Royalties e a dependência da economia de commodities nas cidades da Amazônia Legal


Luis Fernando Novoa Garzon
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) vinculado ao Departamento de Ciências Sociais.

Igor Laltuf Marques
Mestre em Planejamento Urbano e Regional do PPG-PUR do IPPUR/UFRJ

Daniele Severo da Silva
Mestranda em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça, pela Universidade Federal de Rondônia.

Maíra Silva Ribeiro
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Rondônia

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Introdução

A expansão da fronteira econômica em direção a Amazônia nas últimas décadas vincula-se a um padrão de acumulação neo-extrativista, contando com centros decisórios exógenos, mas ao mesmo tempo fortemente territorializados. O que significa dizer que mais do que uma somatória de enclaves, o que se verifica é a formação de um sistema de enclaves que os engloba em extensas porções territoriais e os conecta a dinâmicas econômicas trans-nacionalizadas. 

Na denominação do conceito compósito de neoextrativismo, (GUDYNAS 2015; SVAMPA 2019), nota-se o esforço analítico de condensar as características típicas de economias primário-exportadoras em um novo patamar de sintetização territorial, considerando as novas tecnologias espoliativas disponíveis e os profundos ajustes institucionais impostos aos países reféns de economias de commodities.

Esta plasticidade da região amazônica em relação às demandas das cadeias globais de valor, expressa, de resto, o padrão de especialização regressiva adotado pelo Brasil nas últimas décadas. Padrão que pode ser decomposto em componentes históricos, institucionais e culturais: a) um método de incorporação territorial ou de espoliação em larga escala que foi sendo adquirido na itinerância das fronteiras de acumulação do capitalismo brasileiro (BRANDÃO 2010); b) redesenho flexibilizador dos marcos regulatórios dos setores com utilização intensiva de recursos naturais (código florestal, código mineral, energia e infraestrutura, demarcação de terras protegidas, processo de licenciamento ambiental, água e saneamento, entre outros); c) difusão de discursividades hierarquizantes que associam prosperidade, consumo e ascensão individual em detrimento das cosmovisões das comunidades tradicionais que integram memória coletiva, território e meio ambiente.

Este modelo de estímulo à fundiarização e territorialização da riqueza favorece o controle monopolista desses recursos o que por sua vez leva a capturas integrais de agências estatais que deveriam ou poderiam, em tese, regular a exploração econômica destes recursos em nome de interesses difusos e usos múltiplos. Consolida-se ainda um senso comum do direito ao despojo alheio, especialmente após 2016 e nas regiões ou “situações” de fronteira (SOUZA MARTINS 1987). Um novo fisiologismo político ganha corpo na região à base do franqueamento da grilagem de terras indígenas e de unidades de conservação. Consolidam-se desta forma arranjos políticos locais-regionais-globais que não são baseados em formas de coesão social e sim em processos de dessocialização, fundados na partilha do botim (BURCHARDT, DIETZ 2014), ou seja, no assalto ao que sobra após o desmantelamento de bens públicos e de direitos territoriais.

Em ofensiva duplicada, os ajustes espaciais, um redesenho funcionalizador dos espaços em função da máxima rentabilidade dos agentes apropriadores nos termos de Harvey (2010), são acompanhados por ajustes institucionais homólogos que acarretam uma série de flexibilizações e re-regulamentações da legislação ambiental, das normativas setoriais de mineração, agricultura e infraestrutura e dos direitos territoriais das comunidades tradicionais. A despeito dos Governos que se alternaram nas últimas décadas, de Fernando Henrique Cardoso a Bolsonaro, fica valendo o mesmo padrão de acumulação baseado na extração e escoamento de commodities. Poder-se-ia concluir, então, que o desmonte das agências de fiscalização e regulação ambiental e o ataque ao meio ambiente aos povos tradicionais, se tornasse uma política de Estado no Brasil. Por dedução, sua reversibilidade não poderá ser alcançada por meio de medidas incrementais e corretivas baseadas em diretrizes formais de sustentabilidade. 

É neste contexto de decomposição social e devastação ambiental é que o presente texto pretende dimensionar, de forma inicial e exploratória, os usos predominantes de royalties (minerais e energéticos) em cidades da Amazônia Legal e procurar estabelecer correlações a partir de indicadores sociais e ambientais. Nossa hipótese é que compensações desvinculadas de outras políticas socioambientais e ainda sem metas definidas em seu repasse, terminam por reforçar a condição de espaços funcionalizados dos municípios receptores, retroalimentando a dependência deles frente às atividades primário-exportadoras, esterilizando coalizões que tenham em seu horizonte saltos tecnológicos e integração de cadeias produtivas em micro ou mesorregiões.

1. Quando enclaves multiplicados se tornam zonas especiais de exploração compulsória

A economia de enclave dos países latino-americanos, em sua conceituação original (CARDOSO, FALLETO 1979), foi estabelecida a partir do século XIX por núcleos exportadores controlados de forma direta pelo exterior. Distintas combinações históricas foram possíveis a partir do perfil, volume e permeabilidade destes núcleos. Contudo, tendo-se em conta o novo papel do continente na divisão internacional do trabalho, especificamente o papel da Amazônia brasileira nas últimas décadas, observa-se não apenas a multiplicação dos enclaves mas a universalização de sua lógica, abrindo caminho para recortes territoriais ampliados, corredores logísticos, e zonas econômicas especiais, como demonstram o chamado “Corredor Norte” entre a Serra dos Carajás (PA) e São Luís (MA), o zoneamento semiformal do agronegócio realizado no MATOPIBA (intersecção de porções dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e em direção similar a iniciativa da AMACRO (porções dos estados do Acre, Amazonas, Acre e Rondônia), rebatizada eufemísticamente como Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS). 

Deve-se frisar, como faz Malheiro (2021),  que os enclaves fincados na Amazônia não podem ser analisados por si mesmos e apenas sob a ótica econômico-comercial, desconsiderando as polarizações e centralizações que exercem sobre suas “regiões de abrangência”. Não seria admissível, portanto, uma interpretação que desconsidere como “(...)tais projetos funcionam racionalizando seus entornos por suas lógicas de territorialização.” (p. 26)

Esta blindagem dos grandes projetos de investimento, produzida pela flexibilização ou amortecimento dos instrumentos de regulação pública dos investimentos, logo se transforma em um ordenamento privado tendencialmente autorregulado, uma ordem de exceção em que se disseminam dinâmicas de privatismo e de “mafialização” socioespacial ou formas de dominação integral dos territórios (SEGATO 2014).

O livre curso franqueado a esses processos de territorialização corporativa (SEVÁ, 2010; BANERJEE 2008) faz com que os grupos empresariais instaurem suas próprias jurisdições, no que seria uma lex mercatoria (FARIA 2008) aplicada ao território. Um direito privado despótico estabelecido mediante a submissão voluntária do direito público, mais precisamente das três esferas governamentais que deveriam dar-lhe validade universal, ao menos aparentar essa pretensão. Ao compreender que tais práticas não constituem desvio do tipo rent-seeking (captura de rendas) que se valeriam de “oportunizações artificiais” e sim respostas paradigmáticas de economias incondicionalmente liberalizadas, como estabelecer contrapartidas equitativas e reequilibradoras? Como impedir que recursos destinados a compensações e reparações não sejam aplicados para fortalecer dispositivos práticos e simbólicos do poder empresarial estabelecido? 

 Não basta o anúncio ou a aposta na qualificação de “arcabouços institucionais” para converter a maldição dos recursos naturais em bendição, como procurou fazer o Banco Mundial, como pode ser verificado nos estudos organizados por Nash et al (2010). Nesta maldição que se pereniza, destaca-se o que se convencionou denominar “doença holandesa” (SACHS e WARNER 1995, 2001) para definir um conjunto de efeitos deletérios do excesso crônico de divisas, ao estabelecer uma correlação entre baixo crescimento econômico e grande participação de commodities na pauta de exportações através de análises de regressão. Essa correlação tem parentesco com a formulação de Raúl Prebisch e Hans Singer nos anos 1950 (conhecida como Hipótese Prebisch-Singer) sobre os diferenciais de elasticidade de preços no comércio internacional entre commodities e bens industrializados. Esta argumentação também estava em linha com o diagnóstico da CEPAL e de Celso Furtado (1951) sobre a Venezuela, país em que se associariam de forma marcante a abundância de divisas e o subdesenvolvimento.

 A abundância de recursos naturais e seus retornos de curto prazo representam per se um desincentivo ao desenvolvimento dos setores voltados para o mercado interno e dos setores manufatureiros em geral. Os preços das commodities são mais voláteis que os dos produtos manufaturados, o que implica também em volatilidade cambial, fiscal e orçamentária. 

Para os economistas do Banco Mundial, agendados por Nash et al (2010), a abundância de recursos naturais não poderia, isolada e intrinsecamente, significar impedimento ao dinamismo capitalista. Segundo eles, os riscos de volatilidade e de saturação dos recursos naturais poderiam ser minimizados através de instrumentos institucionais, como impostos e fundos de diversificação produtiva. Seria então a “qualidade institucional” de cada país que determinaria de que forma como se manifestaria os efeitos da “doença holandesa”. 

Parece haver uma tautologia implícita em todo evolucionismo institucional que prevê inovações institucionais seguindo inexoravelmente inovações tecnológicas. Desta forma ficam dissimuladas questões incontornáveis como as limitações efetivas do Estado, e de sua burocracia, para promover políticas tributárias redistributivas e direcionar o financiamento público para o longo prazo, em economias demarcadas pelo poder de veto dos setores primários-exportadores e rentistas.

Ademais, que tipo de “qualidade institucional” pode subsistir em um “padrão prevalente de reestruturação regulatória” (PECK, THEODORE, BRENNER 2018) após seguidas ondas de neoliberalização que foram suprimindo espaços de mediação extraeconômicos? Neste cenário, seria possível articular os mecanismos de compensações financeiras (royalties) dos aproveitamentos hidrelétricos e da exploração mineral (Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos -CFURH - e o Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM) com políticas de desenvolvimento territorial multiescalar e políticas públicas de educação e saúde? É o que pretendemos assinalar nas próximas seções.

2.  Esclarecimentos metodológicos a análise 

           O objetivo específico deste do artigo é mostrar se aqueles municípios da Amazônia Legal tiveram alguma melhoria conjunta dos indicadores de saúde e educação que receberam mais recursos provenientes da exploração de recursos hídricos para geração de energia elétrica e da exploração mineral. Para identificar quais foram os municípios que mais receberam transferências oriundas destas atividades, foram analisados os dados do Tesouro Nacional sobre as transferências constitucionais de royalties de dois tipos: Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFM) e Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Hídricos para Geração de Energia Elétrica (CFH), para as prefeituras das 722 cidades da região no intervalo entre os anos de 2008 e 2018. Os valores dos royalties recebidos no período foram deflacionados pelo IPCA para valores de 2020, somados e colocados em um ranking, de modo que os anos mais recentes não tenham um peso maior no somatório final por conta da inflação.

           Quanto às informações sobre saúde pública, os dados da COVID-19 de todos os municípios brasileiros tiveram suas proporções de óbitos a cada 100 mil habitantes[1] classificadas em uma das seis categorias - criadas com base nos intervalos formados por quartis, decis e pela mediana - de modo que fosse possível criar uma classificação capaz de refletir o impacto da pandemia nesses municípios a partir de uma perspectiva nacional. A figura a seguir mostra a relação de cada categoria com as medidas de posição. 

Figura 1. Método de classificação dos dados sobre a COVID-19.

Fonte: IPEA, 2020. Elaboração própria.

Com o objetivo de entender se houve uma melhoria geral da oferta de saúde pública destes municípios que receberam mais royalties, foram levantados dados sobre a quantidade de médicos, leitos[2] e hospitais vinculados ao SUS - com gestão estadual, municipal ou dupla[3] - em dezembro dos anos de 2008 e 2018 para todos os vinte municípios que mais receberam recursos no intervalo estudado. Os dados do DataSUS foram coletados por intermédio do pacote Microdatasus da linguagem R e pelo aplicativo TABNET do SUS, enquanto os dados da COVID-19 foram acessados por meio do site Brasil.io, que atualiza diariamente a quantidade de óbitos de acordo com os boletins epidemiológicos de 27 Secretarias Estaduais de Saúde (SALDANHA, BASTOS e BARCELLOS 2019).

Sobre os indicadores de educação, foram estudados os microdados dos Censos Escolares de 2009 e 2018, de modo que seja possível comparar a quantidade de escolas públicas - independentemente da Administração ser Municipal, Estadual ou Federal -, matrículas e docentes a cada 100 mil habitantes nos 20 municípios que mais receberam royalties provenientes das atividades de mineração e uso de recursos hídricos para geração de energia. 

3. Contraposição entre royalties recebidos e indicadores de serviços públicos de saúde e educação 

           Um levantamento sobre os royalties provenientes das atividades da mineração na região ao longo do período estudado revelou que dos 722 municípios da Amazônia Legal, 427 receberam royalties da atividade entre 2008 e 2018, e 201 receberam o recurso por pelo menos 8 anos. Apesar da grande quantidade de municípios que receberam os recursos, 75% deles receberam no máximo uma média de 53 mil reais por ano, um valor muito baixo tendo em vista que tais recursos deveriam servir para qualificar e ampliar a oferta de serviços públicos. É importante destacar que a partilha dos recursos durante o período foi realizada entre municípios produtores[4] (65%), Estados em que o produto foi extraído (23%) e União (12%), (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS 2012; SILVA 1998). Os municípios que mais receberam recursos estão localizados majoritariamente no estado do Pará, conforme mostra o mapa abaixo.

Figura 2. Municípios que receberam Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) na Amazônia Legal.

Fonte: Dados do Tesouro Nacional. Elaboração própria.

Quanto aos recursos recebidos devido a exploração de recursos hídricos para a geração de energia elétrica, apesar de apenas 71 cidades receberem os royalties deste tipo na região, 53 recebem há pelo menos 8 anos. A maior parte dos municípios também são do estado do Pará e, diferentemente do caso da mineração, apesar da quantidade de municípios ser menor, a quantidade de recursos recebidos por cada prefeitura é consideravelmente maior. 

Figura 3. Municípios que receberam Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Hídricos para Geração de Energia Elétrica na Amazônia Legal.

Fonte: Dados do Tesouro Nacional. Elaboração própria.

Para entender se os vinte municípios que mais receberam cada um dos tipos de royalties foram menos impactados pela pandemia da COVID-19, as tabelas a seguir fazem uma comparação da classificação dos óbitos pelo vírus a cada 100 mil habitantes com o valor recebido via royalties. De forma geral, parece não haver parece não haver um resultado concreto no sentido de que os municípios que mais receberam recursos apresentaram menos óbitos causados pela pandemia da COVID-19.  

 

Tabela 1. Vinte municípios da Amazônia Legal que mais receberam royalties via CFH de 2008 até 2018 e comparação com dados da COVID-19 - valores em milhões de reais de 2020.

Município

Estado

Quantidade de anos em que recebeu royalties no período

Valor recebido acumulado

Valor médio anual

Quantidade de óbitos a cada 100 mil habitantes

Classificação dos óbitos

Novo Repartimento

PA

11

440,4

40,0

127

Médio Baixo

Porto Velho

RO

7

312,8

44,7

464

Muito Alto

Tucuruí

PA

11

185,0

16,8

217

Médio Alto

Goianésia do Pará

PA

11

167,7

15,2

75

Baixo

Jacundá

PA

11

99,8

9,1

117

Baixo

Breu Branco

PA

11

73,2

6,7

68

Baixo

Porto Nacional

TO

11

53,0

4,8

373

Muito Alto

Itiquira

MT

11

48,2

4,4

118

Médio Baixo

Itupiranga

PA

11

43,1

3,9

139

Médio Baixo

Altamira

PA

3

39,9

13,3

260

Médio Alto

Paranaíta

MT

3

39,8

13,3

285

Alto

Paranã

TO

11

39,1

3,6

77

Baixo

Vitória do Xingu

PA

3

38,6

12,9

170

Médio Baixo

Presidente Figueiredo

AM

11

36,3

3,3

274

Alto

Nova Ipixuna

PA

11

33,6

3,1

131

Médio Baixo

Ferreira Gomes

AP

11

30,1

2,7

75

Baixo

Palmas

TO

11

26,9

2,4

199

Médio Alto

Carolina

MA

8

23,4

2,9

99

Baixo

Aripuanã

MT

7

21,9

3,1

207

Médio Alto

Chapada dos Guimarães

MT

11

20,3

1,8

416

Muito Alto

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2022) e das Secretarias de Saúde das Unidades Federativas. Dados sobre a COVID-19 tratados por Álvaro Justen e colaboradores/Brasil.IO. Valores deflacionados pela média anual do IPCA.

 

Tabela 2. Vinte municípios da Amazônia Legal que mais receberam royalties via CFEM de 2008 até 2018 e comparação com dados da COVID-19 - valores em milhões de reais de 2020.

Município

Estado

Quantidade de anos em que recebeu royalties no período

Valor recebido acumulado

Valor médio anual

Quantidade de óbitos a cada 100 mil habitantes

Classificação dos óbitos

Parauapebas

PA

11

3.533,4

321,2

218

Médio Alto

Canaã dos Carajás

PA

11

515,4

46,9

315

Alto

Marabá

PA

11

326,0

29,6

158

Médio Baixo

Oriximiná

PA

11

219,4

19,9

182

Médio Baixo

Paragominas

PA

11

194,9

17,7

210

Médio Alto

Juruti

PA

9

96,0

10,7

290

Alto

Tabela 2 continua:

Município

Estado

Quantidade de anos de período de royalties  

Valor recebido acumulado

Valor médio anual

Quantidade de óbitos/100 mil  habitantes

Classificação dos óbitos

Ipixuna do Pará

PA

11

90,3

8,2

69

Baixo

Pedra Branca do Amapari

AP

11

79,4

7,2

76

Baixo

Terra Santa

PA

5

52,5

10,5

280

Alto

Presidente Figueiredo

AM

11

50,8

4,6

274

Alto

Curionópolis

PA

5

33,2

6,6

191

Médio Alto

Nobres

MT

11

28,9

2,6

417

Muito Alto

Vitória do Jari

AP

11

28,7

2,6

172

Médio Baixo

Itaituba

PA

11

20,0

1,8

316

Alto

Vila Bela da Santíssima Trindade

MT

11

19,0

1,7

332

Alto

São Félix do Xingu

PA

10

15,0

1,5

31

Muito Baixo

Ariquemes

RO

11

11,6

1,1

447

Muito Alto

Floresta do Araguaia

PA

9

11,1

1,2

122

Médio Baixo

Porto Velho

RO

11

11,0

1,0

464

Muito Alto

Godofredo Viana

MA

9

9,5

1,1

42

Muito Baixo

Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Tesouro Nacional (2022) e das Secretarias de Saúde das Unidades Federativas. Dados sobre a COVID-19 tratados por Álvaro Justen e colaboradores/Brasil.IO. Valores deflacionados pela média anual do IPCA.

 

Quanto à oferta de infraestrutura de saúde pública nos municípios estudados, não foi registrado o aumento na quantidade de estabelecimentos hospitalares de gestão municipal, estadual ou mista e vinculados ao SUS em quatorze dos vinte municípios que mais receberam royalties provenientes da Exploração de Recursos Hídricos para Geração de Energia Elétrica. Inclusive, seis dos vinte municípios apresentaram uma queda no número de estabelecimentos do tipo, enquanto apenas seis registraram algum aumento: Porto Velho (RO), Palmas (TO), Porto Nacional (TO), Itiquira (MT), Nova Ipixuna (PA) e Vitória do Xingu (PA). Quanto aos vinte municípios que mais receberam royalties pela Exploração Mineral, quinze não apresentaram aumento na quantidade de hospitais nas esferas municipal ou estadual ligados ao SUS, sendo que quatro apresentaram queda no número de estabelecimentos do tipo. Os que apresentaram aumento foram São Félix do Xingu (PA), Ipixuna do Pará (PA), Paragominas (PA), Ariquemes (RO) e, novamente, Porto Velho (RO).

Sobre a quantidade de leitos do SUS nos municípios, somente metade dos vinte municípios que mais receberam recursos provenientes do uso de recursos hídricos para a geração de energia elétrica apresentaram um aumento na quantidade a cada 100 mil habitantes no comparativo entre o último mês dos anos de 2008 e 2018. No caso da mineração, foram apenas sete cidades que apresentaram melhora do indicador. Quanto à quantidade de médicos do SUS a cada 100 mil habitantes, quinze municípios apresentaram melhora na comparação realizada no intervalo estudado no caso dos royalties da geração de energia elétrica, contra quatorze no caso da mineração.

O resultado na análise dos indicadores mostrou que aqueles municípios que apresentaram melhorias em todos os três indicadores, mesmo entre os municípios que mais receberam royalties, foram a minoria nos dois tipos de royalties estudados pelo artigo. De forma a permitir que estes municípios sejam identificados com maior facilidade, a coluna “pontuação dos indicadores” nas tabelas a seguir serve para informar em quantos dos três indicadores os municípios apresentaram resultados positivos. Percebe-se que no caso dos royalties recebidos pela utilização de recursos hídricos, apenas seis municípios apresentaram uma melhora em todos os indicadores, enquanto no caso da mineração foram quatro cidades.

Tabela 3. Indicadores municipais de saúde do mês de dezembro de 2008 e 2018 para os vinte municípios que mais receberam royalties CFH no período.

Município

Hospitais vinculados ao SUS

Leitos vinculados ao SUS a cada 100 mil habitantes

Médicos vinculados ao SUS a cada 100 mil habitantes

Pontuação dos indicadores

dez/08

dez/18

dez/08

dez/18

dez/08

dez/18

Porto Velho (RO)

11

16

228

262

316

429

3

Porto Nacional (TO)

2

3

236

328

262

334

3

Palmas (TO)

5

7

184

211

455

461

3

Itiquira (MT)

1

2

150

273

126

182

3

Nova Ipixuna (PA)

0

1

0

85

61

73

3

Vitória do Xingu (PA)

0

1

0

214

61

147

3

Breu Branco (PA)

1

1

40

70

34

37

2

Paranaíta (MT)

1

1

159

295

151

188

2

Altamira (PA)

4

2

358

162

152

188

1

Itupiranga (PA)

2

1

125

100

33

45

1

Jacundá (PA)

3

2

204

125

61

70

1

Novo Repartimento (PA)

1

1

103

75

42

48

1

Tucuruí (PA)

4

3

148

210

202

181

1

Ferreira Gomes (AP)

1

1

245

158

57

92

1

Carolina (MA)

2

2

211

222

115

70

1

Paranã (TO)

1

1

241

239

37

96

1

Aripuanã (MT)

1

1

151

150

65

73

1

Presidente Figueiredo (AM)

2

1

122

88

200

158

0

Goianésia do Pará (PA)

2

1

238

60

59

55

0

Chapada dos Guimarães (MT)

1

1

222

179

139

97

0

Fonte: Elaboração própria. Saldanha, Bastos e Barcellos (2019).

 

Tabela 4. Indicadores municipais de saúde do mês de dezembro de 2008 e 2018 para os vinte municípios que mais receberam royalties CFM no período.

Município

Hospitais vinculados ao SUS

Leitos vinculados ao SUS a cada 100 mil habitantes

Médicos vinculados ao SUS a cada 100 mil habitantes

Pontuação dos indicadores

dez/08

dez/18

dez/08

dez/18

dez/08

dez/18

Ariquemes (RO)

3

6

87

135

102

176

3

Porto Velho (RO)

11

16

228

262

316

429

3

Ipixuna do Pará (PA)

1

2

80

123

33

48

3

Paragominas (PA)

2

4

109

127

96

145

3

Canaã dos Carajás (PA)

1

1

99

141

176

261

2

Curionópolis (PA)

1

1

276

278

122

133

2

Vila Bela da Santíssima Trindade (MT)

1

1

167

275

91

144

2

Floresta do Araguaia (PA)

1

1

110

100

39

65

1

Itaituba (PA)

5

2

199

95

42

62

1

Juruti (PA)

2

2

131

90

71

84

1

Marabá (PA)

5

5

124

99

129

144

1

Oriximiná (PA)

2

2

107

103

116

166

1

Parauapebas (PA)

3

1

82

59

151

171

1

São Félix do Xingu (PA)

2

3

125

75

65

40

1

Terra Santa (PA)

1

1

132

113

31

86

1

Presidente Figueiredo (AM)

2

1

122

88

200

158

0

Pedra Branca do Amapari (AP)

1

1

192

94

154

38

0

Vitória do Jari (AP)

1

1

71

51

71

64

0

Godofredo Viana (MA)

1

0

471

0

74

43

0

Nobres (MT)

1

1

235

235

235

196

0

Fonte: Elaboração própria. Saldanha, Bastos e Barcellos (2019).

Mesmo estes indicadores não devem ser interpretados como absolutos, já que a análise dos estabelecimentos hospitalares vinculados ao SUS não faz distinção sobre o tipo de atendimento realizado - alta, média ou baixa complexidade -, assim como também não é capaz de mostrar as situações em que municípios têm suas infra estruturas sobrecarregadas devido a utilização por residentes de municípios vizinhos. Por exemplo, em Porto Velho (RO), cidade que consta entre as vinte que mais receberam os dois tipos de royalties, recebeu em média 45,7 milhões de reais por ano, em valores de 2020, sendo a maior parte - 44,7 milhões de reais - resultante de recursos gerados pela exploração de recursos hídricos para geração de energia elétrica. O município apresentou melhorias em todos os três indicadores: a quantidade de hospitais públicos aumentou em cinco e as quantidades de leitos e médicos a cada 100 mil habitantes também aumentaram. No entanto, ao verificar os dados da região de influência da cidade no que tange aos atendimentos de alta complexidade e comparar com a quantidade de leitos de internação[5], nota-se uma proporção de leitos menor. Mesmo com a melhora na oferta e infraestrutura, Porto Velho (RO) apresentou uma quantidade muito alta de óbitos a cada 100 mil habitantes pela COVID-19.

Figura 4. Região de Influência de Porto Velho (RO) para atendimentos de saúde de alta complexidade.

Fonte: Elaboração própria. IBGE (2018).

Gráfico 1. Quantidade de leitos de internação a cada 100 mil habitantes em Porto Velho (RO).

Fonte: Elaboração própria. Saldanha, Bastos e Barcellos (2019).

Gráfico 2. Total da quantidade de leitos de internação a cada 100 mil habitantes em Porto Velho (RO) e na sua região de influência de atendimentos de saúde de alta complexidade.

Fonte: Elaboração própria. Saldanha, Bastos e Barcellos (2019) e IBGE (2018).

 

Quanto aos dados sobre educação nos municípios analisados, segundo dados do Censo Escolar, apenas quatro dos vinte municípios que mais receberam royalties provenientes da mineração registraram um aumento na quantidade de matrículas na rede pública de educação a cada 100 mil habitantes. A maioria das cidades - dezessete das vinte estudadas - tiveram uma queda na quantidade de escolas a cada 100 mil habitantes entre 2009 e 2018. Entre os três indicadores construídos, a quantidade de docentes na rede pública de educação básica foi o melhor, e mesmo assim apenas 50% dos municípios em questão tiveram um aumento na quantidade de docentes a cada 100 mil habitantes. Assim como no caso dos indicadores de saúde, as tabelas contêm uma coluna com o somatório da pontuação de cada um dos indicadores, sendo três a pontuação máxima.

Tabela 5. Indicadores municipais de Educação de 2009 e 2018 para os vinte municípios que mais receberam royalties CFM no período.

Municípios

Quantidade de matrículas na rede pública a cada 100 mil habitantes

Quantidade de escolas da rede pública a cada 100 mil habitantes

Quantidade de docentes na rede pública a cada 100 mil habitantes

Pontuação dos indicadores

2009

2018

2009

2018

2009

2018

Canaã dos Carajás (PA)

33261

38724

65

67

6074

7007

3

Itaituba (PA)

27559

34241

122

130

3570

5872

3

Ipixuna do Pará (PA)

22088

23785

144

112

2755

3827

2

Oriximiná (PA)

38429

39817

169

126

5915

6285

2

Presidente Figueiredo (AM)

41534

33594

114

91

5646

7660

1

Tabela 5 continua:

Godofredo Viana (MA)

24815

22344

178

146

3239

4181

1

Nobres (MT)

29938

27187

72

78

6497

5972

1

Curionópolis (PA)

38336

35917

156

117

5467

7505

1

Floresta do Araguaia (PA)

32049

31673

288

120

4831

5259

1

Paragominas (PA)

35234

29066

105

78

5236

5640

1

Parauapebas (PA)

29902

29874

44

41

5030

5741

1

Pedra Branca do Amapari (AP)

39220

29396

306

169

5695

5235

0

Vitória do Jari (AP)

49848

31951

269

173

8699

6190

0

Vila Bela da Santíssima Trindade (MT)

30793

28918

186

125

6156

5525

0

Juruti (PA)

53873

35032

521

220

7321

6085

0

Marabá (PA)

33586

26089

122

83

5072

4498

0

São Félix do Xingu (PA)

25353

15480

195

91

2901

2626

0

Terra Santa (PA)

33423

28938

169

145

5099

4871

0

Ariquemes (RO)

38921

21592

42

36

6492

5255

0

Porto Velho (RO)

32517

22066

60

44

5741

4447

0

Fonte: Dados dos Censos da Educação Básica de 2009 e 2018 disponibilizados pelo Data Lake Base dos Dados. Elaboração Própria.

            Quanto aos royalties provenientes do uso de recursos hídricos, dezessete municípios apresentaram queda na quantidade de matrículas na rede pública a cada 100 mil habitantes, nove municípios tiveram um aumento da quantidade de docentes a cada 100 mil habitantes entre os dois anos e nenhum deles registrou uma evolução da quantidade de escolas públicas a cada 100 mil habitantes.

Tabela 6. Indicadores municipais de Educação de 2009 e 2018 para os vinte municípios que mais receberam royalties CFH no período.

Municípios

Quantidade de matrículas na rede pública a cada 100 mil habitantes

Quantidade de escolas da rede pública a cada 100 mil habitantes

Quantidade de docentes na rede pública a cada 100 mil habitantes

Pontuação dos indicadores

2009

2018

2009

2018

2009

2018

Carolina (MA)

28927

34470

261

210

3813

5301

2

Paranaíta (MT)

23941

25480

182

89

4491

4574

2

Presidente Figueiredo (AM)

41534

33594

114

91

5646

7660

1

Ferreira Gomes (AP)

34813

33724

201

184

8037

8945

1

Chapada dos Guimarães (MT)

28554

22238

115

97

5190

5304

1

Itupiranga (PA)

41631

28290

323

175

4376

5421

1

Jacundá (PA)

28755

21416

93

72

4045

4674

1

Tabela 6 continua:

Nova Ipixuna (PA)

27615

24256

219

121

3842

4673

1

Tucuruí (PA)

32467

25592

59

48

5798

7367

1

Vitória do Xingu (PA)

35306

38393

373

160

6778

6432

1

Aripuanã (MT)

37892

24460

83

82

7172

6063

0

Itiquira (MT)

26071

25974

77

76

5959

5759

0

Altamira (PA)

30752

26089

132

119

5413

5112

0

Breu Branco (PA)

33056

23003

69

53

5404

5048

0

Goianésia do Pará (PA)

40673

22980

171

120

6402

4203

0

Novo Repartimento (PA)

37725

25554

335

164

5346

4583

0

Porto Velho (RO)

32517

22066

60

44

5741

4447

0

Paranã (TO)

33915

29968

462

229

6680

6080

0

Porto Nacional (TO)

31563

29389

113

87

6278

5987

0

Palmas (TO)

30976

22273

45

37

6830

5779

0

 

Fonte: Dados dos Censos da Educação Básica de 2009 e 2018 disponibilizados pelo Data Lake Base dos Dados. Elaboração Própria.

            Nenhum dos vinte municípios que receberam royalties pelo uso de recursos hídricos tiveram melhorias em todos os três indicadores. No caso da mineração, apenas dois municípios registraram: Canaã dos Carajás (PA) e Itaituba (PA). 

De forma geral, apenas sete das trinta e oito cidades brasileiras que receberam mais royalties dos dois tipos selecionados apresentaram evolução em pelo menos quatro dos seis indicadores de saúde e educação, sendo que nenhuma delas alcançou a pontuação máxima. Estas cidades, no caso da mineração, foram: Ipixuna do Pará (PA), Canaã dos Carajás (PA), Paragominas (PA) e Itaituba (PA). Quanto ao uso de recursos hídricos, Nova Ipixuna (PA), Vitória do Xingu (PA) e Paranaíta (MT) foram aquelas com os melhores resultados. Ou seja, diante das informações levantadas, percebe-se que, de forma geral, não houve melhora nos indicadores de saúde e educação dos municípios que mais receberam royalties provenientes das atividades de mineração e geração de energia elétrica. 

Deve-se destacar também que diversos indicadores sociais pioraram naqueles municípios em que foram instalados grandes projetos, como Porto Velho (RO) - onde foram instaladas as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio - e Altamira (PA) - município próximo da bacia do Rio Xingu, onde foi instalada da usina hidrelétrica de Belo Monte. Os dados sobre segurança viária também são reveladores, mostrando que um aumento linear da taxa de motorização nesses municípios, enquanto houve uma abrupta ascensão da taxa de mortalidade por acidentes de trânsito, justamente nos anos em que se concentraram as obras de instalação dos empreendimentos. 

Gráfico 3. Evolução da taxa de motorização em Altamira (PA).

Fonte: Denatran e IBGE. Elaboração própria.

Gráfico 4. Evolução da taxa de mortalidade por acidentes de transporte em Altamira (PA).

Fonte: Microdados do DataSUS e IBGE. Elaboração própria.

Gráfico 5. Evolução da taxa de motorização em Porto Velho (RO).

Fonte: Denatran e IBGE. Elaboração própria.

 

Gráfico 6. Evolução da taxa de mortalidade por acidentes de transporte em Porto Velho (RO).

Fonte: Microdados do DataSUS e IBGE. Elaboração própria.

À guisa de conclusão

As compensações financeiras fornecidas aos municípios “em troca” do direito de exploração de recursos naturais pressupõem equivalências que de forma alguma estão dadas de antemão. Os royalties, somados às compensações sociais e ambientais previstas nos processos de licenciamento, são instrumentalizados pelos grupos empresariais como se fossem um bônus locacional. A lógica compensatória que se impõe é a da cooptação e da coesão territorial na perspectiva da estabilização do retorno financeiro presumido. Não casualmente, qualquer intento de densificar o conhecimento crítico, de intensificar o monitoramento e o controle social sobre os riscos sociais e ambientais embutidos nos empreendimentos, é logo taxado como amplificação de risco regulatório ou risco político. (PINTO 2019)

Os royalties, nesta perspectiva, fariam parte de um variado repertório de controle corporativo da micropolítica, em outros termos de gestão do risco social, nas áreas de abrangência dos empreendimentos extrativos minerais e energéticos. Benson e Kirsch (2010) e Boutilier et al (2012) designaram essa atuação disciplinadora do corpo territorial-empresarial como uma política de construção da resignação, o que inclui a obtenção de níveis variáveis de consentimento por parte das populações potencialmente ameaçadas.

Observando a base legal, ainda que movediça e casuística,  acerca dos instrumentos de compensação financeira, cabe destacar que existem dois conjuntos de diretrizes para o rateio e destinação com marcos espaciais e temporais convergentes: 1) a busca de reparação de danos ambientais /ou sobrecarga de serviços públicas, vinculados ao aproveitamento hidrelétrico e extração  mineral, e 2) busca de fomento tecnológico, visando a densificação da cadeia de bens e serviços conexos, na região de abrangência. Contudo, o princípio-diretor da utilização dessas rendas extraordinárias, que é transversal às diretrizes referidas, é a promoção de políticas de promoção da justiça intergeracional, tratando-se de recursos finitos.  Na formulação de Postali (2002) trata-se de um custo de oportunidade extrair um recurso finito (ou que terá sua fisionomia, e seus usos anteriores, irreversivelmente alterados) em um determinado momento e não em outro. 

Tal princípio de solidariedade intergeracional, que não é tributário do Relatório Bruntland[6] que faz deste princípio pedra de toque da noção de “sustentabilidade”, é uma dedução da teoria da renda provinda de recursos exauríveis, primeiro elaborada por Hotelling (1931), em função da escassez prevista pela extração, deveria ser antecipada uma compensação ao seu proprietário. Na interpretação cabível em um ordenamento democrático em que a soberania popular precede e legitima as demais soberanias, o proprietário particular deveria ser sublimado enquanto a população que é a titular desses bens públicos.

Há, portanto, nítida contradição entre a espacialização rígida (a chamada “fortuna geográfica”) para fins de distribuição dessas compensações financeiras, e a necessidade de contemplar interesses difusos, plurais e nacionais, considerando a larga escala destas atividades. Trata-se de compreender o caráter cumulativo dos impactos sociais e ambientais derivados de extensas plantas de extração mineral e de seus corredores logísticos (caso do “Corredor Norte” controlado pela Vale) bem como de grandes hidrelétricas na Amazônia que afetam sub-bacias de grandes dimensões (como as do rio Madeira e do rio Xingu) e que impactam a bacia amazônica, e o bioma amazônico como um todo. 

Os recentes desastres tecnológicos[7] vinculados a estes dois setores no Brasil, reforçaram as meta-reivindicações movimentos sociais e comunidades atingidas por “áreas livres de mineração” e por “áreas livres de hidrelétricas”. Esta situação-limite sobre a necessidade de definir moratórias ou refluxos para atividades neoextrativistas, não é resultado de uma pretensa radicalização dos movimentos socioambientalistas no país. A rotação dos desastres em um capitalismo fundado na espoliação permanente propicia a rotinização de catástrofes sociais e ambientais produzidas por grandes projetos minerais e de infraestrutura. O que os desastres induzidos de Belo Monte, Madeira, Mariana e Brumadinho expressam, é resultado de uma economia reflexa de larga escala, que dispõe seu território de forma compulsória a dinâmicas exógenas, expondo a população e o meio ambiente a catástrofes em série. 

 Se é a população, em última instância, é titular destes bens públicos naturais, e também vítima primeira de seus usos imprevidentes, deveria haver amplitude compatível do processo político-decisório sobre o suporte regulamentar e creditício a projetos com tais desdobramentos territoriais, o que certamente não cabe exclusivamente no licenciamento ambiental vigente (MORETTO et al 2021)  

Reitera-se, portanto, a ausência de um cenário regulamentar em que se encaixem as compensações financeiras aqui tratadas (CFEM e CFHUR). A discussão que segue supõe formas de minoração de danos no seio de territórios empresariais crescentemente desaforados, identificando o melhor manejo possível de instrumentos tópicos para um possível desembaraçamento destas conexões transnacionais, nos marcos de iniciativas pós-extrativistas (MILANEZ, SANTOS 2016).

Fazem parte desta agenda mínima, disputas sobre o escopo a ser considerado para recepção de compensações, o quanto tais recursos geram mais concentração regional e econômica, acerca critérios de partilha que deveriam incorporar condicionantes qualitativas e inovacionais e finalmente acerca do controle social sobre a destinação dessas compensações (SERRA, 2007) 

Problemas correntes no uso genérico e desvinculado dos royalties é que Enríquez (2007, p. 378) denomina de “maldição do caixa único”, esvaziando a virtualidade de políticas que possibilitem a travessia dos ciclos variáveis das commodities, até o esgotamento local dos recursos ou da vida útil dos empreendimentos. 

Associa-se essa má utilização dos royalties à crise fiscal-financeira dos Estados e Municípios e à letargia de seus representantes de conceber instrumentos calibrados com critérios de desenvolvimento territorial, local e de caráter intertemporal. A “racionalização” do uso destes instrumentos dependeria antes de racionalizações mais amplas, passando pelas finanças públicas e pela recuperação da capacidade de financiamento do Estado por meio de reestruturações tributárias, entre outras.

No caso específico dos Municípios que são grandes receptores de royalties, os mesmos deveriam casos exemplares do que pode fazer uma unidade federativa com orçamento suplementar. No entanto, como se observará nas seções seguintes, o quadro é semelhante ao vivido pelos municípios “petrorrentistas”. Segundo Serra (2018) depois de duas décadas de royalties em profusão, prevalece nestas cidades a malversação dos recursos públicos e plena “incapacidade de promover uma diversificação produtiva nos territórios dependentes do petróleo” (p.5)

Se é explícito o desperdício ou o mau uso de poder regulatório das atividades minerárias e energéticas, cabe propor o aperfeiçoamento desses instrumentos em um contexto de necessária aproximação das dinâmicas econômicas e socioambientais, procurando alcançar um novo patamar de equivalência após tantos desaprendizados.

 

[1] Calculado com base nas estimativas populacionais do IBGE para o ano.

[2] Os dados sobre leitos englobam todos os tipos de leitos, inclusive os leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

[3] Os cálculos dos dados sobre os royalties estão disponíveis em https://github.com/igorlaltuf/rppr-royalties

[4] São os dados disponíveis, antes da Lei 13.540/2017 - que compensa também aqueles municípios afetados pelas atividades de mineração e que não são produtores - entrar em vigor.

[5]  Leitos de internação são aqueles para os pacientes que precisam ficar mais de 24h no hospital (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA 2020).

[6] O conceito de “desenvolvimento sustentável” apresentando da Conferência de Estocolmo em 1987, com sua junção contraditória constituindo um oxímoro, previa atender às necessidades das atuais gerações, sem comprometer as possibilidades das gerações futuras  atenderem suas próprias necessidades.

[7] Desastre atribuído em parte ou no todo a uma intenção humana, erro, negligência, ou envolvendo uma falha de um sistema humano, resultando em danos (ou ferimentos) significativos ou mortes (Zhouri et al 2016)

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