O Sistema Integrado de Saneamento Rural - SISAR: uma política pública de inovação técnico-social para o acesso à água a comunidades rurais no Brasil
Juliane de Cássia Silveira Camargo
Funcionária da Prefeitura de Itapeva, mestranda em planejamento e análise de política públicas na UNESP, Campos de Franca;
Referências
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1. Introdução
O enfrentamento da questão de acesso à água tratada pelas comunidades rurais e isoladas no territóriobrasileiro significa um grande desafio. A implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de programas que permitam a expansão da cobertura do saneamento básico nas comunidades rurais e isoladas é uma urgência, levando-se em conta os inúmeros problemas decorrentes da ausência de saneamento básico.
Não há como se falar em desenvolvimento social, econômico e bem–estar social em locais em que a população sequer tem acesso a água tratada, tampouco, esgotamento sanitário. O acesso à água tratada e acondições adequadas de higiene são imprescindíveis para a prevenção e cuidados de doenças causadas pela precariedade dos serviços de saneamento, como diarreias e parasitoses (RESENDE, et al, 2018).
De acordo com o último censo realizado pelo IBGE, no ano de 2010, estima-se que aproximadamente 30 milhões de pessoas, residem na zona rural no Brasil um quantitativo bastante expressivo que justifica a adoção de medidas eficazes que garantam o acesso ao saneamento básico para as comunidades rurais e isoladas, que nãoraras vezes, são relegadas ao abandono em termos de desenvolvimento de políticas públicas.
Nesse trabalho será investigada a efetividade do Sistema de Saneamento Rural – SISAR, que foi criado em 1996 e implantado inicialmente no Estado do Ceará e da Bahia, e posteriormente estendido para outros estados brasileiros, tendo por escopo, sanar ou ao menos mitigar, os problemas decorrentes da ausência de saneamentonas comunidades rurais. Por causa ds resultados positivos do programa implantado na região do semiárido brasileiro, sugere-se que a experiência seja replicada no Estado de São Paulo, para o atendimento das comunidades rurais que atualmente não são abrangidas pelo sistema de abastecimento de água convencional.
O SISAR é uma organização não governamental, sem fins econômicos, formada pelas associações comunitárias que possuem sistemas de abastecimento de água e esgoto, pertencentes à mesma bacia hidrográfica a partir da articulação dos seguintes agentes: governo estadual do Ceará, Companhia de Saneamento Básico doEstado do Ceará – CAGECE, o Banco alemão de Fomento KfW e o Banco Mundial. No entanto, como o gerenciamento desses sistemas pela concessionária estadual de saneamento não é economicamente viável, fazia-se necessário um modelo de gestão diferenciado para tais sistemas. O Sisar é uma alternativa que utiliza a associação comunitária na gestão dos sistemas, reduzindo os custos e viabilizando a gestão dos mesmos. Para isto foifundamental a participação ativa das comunidades beneficiadas. Essas comunidades rurais são representadas pelas associações comunitárias, que foram constituídas com o objetivo de representá-las junto a CAGECE, e outros órgãos envolvidos no desenvolvimento do Programa.
O SISAR como modelo de gestão multicomunitária, surgiu como uma alternativa institucional, social, técnica e financeira que merece ser reconhecida e replicada tanto no âmbito do território brasileiro, como no âmbito mundial. Esse modelo de gestão inovador é uma iniciativa dos Estados, notadamente os do Nordeste, da região do semiárido brasileiro, que se viram obrigados a desenvolver políticas que fossem capazes de solucionar, ou ao menos, mitigar os problemas decorrentes da escassez de água tratada, da falta de acesso e oferta dos serviços desaneamento às comunidades rurais (GARRIDO, et al, 2016). Diante dos indicadores positivos do Programa SISAR, não seria adequada a sua implantação no Estado de São Paulo para atender as demandas das comunidades rurais eisoladas que não tem acesso à água tratada?
Para a melhor compreensão do tema, o estudo é organizado da seguinte forma, a primeira seção faz umacontextualização histórica do desenvolvimento da política de saneamento básico no Brasil, a partir da década de 1970, na segunda seção é tratado acerca da implantação da política de saneamento básico no Brasil, a definição do conceito de comunidade rural, e isolada e sua importância para a formulação de políticas públicas, é abordado também o modelo de gestão multicomunitário, e os aspectos positivos do programa SISAR e as conclusõesfinais na última seção.
2. Saneamento Básico no Brasil, um desafio para os gestores públicos
É um grande desafio para os gestores de recursos hídricos e saneamento, bem como para os formuladoresde políticas públicas, assegurar o acesso à água tratada e demais serviços de saneamento básico para as comunidades rurais e isoladas. O maior reservatório de água doce do mundo está localizado no Brasil,aproximadamente 20% do total mundial, porém, convivemos com um cenário de desigualdade na distribuição dos recursos hídricos, tanto do ponto de vista territorial como temporal. Esse fato afeta negativamente o desenvolvimento econômico do país, a utilização sustentável dos ecossistemas, a qualidade de vida da população, notadamenteda zona rural, que acabam sendo as mais prejudicadas nessa distribuição desigual dos recursos naturais (GARRIDO et al, 2016).
No semiárido brasileiro, a escassez de água para o consumo humano é um problema social crônico, recorrente durante os períodos de estiagem, e esse fenômeno torna as populações extremamente vulneráveis ao evento climático. Durante esses períodos de estiagem, as mulheres e crianças, normalmente são obrigadas a percorrer longos trajetos em busca de água para o consumo. Estima-se que dos 3,5 milhões de domicílios rurais do Nordeste (IBGE, 2010), mais de dois terços se encontrem em tal situação expostos aos efeitos da falta de acesso à água potável. (ALVES, ARAÚJO, 2016).
O homem vem constantemente alterando o meio natural, aliás é o único ser capaz de fazê-lo, buscando acriação de um ambiente individual ou coletivo mais adequado, confortável para o desenvolvimento da vida humana.Porém, toda essa série de intervenções na natureza acabam por ocasionar a degradação do meio – ambiente. Em função do vertiginoso crescimento populacional e ao exacerbado consumismo, estimulado pelo sistema capitalista,em média, atualmente são movimentadas 200 toneladas de materiais, por habitante no mundo, para o atendimento de fins diversos, tais como moradia, transporte, alimentação, vestuário, além, das inúmeras outras atividades praticadas pelos seres humanos. Assim, os resíduos descartados no meio ambiente oriundos dessas atividades, sãoextremamente nocivos, e muitos podem causar problemas graves e irreversíveis, tanto para a natureza, como também para a saúde (RESENDE, et al, 2018).
Temos como exemplo a poluição dos rios, pelo despejo irregular de esgoto doméstico e industrial, a poluiçãodo ar, pela emissão de gás carbônico, proveniente dos veículos automotivos, além de outros gases poluentes oriundos da atividade industrial. A poluição do solo, e lençóis freáticos ocorre pelo descarte de resíduos sólidos e orgânicos no meio ambiente, sem o devido cuidado, como ocorre nos lixões, bem como, pela utilização de fossas, sem a devida observância das normas técnicas para instalação. Dessa forma, o saneamento básico surge como umimportante instrumento, cujo objetivo é diminuir ou mesmo reverter os impactos causados pela poluição do meio ambiente (RESENDE, et al, 2018).
A universalização do acesso e efetiva prestação do serviço de saneamento básico é um dos princípiosfundamentais da Lei Federal nº 11.445/2007, alterada pela Lei Federal nº 14.026/2020, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico (BRASIL, 2007), além de ser um direito fundamental estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
No entanto, é comum verificar-se no Semiárido, situações em que os reservatórios de água, e açudes que foram construídos com recursos públicos, e que legalmente deveriam servir de uso comum, especialmente para o abastecimento de comunidades rurais, foram apropriados pelas elites econômicas e políticas locais, não permitindo assim, o acesso universal a quem dela precisa (SILVA, 2011).
As ações de infraestrutura para implantação do saneamento básico, quando bem executadas, propiciam o aumento do bem-estar social, melhora significativa das condições de vida da população beneficiada, além dos inúmeros benefícios à saúde pública. O Brasil tem investido nas últimas décadas recursos financeiros oriundos de fontes nacionais e internacionais, com o objetivo de ampliar a cobertura de abastecimento de água tratada e esgotamento sanitário nas zonas urbanas e rural. Porém, o investimento maciço em obras de infraestrutura, não tem se mostrado suficiente, para garantir o acesso ao serviço de fornecimento de água tratada e esgoto para a população, especialmente para as comunidades rurais e comunidades isoladas. Isso ocorre, porque uma vezimplantada a infraestrutura, muitas vezes, essa é literalmente abandonada, e sem a devida manutenção e operação adequada acaba se deteriorando deixando de atender as necessidades dos usuários (GARRIDO et al, 2016).
De acordo com o último censo realizado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,29,8 milhões de brasileiros, residem em comunidades quilombola, assentamentos e comunidades rurais, um número expressivo de pessoas vivendo em áreas rurais, áreas essas distantes entre si, dispersas e compostas porcomunidades pouco populosas (IBGE, 2010). Não obstante, 25% das comunidades rurais no Brasil, vivem em situação de pobreza extrema, sendo este um fator preponderante para o desenvolvimento de doenças relacionadas a ingestão de água contaminada, como diarréia e parasitoses (WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO, 2015 apud RESENDE, et al, 2018). Ou seja, a questão da falta de acesso a água tratada é um problema público, que demandasoluções efetivas do governo e da sociedade de forma geral. Há necessidade de ser promovida uma articulação entre governos estaduais e municipais, a fim de ofertar esse serviço de saneamento básico a todas as comunidades, não só as urbanas. E para isso é importante o estabelecimento de parcerias, com instituições de fomento nacionais e internacionais, outros órgãos que estejam desenvolvendo tecnologias voltadas para o saneamento básico dequalidade, e viável economicamente, de forma que seja possível a implantação de uma política sustentável.
O programa estadual que implantou o Sistema Integrado de Saneamento Rural – SISAR/CE, com ampla participação das comunidades beneficiadas, como um sistema multicomunitário, representa um marco importante nainovação técnico social em matéria de política de saneamento básico. O programa é voltado especialmente parapropiciar o acesso à água tratada e esgotamento às comunidades rurais e isoladas. Há uma corrente, envolvendo os atores responsáveis pela política pública, e embasados nos estudos realizados, com o escopo de avaliar a iniciativaque reconhecem o SISAR como uma experiência bem sucedida. O programa tem uma forte capacidade de ter sua área de cobertura expandida, como uma política de saneamento rural capaz de atender a todo o território brasileiro (FREITAS, et al, 2014)
Um dos fatores de importante relevância do Programa SISAR em relação a outros programas voltados para o saneamento é a questão do empoderamento das comunidades[1]. As ações de empoderamento associadas ao SISAR, conduziram os indivíduos à prática da gestão compartilhada, sendo este o requisito básico para a sustentabilidade dos sistemas e para a redução da vulnerabilidade das populações participantes. Empoderar podeser interpretado como a ampliação da liberdade, da capacidade de escolha, na possibilidade de moldar o próprio destino, o que aumenta sobremaneira a autoestima da população, propiciando um estado de bem -estar, além do que, abre novos caminhos para as populações rurais e isoladas (SALLES, LIMA, 2017).
3. A Política de Saneamento Básico no Brasil
Com a criação do Banco Nacional de Habitação - BNH no Brasil, foi possível ampliar a oferta dos serviços desaneamento básico no território nacional, assim, o serviço passou a ser ofertado a população em grande escala. Esse marco representou a primeira iniciativa da União no setor de saneamento, fato que ocorreu no início da década de 1970, com a implantação do Sistema Nacional de Saneamento, por intermédio do Plano Nacional deSaneamento – PLANASA (ARRETCHE, 2011).
Anteriormente a década de 1970, a responsabilidade pela oferta dos serviços de saneamento era uma incumbência da administração municipal, existiam empresas municipais de águas e esgotos que não possuíam qualquer espécie de relação entre si. No entanto, essas empresas possuíam estruturas administrativas e financeirasdistintas umas das outras. Porém, outra característica marcante dessas empresas, era que estas não tinhamcapacidade para ofertar o serviço, em escala suficiente para atender a demanda crescente (ARRETCHE, 2011).
Não havia ainda no país, órgãos, recursos financeiros e planejamento que possibilitasse a ampliação dessa oferta de serviço de saneamento num patamar satisfatório.
O Plano Nacional de Saneamento – PLANASA, foi um plano que estabelecia que cada Estado daFederação, que tivesse interesse em obter linhas de financiamento do BNH, deveria criar com base em seus recursos orçamentários, um Fundo de Financiamento para Águas e Esgotos – FAE. Deveria ser criado também, umacompanhia estadual de saneamento, cabendo à essas companhias, obter a concessão dos municípios para ali operar, em forma de monopólio. A participação do Estado consistia na integralização com no mínimo 50% do montante global de recursos de seu respectivo FAE (ARRETCHE, 2011).
Os Estados da federação poderiam obter empréstimos junto ao BNH, com condições facilitadas de crédito, para integralizar os 50% restantes, não obstante os recursos do BNH, eram provenientes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. O FGTS, criado em 1966, era a principal fonte de financiamento das políticas federais de desenvolvimento urbano, entre o final da década de 1960 até 1982. Havia sido mobilizado uma massa de recursos financeiros, vinculadas às áreas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana, na ordem de US$ 1,2 bilhão anual, no final da década de 1960, e de cerca de US$ 2,5 bilhões anuais, no período compreendido entre,1975 e 1982 (CEF/DEFUS, 1993, p.79 apud ARRETCHE, 2011)
A criação do BNH deu vida a um novo modelo de intervenção pública, que tinha por base a existência de uma agência federal, da qual provinham os recursos financeiros, e eram ditadas as políticas a serem implementadas nopaís. No âmbito do saneamento, o FAE, era a fonte de financiamento dessa política em cada Estado, e sua administração deveria assegurar permanentemente o atendimento da demanda e a ampliação da cobertura(ARRETCHE, 2011).
Como o advento do PLANASA, e a consequente criação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico – CESBs, em cada um dos Estados da Federação até 1985, o BNH só concedia financiamentos para estas empresaspúblicas para custear os projetos de instalação de sistemas de água e esgoto. Não obstante, havia um regime de concessão monopólica, concentrando essa prestação de serviço única e exclusivamente nas companhias estaduais. As CESBs, eram responsáveis pela construção, operação e manutenção das operações, as empresas municipais que até então eram as responsáveis pela oferta do serviços, foram literalmente excluídas do acesso aos recursos do FGTS. A partir de 1985, as prefeituras passaram a ser autorizadas a ter acesso a linha de crédito com recursos oriundos do FGTS. Em 1990 a estrutura do PLANASA deixou de ser utilizada, e o sistema foi abandonado na prática, e em sua substituição, o governo federal lançou um novo programa denominado PRONURB – Programa de Saneamento de Núcleos Urbanos (ARRETCHE, 2011).
Com a queda do regime militar, a estrutura institucional e tecnológica criada pelo PLANASA, para a operação dos serviços no país, manteve-se praticamente inalterada por meio da operação das empresas estaduais desaneamento, que administravam indiscriminadamente a agenda setorial, atuando no novo cenário, sem regulação alguma. As companhias estaduais de saneamento, junto a outros beneficiários diretos e indiretos do arranjo criado pelos Estados, se tornariam um importante grupo de interesse e interlocução no setor de saneamento no novo sistema de governo democrático (SOUSA, COSTA, 2016).
A expansão da cobertura do serviço de saneamento por meio das companhias estaduais só se tornou possível, através da concessão municipal, que permitiu a delegação dos serviços de abastecimento de água eesgotamento sanitário às referidas companhias estaduais (SOUZA, COSTA, 2016).
A definição de saneamento básico é encontrada na Lei Federal nº 11.445/2007, alterada pela Lei Federal nº 14.026/2020, que instituiu a Política Nacional de Saneamento Básico que consiste no conjunto de serviços públicos,infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (BRASIL, 2007).
O saneamento básico é imprescindível para assegurar a saúde pública, tanto no âmbito urbano como rural, a garantia do acesso à água tratada e condições de higiene dignas, são os meios necessários para prevenção das doenças derivadas da precariedade dos serviços de saneamento, com maior destaque para leptospirose, febretifoide, leishmaniose visceral, dengue, hepatite A, e outras doenças parasitárias (CALGARO, FILHO, 2020).
Porém, no Brasil a questão do saneamento básico, é ainda muito deficitária, de acordo com os dados estatísticos coletados pelo IBGE no último censo, aproximadamente apenas 55, 2% dos municípios possuiam algum serviço de esgotamento sanitário por rede coletora, e 35 milhões de pessoas não tinham acesso a água potável. Não obstante, apenas 20% dos municípios que são atendidos por serviços de abastecimento de água, dispunham de tratamento de esgoto (IBGE, 2010).
Os malefícios ocasionados pela falta de saneamento básico são objeto de estudo de diversas entidades, oBNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento, realizou um estudo onde foi constatado, que em média 65% das internações de crianças, com menos de 10 anos, é provocada por enfermidades, decorrentes da deficiência ou faltade coleta de esgoto e fornecimento de água tratada. Isso também reflete, no desempenho escolar das crianças,estima-se que ocorra uma queda no desempenho escolar na ordem de 18%, para aquelas crianças que vivem em áreas que não são beneficiadas com o saneamento básico (RESENDE, et al, 2017).
Ainda de acordo com o Instituto Trata Brasil (2018), a diarreia é responsável pela morte de 2.195 crianças por dia, fazendo mais vítimas que a AIDS, a malária e o sarampo juntos. A diarreia é reconhecida como a segunda maior causa de morte entre crianças de um mês a 05 anos de idade.
As estimativas da taxa de mortalidade infantil (TMI), são um dos principais indicadores para avaliar asituação da saúde e qualidade de vida de uma população. No período compreendido entre 1990 a 2012, foi verificado no Brasil uma queda substancial na taxa de mortalidade infantil. Em 1990, tínhamos 47,1 óbitos infantis por 1000 nascidos vivos (Nvs), passando em 2012 para 14,6/1000 (Nvs), ou seja, houve uma redução de aproximadamente 70%, nos óbitos registrados no Brasil (RESENDE, 2018).
Esta queda acentuada da taxa de mortalidade infantil foi verificada em todos os Estados brasileiros, notadamente na região Nordeste, que até então, infelizmente liderava o ranking, quando comparado as demaisregiões do território brasileiro (RESENDE, 2018). Essa tendência da diminuição dos índices de mortalidade infantil no Brasil, é resultado das intervenções públicas na área de saúde, e saneamento, e indicam a melhora das condições de vida da população.
Todavia, em que pese esse decréscimo dos índices de mortalidade, ainda há muito a ser feito, em termos de desenvolvimento de políticas públicas que assegurem à população, o acesso universal aos serviços de saneamento. É fundamental que sejam implantadas políticas públicas que tenham por escopo reduzir as desigualdades sociais, que estejam voltadas a ampliação do acesso ao saneamento básico, e a melhorias na infraestrutura dos serviços desaúde. Deve ser priorizado a educação sanitária, a prevenção, e o tratamento das enfermidades ocasionadas pela ausência de saneamento.
3.1 A importância da definição de área rural e comunidade isolada para a formulação de políticas públicas
A análise da dinâmica demográfica, bem como o estabelecimento de uma definição para o que seja zona urbana e rural no Brasil, não encontra um posicionamento uníssono, assim, essas particularidades não sãodevidamente debatidas durante o processo de formulação das políticas públicas, o que fatalmente pode conduzir todo o trabalho ao fracasso, ou ações ineficientes. Há um novo paradigma socioespacial sendo construído no Brasil, e isso é observado com a expansão do espaço urbano sobre as áreas rurais, atividades que antes erampredominantemente urbanas, passaram a ser desenvolvidas no campo. Isso é exemplificado com a prestação deserviços, industrialização, mecanização dos serviços rurais, o agronegócio, agropecuária, e notadamente as ações exercidas pelas pessoas no campo, que antes eram tipicamente exercidas apenas por aqueles que viviam na zonaurbana (RESENDE, et al, 2018).
Outro entrave, para o estabelecimento de uma definição, mais precisa do que seja área urbana e rural, é a inexistência de parâmetros legais, não é estabelecido o número mínimo de habitantes, tampouco, a indicação da densidade demográfica mínima na legislação em vigor. Fica a cargo do poder executivo municipal, estabelecer os critérios objetivos para delimitar os espaços urbanos e rurais. A adoção de um critério único nacional, paradelimitar essas áreas, em todo o território brasileiro, seria fundamental para auxiliar na formulação das políticaspúblicas (RESENDE, et al, 2018).
De acordo com o último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010, 30 milhões de pessoas residiam na zona rural no Brasil, o equivalente a 16%, da população e 8,8 milhões de domicílios rurais. Os Estados com maior população rural são Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão e Pará, conforme demonstrado na figura 1 abaixo.
Figura 1. Distribuição da População Rural por Estado
Fonte: IBGE – Censo 2010
Diante da ausência de um parâmetro objetivo legal, as áreas urbanas e rurais acabaram, pois, sendo limitadas por exclusão, convencionou-se no Brasil que área urbana é aquela sobre a qual incide a cobrança de IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano, sendo que as áreas rurais são assim classificadas se sobre elas incidir o ITR – Imposto Territorial Rural, como previsto no Código Tributário Nacional (RESENDE et al., 2018).
É importante também, que seja levado em consideração na formulação das políticas públicas a definição de comunidades isoladas, para que as ações propostas sejam eficientes e eficazes, considerando as característicassociais e territoriais do local. Comunidades isoladas, são caracterizadas por loteamentos ou núcleos habitacionaislocalizados geralmente nas periferias das cidades, ou também podem ser comunidades litorâneas ou não, cujo acesso é bastante dificultoso. A distância e a dificuldade de acesso, acabam por inviabilizar a integração dessas comunidades, ao sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário da cidade, o que induz a necessidadeda criação de serviços independentes para o fornecimento de água tratada e esgotamento sanitário, além de outrosserviços de infraestrutura básica (RESENDE, 2018).
Todavia, é de suma importância ressaltar que, comunidade isolada, não necessariamente está localizada nazona rural, o que representa um grande obstáculo para o acesso ao saneamento básico, há necessidade de se desenvolver políticas públicas de saneamento para as comunidades isoladas, que acabam, pois, sendo relegadas ao abandono pelo Poder Público. A discussão acerca do conceito de área rural é muito importante para o processo de elaboração do Programa de Saneamento Rural, pois, a partir dessa definição, será feita a delimitação da área deabrangência do programa. Serão estabelecidos os indicadores de cobertura do programa e definidas as metas e recursos que nortearam a implantação e gestão do programa (RESENDE, 2018).
Por imposição legal, é da competência dos municípios, o provimento dos serviços de abastecimento de águae esgotamento sanitário aos seus habitantes. Normalmente essa atribuição é conferida pelos municípios às companhias estaduais de abastecimento de água e esgoto, ou realizada diretamente pela administração municipal por intermédio dos serviços autônomos de água e esgoto (SAAEs) ou departamentos. Porém, as companhias estaduais geralmente não atendem as demandas da zona rural, e as companhias municipais, e departamentos, não dão prioridade ao atendimento das comunidades rurais, priorizando a zona urbana. Diante da ineficiência do poder público municipal em garantir a prestação de serviços de saneamento básico às comunidades rurais, os programas de desenvolvimento rural fazem investimentos em sistemas de água que deverão ser gerenciados pela própria comunidade. Porém, sem auxílio técnico profissional, os sistemas tendem a falir, pois, as comunidades nãoconseguem mantê-lo a longo prazo, sem ajuda externa. (GARRIDO et al, 2016).
3.2 A origem do Programa Sistema Integrado de Saneamento Rural - SISAR e a adoção do modelo de gestão multicomunitário
A Lei Nacional de Saneamento Básico não atribuiu o devido tratamento normativo para as situações minoritárias, que incluem as comunidades rurais e isoladas, sendo que são essas populações que mais sofrem com a falta de acesso à água tratada e saneamento. Não obstante não há interesse econômico e político para o atendimento às populações que residem nessas áreas, do ponto de vista econômico não há lucro, ganho de receitas com a prestação do serviço nessas áreas, em função da baixa densidade populacional. A zona rural e as áreas queabrigam comunidades isoladas são classificadas como locais que dão prejuízo, e, portanto, não são prioridade em termos de investimento. São situações que desestimulam a aplicação de recursos nessas áreas, a instituição de tarifa mínima e a garantia de consumo mínimo (MELO, 2018).
Quanto ao desinteresse político na promoção de ações voltadas para a oferta de saneamento para aspopulações minoritárias, a razão está no fato de que é um investimento que não garante votos, são obras vultosas, de grande complexidade na fase de implementação e que causam uma série de transtornos a curto prazopara as populações atendidas. Saneamento possui uma infraestrutura que não aparece, visto que literalmente está debaixo do solo, e políticos priorizam obras, e feitos que lhe tragam reconhecimento imediato (MELO, 2018).
O SISAR surgiu em meio a necessidade de se criar formas peculiares de intervenção em saneamento básico, considerando-se as questões ambientais, tecnológicas e educativas, bem como também as relativas a gestão e sustentabilidade das ações.Na região do semiárido brasileiro, a escassez de água para o consumo da população éum drama social que se perpetua, especialmente durante o período de secas, o que torna as comunidades sujeitas aos efeitos nocivos do evento climático. Durante o período de estiagem, mulheres e crianças são compelidas a caminhar por quilômetros debaixo de sol escaldante em busca de água. Estima-se, que em média dos 3,5 milhões de domicílios rurais do Nordeste (IBGE, 2010), ao menos dois terços se encontrem em tal situação (ALVES, ARAÚJO, 2016).
Os períodos de estiagem tendem a aumentar a vulnerabilidade dos ecossistemas naturais da região semiárida à degradação, impactando a oferta hídrica. As comunidades rurais, que representam 26,9 % da população (IBGE, 2010), são duramente castigadas pela escassez de água, que comprometem também o desenvolvimento de atividades econômicas, principalmente as agropecuárias, aumentando os níveis de pobreza e desigualdade (ALVES,ARAÚJO, 2016). Dentre as questões relacionadas à baixa cobertura de abastecimento em áreas rurais, encontram-se a localização delas, que dispersas ao longo do território, tornam a implantação e operação do sistema inviáveis do ponto de vista financeiro, não retornando lucros às companhias de abastecimento, além do que a água infelizmente tem funcionado como instrumento de troca de votos (ALVES, ARAÚJO, 2016)
Em 1996 foi criado um modelo comunitário federativo, a princípio implantados nos Estados da Bahia e doCeará, no estado baiano o modelo foi denominado Central de Associações Comunitárias para Manutenção deSistemas de Abastecimento de Águas e Esgotos Sanitários, ou apenas Central, caracterizado como uma federação de associações comunitárias, cujo objetivo é, com os ganhos de escala, permitir uma articulação e prestação de serviços mais uniforme para a área abrangida pelas associações filiadas (MELO, 2018). No estado cearense o programa foi chamado de SISAR – Sistema Integrado de Saneamento Básico, porém, os dois sistemas possuíam a mesma estrutura institucional. O Programa surgiu como uma ação necessária para melhorar os indicadores negativos de saneamento e saúde humana na zona rural do Ceará, caracterizado como associação civil de direito privado, com personalidade jurídica, sem interesse econômico, regulada pelas normas previstas no Código Civilbrasileiro, integrada pelas associações das comunidades pelas quais é responsável (ALVES, ARAÚJO, 2016).
O Ceará apresenta características climáticas peculiares, trata-se de uma região marcada notadamente, pelas altas temperaturas registradas, com uma acentuada incidência solar, além do que os períodos chuvosos são irregulares, levando-se em conta a adoção dos critérios de distribuição no temporal e no espacial. O período com maior índice pluviométrico, verifica-se no período compreendido entre os meses de janeiro a maio, com variações nopatamar entre 100 e 220 mm mensais, em média, e o período com menor incidência de chuvas, está compreendido entre os meses de junho e dezembro, com índices registrados abaixo de à 50 mm mensais em média (FREITAS, et al, 2014).
Assim, verifica-se que há um período de aproximadamente sete meses, em que há uma diminuição significativa na ocorrência de chuvas, o que acarreta a elevação acentuada da temperatura na região. Durante a estiagem, observa-se, ainda, o aumento do fenômeno da evaporação e a desperenização generalizada das redes fluviais dos sertões. Em função dessas características climáticas extremas, há tempos, se faz necessário administrar o manejo da água na região, especialmente no tocante a água que é destinada para irrigação das culturas naspropriedades rurais (FREITAS, et al, 2014).
O programa foi implantado inicialmente em Sobral, e acabou, pois, apresentando resultados positivos,assim o governo deliberou pela sua ampliação para todo o Estado (contrariamente ao que se sucedeu na Bahia).Em suma, atualmente há oito unidades de SISAR, conforme demonstrado na figura 2. O SISAR surgiu como uma alternativa à privatização dos serviços de saneamento, representando um modelo de gestão que se enquadra na esfera pública, com os benefícios da parceria governo/ comunidade. Esse modelo possibilita a transferência de responsabilidades aos usuários pela manutenção de seus bens comuns, além de propiciar a redução de despesas públicas (SISAR, 2017).
Figura 2. Unidades do SISAR implantadas no Estado do Ceará.
Fonte: (SALLES, LIMA, 2017)
O financiamento do programa SISAR, se deu por intermédio de um acordo de cooperação financeira entre o governo alemão, através do banco Kreditanstalf für Wiederaufbau – KfW, o Banco Mundial, e o Governo do Estado do Ceará. No entanto, ficou a cargo da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE), a função de órgão executor das ações e o Governo Federal tem o papel de avalista no Programa (ALVES, ARAÚJO, 2016).
O SISAR é classificado como uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, é constituído porintermédio da associação das comunidades rurais que serão beneficiadas com o sistema de abastecimento de água, e em alguns casos também o esgotamento sanitário, essas comunidades estão localizadas na mesma bacia hidrográfica. A entidade é constituída com o escopo de assegurar a operação dos sistemas, sendo responsável pelaexecução da manutenção, tratamento, ampliações mínimas, e especialmente, à autogestão e autossustentabilidade.Essas ações são realizadas pelo sistema através da cobrança de contas, cortes, religações, promoção de reuniões na comunidade, além de outras ações necessárias ao comando operacional, sendo imperativo, todavia, o cumprimento das normas fixadas no estatuto social (GARRIDO et al, 2016).
É também função do SISAR assegurar que os sistemas de abastecimento de água de comunidades rurais, mantenham a sustentabilidade ao longo do tempo, garantindo uma vida útil estimada de vinte anos. O SISARconstitui-se de um mecanismo institucional para implantar o sistema de saneamento, no que se refere à água e esgoto na comunidade rural, devendo incentivar a autogestão por parte da comunidade local e a sustentabilidade domesmo. A implantação do SISAR, é limitada à núcleos populacionais rurais na faixa de 50 até 250 famílias (ALVES, ARAÚJO, 2016).
O SISAR é um modelo de gestão multicomunitário, tem como principal ponto favorável a ampliação da escala de abrangência, que possibilita a atingimento dos parâmetros de qualidade na prestação dos serviços, no padrão de serviços e tecnologia adequados. No entanto, a sustentabilidade do programa de abastecimento de água no meio rural deve atender, critérios sociais, técnico administrativos e ambientais, não obstante, a implantação de sistemas rurais encontra grandes desafios, tais como obter economia de escala, dificuldade financeira de financiamento de obras e operação, em função da baixa capacidade economica de moradores e pequenos empreedimentos comerciais, bem como a falta de conhecimento técnico fundamentais para manter os sistemas em funcionamento (CASTRO, 2015)
É senso comum que os principais elementos que asseguram o sucesso desse modelo multicomunitário, alvo desse estudo são: a prestação do serviço de maneira regular, contínua e de caráter universal. Além disso, atecnologia a ser empregada para o tratamento da água deve ser , adequada as condições do manancial, as suas características, e o controle de qualidade deve ser proporcional ao custo de um serviço rural. Deverão ser estabelecidos previamente as regras básicas para assegurar a conservação do sistema, anteriormente à entrega dos ativos para as comunidades, bem como, deve ser estabelecida a cobrança de tarifa pela prestação dos serviços.Deverá ser estabelecido ainda, a capacitação continuada dos atores envolvidos no sistema operacional, e por fim um elemento imprescindível, a prestação de assistência técnica continua, podendo ser realizada tanto por empresa estadual, como também por órgão estadual de coordenação. O modelo multicomunitário SISAR/ Ceará apresenta universalidade da cobertura, regularidade de abastecimento, adequação do tratamento de água, micromedição efetiva e, funcionamento automático de bombas, com controle de nível de reservatórios. O faturamento do consumo é feito por meio eletrônico, informatizado, e outro fator importante é que os agentes responsáveis pela cobrança nãosão membros da comunidade, o que garante a impessoalidade do serviço. Tem-se ainda, que a inadimplência não éum fator crítico, mantendo-se sob controle, sendo que a tarifa fixada, cobre os custos de operação, e manutenção estimados conforme o padrão do serviço oferecido (GARRIDO et al, 2018). Abaixo está o quadro resumo SISAR de 2017, produzido pela CAGECE.
Figura 3. Quadro resumo SISAR, unidades em funcionamento em 2017.
Fonte: (SISAR, 2017)
Quanto as características institucionais as federações de associações criam uma escala para maximizar a eficiência na manutenção da qualidade dos serviços, bem como no fluxo econômico, suporte para asoperações locais e capacitação dos agentes envolvidos . Há uma expressiva participação e comando por parte da comunidade, deixando uma margem diminuta para intervenções de ordem política (SISAR, 2017).
4. Fatores positivos e negativos do SISAR
Considerando os aspectos da formalização da criação do Programa SISAR, pode se inferir que se trata de uma tecnologia social, tendo como parâmetro o conceito de social innovation, ressaltando que o programa referido, apresenta intrinsecamente uma abordagem organizacional inovadora (FREITAS, et al, p. 29, 2015). O traço inovador do programa está evidenciado no fato de que este busca em conjunto com os beneficiados, membros dascomunidades rurais, conferir confiança no sistema e assegurar a democratização do acesso ao saneamento básico, e todos os demais benefícios atrelados a esse serviço (FREITAS, et al, 2015).
Nos últimos 25 anos, a contar da implantação do SISAR, pode-se afirmar que houve um grande acúmulo de experiências e um progressivo processso de adaptação ao contexto social rural. As instituições envolvidas na criação do Programa SISAR, incluindo o Estado do Ceará, a CAGECE – Companhia de Água e Esgoto do Ceará, o banco alemão KfW, criaram uma nova estrutura de acordos bilaterais entre os governos do Brasil e da Alemanha, entre asdécadas de 1980 e 1990, período marcado também pela reestruturação das políticas de saneamento implantadas no Brasil ao longo da última década do século XX (FREITAS, et al, 2015).
O SISAR foi implantado de fato no Ceará em 26 de janeiro de 1996, abrangendo as bacias constituídas pelos rios Acaraú e Coreaú, e tinha por finalidade, atender as comunidades rurais daquele Estado, que não eramprovidas com água tratada. Nos termos do modelo adotado, é obrigação do Poder Público garantir a estruturafísica dos sistemas do abastecimento de água e esgotamento sanitário, todavia, é da competência das comunidadesbeneficiadas providenciar a manutenção e operação dos sistemas aludidos ( CASTRO, et al, 2015).
Cada unidade do SISAR é composto pela junção de todas as associações comunitárias das comunidades locais beneficiadas pelo sistema, obedecendo ao critério de distribuição por bacias hidrográficas. O SISAR fica incumbido, sendo subsidiado pelo seu corpo técnico, de prestar assistência técnica preventiva e corretiva aos sistemas, monitorar a qualidade da água, realizar ações de educação sanitária e prestar informações operacionaisdos sistemas à CAGECE (FREITAS, et al, 2015).
De acordo com os dados apresentados pelo SISAR, em setembro de 2013, eram atendidas 1002 comunidades rurais, distribuídas em 130 municípios, sendo instalados 670 sistemas, atingindo um total de 400.000 pessoas beneficiadas, tendo acesso a água tratada (SISAR, 2013).
Na fase de implantação do sistema SISAR, havia uma proposta que o diferenciava no modelo de gestão deserviços, se comparado as estruturas anteriormente implantadas. O SISAR estava fundamentado sob os seguintes eixos: técnico, administrativo e social, bem como, atrelado ao trabalho em conjunto com a população local. A proposta consistia em mitigar a centralização e estimular a participação popular, conferindo assim às comunidades o seu empoderamento, tendo, no entanto, como condição a inclusão de representantes e membros das comunidades envolvidas no programa.
O engajamento social se verifica a partir do momento em que a CAGECE passou a acompanhar as comunidades, assessorando-as na criação de uma associação comunitária, que assumiria o papel de representante legal dos habitantes daquela localidade (FREITAS, et al, 2015). Também é atribuída a área social da CAGECE, a promoção de ações educativas na área sanitária e ambiental, não obstante, também, estimular a ideia de associativismo e participação social, reforçando esses valores. É também uma função criar mecanismos que garantam que a comunidade tenha condições de acompanhar todas as fases do sistema de abastecimento de água, desde o seu nascedouro.
Nesse modelo adotado pelo SISAR, é fundamental que haja um operador que resida na comunidade, e essa exigência ocorre, para que garanta-se a agilidade na solução de eventuais problemas de ordem operacional e, também, para que seja mantida uma comunicação eficiente entre a população e o escritório do SISAR/CAGECE (FREITAS, et al, 2015).
Considera-se que o modelo de gestão adotado pelo SISAR tem por objetivo, estabelecer processosdemocráticos e participativos, reconhecendo a importância da participação ativa das comunidades, o valor dadiscussão acerca dos projetos com os
responsáveis pelo Sistema, bem como o envolvimento nas fases de construção, operação e manutenção dos sistemas aludidos. Um estudo financiado pelo Banco Mundial reconheceu o SISAR como um programa plenamente exequível, notadamente pela sua abrangência estadual, pela eficiência de gestão e ao aporte tecnológico e institucional da CAGECE ( FREITAS, et al, 2015).
A CAGECE, conta com um aporte institucional, que permite o cumprimento das metas de desempenho para cada sistema, o que também favorece a gestão operacional, que conta com o apoio da participação social. O SISAR implantado no Estado do Ceará é um sistema sólido, que conta com o apoio tecnológico da CAGECE, o que lheatribui eficiência operacional, por intermédio das metas de desempenho a cumprir, e também pelo apoio governamental para adesão ao modelo, o que contribui para a sua larga expansão. O apoio da CAGECE para o Programa se dá por intermédio da celebração de instrumento contratual celebrado entre a Companhia e cada umadas unidades do SISAR implantadas (GARRIDO et al, 2016) )
O estudo também evidenciou a relevância da participação social e da gestão comunitária, que contribuisubstancialmente para a manutenção das estruturas físicas implantadas, para a manutenção preventiva, para a redução de perdas, bem como inibição da interferência política. Os riscos relativos a intervenção política no Programa são minimizados em função do caráter associativo do modelo que lhe confere uma força peculiar. Porém, importante ressaltar que já há estudos relativos ao risco trabalhista, incidente sobre a contratação informal(voluntária) do operador local, é importante considerar esse aspecto legal da contratação, levando em consideração que há ingerência de entes públicos na gestão do modelo, e isso pode resultar em responsabilizaçãoem demandas judiciais. Em se tratando o SISAR de uma atividade que gera recursos pecuniários para a CAGECE, mediante o pagamento de tarifas sociais, é possível que o operador do sistema seja visto como voluntário e não empregado da concessionária? Todavia, é justamente a informalidade, que garante o baixo custo operacional do sistema, a princípio poucas ações trabalhistas foram ajuizadas, não gerando grande impacto econômico no programa, porém, ainda se faz necessário aguardar qual será o posicionamento do poder judiciário quanto a este tema, mas de antemão nota-se que há possível violação aos dispositivos legais que regulamentam as relações de trabalho (GARRIDO et al, 2016).
Quanto a gestão tarifária e comercial são pontos que merecem destaque, a implantação do faturamentoinformatizado, a contratação de agentes de arrecadação externos, com o objetivo de aumentar o controle financeiro, diminuir a inadimplência e eventual desvio dos recursos arrecadados com o pagamento das contas. Em que pese a construção do sistema ser subsidiada, também almeja obter o superávit financeiro do programa (FREITAS, et al,2015).
No SISAR/Ceará, esse subsídio se dá por meio da disponibilização de técnicos e veículos, porém, essesrecursos vêm sendo gradualmente diminuídos, conforme as unidades do SISAR/CE tem obtido autonomia financeira, evidenciadas através da análise do balanço financeiro, que deverá ser positivo e estável. Duas unidades SISAR/CE, das oito instaladas, já alcançaram esse status (GARRIDO et al, 2016).
No final da década de 1990, foi criada pela CAGECE, a Gerência de Saneamento Rural - GESAR, cujo objetivo primordial é propiciar o desenvolvimento dos programas implantados pela Companhia, cabendo a GESARestabelecer as diretrizes e efetuar o monitoramento do processo de implementação de políticas de saneamentorural, não obstante, acompanhar os processos que envolvem a gestão autossustentável, realizada pelo SISAR. (FREITAS, et al, 2015, apud GESAR, 2013).
5. Conclusão
O Sistema Integrado de Saneamento Rural – SISAR é uma iniciativa que apresenta muitos fatores positivos, partindo-se dos resultados apresentados pelas avaliações realizadas pelos órgãos de fomento – Banco Mundial epela própria CAGECE. A política pública desenvolvida pelo governo estadual do Ceará e outros atores, foi de suma importância para garantir o acesso à água tratada pelas comunidades rurais e isoladas.
As avaliações realizadas sugerem que o programa possui efetividade, e que o sistema de abastecimento de água implantado garante o acesso a água, o que traz inúmeros benefícios para as comunidades atendidas, com a ressalva, no entanto, que é necessário promover um controle mais adequado da qualidade da água, ou seja, acerca da sua potabilidade.
Outro fator de grande relevância a ser observado, é a manutenção da participação social, que deve ser mantida, mesmo após a implantação do sistema, a comunidade deve manter a associação fortalecida, garantindo-seassim, os efeitos decorrentes do seu empoderamento.
Os elementos vinculados a adoção do sistema multicomunitário, tais como transparência e responsabilidade, conferem confiança e credibilidade ao SISAR.
A implantação do programa SISAR, tem o condão de instigar a criação de diversas outras inovações no âmbito social, bem como também propiciar novas práticas políticas, voltadas especialmente para o exercício do controle social acerca das políticas de saneamento. Políticas que deverão ser empregadas na zona rural, além do incentivo para a busca pelo atendimento das demandas de implantação de sistemas de saneamento, eimplementação de outras políticas necessárias para o atendimento do cenário rural. A experiência proporcionadapelo SISAR, estimula o engajamento dos atores envolvidos, mormente as comunidades rurais, na propositura do atendimento de outras necessidades sociais, por intermédio da organização comunitária.
O SISAR é uma inovação que pode ser replicada, estendida para outras regiões do território brasileiro, que demandam o atendimento das necessidades relativas ao acesso ao saneamento básico[2]. Não se tratando ainda de um projeto meramente assistencial, mas com características, que permitem que seja enquadrado como uma empresa de saneamento de baixo custo, em função de suas características de gerenciamento e administração, como a cobrança de tarifa e aplicação de sanção no caso de inadimplemento. Em suma, é um sistema viável que pode vira solucionar os problemas decorrentes da falta de saneamento nas comunidades rurais isoladas de todo o Brasil.
Para o desenvolvimento dessa política pública no Estado de São Paulo, seria necessário a participação do governo estadual, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, se necessário a participação de bancos de fomento para financiar o projeto como o Banco Mundial ou outras instituições financeiras que tenham interesse em financiar o projeto, além da participação das comunidades rurais interessadas que teriamque ser devidamente identificadas pelos Municípios, uma vez que muitas comunidades não são sequer mapeadas noâmbito municipal, se desenvolvem em assentamentos informais, e não contam com qualquer tipo de infraestrutura ofertada pelo poder público.
A carência de saneamento para as áreas rurais não só no Estado de São Paulo, mas em todo o Brasil, é reconhecida no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) de 2019. Há grandes limitações que impedem o avanço de forma mais concreta em proposições específicas para as áreas rurais, e isso ressalta a necessidade da elaboração urgente de um programa de saneamento rural. O Plansab foi criado por meio da Portaria nº 3.174/2019 como o objetivo de articular e incrementar ações que visem à universalização do acesso ao saneamento básico em áreas rurais e comunidades tradicionais. Em que pese as dificuldades de investimento no setor de saneamento rural abranger todo o território nacional, às áreas rurais tem sido um problema desafiador, notadamente, porque são regiões que apresentam realidades distintas que demandam diferentes soluções. Assim, diante dos resultados positivos do SISAR, o programa poderia ser replicado para o Estado de São Paulo, considerando-se as particularidades dessa região, tanto nos âmbitos social, espacial e econômico.
[1] O processo de empoderamento é complexo e depende de uma ampla gama de variáveis sendo uma delas o tempo. Como construção de relações de confiança, de reciprocidade, de credibilidade, de mudanças, de mapas conceituais e de aprendizagens cognitivas e comportamentais, o processo demanda contatos interpessoais continuados, regulares e intencionais, objetivando criar as condições pessoais e comunitárias para que as pessoas se apoderem pouco a pouco (CASTRO, 2015, p. 201).
[2] “Uma política nacional de saneamento rural e a continuidade de programas a ela vinculados é urgente, para dar apoio e sequência às iniciativas em andamento no país e para o alcance da população ainda não contemplada” (SANTOS, SANTANA 2020, p. 45).