Regionalização e regiões na estruturação do território brasileiro no século XXI


Jeferson Cristiano Tavares
Doutor em arquitetura e urbanismo pelo IAU-USP. Professor Doutor no Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP ), Docente no Curso de Engenharia Ambiental (EESC-USP); vencedor do IV Prêmio Ana Clara Torres Ribeiro da ANPUR em 2019

REVISTA POLÍTICA E PLANEJAMENTO REGIONAL – RPPR – Rio de Janeiro, Vol. 8, No. 2, maio a agosto de 2021, p. 140-160   ISBN 2358-4556

Submetido: 08/04/2021 ; aprovado: 28/04/2021

 

1. Introdução[1]

            Ao final do século XX o governo federal, centros, núcleos, grupos e redes de pesquisa nacionais constituíram um novo repertório de práticas de regionalização por propostas de regiões policêntricas e multiescalares orientadas por centralidades urbanas. Mais complementares que divergentes entre si, muito embora não sejam semelhantes e se apoiem em diferentes metodologias, essas experiências têm em comum o posicionamento da região como elemento estratégico do desenvolvimento nacional dentro do ambiente do planejamento urbano e regional.

            Notavelmente, o ápice desse processo constituiu-se entre 2006 e 2007, respectivamente pela conclusão do “Estudo da Dimensão Territorial para o PPA” e pela aprovação da “Política Nacional de Desenvolvimento Regional” (PNDR). Esse ápice logo foi frustrado pelas decisões políticas que por um lado sobrepuseram programas econômicos à possibilidade de um planejamento territorializado; por outro provocaram resultados distorcidos em relação aos objetivos iniciais da PNDR.

            Pelo olhar histórico, o entendimento é de que mesmo com a frustração sobre o resultado dessas experiências contemporâneas, as análises sobre elas possibilitam trazer à luz da compreensão os fundamentos que posicionaram as regiões como elementos constituintes de uma tessitura que colabora na estruturação do território. A partir do qual é possível pensar uma agenda do planejamento urbano e regional, argumento motivador desse estudo.

            Com essa finalidade, tessitura territorial foi entendida como uma composição formada por regiões com particularidades históricas, culturais, econômicas e sociais destacadas por cada regionalização. A identidade intrarregional e a diversidade inter-regional reforçam a ideia de diferentes elementos que fazem sentido somente se observados no seu conjunto. Esse conjunto, por isso, contrapõe-se a uma homogeneização de ações e assim possibilita tomadas de decisão a partir de olhares mais abrangentes e menos centralizados.

            Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo demonstrar a constituição dessa tessitura territorial a partir da assimilação nacional dos referenciais internacionais que está na base do debate da regionalização brasileira contemporânea. E também busca reconhecer os avanços e limitações, as contradições e anacronismos desse processo pelas propriedades regionais mais enraizadas e representativas da sociedade brasileira.

            Na análise que segue, compreende-se que as regionalizações propostas no âmbito do planejamento regional atuaram como meio e expressão de um novo arranjo escalar mais plural de dominação territorial para tomadas de decisão no qual a região foi considerada estratégica por ser a evidência das particularidades sociais. Cada região é formada pelas relações funcionais, simbólicas e socioculturais mais curtas, fortes e simultâneas que englobam cidade e campo, meio urbano e rural, ambiente construído e ambiente natural.

            Foram muitas as denominações dos novos arranjos identificados: macrorregiões, arranjos urbano-regionais, aglomerados regionais, aglomerados urbanos, centralidades urbanas, mesorregiões, regiões de influência e etc. Essas denominações são a evidência da regionalização das atividades do cotidiano por áreas submetidas a um processo de urbanização diferente daquele característico do século XX por ser metropolizado e disperso, por envolver a atividade econômica (fluxos materiais e imateriais de capital) e a atividade humana.

            Por fim, cabe destacar que as práticas contemporâneas de regionalização reconheceram no espaço urbano, na rede urbana e no sistema de cidades a base para a delimitação de novas regiões. Ao partirem de escalas regionais intermediárias levando-se em conta as características do urbano e do rural, aproximaram o debate do desenvolvimento regional ao debate do desenvolvimento urbano e construíram oportunidades para a inversão da tomada de decisão centralizada e unidirecional. Talvez tenha sido esse um dos motivos da rápida supressão dessas práticas no meio político-administrativo, mas de sua permanência como novos paradigmas.

2. Reconhecimento do aspecto regional da urbanização

            O recente debate sobre região e desenvolvimento no Brasil revela algumas mudanças do papel da regionalização nas políticas públicas. E essa mudança incorpora o reconhecimento do aspecto regional da urbanização, fator essencial para compreender as políticas públicas derivadas desse debate.

            A herança colonial da ocupação do território brasileiro foi caracterizada por uma forte concentração litorânea, uma diversidade regional e uma desigualdade social (ARAUJO, 2013, p. 40). O processo de urbanização que se desenvolveu a partir dos anos 1930 carregou consigo essas características, mas também demarcou o início de um padrão regional de desenvolvimento proporcionado pela política de industrialização e amparado nos investimentos privados e na provisão de infraestrutura para a integração do mercado nacional.

            A partir dos anos 1960, essa integração intensificou o comércio inter-regional nacional seguida de alta taxa de migração e concentração urbana com maior crescimento das cidades elevando os problemas locais e municipais à escala regional. E nesse período foi recorrente a concepção de políticas públicas regionalizadas, mas de forma centralizada pelo governo autoritário e formuladas sob o enfoque das macrorregiões e da macroeconomia.

            Nos anos 1990, a adesão do governo brasileiro ao Consenso de Washington orientou as políticas nacionais à priorização das questões financeiras e produtivas que conduziram, nos anos 2000, à privatização, à prevalência da Guerra Fiscal e a um completo esvaziamento de políticas regionais frente à ascensão do poder local e da competitividade entre cidades e regiões. Esse período foi marcado pelo aumento das dinâmicas urbanas nas cidades de porte médio ampliando a taxa de urbanização do território nacional e a tornando menos concentrada (CANO, 2011. p. 27 a 53). 

            Ao mesmo tempo em que se propagavam os problemas de ordem metropolitana nas cidades de porte médio e grande, as políticas regionais foram reduzidas frente às políticas financeiras orientadas pelos preceitos neoliberais. Um duplo movimento aparentemente contraditório foi marcado pelo aumento das relações regionais de interdependências entre cidades e pelo isolamento das políticas locais orientadas pela competitividade.

            Com essas transformações, a questão escalar tornou-se importante referencial para o debate do desenvolvimento e foi considerada uma construção que no âmbito geográfico evidenciava os processos sociais e conferia à atividade social um lugar específico. 

            O debate deveria ser ordenado pelo entendimento da divisão social do trabalho e pela compreensão das cidades e das regiões nas relações mesorregionais, estaduais e nacional dentro da hierarquia das relações conjunturais e estruturais (BRANDÃO, 2004, p. 57 a 67). A importância de reconhecer a divisão social do trabalho como eixo estrutural das políticas públicas vinculava-se ao reconhecimento da sua divisão territorial em redes urbanas que deveria conduzir os investimentos públicos à luz da reestruturação produtiva tendo em vista os fatores sociais e ambientais (EGLER, p. 215 a 226).

            No plano internacional, as crises urbanas, o novo padrão tecnológico e o avanço das telecomunicações e da informática no ambiente de trabalho induziram a substituição das políticas de correções das desigualdades (inspiradas pelas políticas keynesianas dos anos 1970) por políticas territorialmente descentralizadas e com foco na produtividade endógena.

            A mudança de paradigma econômico alterou os lugares de decisão e institucionalmente houve certa – mas não completa – descentralização do desenvolvimento desses lugares. O debate das políticas públicas e a decisão do destino de investimentos deixou de ser hegemonicamente centralizado pelo Estado-Nação e passou para governos estaduais e locais; órgãos e agências multilaterais; e sociedade civil. 

            Assim, foram praticadas algumas possibilidades de inversão do padrão de planejamento top-down pelo botton-up. E no lugar das macrorregiões, as mesorregiões e a escala local emergiram como o local e o destino desse planejamento.

            Paradigmaticamente, as regiões desindustrializadas ou não desenvolvidas inseriram-se no mercado competitivo (como o Vale do Silício, Mezzogiorno, etc.) e as centralidades urbanas ganharam novo protagonismo à luz da globalização, da metropolização e das novas configurações do espaço em que prevaleciam novas formas de aglomerações produtivas e de capital social (ambiental e institucional), como destacam Diniz e Crocco (2006, p. 11 a 27). 

            E prosseguem confirmando que o papel do capital social e da infraestrutura aplicados ao território desencadearam repercussões em dois âmbitos: inter-regional que em geral conduzia a um privilégio das regiões mais desenvolvidas porque apresentavam maior capacidade competitiva; e intrarregional que gerava dependência de novas centralidades urbanas para equalizar o desenvolvimento de uma determinada região.

            Um possível plano de desenvolvimento regional, portanto passava pela compreensão da função da centralidade urbana e da incorporação dessa condição ao planejamento da própria rede urbana pela ordenação do território, fundamentalmente pelas cidades de porte médio e grande e não exclusivamente metropolitanas.

            Na leitura de Monte-Mór (2006, p. 77), a estratégia foi de partir da rede urbana para estruturar o ordenamento territorial. E assim considerar as cidades de grande e médio porte não metropolitanas como os elementos estruturais das relações produtivas, pensar seu papel nas regiões em que se inserem, sobretudo pela demanda de investimentos nas áreas de infraestrutura intrarregional e urbana e efetivar sua função de comando. Para obter êxito, deveria privilegiar os aspectos sociais e ambientais e não exclusivamente o econômico tendo em vista o entendimento de que é o urbano que estrutura o espaço

            Contudo, como conclui o autor, mesmo diante da dimensão regional e nacional dos problemas, os estudos sobre a questão urbana e metropolitana restringiram-se aos limites do perímetro urbano e não captaram a essência do processo contemporâneo de urbanização. 

            Somadas a isso, algumas decisões na escala regional colaboraram no enfraquecimento da própria rede urbana como estratégia de desenvolvimento. A priorização dos transportes inter-regionais (RUIZ, 2006, p. 154 a 164) tendeu a valorizar os principais polos e assim acentuou as desigualdades regionais. Por outro lado, investimentos em transportes intrarregionais que poderiam ter provocado a diminuição das assimetrias regionais e privilegiado as centralidades locais não foram protagonistas desse planejamento.

            Essas interpretações e análises recuperaram o urbano como espaço da economia e do desenvolvimento e reconheceram seu papel no âmbito regional. Por meio da regionalização, as ações planejadoras sobre as redes e sobre as centralidades urbanas deveriam constituir-se em novos arranjos regionais.

            Como sintetizou Amin (2007, p. 13-22), nesse âmbito as regiões não poderiam ser consideradas entidades espaciais porque passaram a compor uma rede de influências, poder, conhecimento e relações culturais que extrapolavam o limite da própria região geograficamente definida. A região deveria ser considerada de maneira topológica e relacional.

            O que leva à compreensão de que a concretização do ordenamento territorial no Brasil tem sido a resultante da disputa entre os centros regionais de poder. E que o combate à assimetria do desenvolvimento deveria ocorrer pelo combate à assimetria da distribuição regional desse poder.

            De certo, esse debate coexistiu em meio à difusão do modelo global-local, da competitividade localista e da própria regionalização por eixos praticada nos anos 1990. Ações que, no entendimento de Becker (2007, p. 271 a 286), foi marcada pela baixa aderência do capital privado nos investimentos produtivos. Pois, quando as ações do Estado foram privatizadas ou dadas à concessão (no pós-1990), o centro de poder e de decisão mudou e a influência do Estado na economia diminuiu frente ao aumento do seu domínio jurídico pela regulação e fiscalização dos serviços públicos. 

            O que se seguiu pelas práticas de regionalização ao combater essa configuração foi o reconhecimento do percurso da urbanização brasileira paulatinamente regionalizada e a renovação do status da região como elemento fundamental de tomada de decisão.

3. Circulação de ideias com União Europeia e Estados Unidos: coesão e território como temas emergentes e contraditórios no planejamento

            Algumas teorias estrangeiras (europeias e norte-americanas) colaboram no entendimento da formulação das práticas nacionais recentes de regionalização. E, principalmente, na identificação das contradições inerentes dessas teorias estrangeiras e de seus vínculos com as práticas nacionais.

            A partir da segunda metade da década de 2000, os governos do Brasil e da União Europeia aproximaram-se e consolidaram alguns acordos de transferência de experiências. Esses acordos resultaram no avanço de ideias sobre a regionalização como importante estrutura para o ordenamento territorial. Encontros bilaterais, parcerias, reuniões, participação em eventos internacionais e colóquios promoveram intercâmbio de experiências, conhecimento de “boas práticas” inclusive no desenvolvimento institucional e no campo das políticas regionais.

            Essa aproximação resultou na circulação de ideias e colaborou para disseminar o tema de coesão social e econômica (HÜBNER, 2007, p. 4 e 5) tratado pelo Single European Act (1986). Nele, a coesão foi definida por políticas de desenvolvimento proporcionadas pelo Mercado Comum Europeu para evitar as desigualdades, mobilizar recursos endógenos e locais dentro da política regional e proporcionar ajustes estruturais.

            Na Europa, a coesão tornou-se o elemento central das políticas regionais para distribuir mais amplamente os benefícios da integração com desenvolvimento mais equilibrado e respeitando as diferenças territoriais. E foi orientada por três eixos: atratividade de negócios, incentivo à inovação e aumento de emprego e de sua qualidade. 

            O ordenamento territorial foi privilegiado como intervenção pública a partir de três instrumentos estratégicos para o desenvolvimento regional: a infraestrutura, a regionalização e os indicadores estatísticos (BRASIL, 2008/2009, p. 12 a 16). Dessa forma, três princípios nortearam o desenvolvimento espacial europeu: a coesão social e econômica, desenvolvimento sustentável e competitividade balanceada para o continente (CONTI, 2007, p. 132). 

            Essas experiências disseminaram-se nos debates brasileiros de desenvolvimento pela ideia de coesão territorial, de inovação, de reconhecimento das particularidades locais e de configuração de novas regionalizações por diferentes escalas. Não foram as únicas, mas colaboraram na formação de um repertório adaptado e presente nos argumentos e estratégias do planejamento regional daquele período.

            Complementarmente, a propagação das ideias de John Friedmann e Clyde Weaver a partir do livro Territory and Function, de 1979, também influenciou o debate do planejamento, do ordenamento territorial e das políticas públicas brasileiras. 

            No livro, Friedmann e Weaver (1981, p. 291 a 293) ao reforçarem a “era do planejamento regional” criticaram a perda de valor das questões territoriais em virtude da valorização das questões funcionais atribuídas à organização do espaço. A emergência das teorias de desenvolvimento polarizado nos anos 1960 e 1970 sobrepôs-se às teorias de desenvolvimento regional constituindo um embate entre função e território. Esse embate levou a uma redução das questões histórico-sociais e da possibilidade de as regiões pobres igualarem-se às regiões ricas pela funcionalização dos aspectos regionais.

            Pela análise de um longo arco histórico, os autores demonstraram como o planejamento privilegiou o desenvolvimento e a promoção da atividade industrial e deixou de lado o combate às desigualdades regionais. Nos Estados Unidos, essa transformação decorreu do abandono pela busca do equilíbrio regional.

            Na base de uma alternativa de desenvolvimento, a proposta (FRIEDMANN e WEAVER, 1981, p 286 a 293) era a recuperação da vida territorial por uma solução agropolitana para grandes zonas da periferia do mundo e para as novas regiões de atraso e dependência econômica procurando um novo paradigma para os estudos regionais.

            As ações deveriam prever um conjunto de transformações de integração territorial escalar, valorização da ação local, contra o livre-comércio e as políticas transnacionais de uma economia mundial integrada funcionalmente, escape do fetichismo do crescimento, diversificação da produção, compartilhamento dos recursos e defesa de um interesse territorial. E, principalmente preconizar a valorização do espaço cultural, do espaço político e do espaço econômico. 

            Um dos pontos de tangência com as discussões europeias foi a valorização do sistema regional de cidades (ou das redes de cidades) para o planejamento aproximando o urbanismo das ações regionais. Desses pressupostos europeus e norte-americanos emergiram algumas tensões. Por exemplo, a valorização do aspecto endógeno incorreu na hegemonia do nível local para as principais decisões. E a constituição de espaços competitivos foi prontamente apropriada pelas linhas políticas neoliberais na divisão mundial do trabalho.

            Nesse ambiente de construção de novos modelos teóricos, metodológicos e dogmáticos, o modo de crescimento também foi visto como danoso ao valorizar demasiadamente a inovação como estratégia local de desenvolvimento, pois dela poderia constituir espaços segregados e mais competitivos. E as ações do Estado de combate às desigualdades também foram interpretadas negativamente por serem excessivamente controladoras do mercado.

            Mas, o ponto convergente nesse debate foi a compreensão de que a região e as relações regionalizadas eram hegemônicas para pensar uma nova forma de desenvolvimento. E essa ideia capilarizou-se nas gestões democráticas brasileiras carregando consigo as contradições e o reposicionamento do território nesse debate trazendo-o para o primeiro plano das concepções de desenvolvimento.

4. As recentes experiências regionais de planejamento

            Preliminarmente à análise das experiências contemporâneas é importante destacar duas regionalizações que, com diferentes origens, estão na formação do território brasileiro. A regionalização entre Litoral e Interior que se formou a partir da colonização portuguesa; e a regionalização entre Centro-Sul, Nordeste e Amazônia (Legal, Oriental) que se consolidou no século XX pelo projeto nacional de industrialização. 

            Ambas condicionam as atuais dinâmicas brasileiras e reforçam a herança das desigualdades sobre a qual se acomodam as relações sociais, econômicas e culturais que são a base das regionalizações mais atuais. 

            E complementarmente, deve-se valorizar a permanência das regionalizações definidas pelo IBGE desde a década de 1930 que têm subsidiado interpretações da realidade brasileira e a construção de políticas públicas.

            Reconhecidas as tradições da prática regional, pode-se afirmar que mais recentemente - a partir da década de 1990 - a questão regional foi abordada por experiências no âmbito do planejamento dentro da gestão pública e das instituições governamentais, acadêmicas e de pesquisa. Alguns estudos que ocorreram sem vínculo direto com a formulação de políticas públicas definiram-se por diferentes e complementares compreensões do território. E foram fundamentais para nortear as políticas públicas subsequentes.

            Três características chamam a atenção nesses estudos: a correlação que estabeleceram entre si gerando um fluxo contínuo de reciprocidades e permanências de conceitos da geografia econômica e regional do século XX; a relevância que a cidade ganhou na definição dos critérios para a regionalização; e a compreensão do processo de urbanização como elemento-chave para as formulações das leituras e das propostas de ordenamento territorial.

            No período pós-constituição de 1988, os estudos de “Divisão Regional do Brasil em Mesorregiões e Microrregiões” (do IBGE, de 1990) e a “Rede de influência das cidades” (do IBGE, de 1993 e suas versões atualizadas de 2007 e 2020) foram alguns dos exemplos pioneiros dessas práticas.

            No início dos anos 2000, os estudos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (CEDEPLAR) buscaram definir uma “nova geografia regional brasileira” (LEMOS, DINIZ, GUERRA e MORO, 2003, p. 675 a 686) pela identificação de doze macropolos (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Recife, Brasília, Goiânia, Fortaleza, Belém e Manaus) e onze macrorregiões (porque Brasília e Goiânia formariam uma única macrorregião) com 87 mesorregiões. 

            Em 2002, um convênio entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a UNICAMP (pelo Instituto de Economia/Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional) publicou a série sobre a caracterização e tendências da rede urbana do Brasil (IPEA, 2002). 

            Em 2009, a rede de estudos Observatório das Metrópoles publicou dois trabalhos: “Tipologia das cidades brasileiras” (FERNANDES et al, 2009) a partir do qual se reforçou o reconhecimento da divisão regional brasileira por grandes porções territorialmente desiguais (Centro-Sul, Norte e Nordeste) e definiu quatro grandes tipologias de aglomerados que se subdividiram em 19 tipos de municípios; e “Hierarquização e Identificação dos Espaços Urbanos” (MOURA et al, 2009) que tratou da hierarquização de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas pelos critérios de concentração, centralidade, polarização, etc.

            Outros trabalhos seguiram essa conduta de análise e estiveram orientados, transversalmente, pelas formulações de novas regionalizações e pela leitura da rede urbana. Retomaram alguns conceitos, dentre eles o de lugar central de W. Christaller e o de polos de crescimento de F. Perroux e sedimentaram o entendimento da importância das relações urbano-regionais. 

            Guardadas as diferentes filiações de cada estudo, bem como a origem institucional e metodológica de onde partiram, foram importantes por avançarem a novas questões e métodos dentro do planejamento regional. Esses estudos colaboraram para criar um ambiente favorável às duas propostas de regionalizações que foram centrais desse período: o “Estudo da Dimensão Territorial do PPA” e a “Política Nacional de Desenvolvimento Regional”. Ambas representaram um marco na retomada do território e da regionalização dentro do planejamento regional e da formulação de políticas públicas federais.

            O “Estudo da Dimensão Territorial do PPA” também foi denominado “Estudo para Subsidiar a Abordagem da Dimensão Territorial do Desenvolvimento Nacional no Plano Plurianual 2008-2011 e no Planejamento Governamental de Longo Prazo”. E foi elaborado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPIE) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) por meio de Contrato de Prestação de Serviços (n. 27/2006 vigente entre 04/09/2006 a 15/07/2007), publicado em 2006.

Seu objetivo foi desenvolver metodologias e instrumentos para orientar o processo de planejamento, especialmente do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 com foco na constituição de uma carteira de investimentos públicos e privados em infraestrutura e serviços que ocorressem de forma territorializada e hierarquizada.

            O Estudo partiu do princípio que a hierarquia urbano-regional ordena as escalas territoriais por polos e regiões e que os fluxos também têm escalas diferenciadas (inter-regionais, intrarregionais e internacionais). Esse reconhecimento possibilitou propor a substituição das cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) por regiões e sua subdivisão em sub-regiões por três critérios: econômico, ambiental e sociopolítico. 

            A definição dos polos e regiões de sua influência não se basearam no município, mas nos aglomerados urbanos, nas aglomerações polarizadoras, nas relações centro-periferia, nos transportes e nos equipamentos (BRASIL, 2006b, p. 47 a 56). Com predomínio funcional das centralidades urbanas pelas regiões metropolitanas, pela rede de cidades e pela malha de transportes. Os Estudos conformaram-se como uma proposta articuladora da produção mais recente das regionalizações, inclusive pela incorporação das demandas setoriais.

            Foram definidas seis grandes áreas pelo contraste Norte-Sul dos indicadores sociais e econômicos: Bioma Florestal Amazônico, Sertão Semi-Árido Nordestino, Litoral norte-nordeste, Sudeste-sul, Centro-Oeste, Centro-Norte. Nessas seis grandes áreas foram demarcadas onze macrorregiões e 16 polos (Macrorregião polarizada por Rio de Janeiro, por Belo Horizonte, por Fortaleza, por Manaus, por Recife, por Salvador, por São Paulo, bipolarizada por Belém e São Luiz, bipolarizada por Brasília e Goiânia, bipolarizada por Porto Alegre e Curitiba, multipolarizada por Uberlândia, Campo Grande e Cuiabá). E essas macrorregiões foram divididas em 118 sub-regiões a partir da caracterização sócio-demográfica, estrutura econômica, território, rede urbana e centralidade (BRASIL, 2008, Volume III, p. 86 a 89). 

            As macro e sub-regiões evidenciam as relações de comando das principais cidades e os fatores produtivos relacionados à perspectiva de desenvolvimento pelo território. São, portanto elementos estruturantes de um processo de formação territorial e condicionadores de transformações pretendidas.

            No Estudo, o objetivo foi reconhecer e consolidar uma divisão policêntrica para que os polos pudessem desempenhar seu papel de potencial produtivo regional ao lado do sistema de transporte capaz de possibilitar a acessibilidade intra e inter-regional comandando a organização territorial. A proposta constituiu novos modelos para o incentivo à produtividade e que fossem articulados a cadeias produtivas rurais e urbanas, mas não exclusivamente fordistas (BRASIL, 2008, Volume IV, p. 239-241). E explicitaram as bases europeias da busca de coesão social e territorial sem abandonar o histórico dos referenciais de F. Perroux e J. Boudeville de regiões polarizadas e homogêneas.

            Contudo, sua aplicabilidade requeria habilidade jurídica e administrativa para superar as fragilidades do pacto federativo. Se a regionalização pode representar um orientador de distribuição de recursos, significa ser um referencial para decisões de aplicação desses recursos que nem sempre é bem-vindo pelos tradicionais tomadores de decisão, pelas elites locais, pelas oligarquias regionais e pelas práticas patrimonialistas secularmente estabelecidas na gestão pública.

            O Estudo não foi utilizado (como se pretendia) pelo PPA 2008-2011 que foi dominado pelos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, a partir de 2007) e do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV, a partir de 2008). Esses programas impuseram-se com prioridade na agenda do governo justificada pela crise econômica internacional de 2008. Mas, o aceno a uma nova disposição de ordenamento territorial em conjunto com a “Política Nacional de Desenvolvimento Regional” (PNDR) constituiu um referencial para formulação das políticas públicas contemporâneas.

            Concebida em 2003 (antes do “Estudo da dimensão territorial para o PPA”) e aprovada em 2007 (Decreto n. 6.047 de 22 de fevereiro de 2007), a PNDR teve como principais objetivos combater as desigualdades regionais e orientar os programas e ações federais pela relação interescalar.

            A base territorial adotada correspondeu a algumas escolhas fundamentais: a análise do território ocorreu no nível da microrregião para buscar as particularidades territoriais difíceis de serem representadas nas macrorregiões; buscou-se a identificação de quatro sub-espaços prioritários para a ação (microrregiões de Alta Renda, Dinâmicas, Estagnadas e Baixa Renda) e partiu de três variáveis (distribuição da população no território; rendimento médio, local de residência urbana ou rural e nível de educação; dinamismo econômico captado pelo PIB per capita). A unidade de planejamento foi a mesorregião e a priorização da base das intervenções ocorreu pelas chamadas Mesorregiões Diferenciadas.

            Tânia Bacelar, que teve papel fundamental na sua elaboração (SILVA, 2015, p. 9), já prenunciava algumas dessas referências desde o final dos anos 1990 (ARAUJO, 1999a; 1999b) pela defesa de uma nova escala da regionalização para explicitar as nuances e complexidades das desigualdades intrarregionais. Uma visão que reforçava a preocupação com a nova configuração urbano-regional dada pelo atual processo de urbanização.

            A PNDR voltou-se ao desenvolvimento endógeno, às potencialidades intra-regionais, à valorização da diversidade e das múltiplas escalas geográficas bem como da escala nacional (BRASIL, 2014, p. 68). Ao mesmo tempo em que negou a relação global-local e a macrorregião como prioridade de combate à desigualdade, adotou as mesorregiões como espaço privilegiado dos investimentos, valorizou as particularidades territoriais e deu ênfase às suas qualidades para propiciar maiores condições de competitividade.

            Concentrou-se nas regiões de debilidade econômica e estagnação, naquelas com maiores fluxos migratórios e no combate às causas da desigualdade e da pobreza buscando consolidar-se como política redistributiva (BRASIL, 2003, p. 12 e 13). Elegeu regiões formadas por municípios contínuos com características similares para compor as mesorregiões, indistintamente dos limites estaduais rompendo o paradigma da região polarizada.

            No sumário executivo de 2003 foram adotadas as mesorregiões diferenciadas de: Alto Solimões, Vale do Rio Acre, Bico do Papagaio, Chapada das Mangabeiras, Xingó, Chapada do Araripe, Águas Emendadas, Vale do Jequitinhonha e do Mucuri, Bacia do Rio Itabapoana, Vale do Ribeira/Guaraqueçaba, Grande Fronteira do Mercosul e Metade Sul do Rio Grande do Sul. O Decreto 6.047 de 22 de fevereiro de 2007 incluiu as mesorregiões do Seridó e do Xingu e o Decreto n. 7.340 de 2010 incluiu as sub-regiões de: São Raimundo Nonato-PI, Médio e Baixo Jaguaribe-CE, Vale do Açu-RN, Souza – Piancó-PB, Sertão do Moxotó-PE, Santana do Ipanema-AL, Sergipana Sertão do São Francisco-SE, Brumado/Bom Jesus da Lapa/Guanambi-BA, Serra Geral-MG, Sub-Região da Área da Abrangência do Plano da BR 163 Sustentável, Sub-Região da Área de Abrangência do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu-PDRS do Xingu.

            As mesorregiões diferenciadas valorizaram os aspectos mais sensíveis da cultura brasileira reconhecendo simultaneamente os valores sociais, as formas tradicionais de desenvolvimento, os conflitos socioambientais e as marcas da complexidade do processo de urbanização com diferentes temporalidades.

            A avaliação da PNDR elaborada e apresentada pelo Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Desenvolvimento Regional e Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (BRASIL, 2011b, p. 102 a 159) demonstrou o impacto das suas ações como por exemplo o crescimento mais acentuado das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, investimentos em educação, infraestrutura regional e urbana, implantação dos Territórios da Cidadania e dos Territórios Rurais. 

            Mas, sua maior fragilidade parece residir num fato externo a ela, pois ao não estar atrelada a uma política nacional de desenvolvimento não pôde cumprir definitivamente seu papel nem, contudo substituí-la (COÊLHO, 2017, p. 66). A não aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional pela Câmara dos Deputados foi o indício de que a regulação regionalizada de recursos poderia ser compreendida como um novo controle ao seu acesso representando um entrave à distribuição clientelista.

            Nas duas experiências expostas acima, o território foi elemento central e as funções atribuídas pelos programas e projetos aproximaram-se às vertentes de desenvolvimento endógeno (TOPPAN, 2014, p. 744 a 749).

            A interpretação conjunta dos Estudos e da PNDR bem como dos estudos que os precederam permite identificar três contribuições no âmbito da regionalização que embora não sejam inteiramente novas no debate, comprovam como as regiões compõem uma tessitura territorial: as regiões propostas sintetizaram formas de interdependências culturais, sociais, históricas e econômicas pela integração de municípios regionalmente urbanizados; as regiões possibilitaram ações planejadoras integradas da esfera pública e privada a partir da essência territorial; as regiões representaram alternativas às tradicionais formas de tomadas de decisão.

            Essas características afirmam as regiões como componentes essenciais a serem levados em conta nas políticas de desenvolvimento porque têm papel estrutural no ordenamento territorial quando compreendidas como conjunto.

5. Anacronismos e conflitos entre as regionalizações e as ações regionalizadas

            Algumas das ações que derivaram desses planos e estudos buscaram promover desenvolvimento concentrando recursos nas atividades produtivas locais ou atacando problemas seculares, como a falta de água e de integração logística.

            Os Arranjos Produtivos Locais (APL), por exemplo, incentivaram uma produção autóctone pela exploração do látex no município de Xapuri-AC; à pesca em tanques-rede, na barragem de Itapebi, no município de Salto da Divisa-MG; ao incentivo do turismo no Jalapão-TO (BRASIL, 2009/2010); ou à definição de uma Região Sisaleira na Bahia (OLIVEIRA, 2007, p. 31 a 34). 

            E os programas com mais destaque, PROMESO (Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais), CONVIVER (Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-Árido), Faixa de Fronteira - PDFF (Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira), PRODUZIR (Programa Organização Produtiva de Comunidades) e PROMOVER (Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões) inovaram nas formas de um planejamento botton-up. Mas, não construíram uma cadeia produtiva consolidada.

            Nesse sentido, alguns dos grandes ganhos ocorreram pela presença do Estado na consolidação das relações de identidades regionais. Como ocorreu nas regiões do Vale do Jequitinhonha, Vale do Mucuri, Bico do Papagaio, Chapada do Araripe, Vale do Ribeira e Alto Solimões cujas regionalizações reforçaram particularidades da formação histórica territorial brasileira.

            A água, principalmente no Semi-Árido/Nordeste Setentrional, tornou-se política prioritária. O programa Proágua Semi-Árido proporcionou a construção de adutoras e sistemas de abastecimento nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí e Sergipe. E a integração das bacias do Rio São Francisco foi considerada ação prioritária (SANTANA FILHO, 2007, p. 12 a 17) mesmo sob forte crítica em relação à transposição das águas, à falta de preservação do cerrado e da caatinga e do privilégio ao agronegócio.

            O projeto de integração nacional levou em consideração uma porção definida pelos principais núcleos urbanos, os polos de agricultura irrigada em torno das principais barragens e as principais infraestruturas de transporte (rodovias BR 230, 232 e 116). Considerou os acessos aos portos de Pecen-CE e Suape-PE e aeroportos da região, além das ligações com o ramal ferroviário Juzeiro-Salvador do complexo portuário de Salvador (BRASIL, 2007, p. 42 e 43). 

            Mas, a abordagem mitigadora foi genérica em relação aos impactos das obras e foi baseada num complexo projeto de engenharia hidráulica que não considerou a oportunidade de prover desenvolvimento a núcleos com especificidades locais e regionais, como se pode depreender do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) (BRASIL, 2004) da integração do Rio São Francisco . 

            Os projetos regionais não abordaram os aspectos de uma urbanização secular e reveladora da constituição de culturas regionais que poderiam ter sido incorporados em novas formas de desenvolvimento aproveitando-se dos grandes investimentos previstos. E que poderiam fazer jus a um modelo verdadeiramente endógeno de desenvolvimento.

            E a provisão de infraestrutura logística também apresentou conflitos no âmbito social, ambiental e urbano interferindo diretamente na estruturação regional. A BR 163 (Cuiabá-MT a Santarém-PA) potencializou a transformação de municípios em “metrópole regional” pela atividade agrícola e entreposto comercial, como no caso de Cuiabá (que ordena uma rede urbana formada por Rondonópolis, Sinop, Cáceres, Barra do Garças, Alta Floresta e Tangará da Serra). E acirrou conflitos ambientais e agrários nos municípios do Pará, em especial Guarantã do Norte e Sorriso (EGLER, 2006, p. 11).

            A Ferrovia Transnordestina (de Eliseu Martins-PI aos portos de Suape-PE e Pecém-CE) (BRASIL, 2006a, p. 24) consolidou um sistema de cidades ao redor de atividades produtivas. Atraiu movimentos migratórios e provocou pressão sobre o ambiente natural sem atendimento direto aos impactos urbanísticos dessa migração em busca do trabalho.

            Essas ações voltadas à prioridade da economia produtiva concentraram grandes investimentos em integração infraestrutural, mas não consideraram os aspectos urbanos cuja consequência foi a ausência de propostas com qualidade urbanística às localidades ao seu redor. As ações e, claro, os investimentos vincularam-se aos processos produtivos com poucas concessões às demandas existentes na escala urbana. 

            Mesmo os recursos destinados a ações mitigadoras tiveram como finalidade responder a problemas causados pela implantação das próprias infraestruturas. E não a de promover novas formas de desenvolvimento que poderiam acolher os aspectos regionais.

            No caso das provisões infraestruturais hídricas e logísticas emergiu o pragmatismo da obra que movimenta não apenas a cadeia produtiva agrícola ou industrial, motivo principal de sua execução, mas também a cadeia produtiva da própria construção civil. Essa relação levou a uma transposição de seus efeitos dos valores territoriais para os aspectos quase exclusivamente setoriais.

            O que resultou da relação entre a concretização dessas obras e as concepções de regionalizações denota não apenas o anacronismo, mas o conflito entre o modelo tradicional de produção e a perspectiva de transformação. O modelo tradicional aposta na alta produtividade tendo o território como um provedor de condições e recursos dentro da lógica patrimonial e setorial (ARAUJO, 2010, p. 204-209). A perspectiva de uma transformação estrutural ocorre pelo entendimento do território como peça-chave e central da vida.

            As regiões, nesse contexto, foram consideradas lugar da produtividade e da assistência por ações de planejamento. Por isso, seu papel de estrutura territorial consolida-se com mais intensidade por orientar a destinação de recursos. E também por isso deflagram a natureza dessa estrutura: um permanente embate entre as particularidades locais e a hegemonia produtiva.

6. Conclusões

            Conclusivamente, essas experiências de regionalização com seus referenciais teórico-conceituais e suas ações distribuídas pelo território possibilitam reconhecer o aspecto social, econômico, histórico e cultural das regiões que lhes conferem posição estrutural no território brasileiro. As permanências, contradições, anacronismos e conflitos de suas aplicações confirmam sua natureza estrutural por sintetizarem no e pelo território o aspecto dialético da sociedade brasileira. 

            É possível interpretar essas práticas pela ideia de que as regiões formam uma complexa tessitura territorial com a qual se operam as tomadas de decisão. E como elemento dessa tessitura, a região pode ser definida como totalidade ideal, superior e completa que abarca a essência concreta de unidades individuais e, complementarmente, como noção topológica da parte de um todo (ABBAGNANO, 2000, p. 840). Frequentemente apropriada como espaço do planejamento e, por isso transformada em perspectiva da ação e de mudanças sociais. Ainda que seus resultados nem sempre confirmem seus objetivos.

            Entendimento que tem seu correspondente na definição de regionalização como fato, ou seja indicativa das relações de classe, da evolução histórica do aparelho de governo e do dinamismo socioeconômico e político-jurídico. E ferramenta, como catalisadora das disputas ideológicas, dos recursos político-administrativos e das tensões pelas resistências nas suas definições (RIBEIRO, 2016). Apropriadas pelo Estado, resultam em formas e em institucionalizações pelo planejamento.

            Nesse sentido, é necessário tensionar o debate das práticas de regionalização por alguns preceitos epistemológicos, sobretudo porque na relação contemporânea de espaço-tempo há uma ênfase ao espaço em si (LENCIONI, 2009, p. 183-188); porque é possível reconhecer redes regionais (HAESBAERT, 2020, s. p.) no ordenamento territorial; e porque há uma tendência à simultaneidade de sistemas sociais e culturais (NICOLAS, 1995, p. 37) no tecido urbano a partir da qual é possível formular novas perspectivas de transformações sociais.

            Diante dessas constatações, advogamos pela autonomia intelectual da prática da regionalização em relação ao papel instrumentalizador exigido pela administração. E que por isso é bem-vinda a coexistência de regionalizações tendo em vista que essa coexistência possa levar à multiplicidade de regiões e essa multiplicidade, àconstituição de redes de regiões. A simultaneidade de regionalizações pode resultar em regiões que integrem as práticas de planejamento e combatam as fissuras setoriais arraigadas às práticas clientelistas de decisões. Mas, essa visão será possível a partir do reconhecimento de que as regiões compõem uma tessitura que estrutura o território.

            Nesse contexto, o reconhecimento da região como a estratégia de planejamento é mais que uma tentativa de criar um fio lógico entre as recentes experiências de regionalizações. É a construção de resposta ao reconhecimento da urbanização de âmbito regional. A região compreendida a partir do seu aspecto urbano-regional apresenta-se como lugar da origem das políticas públicas.

            A base para essas ações é a nova lógica hierárquica reconhecida nas relações de interdependências intra e entre regiões que rompam o modelo monocêntrico, vertical e centralizado de tomada de decisão. Interdependências que tendem a um novo significado das regiões transformando-as em espaços representativos de uma nova influência em rede e no nível nacional.

            Ao passo que, sem perder de vista o discernimento crítico, o reconhecimento de uma tessitura territorial por essas regiões também nos obriga a refletir a quais poderes essas regionalizações correspondem e a quais devem corresponder.

 

[1] Esta pesquisa está vinculada aos resultados do Projeto Regular FAPESP n. 2018/13637-0.

Download PDF

Voltar