O discurso dos atores sociais envolvidos em um conflito socioambiental no litoral do Paraná à luz da ecologia política


Sandra Dalila Corbari
Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento (MADE) pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutoranda no Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP)

Natália Tavares de Azevedo
Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutoranda; professora colaboradora no Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR

Carlos Alberto Cioce Sampaio
Doutor em Planejamento e Gestão Organizacional para o Desenvolvimento Sustentável (UFSC), Professor dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (FURB), Gestão Ambiental (UP) e Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR)

Referências

ACSELRAD, H; BEZERRA, G. N. Desregulação, deslocalização e conflito ambiental - considerações sobre o controle das demandas sociais no Brasil contemporâneo. In: ALMEIDA, A. W. B.;ZHOURI, A.; IORIS, A. R.; BRAN[1]DÃO, C.; BERMANN, C; HERNÁNDEZ, F; M; BEZERRA, G. N.; ACSELRAD, H. PAULA, J. A.; LASCHEFSKI, K. COELHO, M. C.; MONTEIRO, M. A.; GARZON, L. F.; CUNHA, L. H.; WANDERLEY, L. J. Capitalismo globalizado e recursos territoriais: fronteiras da acumulação no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010, p. 179-210.

ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados,n. 24, v. 68, p. 103-119, 2010.

ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (Org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de janeiro: Relume Dumara/ Fundação Heinrich Böll, 2004, p. 13-45.

ACSELRAD, H. Desigualdade ambiental, economia e política. Astrolabio, n. 11, p. 105-123, 2013.

ACSELRAD, H. Disputas cognitivas e exercício da capacidade crítica: o caso dos conflitos ambientais no Brasil. Sociologias, v. 16, n. 35, , p. 84-105, jan./abr. 2014.

ACSELRAD, H. Justiça ambiental e construção social do riscoDesenvolvimento e Meio Ambiente, v. 5, p. 49-60, jan./jun. 2002.

ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. NO que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DE PARANAGUÁ E ANTONINA (APPA). Appa apresenta projetos de infraestrutura para 2009. 03 fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2021.

AGÊNCIA PARANÁPortos de Paranaguá e Antonina recebem investimentos privados. 2012. Disponível em: <http://app.pr.gov.br/m-gov/portalMobile.do?action=carregarNoticia&id=70840>. Acesso em: 20 maio 2021.

AMB PLANEJAMENTO AMBIENTAL BIOTECNOLOGIA LTDA. Relatório de Impacto Ambiental – RIMA do Terminal Portuário localizado no município de Pontal do Paraná, PR. Curitiba: AMB, 2008.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ (ALEP). Informações do Relatório Final CPI – Ocupação Fundiária de Pontal do Paraná. Curitiba: Alep, 2015. 

BIODINÂMICA. Estudo Componente IndígenaCuritiba: Biodinâmica, fev. 2017.

BRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre povos indígenas e tribais. Diário Oficial da União, 20 abril 2004.

BRINKMAN, J. T.; HIRSH, R. F. Welcoming Wind Turbines and the PIMBY ("Please in My Backyard") Phenomenon: The Culture of the Machine in the Rural American Midwest. Technology and Culture, v. 58, n. 2, p. 335-367, apr. 2017.

BRYANT, R. L.; BAILEY, S. Third world political ecology. New York (USA)/London (ENG): Routledge, 1997.

COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL . Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? E-cadernos ces, v. 17, p.164-183, 2012.

CORBARI, S. D. Todos os caminhos levam ao mar: os usos do território e o turismo no discurso dos envolvidos no conflito socioambiental referente ao complexo portuário-industrial de Pontal do Paraná (PR). 315 p. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020.

CUNHA, I. M. Cidade, lei e desenvolvimento: Pontal do Paraná, uma estrada para o futuro? 122 p. Dissertação (Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2018.

DEUTSCH, M. Cooperation and conflict a personal perspective on the history of the social psychological study of conflict resolution. In: WEST, M. A. et al. (Eds.). International handbook of organizational teamwork and cooperative working. Chichester (Eng): British Library Cataloguing, 2003, p. 9-43.

DEVRIES, P. Don't compromise your desire for development. Third World Quarterly, v. 28, n. 1, p. 25-43, 2007.

ESCOBAR, A. El “postdesarrollo” como concepto y pratica social. In: MATO, D. (Coord.) Políticas de economia, ambiente y sociedade em tempos de globalização. Caracas: Universidade Central de Venezuela. 2005, p. 17-31. 

FASE; IPPUR. Mapa dos Conflitos Ambientais. Rio de Janeiro: Fase; Ippur, maio 2004.

FOLADORI, G.; MELAZZI, G. La economía de la sociedad capitalista y sus crisis recurrentes. Montevideo (UY): Universidad de la República/CCSEAM, 2009.

GUDYNAS, E. Debates sobre el desarrollo y sus alternativas en latinoamerica: Una breve guía heterodoxa. In: LANG, M.; MOKRANI, D. (Org.). Más Allá del Desarrollo - Grupo Permanente de Trabajo sobre Alternativas al Desarrollo. Cidade do México (MEX): Fundação Rosa Luxemburg/Abya Yala, set. 2012, p. 21-54.

HAESBAERT, R. Precarização, reclusão e “exclusão” territorial. Terra Livre, v. 2, n. 23 p. 35-52, jul./dez. 2004.

HAESBAERT, R.; RAMOS, T. T. O mito da desterritorialização econômica. GEOgraphia, v. 6, n. 12, p. 25-48, 2004.

HARVEY, D. Justice, Nature and the Geography of Difference. Oxford (ENG): Blackwell, 1996.

HARVEY, D. O novo imperialismo. (Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves). São Paulo: Edições Loyola, 2004.

HEIMAN, M. From ‘Not in My Backyard!’ to ‘Not in Anybody's Backyard!’. APA Journal, n. 56, v. 3, p. 359-362, 1990.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Análise do EIA/RIMA do empreendimento denominado Terminal Portuário Pontal, localizado em Pontal do Paraná. Parecer técnico nº 231/2009. Brasília: Ibama, 03 dez. 2009.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Análise das complementações do EIA/RIMA referentes ao Terminal Portuário Porto Pontal, Pontal do Paraná/PR, em resposta às Cartas nº 002/2010 – PPIE e nº 005/2010 – PPPIE. Parecer Técnico nº108/2010. Brasília: Ibama, 4 jul. 2010.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Licença de Instalação nº1059/2015. Brasília: Ibama, 2015.

J.C.R. Projeto Porto Pontal - Memorial Descritivo Ivol. 1. Curitiba: J.C.R., 10 nov. 2006.

KRELLING, A. P. Caracterização sócio-ambiental da Ponta do Poço - Pontal do Paraná-PR. 98 p. Monografia (Graduação em Ciências do Mar), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontal do Paraná, 2004.

LAKE, R. W. Locational Conflict (NIMBY). International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, p. 9019-9024, 2001.

LERNER, S. Sacrifice Zones: The Front Lines of Toxic Chemical Exposure in the United States. Cambridge (USA): MIT Press, 2010.

LITTLE, P. E. Os conflitos socioambientais: um campo de Estudo e de Ação Política. In: BARTHOLO JR., R. et al.(Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 107-122.

MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagem de valoração. 1 ed. 2 reimpr. (Trad. Maurício Waldman). São Paulo: Contexto, 2011.

MARTINEZ-ALIER, J. O ecologismo dos pobres. (Trad. Francisco Mendonça). Raega, Curitiba, v. 1, p. 7-21, 1997.

MÉSZÁROS, I. A crise estrutural do capitalOutubro Revista, p. 7-15, out. 2015.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (MPPR). Ofício nº1628/2016 –CAOPJDH. Curitiba: MPPR, 15 dez. 2016.

MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. Ijuí (RS): Ed. Unijuí, 2007.

NASCIMENTO, E. P. Os conflitos na sociedade moderna: uma introdução conceitual. In: BURSZTYN, M. (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 85-105.

OLIVEIRA, S. A.; MELLO, E. V.; PEIXOTO, M. N. O. Zonas de sacrifício e (in)justiça ambiental: construção de espaços marginalizados em Volta Redonda (RJ). In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS, 8, 2017, Natal. Anais...EnAnppas: Natal, 2017, p. 1-18.

PIGNARRE, P.; STENGERS, I. La sorcellerie capitaliste: pratiques de désenvoûtement. Paris (FRA): Découverte, 2005.

PONTAL DO PARANÁ. Plano Diretor Integrado de Pontal do Paraná. Pontal do Paraná (PR), 2004.

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. (Trad. Maria Cecília França). São Paulo: Ática, 1993. 

ROBBINS, P. Political ecology: a critical introduction. Malden (USA): Wiley-Blackwell, 2012.

SAMPAIO, R. Uso balneário, apropriação do espaço e meio ambiente em Pontal do Paraná, litoral paranaense. 227 p. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2006.

SANTIAGO, A. L. F. Licença Social para Operar – relacionamento da empresa com a comunidade local: critérios de influência para a concessão da LSO – um estudo de caso da mineração brasileira. 320 p. (Tese de Doutorado em Administração de Empresas), Universidade de Alicante, Alicante, 2016. 

SANTOS, C. F.; GONÇALVES, D.; SILVA, C. R. Educação ambiental para justiça ambiental: dando mais uns passos. REMEA, v. 32, n. 1, p. 189-208, 2015.

SANTOS, M. O dinheiro e o território. In: Conferência de inauguração do Mestrado em Geografia da Universidade Federal Fluminense e abertura do ano letivo de 1999. 15 mar. 1999.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 26 ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.

SOUZA SANTOS, B. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista de Ciências Sociais, Coimbra, n. 63, p. 237 - 280, out. 2002.

VIÉGAS, R. Conflitos ambientais e lutas materiais e simbólicas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 19, p. 145-157, jan./jun. 2009. Editora UFPR.

ZBOROWSKI, M. B.; LOUREIRO, C. F. B. Conflitos ambientais na Baía de Sepetiba: o caso dos pescadores artesanais frente ao processo de implantação do complexo siderúrgico da companhia siderúrgica do atlântico. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS, 4, Brasília, jun. 2008. Anais... Brasília, 2008, p. 1-20.

ZHOURI, A. Justiça ambiental, diversidade cultural e accountability: desafios para a governança ambiental. RBCS,v.23, n. 68, p. 1-12, out. 2008. 

ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. Uma sociologia do licenciamento ambiental: o caso das hidrelétricas em Minas Gerais. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. B. A insustentável leveza da política ambiental:desenvolvimento e conflitos socioambientais. 2 Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014, p. 89-118.

ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PAIVA, A. Uma Sociologia do Licenciamento Ambiental: o caso das hidrelétricas em Minas Gerais. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. B. (Org.). A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. 2 Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014a, p. 89-118. 

ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. B. Introdução: Desenvolvimento, sustentabilidade e conflitos socioambientais. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. B. (Org.). A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. 2 Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014b, p. 11-24.

ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R. Paisagens industriais e desterritorialização de populações locais: conflitos socioambientais em projetos hidrelétricos. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. B. (Org.). A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. 2 Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014, p. 49-64.

 

1. Introdução

Os estudos sobre conflitos ambientais evidenciam uma série de aspectos envolvendo relações desiguais de poder (LITTLE, 2001; ACSELRAD, 2004; VIEGAS, 2009), que geram desigualdade ambiental (ACSELRAD et al., 2009). Não obstante, os conflitos demonstram que os atores sociais atingidos ou contrários a determinada situação de injustiça ambiental não são passivos e se articulam em movimentos de resistência (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2014). Conforma-se, assim, uma arena de disputa onde os discursos tornam-se armas imprescindíveis para o convencimento de outros atores ou grupos sociais (HARVEY, 1996; NASCIMENTO, 2001; VIÉGAS, 2009; MARTÍNEZ-ALIER, 2011).

Cabe ressaltar que os conflitos não se restringem a situações em que os usos estejam em curso, pois podem se iniciar com a concepção ou planejamento de uma obra ou empreendimento (ZHOURI et al., 2014a). Foi o que ocorreu em Pontal do Paraná, no litoral do Paraná, onde a especulação industrial-portuária, aliada a interesses do Estado, geraram um conflito socioambiental que envolve atores sociais com usos e interesses diversos sobre o território.

Deste modo, o presente artigo tem como objetivo analisar, à luz da ecologia política, o discurso dos atores sociais envolvidos no conflito socioambiental referente à territorialização industrial-portuária em Pontal do Paraná. A pesquisa foi realizada em duas etapas: uma revisão bibliográfica e uma pesquisa empírica, que se amparou em análise documental de textos escritos e oralizados, em observação direta, em entrevistas e em conversas informais com atores sociais envolvidos no conflito. Os materiais passaram pela Análise Textual Discursiva (ATD), metodologia criada por Moraes e Galiazzi (2007), por meio da qual foram identificados quatro discursos, cujos argumentos foram, posteriormente, correlacionados a conceitos teórico-analíticos da ecologia política que se relacionam ao campo dos conflitos socioambientais. 

Verificou-se, também, diferentes perspectivas de desenvolvimento, que conduzem os embates na arena do conflito. Assim, o desenvolvimento, enquanto campo em disputa, tornou-se relevante para a análise. Destarte, em seguida, aborda-se os conflitos ambientais e os discursos. Depois, tem-se uma descrição do conflito socioambiental analisado. Em seguida, apresenta-se a metodologia de pesquisa e os resultados e, por fim, as conclusões.

2. O campo dos conflitos socioambientais

Os estudos sobre conflitos ambientais têm sua gênese no campo da ecologia política, que compreende que os problemas ambientais não podem ser analisados de forma isolada das questões políticas e dos contextos econômicos em que estão inseridos (BRYANT; BAILEY, 1997; ROBBINS, 2012). 

Na abordagem neomarxista, os conflitos ambientais são analisados sob o prisma das desigualdades sociais, dando visibilidade aos atores e aos interesses políticos que permeiam o debate ambiental no interior das contradições do sistema capitalista. Eles resultam, assim, de disputas territoriais e de questionamentos sobre a legalidade de algumas formas de dominação do espaço, que envolvem grupos sociais com diferentes modos de apropriação, uso e significação do território e do meio natural e níveis desiguais de poder (LITTLE, 2001; ACSELRAD, 2004; VIÉGAS, 2009), embora também possam ocorrer entre grupos que compartilham o mesmo sistema produtivo (LITTLE, 2001). 

De forma geral, esses conflitos surgem quando uma atividade ou uma ação impede, obstrui, interfere ou prejudica a efetividade ou o aparecimento de outra atividade ou ação, incompatível com a primeira e podem se apresentar de suas formas: como conflito latente, oculto e implícito ou como conflito manifesto, aberto e explícito (DEUTSCH, 2003). Os conflitos socioambientais passam a ser latentes geralmente quando usuários de grande volume de capital econômico e político se apropriam de territórios usados (SANTOS, 1999) por grupos sociais com menor poder de decisão (ZBOROWSKI; LOUREIRO, 2008).

Com isso, emerge a ideia e o movimento de justiça ambiental, contestando o modelo hegemônico de desenvolvimento que orienta a distribuição espacial das atividades (ACSELRAD, 2002; MARTÍNEZ-ALIER, 2011), situações em que os custos recaem sobre determinados grupos e que refletem as desigualdades de poder (HARVEY, 1996; BRYANT; BAILEY, 1997; MARTINEZ-ALIER, 1997; ACSELRAD, 2002; ROBBINS, 2012). Destarte, os conflitos ambientais tendem a se desenvolver no âmago do “ecologismo dos pobres”, uma disputa travada por grupos sociais que têm na natureza um interesse material, uma fonte de subsistência e que se preocupam não com as futuras gerações, mas com sua própria sobrevivência no agora (MARTÍNEZ-ALIER, 2011).

Destaca-se que a desigualdade ambiental pode ser oriunda tanto da adoção de políticas governamentais como de omissões do Estado. As políticas de localização de grandes empreendimentos, de fábricas poluentes e infraestruturas perigosas em áreas habitadas por populações com menor poder aquisitivo são exemplos disso (ACSELRAD et al., 2009). Isso se ampara no paradigma da adequação ambiental, concepção que confia na responsabilidade e capacidade do mercado de regulação ambiental (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al., 2014b). Os empreendimentos/obras assumem lugar central, tornando-se inquestionáveis e inexoráveis; o ambiente é percebido como externalidade; a paisagem é modificada e adaptada em função do projeto técnico. Ademais, arranjos e ajustes tecnológicos dados por medidas mitigatórias e compensatórias cumprem a função de adequação. A real necessidade e viabilidade do empreendimento/obra não são postos em pauta (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014). Opera, portanto, dentro da “modernização ecológica”, do “evangelho da ecoeficiência” (MARTÍNEZ-ALIER, 2011), que contribui para a invisibilidade e a desvalorização de pessoas e ambientes (ZHOURI et al., 2014a). 

Essa situação as insere no interior das ‘alternativas infernais’, situações que parecem não deixar outra escolha senão a resignação ou a denúncia, que, por sua vez, parece impotente (PIGNARRE; STENGERS, 2005). Recai na sociedade local a responsabilidade sobre a “oportunidade não aproveitada”. 

No entanto, para enfrentamento às situações de injustiça ambiental podem se articular movimentos de resistências. Emergem dali os conflitos socioambientais, que denunciam contradições de um modelo de desenvolvimento que exclui as vítimas e ainda as fazem assumir o ônus resultante. 

Aliás, Zhouri et al. (2014a) chamam a atenção para o fato que os conflitos não se restringem a situações em que os usos estejam em curso, mas se iniciam, em alguns casos, em sua concepção ou planejamento. Assim sendo, a inserção de usuários na arena do conflito pode ocorrer perante a existência de um risco à integridade ambiental ou ao direito de uso e acesso a um território ou recurso natural. 

3. Poder e discursos nos conflitos socioambientais

Os conflitos socioambientais são permeados por relações desiguais de poder (VIÉGAS, 2009), nas quais o Estado desponta como um ator privilegiado, principalmente no que tange ao estabelecimento de ‘verdades’. Contudo, não é o único agente que age no controle e dominação do espaço (RAFFESTIN, 1993; HARVEY, 2004; ACSELRAD; BEZERRA, 2010), outros agentes criam “um espaço de visibilidade no qual o poder vê, sem ser visto” (RAFFESTIN, 1993, p. 39). Esse poder se apresenta em um discurso ideológico que domina os valores a ponto de, frequentemente, a sociedade não suspeitar que é induzida a aceitar, sem questionamento, determinado conjunto de valores (MÉSZÁROS, 1989). Assim, o Estado tem papel fulcral, ao expressar os interesses da classe dominante e lançar mão de políticas voltadas às classes subalternizadas. Ocorre um processo de flexibilização territorial para a viabilização dos investimentos (COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL, 2012). Nesse contexto, utilizam conceitos, programas, planos, análises técnicas, entre diversas outras formas de intervenção política – que são instrumentos de percepção e expressão do mundo – para validar o discurso autorizado (VIÉGAS, 2009).

Viégas (2009) aponta que os discursos proferidos estão sempre relacionados à posição dos que os utilizam. Portanto, os envolvidos nos conflitos recorrem a estratégias práticas e simbólicas, utilizando, inclusive, o apoio ou a validação pelo discurso autorizado (VIÉGAS, 2009), criando consensos sobre a verdade (ROBBINS, 2012). Esses discursos têm sido frequentemente mobilizados por formas dominantes de poder político-econômico para negar, questionar ou diminuir as contestações a respeito dos impactos ambientais (HARVEY, 1996), demonstrando, inclusive, o poder do mecanismo de fornecimento de ‘informações perversas’ (ACSELRAD et al., 2009), ou seja, informações deturpadas que, passadas à população, geram interesse na territorialização do capital. Acrescenta a essa lista o poder de procedimento (MARTÍNEZ-ALIER, 2011), capaz de impor a outros ou todos os usuários uma determinada linguagem de valoração como critério básico para julgar o conflito, negligenciando outras formas de valoração da natureza.

Por outro lado, mesmo entre os moradores locais pode haver apoiadores, inclusive porque há um “desejo de desenvolvimento” que não pode ser visto como ilegítimo (DEVRIES, 2007). Nesse sentido, cabe ressaltar a Licença Social para Operar (LSO). Essa licença é um processo informal pelo qual os grandes empreendimentos passam, a fim de aumentar o “estoque de capital reputacional” (ACSELRAD, 2014), por meio de programas de responsabilidade social, medidas mitigatórias e compensatórias e, assim, ter apoio da população local. Essas ações são possibilitadas pelo “vazio” deixado pelo Estado, possibilitando a atuação de agentes privados, que se estabelecem comprometendo-se a suprir as demandas sociais locais (SANTIAGO, 2016). 

Isso se assemelha ao exposto por Devries (2007), em relação ao desenvolvimento. O autor destaca que o desejo de desenvolvimento tem relação com as promessas não cumpridas pelo Estado e pelos políticos: as estradas não construídas, as escolas que não foram implantadas, os empregos que nunca foram criados, ou seja, o progresso material e econômico que foi prometido, “dando corpo a uma máquina desejante que opera entre a geração e a banalização da esperança” (DEVRIES, 2007, p. 30, tradução livre).

Mas assim como destacado por Santiago (2016), para além do apoio da população, a licença social é um mecanismo que neutraliza críticas ao empreendimento, inclusive porque em diversos deles há meios de “participação social” na fiscalização das atividades. Essa licença se faz importante pelo fato de poder inibir ações que possam encerrar ou barrar um projeto, oriundos de mobilização social, da comunidade local ou ativistas ambientais. 

Soma-se a isso, o fenômeno “Not in my backyard (Nimby)” (Não no meu quintal), referente a um movimento de oposição à localização de atividades, instalações ou usos do solo considerados indesejáveis na vizinhança, por serem nocivas, perigosas, estigmatizadas ou indesejadas. No entanto, medidas compensatórias e mitigatórias, programas de negociação, LSO, entre outros, são uma resposta direta às consequências negativas associadas da alocação dessas instalações potencialmente degradantes e poluidoras (HEIMAN, 1990; LAKE, 2001). O movimento ambiental com protagonismo comunitário tem mostrado outra versão: o “Not in anybody’s backyard” (No quintal de ninguém), com caráter reformista, promovendo a mudança sistêmica (HEIMAN, 1990). Ou ainda, tem-se a visão do movimento de justiça ambiental que colocam em discussão o fato de ser “sempre no quintal dos pobres e dos grupos sociais não-caucasianos”, fazendo alusão à desigualdade ambiental, oriunda das desigualdades social e de poder (ACSELRAD et al., 2009).

Destarte, as vítimas nem sempre são sujeitos passivos, se organizando em movimentos, associações e redes (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2014), ambientalizando seus discursos, esboçando ações coletivas, seja questionando os padrões técnicos de apropriação do território e seus recursos, seja contestando a distribuição de poder sobre eles (ACSELRAD, 2010). Os atores sociais se posicionam, se articulam ou se opõem, em um movimento constante, ocupando ora um lugar, ora outro (NASCIMENTO, 2001). 

Pode ocorrer, também, a ausência de discurso por parte de certos atores ou grupos sociais, incluindo os próprios afetados. Nesse aspecto, há que se considerar a precariedade ou a falta de clareza das informações, além de poucos momentos de consulta às comunidades afetadas e de disseminação de informação (ZHOURI et al., 2004a). A falta de transparência, de informação, de conhecimento e de acompanhamento dos projetos desde seu planejamento comprometem a qualidade da participação social nas decisões (ZHOURI, 2008). Remete-se, aqui, à análise de Raffestin (1993) sobre a relação íntima entre poder e manipulação dos fluxos que atravessam e desconectam a relação, o saber, a energia e a informação. No entanto, a não participação de grupos sociais pode estar relacionada a outros fatores, como a coerção, o medo ou o próprio desinteresse em participar dos espaços formais de discussão (inclusive por não se sentirem ouvidos ou porque a linguagem utilizada nesses espaços não compreende seu modo de vida e de valoração da natureza).

4. No fim do caminho tinha um poço: o conflito socioambiental analisado

A produção socioespacial de Pontal do Paraná, município do litoral paranaense, está diretamente relacionada ao fenômeno turístico, de forma mais expressiva após a partir de 1950, quando passou a ser extensiva a ocupação da orla marítima por imóveis de segunda residência das classes médias e alta de Curitiba e do interior do estado (SAMPAIO, 2006). Por sua vez, o desenvolvimento turístico esteve diretamente relacionado à alienação da terra no final da década de 1940, quando foram concedidas terras devolutas a particulares (Empresa Balneário Pontal do Sul), para o planejamento e a instalação da “Cidade Balneária do Pontal do Sul”, um projeto turístico e de ordenação do espaço que nunca se concretizou (CUNHA, 2018). Esse fato gerou um conflito que foi tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre ocupação fundiária (ALEP, 2015; CUNHA, 2018). 

A Empresa Balneária foi responsável por grande parte das modificações oriundas da produção socioespacial em Pontal do Paraná incluindo a perda de terras e a marginalização socioespacial de populações tradicionais pesqueiras (MPPR, 2016; CUNHA, 2018). Naquele momento, deu-se início a um conflito sobre a terra e violações dos direitos humanos, que se prolonga até os dias atuais - em especial em uma comunidade denominada “Comunidade Tradicional Pesqueira do Maciel” ou “Vila do Maciel” -, e torna-se um importante elemento do conflito socioambiental aqui abordado. 

Em adição, tem-se o caso da Vila dos Pescadores, comunidade constituída majoritariamente por famílias de pescadores artesanais nativos e que incluía espaços coletivos e de interação social que demonstravam que se tratava de uma comunidade estabelecida. Os moradores tinham posse de uma porção de terras de propriedade da empresa Porto Pontal (que será apresentada mais à frente[1]). Em decorrência disso, essa comunidade se inseriu em um conflito fundiário entre 2001 e 2007, que teve como resultado o desalojamento das famílias (AMB, 2008).

O crescimento do interesse turístico nos balneários paranaenses, o aumento do poder aquisitivo da camada média do estado, somado à ampla doação de terras acima mencionada, culminou em problemas graves em relação à ocupação ilegal de lotes e na modificação da ocupação do espaço (PONTAL DO PARANÁ, 2004).

Por meio do processo de acumulação por espoliação (HARVEY, 1996; 2004), certos agentes dominaram a organização e produção – desigual - do espaço, segregando parcela da população tradicional pesqueira. Com a inexistência de um trade turístico local, o processo de turistificação esteve atrelado à acumulação de capital pelo mercado de terras e pela especulação imobiliária (SAMPAIO, 2006), em grande parte relacionado à Empresa Balneária. Somado a isso, características como o perfil histórico do visitante, baixo fluxo de turistas convencionais, carência de infraestrutura básica e de equipamentos turísticos, baixo poder de investimento dos empresários locais, carência de investimentos públicos e falta de planejamento, estimularam comerciantes e moradores locais a busca por alternativas econômicas. Esses atores sociais vislumbraram essa oportunidade não em segmentos alternativos do turismo (como ecoturismo, turismo náutico, turismo cultural), mas no setor industrial-portuário.

Sobre isso, cabe ressaltar que Pontal do Paraná tem sido alvo de especulação industrial-portuária desde a década de 1970 (KRELLING, 2004), incluindo o interesse estatal no estabelecimento de um porto público (APPA, 2009). Não obstante, a especulação tomou outras proporções após 2008, com o início do processo de licenciamento ambiental do empreendimento privado Porto Pontal e de outros empreendimentos ligados ao setor petrolífero e à indústria naval: Odebrecht, SubSea7, Melport/Cattalini e Techint (que encerrou as atividades no município em março de 2019).

Estes empreendimentos, alegando interesse público, buscam se estabelecer na localidade da Ponta do Poço, por conta de uma vantagem locacional, características naturais do local (calado natural e fácil acesso a mar aberto) garantiriam a esses empreendimentos uma vantagem competitiva (CORBARI, 2020). Cabe ressaltar que, atributos físicos-naturais é uma das razões mais comuns para a constituição de zonas de sacrifício (FASE; IPPUR, 2004; VIÉGAS, 2009; OLIVEIRA et al., 2017), regiões povoadas por populações de baixa renda que são cercadas por empreendimentos potencialmente poluidores ou que comprometem socio e ambientalmente a localidade (VIÉGAS, 2009; LERNER, 2010). É o que se verifica no caso aqui analisado.

Essa zona de sacrifício tem relação direta com a cadeia de petróleo e gás, atraída pelo programa “Pontal do Pré-sal”, lançada pelo governo estadual em 2011, com o objetivo de atração de empreendimentos ao município, mediante incentivos fiscais (AGÊNCIA PARANÁ, 2012). Assim, ressalta-se que outro responsável pelo conflito é o Estado. O capital, ao dominar e produzir o espaço, o faz aproveitando situações geográficas e ecológicas favoráveis para o desenvolvimento de infraestruturas, no qual o Estado entra como apoiador e peça fundamental (FOLADORI; MELAZZI, 2009). 

No conflito socioambiental analisado, verifica-se a atuação das esferas municipais e estaduais que, aliadas aos empreendedores privados, vêm atuando para viabilizar a implantação do empreendimento, seja por meio dos instrumentos de ordenamento territorial, seja pela dotação de infraestrutura para atendimento ao complexo industrial-portuário (CORBARI, 2020). Isso porque, a PR-412, a precária rodovia local (PONTAL DO PARANÁ, 2004), não teria capacidade para receber um incremento de tráfego, especialmente de caminhões pesados.

O tema da alternativa viária é recorrente nos documentos do órgão licenciador (IBAMA, 2009; 2010; 2015; BIODINÂMICA, 2017). O órgão enfatiza que a viabilização de um novo acesso rodoviário ao Porto Pontal é fundamental para sua viabilidade ambiental. O próprio EIA-Rima do empreendimento, diagnosticou que a rodovia PR-412 não teria condições de suportar um incremento significativo de circulação de veículos, especialmente de caminhões de transporte de carga (AMB, 2008). O governo municipal buscava viabilizar a dotação de infraestrutura viária desde 2004(JCR, 2006; IBAMA, 2009), passando para a responsabilidade estadual em 2010 (BIODINÂMICA, 2017) e culminando no projeto denominado “Faixa de Infraestrutura”[2], que contempla um canal de macrodrenagem e uma rodovia (BIODINÂMICA, 2017), essa última tornando-se o foco do conflito socioambiental em meados de 2018.

Naquele momento, teve início uma nova fase do conflito, até então latente, passando a ser manifesto (DEUTSCH, 2003), tendo como ponto central um processo de provimento de infraestrutura com dinheiro público para atendimento privado, considerado obscuro e frágil por atores sociais de oposição e que culminaria em consideráveis impactos ambientais e sociais (CORBARI, 2020). Embora contemple outras obras, a mais comentada na arena do conflito é a rodovia (PR-809), trecho de aproximadamente 18 quilômetros, de pista simples, com traçado paralelo à PR-412, entre a PR-407 (via de acesso ao município) e o terreno onde o Porto Pontal busca se estabelecer.

Na arena do conflito, evidencia-se a presença de atores sociais que, juntamente ao Estado e ao Porto Pontal, atual de forma a apoiar e promover o complexo industrial-portuário e a Faixa de Infraestrutura. Como forma de resistência à implantação do complexo industrial-portuário e da Faixa de Infraestrutura, atores sociais de oposição se inseriram na arena do conflito.

5. Levantamentos, análise textual discursive e seleção do corpus de análise

Para a consecução da pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica, com vista a aprofundar o debate a respeito dos conceitos e temáticas-chave para entendimento da realidade analisada. Em seguida, realizou-se uma pesquisa empírica, por meio de textos escritos e oralizados, de entrevistas e conversas informais com atores sociais envolvidos no conflito.

Os textos escritos dizem respeito a materiais produzidos por atores sociais envolvidos no conflito socioambiental. Trata-se de uma análise documental, uma vez que os documentos não servem apenas como fonte de dados, mas passaram por uma análise. Compõem o corpus de análise: a) materiais técnicos, leis e outros documentos legais; b) transcrições já realizadas de debates em espaços formais (atas e memorias de audiências, reuniões, entre outros); e c) materiais informais (artigos de opinião, notas públicas, publicações em redes sociais, entre outros). Os textos oralizados dizem respeito a falas dos atores sociais em eventos públicos, entrevistas concedidas a programas televisivos, vídeos criados pelos atores sociais e entrevistas semiestruturada realizadas com atores-chave (QUADRO 1), entre dezembro de 2018 e junho de 2019. Cabe ressaltar que o número de atores sociais envolvidos no conflito socioambiental é mais amplo que a lista de entrevistados.

O material passou pela Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes e Galiazzi (2007). O corpus de análise foi analisado e fragmentado em unidades constituintes, que no caso da presente pesquisa foram os atores sociais. Em seguida, deu-se início a fase de categorização, que envolve a construção de relações entre as unidades, combinando-as e classificando-as, formando conjuntos de elementos próximos, resultando em sistemas de categorias, que foram criadas a priori, tendo como base o referencial teórico e os objetivos específicos. 

Quadro 1 – Entrevistados e posicionamento na arena do conflito[3]

ENTREVISTADOS

POSICIONAMENTO

Presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Pontal do Paraná (Aciapar)

Promoção (G1)

Presidente da Associação dos Moradores de Pontal do Paraná (AMPP)

Promoção (G1)

Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep-PR) /G7/ F10P

Promoção (G1)

Diretor do Porto Pontal

Promoção (G 1)

Secretário Municipal de Desenvolvimento e turismóloga do Departamento de Turismo de Pontal do Paraná

Promoção (G 1)

Autor/Responsável pelo projeto Faixa de Infraestrutura 

Promoção (G 1)

Liderança local Vila de Encantadas/Ilha do Mel[4]

Promoção (G 1)

Membro do Movimento Salve a Ilha do Mel

Oposição (G 2)

Diretor do Observatório de Justiça e Conservação (OJC)

Oposição (G 2)

Coordenadora Executiva do Observatório de Conservação Costeira (OC2)

Oposição (G 2)

Membro do Instituto de Estudos Ambientais Mater Natura

Oposição (G 2)

Morador de Pontal do Sul/Historiador

Oposição (G 2)

Empresário do turismo Nova Brasília/Ilha do Mel

Oposição (G 2)

Diretor-Executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

Oposição (G 2)

Diretor-Executivo da Associação MarBrasil

Oposição (G 2)

Docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Setor Litoral, parte do Movimento Viva Pontal

Oposição (G 2)

Docente do Centro de Estudos do Mar/UFPR, conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (Colit)

Oposição (G 2)

Presidente da Associação Comunitária de Pescadores e Aquicultores de Pontal do Sul (ApapSul)l

Oposição (G 3)

Representante da Comunidade Tradicional Pesqueira do Maciel

Oposição (G 3)

Articulador Regional do PDS Litoral[5]

Caminho do meio (G 4)

Técnico da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Paranaguá

Caminho do meio (G 4)

Técnico da Paraná Turismo/Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável e Turismo (Sedest)

Caminho do meio (G 4)

Diretor-Executivo da Agência de Desenvolvimento do Turismo Sustentável do Litoral do Paraná (Adetur Litoral)

Caminho do meio (G 4)

Fonte: Elaboração própria

*G = Grupo

 

Ou seja, o discurso de cada ator social foi retirado dos materiais analisados (textos escritos ou textos falados/transcritos) e inseridos em um único documento. Criou-se, portanto, um documento para cada ator social analisado. Esses documentos foram estratificados em relação aos macrotemas: a) Porto Pontal/Complexo industrial-portuário; b) Faixa de Infraestrutura/PR-809/PR-412; c) Turismo (perspectivas sobre o turismo; relação com a Faixa de Infraestrutura/PR-412; relação com o complexo industrial-portuário/Porto Pontal); d) Desenvolvimento; e e) Participação social no processo. A partir disso, foram criados metatextos relativos a cada ator social e a cada categoria. 

Após isso, deu-se início à fase do “captar o novo emergente”, que diz respeito à possibilidade, a partir das etapas anteriores, de emersão de uma compreensão renovada do todo, possibilitando a construção de um metatexto, que comunica e valida esse novo emergente. Nessa etapa foi realizada a descrição e a interpretação dos dados. Destarte, construiu-se o capítulo de análise dos dados, tendo quatro discursos e, inserida em cada uma, as dimensões dos discursos. Com base nisso, tem-se abaixo um diagrama sintetizador das etapas da ATD (FIGURA 1).

FIGURA 1 - ETAPAS ORGANIZAÇÃO DO CORPUS, COM BASE NA ATD

 

Fonte: Elaboração própria, baseada em Moraes e Galiazzi (2007)

6. A identificação de grupos: discursos, dimensões e categorias teórico-analíticas 

Com a análise dos dados, verificou-se a existência de quatro discursos, cada qual com suas dimensões discursivas. Esses discursos serão apresentados a seguir como: 1) Grupo 1 - atores sociais de promoção e apoio à territorialização industrial-portuária e à implantação da Faixa de Infraestrutura; 2) Grupo 2 - atores sociais opositores ao complexo industrial-portuário e Faixa de Infraestrutura, com caráter ambientalista; 3) Grupo 3 - atores sociais de oposição, com caráter socioambientalista; e 4) Grupo 4 - atores sociais sem um posicionamento público claro, mas que são importantes no contexto estudado.

a) Discurso do Grupo 1 

Esse discurso é mobilizado, principalmente, pelo governo estadual e municipal, Porto Pontal, associações representativas do comércio municipal e estadual, associação de moradores e parte dos moradores de Pontal do Paraná e Ilha do Mel.

Verifica-se uma esperança nos empreendimentos industriais-portuários. Para esses atores sociais, os problemas socioeconômicos de Pontal do Paraná são passíveis de resolução por meio do crescimento econômico decorrente da instalação do complexo industrial-portuário. A geração de postos de trabalho formais e de renda - urgente e fundamental - poderia ocorrer por meio dos empreendimentos industriais-portuários, que, por sua vez, somente se estabeleceriam perante a existência de uma nova rodovia. Em adição, o Porto Pontal contribuiria com geração de impostos, sendo uma alterativa à Techint. Alguns atores sociais deste grupo, como o Porto Pontal, recorrem a argumentos das alternativas infernais (PIGNARRE; STENGERS, 2005; ACSELRAD; BEZERRA, 2010), apontando a possibilidade de retirada ou recuo dos investimentos das empresas que comporiam o complexo industrial-portuário, levando à manutenção das mazelas sociais. Além disso, o movimento de promoção atua em consonância ao “Pimby”, utilizado para se referir aos casos em que determinada instalação ou obra é vista positivamente pela população (BRINKMAN; HIRSH, 2017).

Outra categoria visível é a chantagem locacional, estritamente relacionada às ideias de alternativa infernal e de Pimby. Segundo destacam Santos, Gonçalves e Machado (2015), os grandes empreendimentos em geral se utilizam da chantagem locacional para garantirem sua implementação. Isso se dá, normalmente, por meio de incentivos fiscais, mas também flexibilização de leis e normas, entre outros benefícios concedidos pelo Estado frente à possibilidade de geração de emprego e renda. “Daí a crença de sua indispensabilidade, fator da presente guerra entre lugares e, em muitos casos, de sua atitude de chantagem frente ao poder público, ameaçando ir embora quando não atendidas em seus reclamos” (SANTOS, 2017, p. 68). Assim, os grandes empreendimentos são empoderados e acabam se tornando quase-sujeitos das políticas de regulação do território e dos limites de aceitabilidade, por parte da população, sobre os riscos de determinada obra ou empreendimento (ACSELRAD, 2013). 

Aqui, cabe fazer alusão ao trabalho de Devries (2007), que destaca que o desejo de desenvolvimento tem relação com as promessas não cumpridas pelo Estado e pelos políticos. No entanto, ressalta-se que alguns atores sociais que acionam o presente discurso são, justamente, os agentes que fazem as promessas. Portanto, se por um lado há um desejo de desenvolvimento e ele poderia ser enquadrado como legitimo, por outro, há interesses obscuros em jogo.

Outra dimensão discursiva tem relação com a vantagem locacional da Ponta do Poço, que geraria uma vantagem competitiva para o Porto Pontal e para o Estado. Além disso, contribuiria para o suprimento da deficiência portuária atual e para a competitividade portuária. Nesse aspecto, há um apoio à expansão da zona de sacrifício - regiões povoadas por populações de baixa renda que são cercadas por empreendimentos potencialmente poluidores ou que comprometem socio e ambientalmente a localidade (FASE; IPPUR, 2004; VIÉGAS, 2009; LERNER, 2010; OLIVEIRA et al., 2017) - que a porção Sul da Baía de Paranaguá vem se tornando, ao lado dos portos de Paranaguá e de Antonina e toda sorte de empresas e infraestruturas que atendem ao setor portuário.

Esse grupo também aciona frequentemente a Faixa de Infraestrutura, com ênfase no componente rodoviário. Destarte, menciona a situação atual das rodovias PR-412 e da PR-407 e a necessidade de uma nova rodovia para moradores e turistas, ou seja, uma via que não teria sido projetada para o atendimento ao Porto Pontal e, mais que isso, é condição sine qua non para o ‘desenvolvimento’. O desenvolvimento seria um patamar a ser alcançado, baseado na modernização, na urbanização e na industrialização – ou no ideal de modernidade. Assim como destacado por Devries (2007), nessa visão, não há alternativa ao desenvolvimento; o desenvolvimento, apesar de seus fracassos, é a única possibilidade. Mas o “desenvolvimento aqui é pregado pelo establishment como progresso, que ocorre por meio do crescimento econômico. Também não se pauta em uma economia verde. A natureza e os bens de uso coletivo não são vislumbrados como forma de obtenção de renda, trabalho e melhoria da qualidade de vida. Assuntos que não dizem respeito ao quesito econômico, como meio ambiente ou populações tradicionais, não são englobados no conceito de “desenvolvimento”, não se vislumbra um modelo de desenvolvimento em que tais componentes sejam imperativos; ao contrário, eles precisam se adaptar ou conviver com o “desenvolvimento”.

Agregado a isso, verifica-se a presença de argumentos relativos à modernização ecológica e à adequação ambiental (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al., 2014b), ou seja, confia-se às medidas compensatórias e mitigatórias a resolução de possíveis impactos gerados. Em adição, evidencia-se uma LSO (ACSELRAD, 2014; SANTIAGO, 2016) para o Porto Pontal, antes mesmo de sua instalação. Não obstante, a Faixa de Infraestrutura somente se viabilizaria com a instalação do complexo industrial-portuário. Assim, sem porto não há rodovia e, consequentemente, não há desenvolvimento. Isso evidencia uma chantagem locacional (ACSELRAD, 2013). 

Por fim, tem-se uma dimensão relativa à insatisfação com o turismo e o “mito da alta temporada”. A atividade turística vem gerando renda insatisfatórias para os comerciantes, empresários do turismo e outros trabalhadores que têm nessa atividade sua fonte de subsistência prioritária. Portanto, se faz necessária uma atividade econômica que contribua para a superação da situação. Por outro lado, o discurso se baseia no ‘mito da alta temporada’, ou seja, na possibilidade de o turismo ocorrer durante todo o ano, estimulado por uma nova rodovia de acesso e pela presença de um porto.

Cabe ressaltar que este primeiro grupo é dotado de poder em decorrência da presença do Estado e do grande capital. Portanto, a questão de poder e desigualdade de poder (BRYANT; BAILEY, 1997; MARTINEZ-ALIER, 1997; ROBBINS, 2012; HARVEY, 1996; LITTLE, 2001; VIEGAS, 2009; ACSELRAD, 2002; 2004) é inerente. Além disso, pela presença do Estado, esse discurso tem caráter de “discurso autorizado” (VIÉGAS, 2009) e detém o poder do procedimento (MARTÍNEZ-ALIER, 2011), neste caso, em relação aos ritos do processo de licenciamento ambiental.

b) Discurso do Grupo 2 

Este discurso é mobilizado por atores sociais de oposição. São eles: Movimento Salve a Ilha do Mel, instituições ambientalistas, membros da academia e parcela dos moradores de Pontal do Paraná e Ilha do Mel. Se caracteriza por algumas dimensões do discurso que se orienta pelo desenvolvimento alternativo com base na economia verde. Embora sejam bastante enaltecidos os impactos de ordem social e econômico, os impactos ecológicos configuram como principal foco deste grupo. Uma das dimensões desse discurso relaciona-se à luta contra a expansão da zona de sacrifício (FASE; IPPUR, 2004; VIÉGAS, 2009; LERNER, 2010; OLIVEIRA et al., 2017). Defende-se a expansão portuária em Paranaguá, município sacrificado pela presença do Porto de Paranaguá.

Também há críticas ao interesse e às ações do governo estadual e municipal em benefício de agentes privados, incluindo o fato de a nova rodovia ser uma condicional ao licenciamento do Porto Pontal; o histórico de desterritorialização (HAESBAERT; RAMOS, 2004) das populações tradicionais em decorrência da dominação e produção socioespacial pela Empresa Balneária; a fragilidade e irregularidades dos processos de licenciamento; a flexibilização territorial (COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL, 2012), por meio de leis e instrumentos de ordenamento territorial, possibilitando a territorialização industrial-portuária; e o fato de que o projeto da rodovia seria custeado com dinheiro público.

Ademais, destacam o comprometimento da participação social (ZHOURI et al., 2014a) nos processos de licenciamento ambiental e nos debates sobre a ordenação territorial. Isso vai ao encontro do exposto por Acselrad, Mello e Bezerra (2009): a ausência de aviso prévio ou discussão popular, somada à desinformação organizada por blocos de interesse, gera uma ‘expropriação dos sentidos’ da população atingida. Assim, o discurso autorizado seria uma forma de criar um consenso sobre a verdade (ROBBINS, 2012).

Outra dimensão discursiva relaciona-se à falta de valorização do território e a inação seletiva do Estado, ou seja, no que tange à provisão de infraestrutura e serviços básicos e, também, turísticos. Isso corrobora para as chamadas alternativas infernais (PIGNARRE; STENGERS, 2005; ACSELRAD; BEZERRA, 2010), uma vez que nesses processos surgem agentes privados que se comprometem a preencher as lacunas deixadas pelo Estado.

Cabe ressaltar que esses atores sociais não se caracterizam como anticapitalista, nem lutam por alternativas ao desenvolvimento (SOUZA SANTOS, 2002; ESCOBAR, 2005). Não obstante, acreditam em uma “reparação do desenvolvimento” - ou o que Gudynas (2012) chama de “nova roupagem” do desenvolvimento -, baseados, principalmente, no ideal de desenvolvimento sustentável.

c) Discurso do Grupo 3

O terceiro grupo é constituído por atores sociais de comunidades tradicionais pesqueiras, MPPR e membros da academia. Seu discurso baseia-se no direito socioambiental, incluindo o direito das comunidades tradicionais e indígenas ao território, contrários à desterritorialização (HAESBAERT; RAMOS, 2004) histórica em Pontal do Paraná. Além disso, seu discurso evidencia-se como denúncia da violência simbólica (VIÉGAS, 2009) gerada pelo Estado e por agentes privados. Isso vai ao encontro da ideia de ecologismo dos pobres (MARTÍNEZ-ALIER, 2011).

Em adição, estão inseridos em outra lógica de valoração da natureza. Para as comunidades tradicionais e indígenas, os bens de uso comum são fonte de subsistência econômica e cultural. Assim, tanto o complexo industrial-portuário, quanto a Faixa de Infraestrutura seriam incompatíveis com o modo de vida tradicional pesqueiro.

Associado a isso tem-se a preocupação com os impactos ecológicos das obras e da produção de uma “sociedade sem natureza”, termo de Haesbaert (2004) que diz respeito à transformação de grandes áreas em espaços praticamente inabitáveis, através da degradação provocada pelo uso indiscriminado, dentro de uma lógica predatória de produção-consumo e lucro a qualquer preço. Isso vai contra a ideia de adequação ambiental e da valoração monetária da natureza (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al., 2014b), isso porque, as medidas compensatórias e mitigatórias não dão conta dos impactos sociais e ambientais gerados. Ou, como destacam Zhouri e Oliveira (2014), a capitalização da natureza reduz o ambiente aos valores de mercado e transforma perdas irreparáveis e efeitos destrutivos em “impactos” passíveis de serem compensados ou mitigados.

Busca-se, portanto, minimizar o desenvolvimento perverso e possibilitar alternativas ao desenvolvimento (SOUZA SANTOS, 2002; ESCOBAR, 2005) ou o que Harvey (2004a) denominou ‘espaços da esperança’. Assim, entende-se que, se emergir alguma alternativa concreta, isso correria por parte dos povos tradicionais, da racionalidade não hegemônica.

Isso vai ao encontro do exporto por Escobar (2005) destaca que o projeto de desenvolvimento (hegemônico) exclui conhecimentos, vozes e preocupações daqueles que deveriam ser os beneficiados do desenvolvimento. Muitos grupos e movimento sociais definem metas que são mais elusivas de uma perspectiva materialista, como direitos culturais, identidades, economias alternativas e outros semelhantes. 

 Entendem que há fragilidade nos estudos e nos processos de licenciamento ambiental em curso e invisibilização das comunidades tradicionais e indígenas, incluindo o fato de que as comunidades tradicionais e indígenas não foram consultadas, indo contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a necessidade de consulta prévia, livre e esclarecida (BRASIL, 2004). Isso demonstra, novamente, a disparidade de poder na arena do conflito (HARVEY, 1996; BRYANT; BAILEY, 1997; MARTINEZ-ALIER, 1997; LITTLE, 2001; ACSELRAD, 2002; 2004; VIEGAS, 2009; ROBBINS, 2012). Sobre isso, mesmo entre os atores sociais de oposição, o grupo 3, constituído por atores sociais das comunidades tradicionais e socioambientalistas, é marginalizado, com exceção ao uso da situação e presença de comunidades tradicionais e indígenas para o convencimento sobre os problemas e ilegalidades dos processos. Evidencia-se que esse grupo tem relação mais forte com a ideia de justiça ambiental (ACSELRAD, 2002; MARTÍNEZ-ALIER, 2011).

d) Discurso do grupo 4

O quarto grupo é formado por atores sociais do “caminho do meio”, instituições governamentais e instância de governança que são importantes para a conjuntura local - em sua maioria do setor do turismo -, mas que não demonstram claramente seu posicionamento na arena do conflito, inclusive com despolitização do discurso (ACSELRAD et al., 2009). Além de pontuar “prós e contras” do complexo industrial-portuário, esse discurso tem características da adequação ambiental e discurso autorizado (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al., 2014b), no que se refere à confiança no rito licenciatório e nas medidas compensatórias e mitigatórias. Se enquadra no que Martínez-Alier (2011) denomina ‘evangelho da ecoeficiência’, no que tange à expectativa de crescimento econômico sustentável por meio de soluções que promovam ganhos econômicos e ganhos ecológicos.

Este grupo – e discurso – demonstra que diversos sujeitos, instituições e grupos sociais se abstêm do conflito, pelos mais diversos motivos, incluindo questões políticas.

Com isso, apresenta-se abaixo (QUADRO 1) as categorias teórico-analíticas, as referências e os grupos mobilizantes dentro da arena do conflito socioambiental analisado.

 

QUADRO 2 – CATEGORIAS TEÓRICO-ANALÍTICAS E GRUPOS MOBILIZANTES

Categoria teórico-analítica

Grupos mobilizantes

Adequação ambiental (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al, 2014 b)

1, 3 e 4

Alternativas infernais (PIGNARRE; STENGERS, 2005; ACSELRAD; BEZERRA, 2010)

1 e 2

Chantagem locacional (ACSELRAD, 2013)

1

Consenso sobre a verdade (ROBBINS, 2012)

2

Despolitização do discurso ACSELRAD et al., 2009)

4

Desregulação ambiental (FASE; IPPUR, 2004)

2

Desterritorialização (HAESBAERT; RAMOS, 2004)

2 e 3

Discurso autorizado (VIÉGAS, 2009)

2 e 4

Ecologismo dos pobres (MARTÍNEZ-ALIER, 2011)

3

Evangelho da ecoeficiência (MARTÍNEZ-ALIER, 2011)

4

Expropriação dos sentidos (ACSELRAD et al., 2009)

2 e 3

Flexibilização territorial (COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL, 2012)

2

Licença social (ACSELRAD, 2014; SANTIAGO, 2016)

1 e 2

Modernização ecológica (ZHOURI; OLIVEIRA, 2014; ZHOURI et al, 2014b).

1

Participação social (ZHOURI et al., 2014a)

2 e 3

Pimby (BRINKMAN; HIRSH, 2017)

1

Poder e desigualdade de poder (RAFFESTIN, 1993; BRYANT; BAILEY, 1997; MARTINEZ-ALIER, 1997; ROBBINS, 2012; HARVEY, 1996; LITTLE, 2001; VIEGAS, 2009; ACSELRAD, 2002; 2004)

1, 2 e 3

Produção da desigualdade ambiental (ACSELRAD et al., 2009)

3

Sociedade sem natureza (HAESBAERT, 2004b)

3

Valoração monetária da natureza (ZHOURI et al., 2014b)

3

Violência simbólica (VIÉGAS, 2009; ZHOURI; OLIVEIRA, 2014)

3

Zona de sacrifício (FASE; IPPUR, 2004; VIÉGAS, 2009; LERNER, 2010; OLIVEIRA et al., 2017)

1 e 2

Fonte: Organização própria

Verificou-se, a relação com diversas categorias teórico-analíticas utilizadas por autores que estudos os conflitos socioambientais, mas também de temas inerentes, como conceitos oriundos da geografia, por exemplo. Perpassam essas categorias, as ideias e os ideais de desenvolvimento, enquanto um campo em disputa.

7. Conclusões

O conflito socioambiental analisado evidencia que o desenvolvimento é um campo em disputa. Por um lado, tem-se um modelo de desenvolvimento que vem sendo defendido no país, no qual grandes projetos de infraestruturas e empreendimentos são viabilizados por agentes do capital ou pelo EstadoEm adição, parcela dos atores sociais demonstram o “desejo no desenvolvimento” e reforçam a complexidade do tema, pois, como questiona Devries (2007): seria possível dizer que esse desejo é ilegítimo? Por outro lado, evidencia-se que há os que buscam uma alternativa ao desenvolvimento, que acreditam em um outro mundo possível, indo ao encontro do que Harvey apontava como “espaços de esperança”.

Os atores sociais envolvidos no conflito contam com diferentes níveis de poder político e econômico. Aqueles que possuem mais poder se sobressaem na arena do conflito, dando visibilidade à desigualdade e à assimetria entre as diferentes concepções de desenvolvimento. Inclusive, há um “poder que vê sem ser visto” (RAFFESTIN, 1993) que imputa a ideia de subdesenvolvimento e de uma “necessidade de desenvolvimento”, com promessas tão poderosa que incita o desejo de realização (DEVRIES, 2007).

Portanto, ao adentrar na arena do conflito, os atores sociais mobilizam suas forças e proferem seus discursos de maneira a convencer outros atores e grupos sociais. Para isso, além de externalizar interesses, o discurso desses atores sociais demonstra proximidade com categorias teórico-analíticas na ecologia política, utilizadas por pesquisadores que se dedicam ao campo dos conflitos ambientais. 

Essas categorias demonstram as relações desiguais de poder que permeiam o licenciamento ambiental, demonstrando que estão diretamente relacionados aos mecanismos do processo de acumulação de capital. Isso pode ser visto no conflito socioambiental aqui abordado, que tem envolvimento de agentes econômicos, de organizações do terceiro setor, da sociedade civil organizada, de acadêmicos e do Estado.

Cabe ressaltar que, diferentemente do que ocorre com grande parte dos casos de conflitos socioambientais no Brasil, cujo protagonismo está relacionado a movimentos sociais, no caso analisado, as comunidades tradicionais e suas organizações não detêm o protagonismo da resistência na arena do conflito. Não obstante, o que se evidencia é que, caso surja, de fato, uma alternativa, está se dará com a quebra do establishment, por meio da atuação dessas populações, mediadas por seus modos de vida e sua forma de valoração da natureza e do território. Se faz mister, portanto, uma mudança nas práticas de saber-fazer que definem o regime de desenvolvimento, conforme destaca Escobar (2005).

Cabe destacar, por fim, que esta pesquisa tem importância ao fortalecer os estudos referentes aos conflitos socioambientais ligados à territorialização industrial e portuária, ainda pouco exploradas no Brasil, mas que têm relação direta com outros processos de injustiça socioambiental e de desigualdade ambiental, como o setor da mineração, o agronegócio, a cadeia de petróleo e gás, entre diversos outros.

 

[1] Cabe ressaltar que o proprietário do Porto Pontal é o acionista majoritário da Empresa Balneária, ainda ativa.

[2] Na versão inicial do projeto, constava também uma rede de transmissão de energia elétrica, ferrovia, gasoduto, tubulação de água e de esgoto (ENGEMIN, 2016). Em 2020, a Faixa de Infraestrutura foi rebatizada de “Bioestrada da Mata Atlântica”. 

[3] Foram realizadas conversas informais com: MPPR, membros do Colit, Diretor de meio ambiente da APPA, Presidente do Sindicato de Estivadores de Paranaguá e Pontal do Paraná (Sindestiva), moradores e empresários da Ilha do Mel, Presidente da Animpo e vendedores ambulantes de Pontal do Paraná. 

[4] É importante mencionar que a quatro quilômetros de Pontal do Paraná, está localizada a Ilha do Mel, um dos principais destinos turísticos do Paraná, cuja integridade preocupa os atores sociais de oposição à territorialização industrial-portuária. 

[5] O PDS – Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral do Paraná - decorre do Decreto Estadual nº 8.548/2011, que dispõe sobre a elaboração e desenvolvimento de um plano visando o ordenamento territorial por conta dos projetos de grandes empreendimentos e obras previstos para a região. O processo de elaboração participativa e o próprio plano em si foram uma espécie de mecanismo de resolução de conflito (CORBARI, 2020).

 

Download PDF

Voltar