%), como Holdings, Administração de Fundos e Gestão de Ativos. O segundo segmento com maior representatividade de arrecadação corresponde à Saúde (10,9%). O que se identifica é um ritmo de queda na arrecadação tributária. Não é possível precisar que cenário para os próximos dois anos se mantenha assim. No entanto, o que se coloca no horizonte é mudança de postura e mentalidade, buscando a diversificação de fontes para ampliação de diversificação de receitas.
Nesse sentido, a criação de um fundo distrital de transporte pode ser alternativa para enfrentar em médio e longo prazo o problema da mobilidade e da economia. Eis o modelo: (a) constituição de títulos públicos para adensamento e exploração de áreas centrais das diferentes regiões metropolitanas do Distrito Federal – o que poderia gerar incremento na atividade econômica, diminuindo o movimento pendular apresentado no mapa 1; (b) a exploração de linhas com itinerários mais rentáveis, deve resultar na constituição de fundo comum onde parte de rendimentos sejam revertidos para o planejamento e operação do transporte. A manutenção de estradas em regiões desprovidas de melhor acesso ao transporte público deve ser garantida pelo governo com recursos do fundo público, cuja arrecadação pode ter composição derivada de setores da construção civil citados acima. Algo semelhante ao que se propõe com a emissão dos Certificados de Potencial Adicional de Construção, Cepacs. Experiências anteriores como as concessões realizadas no projeto do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, revelam que a emissão desses títulos resultou em gasto público e contribuíram para expulsar parte da população local, que viu o perfil de renda subir consideravelmente em áreas que tiveram seu potencial construtivo aumentado. Ainda sobre o exemplo carioca, os títulos serviram para a produção de grandes investimentos, de obras que foram feitas sem o acompanhamento de políticas sociais e serviços urbanos (Gonçalves e Costa, 2020).
Ao se constituir o fundo, deve-se manter viva a ideia de que a busca por uma economia de resultados e soluções para ao transporte, não acabe fazendo com que as políticas governamentais sejam orientadas para que se possa lucrar a partir de bens e serviços. Errado não está, fica a questão de como os benefícios desses ativos podem ser distribuídos para o conjunto da população. Enquanto a diferenciação de preços – no transporte público há a necessidade de cobrar preços diferentes para usuários, já que há as faixas de isenção e de tarifas reduzidas – e a cobrança por viagem e não por serviço oferecido forem as melhores maneiras de maximizar o fluxo de rendimentos no ramo dos transportes, é certo que os motores políticos e econômicos irão produzir assimetrias em diversos níveis. A acomodação de demandas partindo apenas do setor privado sugere que as burocracias parecem afastadas das mãos do governo, limitando a capacidade do Estado em investir e corrigir assimetrias – que ficaram extremamente evidentes no curso da pandemia da Covid-19.
Por estes e outros exemplos reforçamos que os recursos de possíveis títulos de mobilidade no Distrito Federal, por serem empregados em infraestruturas comuns podem facilitar a participação coletiva. Recursos arrecadados e amparados por novos acordos, tendem a dinamizar a circulação de pessoas e mercadorias de forma mais eficiente, gerando lucros que não ficaram restritos às empresas concessionárias ou ao âmbito dos atores corporativos. A multiplicação dos potenciais em favor das necessidades urbanas de desenvolvimento no presente. O aumento de dados e a possibilidade de compartilhar o acesso à informação permite ao setor de transporte e ao conjunto da sociedade a identificação de potenciais e o desenho de vetores mais conformes com uma engenharia social compartilhada e distribuída.
Em dezembro de 2020, o eixo traseiro de um ônibus da empresa Urbi se soltou, e as quatro rodas ficaram no meio da Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga. Alguns passageiros foram encaminhados ao hospital regional da mesma cidade com dores no corpo, mas felizmente ninguém ficou gravemente ferido[1]. O acidente é revelador de como os contratos precisam ser considerados a sério em suas particularidades, é de que é necessário distribuir as responsabilidades na condução de políticas para as cidades. Em outubro de 2020, a mesma empresa deu destaque em sua página de um estudo elaborado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) afirmando não haver correspondência entre o aumento do número de passageiros transportados levou a um aumento do número de casos[2]. Esse caso ilustrativo nos faz recordar da necessidade de compreender as dimensões do problema em sua totalidade. As regiões metropolitanas brasileiras são muito diversas, mas independentemente dos recortes e angulações de abordagem, ônibus cheios, falta de cobertura da malha e estradas em péssimas condições são fatores que requerem solução, se não pelo vírus, que pelos cidadãos. É compreensível que empresas temam a queda de receitas, mas o encadeamento de dados e informações é relevante para que possamos traçar de forma clara ações e políticas consistentes. É fundamental que se tenha não apenas novos dispositivos conceituais, mas capacidade de traçar suas próprias trajetórias, implementando políticas de transporte eficientes que atendam a população. Consideramos que a capacidade de aumentar a participação social um fator fundamental nesse percurso.
O que estas duas orientações programáticas tentam atacar é o fato de que, a exemplo do que ocorre em outras metrópoles no Brasil, o Distrito Federal não possui ferramentas necessárias para resolver os problemas urbanos, mesmo que seja possível atingir uma composição representativa ampla em sua bancada legislativa. Para Morozov e Bria (2020), nenhuma cidade pode igualar a capacidade de processamento de empresas como a Google ou Uber, o que segundo os autores que premissas compartilhadas são determinadas por arranjos globais, que ultrapassam as fronteiras das cidades em que se intervém. Implementar políticas de mobilidade requer compreender particularidades locais e de soberania para formulação de políticas, algo ameaçado por acordos que não consideram a capacidade das cidades em capitanear regimes de corresponsabilidade pelas infraestruturas utilizadas por agentes privados.
5. Conclusões
Neste trabalho afirmamos alguns valores relevantes para pensar o planejamento do transporte no Distrito Federal. Identificamos que o combate ao vírus aumentou a quantidade de estudos realizados por agências de governo na capital federal e que o compartilhamento e democratização dos dados podem ser relevantes para formas participativas de condução da política de transporte. Propusemos alternativas que, em conjunto, apontam para regimes alternativos para circulação de dados públicos, na esteira do que propõem os autores com quem se buscou interrelações nesta abordagem.
O desafio é pensar em soluções versáteis em que novas formas de cooperação e de inovação social servirão de modelos economicamente sustentáveis para enfrentar cenários de crise, ocasionada pelo quadro grave na pandemia no presente, e por possíveis variantes no futuro. Sugerimos que o atual paradigma do transporte amparado apenas na cobrança de tarifas e transferência de externalidades para a conta do usuário, constitui forma pragmática e pouco consequente de enfrentamento da questão. Formas alternativas de participação, como conselhos, aumentam o engajamento social e podem efetivamente não só para inaugurar novos espaços democráticos, mas para dar melhor direcionamento para os investimentos públicos, aumentar arrecadação e dinamizar a economia nos setores de serviço, no mercado de aluguéis e de propriedades, devido ao aumento de pessoas circulando com variados interesses além do simples proposto cotidiano de exercer um trabalho. Por fim, é um modo de transcender as lógicas de curto prazo e incentivar, incentivar a produção de uma cidade mais justa e viável.
[1] Rodas traseiras de ônibus se soltam e passageiros ficam feridos em Taguatinga, no DF. Disponível em: https://glo.bo/35gbfzT, acesso em 21/01/2022.
[2] C.f. Transporte coletivo não está associado ao aumento de casos de Covid-19. Disponível em: https://www.urbimobilidade.com.br/transporte-coletivo-nao-esta-associado-ao-aumento-de-casos-de-covid-19, acesso em 15/03/2021. A Nota técnica está disponível em https://www.ntu.org.br/novo/upload/Publicacao/Pub637360193737717105.pdf , acesso em 15/03/2021.