Reflexões sobre a dinâmica territorial fluminense a partir do COMPERJ: possibilidades e desafios para o desenvolvimento local
Michelle do Carmo Vieira
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGDT/UFRRJ)
Marcio Silva Borges
Doutor em Ciência Tecnologia e Inovação em Agropecuária (UFRRJ); Professor no Departamento de Administração e Turismo (DAT/UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas (PPGDT/UFRRJ)
Juliana da Silva Virginio
Mestranda no Programa em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da UFRRJ; Secretária Municipal de Agricultura e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de São José do Vale do Rio Preto, Brasil.(2018-2020)
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1 Introdução
No atual cenário brasileiro são percebidas transformações territoriais motivadas pela reestruturação dos espaços produtivos orientados principalmente pela economia do petróleo. Transformações significativas costumam ocorrer em territórios onde são instalados grandes investimentos no setor de petróleo e gás, os quais direcionam para uma dinamização econômica local que atrai outros investimentos, produzem arranjos, constituem redes e atraem um grande contingente populacional, o que leva à maior demanda por serviços públicos urbanos. Como resposta, são necessárias a articulação de iniciativas entre poder público, empresas e atores sociais para minimizar os efeitos negativos produzidos pelas transformações nesses espaços.
Nesse contexto se insere o antigo COMPERJ, atualmente denominado Polo Gaslub, localizado no município de Itaboraí – RJ, em razão dos efeitos territoriais e socioeconômicos decorrentes da estratégia de promoção da indústria como indutora de desenvolvimento situada em áreas na periferia da metrópole. Investimentos desse porte podem constituir uma nova realidade na esfera local ao redefinir a área sob sua influência, podendo vir a se tornar um meio inovador que estabelece relações entre a governança, o empreendimento, a infraestrutura, os atores locais e os investimentos.
Diante desse cenário, o artigo apresenta os principais fundamentos teóricos sobre a estruturação desse empreendimento, tendo em vista a possibilidade de exploração das potencialidades locais e a promoção do desenvolvimento territorial. Como objetivos intermediários, pretende-se identificar os principais aspectos do desenvolvimento socioeconômico na área de influência do empreendimento e descrever as principais transformações territoriais.
Metodologicamente, trata-se de um estudo bibliográfico, do tipo qualitativo, com abordagem descritiva. As informações foram obtidas de fontes secundárias como artigos, livros, sites, teses e dissertações e demais periódicos online. Espera-se responder ao seguinte questionamento: até que ponto um empreendimento produtivo pode atuar como impulsionador do desenvolvimento de um território na periferia metropolitana?
A discussão teórica foi orientada em torno do desenvolvimento local e dos investimentos produtivos em áreas historicamente carentes em recursos como forma de identificar como esses elementos foram constituídos no âmbito do COMPERJ e de seus rebatimentos no Leste Metropolitano Fluminense. Trazer essa perspectiva para o debate sobre desenvolvimento local torna evidente os limites do próprio processo de desenvolvimento, bem como contribui para demonstrar as contradições estabelecidas entre interesses hegemônicos e o bem estar da sociedade.
2 Desenvolvimento local e investimentos no Leste Metropolitano Fluminense
No Brasil, a abordagem territorial de desenvolvimento local teve sua base assentada nas experiências italianas e estadunidenses de consolidação de distritos industriais, os quais surgiram como uma resposta para a superação da crise do sistema de produção fordista na década de 1970 (PRATA e SILVA NETO, 2021). Os distritos industriais foram formados por uma aglomeração de empresas de pequeno e médio porte e especializadas em um tipo de produção, de modo que a organização produtiva estivesse integrada à comunidade local. “Em geral estas aglomerações apresentam um padrão estrutural horizontal assentado em um mesmo ramo industrial, dominado por pequenas e médias empresas especializadas em um único elo, ou em alguns dos elos da cadeia produtiva setorial local” (COSTA, 2010, p. 69). Dessa forma, “mecanismos locais de controle se adequaram à flexibilização e a mobilidade exigidos pelo mercado e, com isso, o desenvolvimento local, sob a perspectiva da abordagem territorial, passou a ser analisado através das aglomerações produtivas” (GOMES, 2018, p. 96).
A concepção de desenvolvimento local, tem sido abordada como uma das formas de se considerar a atuação do Estado e de atores locais na promoção de estratégias e políticas de desenvolvimento econômico e social. Isso não se dá apenas através das forças reguladoras do mercado, mas depende concomitantemente da ação do poder público, da parceria privada e da sociedade civil na busca de soluções para a melhoria da qualidade de vida. O diálogo entre esses diferentes atores facilita a identificação dos problemas e carências que podem ser sanadas pelo poder público competente através do desenvolvimento de políticas públicas de desenvolvimento territorial de forma a construir uma sociedade mais justa e igualitária.
A partir dessa lógica, busca-se “incorporar novos territórios de planejamento ao processo de desenvolvimento nacional a fim de superar o considerado baixo dinamismo econômico e reduzir as desigualdades regionais” (GOMES, 2018, p. 98). Essa premissa evidencia que o desenvolvimento local não é algo que ocorre de forma espontânea, mas constitui um processo provocado e que deve ser gerenciado, procurando reforçar a potencialidade do território mediante ações endógenas, articuladas por seus diferentes atores: sociedade civil, poder público e o mercado (SANTANA, et al., 2011).
O processo de desenvolvimento é decorrente da própria dinâmica econômica que depende das decisões de investimento, da localização dos atores econômicos e dos fatores de atração de cada território (BARQUERO, 2009). Sendo assim, grandes projetos e investimentos direcionados para a construção de empreendimentos tem promovido profundas alterações na dinâmica territorial. No atual cenário brasileiro são percebidas transformações recentes e reestruturação dos espaços produtivos, centradas na estratégia desenvolvimentista que direcionou investimentos orientados para a cadeia produtiva do petróleo.
Nessa perspectiva se insere o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - COMPERJ, no município de Itaboraí, na parte leste da região metropolitana, que vivenciou efeitos territoriais e socioeconômicos expressivos decorrentes dessa estratégia de consolidação da indústria como motor de desenvolvimento situada em áreas periféricas. Objetivava-se, através desse empreendimento, a construção de uma unidade de refino destinada ao processamento de 165 mil barris de petróleo por dia, proveniente da Bacia de Campos, no norte do estado do Rio de Janeiro. A partir disso, esperava-se atrair indústrias de segunda e terceira geração para seu entorno, criando novas possibilidades de inserção.
O Leste Metropolitano, apesar de oficialmente não constituir uma região de governo, é uma porção territorial que abrange os municípios de Itaboraí, São Gonçalo, Niterói, Maricá, Cachoeiras de Macacu, Tanguá e Rio Bonito, todos situados à leste da baía de Guanabara e compreendidos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (SALANDÍA, 2018). De acordo com estimativas para o ano de 2021, essa região abrange mais de 2 milhões de habitantes, o que corresponde a cerca de 12,49 % da população do estado (IBGE CIDADES, 2022).
Essa porção territorial vivenciou um processo de transformação de sua base econômica e produtiva, ancorada na reprodução do capital financeiro, capital imobiliário e fundiário, tendo como vetor de expansão a implantação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ, sendo considerado o maior empreendimento da história da Petrobras (figura 1). Previsto para iniciar suas operações em 2012, o empreendimento situado no município de Itaboraí se destacava pelos ideais de desenvolvimento, sustentabilidade e modernização, marcando a retomada da estatal no setor petroquímico, projetando-se como mecanismo para a recuperação econômica do estado a partir da cadeia produtiva do petróleo (FAUSTINO e FURTADO, 2013). Esperava-se que esse cenário pudesse “ser modificado a partir da inserção do COMPERJ e a construção de outros investimentos públicos associados, quando passou a induzir maior interesse do setor industrial na região” (CÂNDIDO, 2019, p. 10).
Com metas ambiciosas, a implantação do COMPERJ objetivava reduzir a dependência externa de produtos derivados do petróleo, retomar o crescimento econômico do estado e promover uma maior inserção na economia global, ancorado em investimentos logísticos e produtivos realizados pelo poder público ou através de parcerias público-privadas dentro e fora da metrópole (OLIVEIRA, 2008). Para os municípios que fazem parte de sua área de influência, o empreendimento representou novas possibilidades de crescimento econômico e desenvolvimento local em virtude do seu potencial de indução ao atrair investimentos e atividades produtivas, fomentando a geração de emprego e renda nos territórios.
Figura 1 – Leste Metropolitano do Rio de Janeiro
Fonte: Elaboração da autora (2022)
A implantação de um grande empreendimento como o COMPERJ provoca transformações no ordenamento territorial e, ao mesmo tempo que gera expectativas de crescimento econômico, também produz efeitos negativos ao ampliar as desigualdades socioespaciais. Os grandes projetos são imbuídos de um alto potencial de organização e transformação dos territórios, bem como de decompor e compor regiões. Por sua natureza, projetam sobre esses espaços, em nome do desenvolvimento local, interesses hegemônicos (VAINER, 2007).
Como esses empreendimentos são vistos como oportunidade para desencadear o desenvolvimento, transformam-se em objeto de disputa entre regiões e/ou municípios. Tanto o município de Itaboraí, quanto os demais municípios do Leste Metropolitano do Rio de Janeiro, tinham “expectativas de que a construção do COMPERJ e os investimentos vinculados a este empreendimento, produziriam um dinamismo na área Leste e uma polarização nas demais áreas” (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2020, p. 27).
Pensar o desenvolvimento local nesse sentido, requer o envolvimento de diversas dimensões econômica, social, cultural, ambiental, territorial, político-institucional e científico-tecnológica. Implica considerar os diferentes padrões de inter-relacionamento ativo dos diversos atores da sociedade (TENÓRIO, 2004, p.1). Nessa perspectiva, o território em que se insere o COMPERJ figura como uma importante categoria de análise, uma vez que um empreendimento que se projeta a partir da lógica do potencial desencadeador do desenvolvimento, pode estimular a capacidade de transformação territorial em diversas escalas. Assim, qualquer projeto ou estratégia de transformação envolve, engaja e exige táticas em cada uma das escalas em que hoje se configuram os processos sociais, econômicos e políticos estratégicos (VAINER, 2001, p. 25).
Trata-se de pensar as escalas espaciais enquanto instâncias e entidades em que a vida social é organizada e reproduzida, e não em uma representação cartográfica, afastá-las das concepções restritas e estáticas que as tomam como dados e interpretá-las sob o prisma de sua natureza eminentemente relacional, contestável, processual e contingente, passando a tomá-las enquanto lócus e veículo in situ, através dos quais as relações socioespaciais se estruturam e operam (BRANDÃO, 2011, p. 310).
Como sugere Brandão (2011), em todas as escalas devem ser analisados os agentes não hegemônicos, bem como a concretude de sua reprodução social, material e identitária, sua permanente produção de territorialidades, temporalidades, práticas espaciais cotidianas em singulares espaços vividos.
Embora assuma o protagonismo, as escalas local/regional não são suficientes para manterem-se ou desenvolverem-se isoladamente, visto que o processo de desenvolvimento local é fruto de um complexo mecanismo de interações em resposta à dinâmica da globalização, de ocupação de espaços de desenvolvimento e também um relativo aumento da consciência de capacidade de atuação dos atores locais (SANTANA, et al., 2011).
Na análise dos possíveis impactos desencadeados a partir de grandes empreendimentos como o COMPERJ sobre o desenvolvimento local, podem ser tecidos desdobramentos analíticos derivados da articulação entre efeitos de aglomeração e a competitividade territorial. Em primeiro lugar, o empreendimento produziu um significativo “efeito de arrasto na cadeia produtiva industrial evidenciando um conjunto de intervenções de infraestrutura e logística que alterou significativamente a organização do território metropolitano” (OLIVEIRA, 2022, p. 3). O empreendimento mobilizou a implementação de aportes estruturais diversos, tais como sistema duto viário, linhas de transmissão, emissário terrestre e submarino, de vias de acesso terrestre e aquaviário para transporte de cargas pesadas, dentre outros, que se materializaram nos municípios do Leste Metropolitano. Em segundo lugar, delineou novas formas de controle e uso dos territórios, desencadeando um crescimento urbano desordenado, atraído pelas possibilidades de inserção econômica diante da valorização imobiliária, do incremento comercial e da atração de investimentos e estabelecimento de novas atividades (MUNIZ FILHO, 2019; SILVA e IRAZÁBAL-ZURITA, 2019).
Enquanto estratégia de planejamento e de ação, o desenvolvimento local implica Iniciativas que proporcionem tanto a dinamização quanto a diversificação das economias dos territórios, mediante a valorização dos recursos locais, geração de emprego e melhor distribuição de renda. Para Costa (2010, p. 110), o desenvolvimento econômico local ou regional é resultante da maneira como as ações humanas estão coordenadas no território de forma endógena. Nesse contexto, o desenvolvimento territorial constitui um processo de mudança social em que:
[…] possa conduzir de forma integrada e permanente a mudança qualitativa e a melhoria do bem-estar da população de uma localidade ou uma região. Nas estratégias competitivas da globalização, o desenvolvimento territorial é dinamizado por expectativas dos agentes econômicos nas vantagens locacionais, no qual o território é o ator principal do desenvolvimento econômico regional, e as políticas, as organizações, as instituições e a governança são recursos específicos, a um só tempo disponível ou a ser criados; quando disponível, tratar-se-ia de sua difusão no território; quando ausente, de sua criação (invenção e inovação). Desta forma, o desenvolvimento territorial é o resultado de uma ação coletiva intencional de caráter local, um modo de regulação territorial, portanto uma ação associada a uma cultura, a um plano e instituições locais, tendo em vista arranjos de regulação das práticas sociais (PIRES et al., 2006, p. 448).
A função do poder público local se torna extremamente relevante enquanto papel de indutor da legitimidade da mobilização dos atores locais, transformando a ação numa estratégia híbrida, resultante de parcerias entre os setores público e privado (CASTELLS e HALL, 1993). É imperativo o estabelecimento de uma governança e também de uma gestão democrática que considere as necessidades da sociedade de modo a propiciar maior desenvolvimento econômico e social. A constituição de uma governança democrática é capaz de conciliar interesses de distintos atores sociais; planejar conjuntamente e executar ações cooperadas que promovam o desenvolvimento de suas atividades empresariais e também do local radicado (VILLELA e PINTO, 2009).
Tenório (2007) ressalta que a gestão social visa evitar que a mesma venha privilegiar interesses unicamente do Estado, representado por outras esferas de governo ou do mercado, em sua concepção mais ampla. Disso resulta a importância dos processos participativos, mediante uma intervenção de atores da sociedade e demais instituições com o Estado. Portanto, a participação social seria uma adjetivação da administração pública e não a sua substituição (TENÓRIO e SARAIVA, 2006, p.109).
É a sociedade civil que assume o protagonismo das ações participativas, ela se organizada na busca por mudanças, direitos e cidadania. É preciso articular esforços que considerem os interesses de diferentes atores da sociedade em seus territórios. O desenvolvimento local, conforme Cançado et al. (2013), requer o fortalecimento dos atores inscritos nesses espaços e com capacidade de iniciativas e propostas que promovam as potencialidades locais e melhoria da qualidade de vida da população.
3 COMPERJ e dinâmica econômica e territorial fluminense
No início do século XXI o estado do Rio de Janeiro se destacou no âmbito do modelo novo desenvolvimentista brasileiro, ao receber investimentos públicos e privados para a construção de empreendimentos direcionados em especial para a cadeia do petróleo.
Conforme Dias (2013), novos investimentos foram sendo atraídos, dentre os quais se pode destacar os grandes projetos da termelétrica El Paso (US$ 500 milhões) em Macaé (Norte Fluminense), do Porto do Açu (US$ 1,6 bilhão) em São João da Barra (Norte Fluminense) e do antigo COMPERJ (US$ 8,4 bilhões), Complexo Petroquímico em Itaboraí na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Há de se destacar, ainda, que os setores naval e químico também vêm sendo grandemente beneficiados pela expansão da atividade petrolífera no estado (OLIVEIRA, 2003).
Com as obras iniciadas em 2008 o COMPERJ poderia fomentar a criação de um grande cinturão logístico e produtivo no Leste Metropolitano, exercendo influência direta e indireta nos municípios dessa região (figura 2). O investimento inicial para o empreendimento foi estimado em R$ 15 bilhões, e expectativa de economia de divisas superior a R$ 4 bilhões por ano. Previa-se a criação de mais de 200 mil empregos diretos e indiretos, propiciando melhorias socioeconômicas em mais de 11 municípios em seu entorno (CONCREMAT ENGENHARIA, 2006).
O empreendimento se configurou e adquiriu forma como um arranjo social complexo, apoiado por diversos setores da sociedade fluminense, pretendendo abarcar diversos interesses, conectando demandas múltiplas, exigindo um grande esforço coletivo (BARBOSA, 2018, p.51). Caracterizado no âmbito de um processo de desenvolvimento exógeno, verifica-se que o poder de decisão se manifestou na esfera federal e que os investimentos são provenientes de fora da região do empreendimento e a partir de interesses externos, uma vez que o processo de desenvolvimento não partiu de iniciativas ou atores locais. Sobre a lógica exógena, definem-se estratégias funcionais ao capitalismo global, transformando economias nacionais, especialmente a dos países em desenvolvimento, em províncias da economia global (FURTADO, 2000).
Em meio às concepções desse empreendimento foram amplamente difundidos os ideais de desenvolvimento territorial e sustentabilidade como estratégias de atratividade de recursos para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, adquirindo um papel estruturante no desenvolvimento regional. Esperava-se que sua instalação agisse como um big push ao desenvolvimento de uma das regiões mais pobres da periferia metropolitana do Rio de Janeiro, trazendo não apenas adensamento produtivo, mas especialmente melhorias sociais (SILVA e IRAZÁBAL-ZURITA, 2019).
Figura 2 – Área de influência do COMPERJ, em Itaboraí – RJ.
Fonte: Elaboração da autora (2022).
Um empreendimento de grande porte como esse pode contribuir com o desenvolvimento local uma vez que fatores externos podem modificar profundamente as estruturas produtivas econômicas e sociais. Desse modo, para que os grandes empreendimentos da indústria petroquímica “sejam eficazes, produtivos e lucrativos exigem vultosos recursos técnicos necessários à sua implantação, tais como local estratégico para atender aos diferentes mercados e além de reforços em infraestrutura, logística e recursos naturais” (CAMAZ, 2017, p. 134). Por outro lado, fatores locais ou internos auxiliam na transformação da economia local ao contribuir com recursos locais específicos, conhecimentos técnicos e valorização da cultura local. A ação desses conjunta desses fatores quando aplicados de modo eficiente, com base em princípios de governança participativa, produz novas territorialidades e estabelece perspectivas de desenvolvimento social e territorial.
Os investimentos realizados no Leste Metropolitano evidenciaram mudanças significativas em relação às formas de apropriação do território, a partir de empreendimentos industriais na periferia e investimentos em infraestrutura (FAUSTINO e FURTADO, 2013; OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2020). O consumo produtivo do território “capturado” pelas novas relações de produção requer obras de infraestrutura, operações logísticas de otimização de fluxos e obras de modernização tecnológica que agregam densidade técnica ao lugar para a atração de investimentos e empresas (SÁNCHEZ, 2001).
Foi acarretado um significativo impacto na estrutura e na promoção da expansão e adensamento urbanos, o que levou à campos de disputa em diversas escalas de análise de poder, pois o planejamento desconsiderou em grande parte a participação popular, os movimentos sociais e condicionou a flexibilização de normas e mudanças nas diretrizes de desenvolvimento, para viabilizar os projetos em diferentes espaços ou atender a interesses político-econômicos estratégicos.
Conforme assinalam Rossi et al. (2015) e Pinto (2020), a partir da possibilidade de exploração do Pré-Sal foram ampliados os projetos de desenvolvimento e exploração de petróleo, além de investimentos que passaram a demandar cada vez mais obras, materiais, equipamentos e serviços particulares a serem fornecidos pelas firmas domésticas. Diante das políticas de investimentos governamentais de conteúdo local, incentivos fiscais e de parcerias conjuntas, se observou uma maior nacionalização da cadeia produtiva e maior capacitação da Petrobras.
Uma das grandes contribuições nesse processo se deu a partir do Programa Nacional de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural – PROMIMP e do Plano Brasil Maior. Para Rossi et al. (2015), o PROMINP foi considerado o programa de investimentos com maior capacidade de mobilização da indústria de bens e serviços no Brasil, trazendo também o aumento da demanda por infraestruturas como construção e engenharia naval. Além disso, no âmbito do Leste Metropolitano, foram implementados Centros de Integração do COMPERJ visando a capacitação da mão de obra local, resultantes da parceria entre as prefeituras e as instituições de ensino.
A implantação do COMPERJ em Itaboraí, além de contribuir para o estabelecimento de um novo arranjo de poder regional, ainda que este não tenha sido consolidado, elevou as perspectivas de atração de investimentos em função da potencial aglomeração de empresas e demais atividades na região. Todavia, a região expôs entraves ao seu desenvolvimento, visto que a insuficiência de infraestruturas como transporte, telecomunicações, saneamento e energia que, associadas à falta de planejamento urbano nos municípios que possa atender a essas demandas, evidencia barreiras para que as empresas estabeleçam novos investimentos (BRITO, 2011, p. 23).
“A ausência de uma gestão metropolitana efetiva pode ter contribuído para a alternativa de consorciamento intermunicipal, amparada na regulamentação federal dessa modalidade em 2007” (SALANDÍA, 2018, p. 13). Nesse contexto, foi criado o Consórcio Intermunicipal do Desenvolvimento do Leste Fluminense - CONLESTE, um consórcio que reúne 16 municípios que estão na área de influência do COMPERJ, e que através do apoio estadual, busca o desenvolvimento de estratégias de planejamento urbano conjunto para o crescimento econômico da região.
A adesão de municípios fluminenses ao CONLESTE foi acompanhada de expectativas em relação às oportunidades que isto representaria para cada um, configurando um território onde foram materializadas as relações de poder. Através desse consórcio, um novo arranjo institucional foi estabelecido, a fim de promover a articulação entre os municípios de sua abrangência, possibilitando a gestão de políticas públicas e resolução de problemas comuns nessa região. A região abrangida pelo consórcio possui aproximadamente 3 milhões de habitantes, representando 18% do total do estado do Rio de Janeiro. São Gonçalo (35%) e Niterói (17%) representam pouco mais da metade da população dessa área. Em 2018, o consórcio movimentou cerca de 853 mil reais (IPEA, 2021, p. 29).
A distribuição das atividades econômicas nos municípios dos Leste Metropolitano refletem aspectos importantes nos processos de ocupação e desenvolvimento territorial. Analisando os dados da Tabela 1, pode-se observar que a maior participação percentual no PIB per capita no Leste Metropolitano corresponde ao município de Niterói, com 30,67%, sendo superior ao valor nacional. Os dados evidenciam também que uma baixa participação no setor agropecuário, cujo percentual mais elevado foi apresentado pelo município de Cachoeiras de Macacu, com 5,38%.
Tabela 1 - Participação percentual do Leste Metropolitano no valor adicionado por atividades econômicas em 2019.
País/Municípios (RJ) |
PIB per capita |
Agropecuária |
Indústria |
Admin. Pública |
Serviços/comércio |
Rendimento médio |
Brasil |
20,19 |
7,73 |
18,9 |
23,09 |
51,09 |
1.789,25 |
Região Metropolitana |
26,11 |
0,12 |
14,95 |
24,60 |
60,33 |
2.145,16 |
Cachoeiras de Macacu |
12,23 |
5,38 |
17,46 |
43,15 |
34,01 |
1.111,52 |
Itaboraí |
12,52 |
0,26 |
14,28 |
38,38 |
47,08 |
1.242,68 |
Maricá |
25,94 |
0,20 |
40,99 |
19,61 |
39,20 |
1.142,45 |
Niterói |
30,67 |
0,09 |
21,20 |
17,76 |
60,96 |
1.891,80 |
Rio Bonito |
17,68 |
0,99 |
16,08 |
30,31 |
52,62 |
1.179,25 |
São Gonçalo |
10,77 |
0,35 |
12,11 |
38,75 |
48,79 |
1.228,75 |
Tanguá |
11,42 |
1,05 |
13,88 |
44,31 |
40,76 |
1.107,53 |
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Rais – 2016, obtidos de: atlasbrasil.org.br. Acesso: 24/04/2022.
O município de Maricá possui a maior participação no setor industrial, com quase 41%, seguido do município de Niterói que atingiu um valor de 21,20%. Parte expressiva dessa participação é atribuída ao recebimento de royalties do petróleo e participações especiais, de acordo com informações do CENPE/MPRJ (2019). Tanguá, Cachoeiras de Macacu, São Gonçalo e Itaboraí apresentaram os maiores percentuais no setor de Administração Pública. Já a participação do setor comercial e de serviços é preponderante sobre os demais em quase todos os municípios da região, com exceção de Cachoeiras de Macacu e Maricá, ultrapassando o volume de 40% em relação às demais atividades.
De acordo com Barbosa (2018), as bases do consenso do COMPERJ construídas a partir do arranjo de interesses e expectativas, acabaram postas em cheque com o avançar dos acontecimentos políticos e econômicos nacionais e as seguidas alterações do projeto promovidas pela Petrobras que desmontaram o projeto original e seu consequente complexo arranjo social. A série de paralisações das obras e as mudanças nas características do empreendimento também tiveram grande impacto na economia local e no mercado imobiliário de Itaboraí, que havia incorporado as expectativas de valorização (SALANDÍA, 2018, p. 22).
A desaceleração econômica associada à crise política e institucional instaurada no país a partir de 2014, acabou culminando na redução de investimentos no RJ e na paralisação das obras com interrupção do COMPERJ em 2015 (ALERJ, 2019). Esse cenário afetou a situação socioeconômica do Município de Itaboraí e do Leste Metropolitano que passaram a se encontrar em meio à desmobilização de investimentos, abandono de obras de infraestrutura, desemprego, fechamento de empresas, meio ambiente impactado e setores sociais fragilizados, revelando antagonismos do processo de desenvolvimento local e as lacunas entre o discurso modernizador e a realidade de crise econômica.
Atualmente, o COMPERJ se converteu em um empreendimento de beneficiamento do gás produzido no estado, denominado Polo Gaslub. A Petrobras mantém no local obras para a construção de uma Unidade de Processamento de Gás Natural – UGPN e um Gasoduto denominado de Projeto Integrado Rota 3, destinado ao escoamento do gás natural da área do Pré-Sal, proveniente da Bacia de Santos, no norte do estado do Rio de Janeiro. Isso pode alavancar um setor estratégico importante, mas ainda não são conhecidas as possibilidades de expansão e desenvolvimento da cadeia produtiva daí decorrente (OLIVEIRA, 2022, p. 4). Contudo, mesmo diante a redução da planta produtiva e reorientação do empreendimento, ainda restam incertezas quanto ao estabelecimento de um ambiente favorável para os negócios, investimentos e desenvolvimento socioeconômico do município e região ao entorno.
Os efeitos demonstrados pelo declínio do COMPERJ evidenciaram limites ao desenvolvimento territorial local, posto que os municípios da região, historicamente carentes em investimentos e infraestruturas, assistiram a um quadro de expectativas de desenvolvimento não concretizadas. Informações do Censo Demográfico do IBGE (2010), ressaltaram que apenas 27.936 domicílios possuíam rede de esgoto, quase 5.000 domicílios não tinham coleta de lixo e apenas 18.750 possuíam abastecimento de água da rede geral. À esse cenário, impactos socioambientais se fizeram presentes, como déficit de moradia, violência, mobilidade/transporte, degradação dos recursos hídricos e conflitos com comunidades locais.
Do ponto de vista de um empreendimento que não se consolidou, foram observados efeitos significativos na dinâmica socioeconômica e territorial onde está instalado, produzindo também rebatimentos em áreas em seu entorno que vão desde a desterritorialização de comunidades locais e pressões ambientais à desestruturação de atividades locais.
Em decorrência dos desdobramentos da Operação Lava Jato e do agravamento da crise financeira da Petrobras, os projetos do PROMINP não avançaram (PAULA e MOURA, 2021). Os territórios que vislumbraram possibilidades de desenvolvimento com aglomeração de atividades produtivas, apresentaram uma significativa desaceleração no saldo entre contratações e demissões de mão de obra, principalmente em 2014-2016, evidenciando a recessão e a destruição do tecido produtivo que passaram tais localidades (figura 3).
O setores mais impactados foram os da indústria de transformação e da construção civil, sendo observada por forte retração nos anos de 2015 e 2016, correspondendo à quase totalidade da perda de vagas de trabalho formais em toda a região (ROSSI et al., 2015).
Figura 3 – Saldo anual de contratações e demissões no município de Itaboraí entre 2010 e 2019.
Fonte: Dados do MTE (2021), elaborado pela autora.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (2017), cerca de 512 micro e pequenas empresas encerraram suas atividades entre 2015 e 2016. Esse valor é superior ao somatório de micro e pequenas empresas que encerraram suas atividades no período de 2010 a 2014, que totalizou 333 fechamentos. Dados do TCE/RJ revelam que em 2015, considerando apenas a desmobilização do complexo, o setor de construção civil perdeu 12 mil postos de trabalho com carteira assinada. Em todo comércio da cidade outros 15 mil postos de trabalho foram extintos, impactando a arrecadação municipal. Itaboraí teve queda de R$ 113 milhões na arrecadação de ISS (TCE, 2020).
A paralisação das obras, a crise econômica, a ampliação da violência e os grandes prejuízos e abandonos que atingiram o município fomentaram um cenário desolador que, mesmo escolhida como a catalisadora de investimentos, jamais superou seus problemas de ordem social (OLIVEIRA, 2018).
Tendo em vista a lógica desenvolvimentista orientada por grandes empreendimentos como condicionantes do desenvolvimento regional e, partindo da premissa de que crescimento é apenas uma dentre as dimensões do desenvolvimento, deve-se levar em consideração nesse debate a implementação de um complexo processo de mudanças e transformações de ordem econômica, política, social e humana nos lugares e nas sociedades. Se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de caráter social e político; se o desenvolvimento social e político não for a um tempo o resultado e causa de transformações econômicas, será porque de fato, não tivemos desenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 1968, p. 16).
Na concepção de Sen (2000, p.29), o crescimento econômico não seria um fim em si mesmo, e o desenvolvimento deveria estar relacionado com a melhoria da qualidade de vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. É preciso conferir sustentabilidade ao processo de desenvolvimento. Não há desenvolvimento sustentável sem que se harmonizem objetivos sociais, ambientais e econômicos, sem que se tenha solidariedade com as gerações atuais e futuras. Essas são as ideias que diferenciam crescimento de desenvolvimento e identificam este com a liberdade. Isso implica mudanças profundas de atitudes e de comportamentos e coloca em xeque interesses poderosos que precisarão ser contrariados (VEIGA e LATZ, 2008).
4 Considerações finais
Vultuosos empreendimentos produtivos quando localizados em cidades periféricas podem se consolidar como um forte vetor de crescimento econômico regional sendo, portanto, um importante instrumento de desenvolvimento local mediante o desenvolvimento de políticas públicas adequadas e articuladas para promover a melhoria das condições de vida e o bem estar social.
É imperativo ressaltar que o benefício de um empreendimento em um território vai além do crescimento econômico e da geração de emprego, uma vez que ele pode constituir um vetor de desenvolvimento local mediante a atração de investimentos. Disso resulta a importância da participação cidadã, que envolve a sinergia com diversos atores da sociedade na busca por direitos sociais e desenvolvimento desses espaços. Isso requer políticas públicas em âmbito local e uma gestão social que possa atuar com transparência, cooperando para reforçar a interdependência de interesses, direitos e deveres de forma solidária nos âmbitos local e regional.
A experiência a partir do declínio do COMPERJ evidenciou as limitações de um modelo de desenvolvimento direcionado para a industrialização liderada por grandes projetos de investimento no início do século XXI no Rio de Janeiro. Aspecto que demonstra a importância das ações de planejamento e da articulação de estratégias que viabilizem, não apenas interesses hegemônicos, mas que beneficiem os atores em seus territórios. O município de Itaboraí, que vislumbrava a dinamização de sua economia e fortalecimento de suas estruturas sociais e econômicas, passou a se encontrar diante de um quadro de desmobilização e perdas de investimentos. Hoje o empreendimento já não tem mais a grandiosidade a que se propôs no início de sua concepção, o que não exclui a possibilidade de retomada de investimentos futuros, ainda que em menor proporção do que a previamente prevista.
As vulnerabilidades e os problemas estruturais que limitam o processo de desenvolvimento na esfera local precisam ser avaliados de forma eficiente, uma vez que a problemática apresentada evidenciou as dificuldades de se constituir instrumentos de governança que pudessem favorecer as ações de cooperação e consolidação de instituições intergovernamentais e demais atores sociais. Nesse sentido, torna-se fundamental o exercício do controle de gestão e a participação da população e grupos afetados nas tomadas de decisão.
A redução das condições de pobreza, exclusão e desigualdade social nos diversos territórios impactados são condições básicas para a promoção do desenvolvimento humano e precisam estar articuladas a programas e projetos multilaterais que possam ampliar a participação social e a garantia de direitos. É preciso pensar a importância do planejamento e dos projetos de ordenamento territorial enquanto instrumentos que possam favorecer a aplicação de recursos, inovação e de investimentos nos territórios como forma de promover um desenvolvimento que seja sustentável e sustentado