A espacialidade da demanda chinesa em Minas Gerais
Gabriel do Carmo Lacerda
Doutorando em Economia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar/UFMG
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1. Introdução
O presente texto se insere na literatura que discute os impactos espaciais dos processos econômicos e foca na inserção – seja no acionamento ou no desacionamento – de regiões na divisão internacional do trabalho, notadamente através da incorporação produtiva estimulada pelas inversões em infraestrutura e pelo investimento direto externo (IDE), dado o contexto de crescente mundialização do capital e dos fluxos de mercadorias nas múltiplas escalas espaciais (KLINK, 2013; MILANEZ e SANTOS, 2013).
Ressalta-se que os efeitos de inserção na divisão internacional do trabalho podem ser tanto de complementariedade quanto de acirramento da concorrência. Os efeitos de concorrência, especialmente no referente aos produtos industrializados, ocorrem quando os produtos estrangeiros concorrerem e deslocam a produção de produtos industriais. Isso se dá tanto nos mercados domésticos de países que também fabricam bens manufaturados, quanto indiretamente, no mercado mundial, ocupando mercados externos nos quais os país exportava anteriormente.
Nossa investigação, por sua vez, vai focar em determinadas características da complementariedade econômica entre China e Brasil (COLOMBINI NETO, 2016; WERNER, 2020; AGUIAR, 2017; CONTI e BLINKSTAD, 2017, MEDEIROS e CINTRA, 2015), particularmente em Minas Gerais (LIBÂNIO, 2008; SILVA et al, 2016). Nesse sentido, a relação de complementariedade ocorre enquanto Minas Gerais oferta commodities, sobretudo minerais, e a China – pelo avanço do seu processo de industrialização e urbanização, além da sua entrada na OMC, em 2001 (NAUGHTON, 2006) – demandado quantidades crescentes de matérias-primas. Consequentemente, nos espaços onde havia condições de crescimento e expansão da oferta de commodities agrícolas e minerais, observa-se processos intensos de crescimento econômico – seja em regiões de fronteira, seja em áreas que já eram especializadas nestes segmentos – atrelados ao aumento da demanda chinesa, impactando tanto a quantidade quanto os preços das commodities (PRATES, 2007; PINTO, 2013; MICHELOTTI e SIQUEIRA, 2019).
Por conseguinte, os resultados dos processos de complementariedade e concorrência têm sido – em casos como o do Brasil e das suas regiões e estados – o de reforçar situações de especialização produtiva, particularmente no segmento de commodities agrícolas e minerais; e/ou o desadensamento de cadeias produtivas industriais, especialmente as mais complexas (REIS e SILVA, 2015; VERÍSSIMO e ARAÚJO, 2016; CONTI e BLINKSTAD, 2017; NAHAS et al, 2019)
Usualmente na literatura, as análises da relação Minas Gerais-China destacam os dois efeitos anteriores e avaliam os diferentes espaços regionais sob a ótica macroeconômica, mais especificamente a ‘balança comercial’ e seu saldo, bem como especificando a qualidade, o volume e os valores dos produtos exportados e as mudanças ao longo do tempo (LIBÂNIO, 2012). Outros trabalhos ressaltam a problemática da especialização – e da consequente integração subordinada na divisão internacional do trabalho – e seus impactos sobre o nível de desenvolvimento social e possibilidade de crescimento sustentado (REIS e SILVA, 2015; NAHAS et al, 2019). Enquanto alguns trabalhos focam na questão da desindustrialização e da regressão/especialização da pauta exportadora (SILVA et al, 2016; VERÍSSIMO e ARAÚJO, 2016).
Não obstante estas diferenças de análise, constata-se que o foco recai principalmente sobre a questão minerária, especificamente na extração do minério de ferro, refletindo o impacto – econômico, ambiental, exportador – que esta atividade tem na dinâmica socioeconômica mineira. Entretanto, embora a extração de minério de ferro tenha o maior impacto para o estado como um todo, no nosso estudo serão observadas outras demandas chinesas, notadamente aquelas voltadas para os produtos agropecuários, que possuem importância significativa nas escalas espaciais menores, isto é, regionais, mesorregionais, microrregionais e municipais.
Na perspectiva do presente trabalho será destacada especialmente a natureza locacional de dois setores: a extração de minéro, com sua óbvia rigidez locacional ligada às minas, por um lado, e, por outro, as atividades agropecuárias de exportação que podem – dados certos limites – avançar pela incorporação ou mudanças de culturas pelos espaços regionais. Consequentemente, como se espera apontar neste trabalho, ambas as atividades têm recebido diversas inversões infraestruturais, especialmente no contexto de crescente complementariedade com a China, para: 1) gerar novos pontos de exploração agropecuária e mineral; e 2) acelerar a conexão entre os pontos de produção/exploração e o mercado mundial (portos de exportação) (MILANEZ e SANTOS, 2013).
Dessa forma, sempre partindo do crescente peso da relação Minas Gerais-China, o artigo se divide em três tópicos, além da introdução. No primeiro se discute, nos principais municípios exportadores de minerais, as continuidades e mudanças na localização das principais minas de exploração, na infraestrutura atrelada a exportação e na eventual presença chinesa (via IDE) destes produtos nos últimos vinte anos da mineração de ferro e de nióbio.
No tópico seguinte, para os últimos vinte anos, discute-se a relação da exportação de commoditiesagropecuárias para China, ressalta-se os principais municípios e mesorregiões produtoras, os efeitos sobre área e quantidade produzida, as obras de infraestrutura voltadas para escoamento desta produção e a presença de investimento externo chinês nos segmentos destes produtos, mais especificamente dos segmentos da soja, cana-de-açúcar e carne bovina.
E, por fim, a conclusão sumariza as problemáticas sobre as vicissitudes do movimento e da ‘escolha’ pela via de ‘complementação’ produtiva com a China.
2. Impactos espaciais da demanda chinesa na mineração em Minas Gerais
Conforme exposto, quando se pauta a relação comercial entre Minas Gerais e China, o minério de ferro aparece como o principal produto. Em 2000, na aurora do novo século e desta relação, a China era o nono destino das exportações mineiras, embora o minério de ferro já perfizesse 76% das exportações para este país, a participação do país nas exportações era de apenas 4% do total e 7% da commodity. Apenas os municípios de Nova Lima, Itabira e Belo Horizonte exportavam para a China um total de 7,5 milhões de toneladas (COMEXSTAT, 2021).
Em 2004, quando estão disponíveis as bases do CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), os cinco principais municípios a receber compensação eram: Itabira, Nova Lima, Ouro Preto, Mariana e Brumadinho (CFEM, 2021). Destes, apenas os três primeiros exportavam para China. No mesmo sentido, a participação chinesa no total do valor exportado de minério de ferro chegou em 2004, à 37% e, sua participação no total, à 10% (COMEXSTAT, 2021).
A partir de 2004 até 2007, houve um miniciclo de rodadas de anúncios de investimento na indústria extrativa[1], especialmente na mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte. Dentre os anúncios, havia o Mineroduto Minas-Rio, que ligaria Conceição do Mato Dentro (MG) com o Porto do Açu, em São João da Barra (RJ) (LACERDA, 2019; RIBEIRO, 2017).
É a partir deste momento, ou seja, da segunda metade da década de 2000, que se consolidou a expansão em novo patamar da atividade minerária e, especialmente, da exportação para China. Em 2010, a China participou com 30% do total exportado pelo estado e 58% do valor total de minério de ferro exportado. Já somavam doze o total de municípios exportadores, liderados por Ouro Preto e Itabira (83% do total), com uma quantidade física de 88,9 milhões de toneladas. O preço do minério de ferro – apesar da queda em 2009 – ascendeu até 2011, quando alcançou o máximo em valor exportado de minério de ferro, mais de U$11,2 bilhões. A partir de 2011, o preço à vista do minério de ferro caiu, mas a quantidade exportada permaneceu em ascensão até 2016, quando atingiu o pico do período (120 milhões de toneladas). Desde então, observa-se o movimento contrário, ou seja, de ascensão dos preços – cujo nadir foi em 2015 – e a queda da quantidade exportada (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Preço (à vista) X Quantidade exportada de minério de ferro
Fonte: Elaboração própria, dados a partir de Banco Mundial para os preços e COMEXSTAT 2021 paraas quantidades.
Assim, constata-se que a década de 2010 foi marcada, num primeiro momento, pela expansão da exportação de minério de ferro, mesmo com a redução do preço internacional e, posteriormente, com o encolhimento da quantidade exportada. Deste movimento, é possível inferir que devido à exportação de minério de ferro, também nesta década, se consolidou a posição inconteste da China como principal destino das exportações mineiras, com uma média de participação de 30% do total e 60% do minério de ferro na década (Gráfico 2).
A partir do ponto de vista espacial, o que se pode observar é o aumento do número de municípios que exportam para a China e, portanto, dependem deste fluxo para geração de receitas, especialmente da CFEM. Deste modo, se em 2000 eram apenas três municípios, o total de cidades exportadoras de minério de ferro chegou à dezesseis (2014 e 2019). Entretanto, são treze[2] os que possuem para década de 2010 níveis significativos de participação, fato que se agrava pela crescente concentração do destino do mercado. Por exemplo, em 2020, 72% do minério de ferro exportado foi para China (Gráfico 2).
Gráfico 2 - Participação dos principais produtos exportados para China e da China nas exportações mineiras
Fonte: Elaboração própria, a partir dados do MDIC.
A espacialização das principais minas de ferro e dos municípios exportadores se encontra na Figura 1. Nesta pode-se observar que a concentração na mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte, fortemente integrada por uma rede de escoamento ferroviária via Espírito Santo (Estrada de Ferro Vitória-Minas da Vale S/A), Rio de Janeiro e São Paulo (ambas pela MRS Logística S/A). Ademais, visualiza-se os dois minerodutos – o da Samarco, inaugurado em 1975, que teve uma série de obras de expansão nos anos 2000[3] (Ribeiro, 2017), e o Minas-Rio da Anglo American, inaugurado em 2014 – voltados para agilizar, ainda mais, a fluidez da exportação.
Ressalta-se que o complexo Minas-Rio, da Anglo American, colocou Conceição do Mato Dentro – desde 2015 – entre os principais municípios produtores e exportadores de minério de ferro. Exemplificando, pela CFEM, tem-se em ordem decrescente do recebimento de contribuições: 1) Conceição do Mato Dentro; 2) Congonhas; 3) Itabirito; 4) Itabira; e 5) Nova Lima. Outro município que ganhou relevância na última década foi São Gonçalo do Rio Abaixo, devido a mina do Brucutu, atualmente aquela com maior capacidade na exploração de minério de ferro no estado (CFEM, 2021)
Do ponto de vista de investimentos diretos na mineração de ferro, houve, em 2011, o anúncio de U$ 100 milhões por parte da ECE (Jiangsu Eastern China) na prospecção da viabilidade de exploração em Rio Pardo de Minas, além da aquisição da Itaminas Comércio de Minérios S/A, em 2010, por U$ 1,2 bilhão (CARIELLO, 2019). Outro projeto, que se desenrola desde 2010, é o da Sul Americana de Metais S/A (SAM), propriedade da empresa chinesa Honbridge Holdings, com um empreendimento orçado em cerca de U$ 2 bilhões, voltado para extração e beneficiamento de minério de ferro no entorno do município de Grão Mogol, no Norte de Minas, sendo que até o momento foram investidos U$ 74 milhões em pesquisas, testes e estudos (MINAS GERAIS, 2019).
O nióbio (exportado como ferro-liga) foi outro produto relevante na relação Minas Gerais-China. Explorado e beneficiado em Araxá[4], a partir de uma parceria entre CODEMIG e CBMM, a participação sínica no valor total exportado de ferro-ligas passa de 3% (2000) para 37% (2020). Esta tendência de elevação constante pode ser visualizada no Gráfico 2. No mesmo sentido, a China assume, em 2005, o segundo lugar como destino das ferro-ligas[5] e, em 2018, o primeiro[6]. Desta forma, o nióbio se consolidou como o terceiro principal produto exportado nos últimos vinte anos. Consequentemente, a CBMM, na década de 2010, se firmou como a segunda principal empresa exportadora estadual, atrás apenas da Vale S/A (LACERDA, 2019).
Do ponto de vista de participação direta chinesa, em 2008, foi anunciado – por capitais chineses, sul-coreanos e brasileiros – um investimento de U$ 555 milhões na CBMM, visando a expansão da capacidade de extração de nióbio (RENAI, 2020). Posteriormente, em 2011, um consórcio chinês – China Niobium Investment Holding C, composto por três empresas[7] – adquiriu, por U$ 1,9 bilhão, a participação de 15% das ações da CBMM (CBMM, 2018).
Em síntese, a partir da demanda chinesa, por um lado, houve a expansão da capacidade física de extração de minério de ferro[8], refletida no maior número de minas e municípios exportadores, bem como de toda uma infraestrutura complementar. Por outro, nestes segmentos minerais ocorreu aproximações do capital chinês, embora tímidas, que apontam para possíveis reestruturações espaciais, como, por exemplo, a exploração do Norte mineiro, e de controle acionário, como no caso da CBMM na exploração do nióbio.
Figura 1 - Os principais municípios exportadores, os produtos exportados, as minas e a rede/nós de transporte para China
Fonte: Elaboração própria, a partir de MDIC para dados de exportação; ANTT para informações de ferrovias e dutovias; e Câmara Brasil-Alemanha para georreferenciamento das minas.
3. Impactos da demanda chinesa na agropecuária de Minas Gerais
Normalmente oculto pelo peso do minério de ferro, a exportação do setor agropecuário mineiro ampliou sua relevância nos últimos 20 anos[9]. Particularmente, dentro da relação sino-mineira, destaca-se a soja que, desde 2013, se tornou o segundo principal produto exportado. Embora não tenha os impactos de geração de receitas municipais como a mineração, a atividade agropecuária pode gerar diversos encadeamentos produtivos e tem possibilidade de expansão extensiva e intensiva, o que tem permitido a incorporação de significativas parcelas espaciais e sociais – especialmente no Noroeste mineiro – nas determinações dos fluxos mundiais de comércio (RIBEIRO e GALIZONI, 2007; BASTOS e GOMES, 2011; PEREIRA, 2012; GILIO et al, 2016).
A soja, em 2001, era o oitavo principal produto exportado para China, sendo que apenas três municípios o exportavam. Desde então, o valor saltou de U$ 6,2 milhões para U$ 896 milhões, em 2020, maior valor da série histórica. A participação sínica no montante exportado passou de 9% (2001) para 76% (2020) (Gráfico 2). No mesmo período, o total de municípios que exportavam o produto para China passou de três para dezoito. Assim, as principais mesorregiões exportadoras são Triângulo Mineiro/Alto Paraíba (59%) e Noroeste/Norte de Minas (29%), perfazendo, portanto, 88% do total exportado entre 2000 e 2020. É possível visualizar no Gráfico 3 o rebatimento do impacto da demanda chinesa na área plantada e na quantidade produzida para as mesorregiões citadas (COMEXSTAT, 2021).
Gráfico 3 - Toneladas produzidas x área plantada de soja para regiões selecionadas
Fonte 1: Elaboração própria, dados a partir da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM).
A partir do Gráfico 4, pelo crescente montante exportado pelo estado, é possível verificar que parte significativa da produção foi voltada para exportação. Nota-se, principalmente na última década, particularmente após 2013, a grande elevação da quantidade exportada, a despeito da queda dos preços à vista.
Gráfico 4 - Preço (à vista)x quantidade de soja exportada por Minas Gerais
Fonte: Elaboração própria, dados a partir de Banco Mundial para os preços e COMEXSTAT (2021) para as quantidades.
Uma das razões do salto quantitativo da capacidade de exportação de soja em Minas Gerais está fortemente relacionada à construção e consolidação dos Terminais Integradores da VLI, vinculados à rede ferroviária Centro-Atlântica (FCA). O primeiro, no município de Pirapora, entra em operação em 2009; posteriormente, em 2011, começa a operar o localizado no município de Araguari; por fim, em 2016, inicia-se a operação no terminal do município Uberaba (Figura 1). Assim, estes pontos servem como atratores e impulsionam a produção das áreas adjacentes; desta forma, embora Pirapora não seja um produtor, centraliza e escoa a produção do Noroeste e do Alto Paranaíba.
Ademais, no mesmo sentido, no âmbito do programa Pró-Noroeste foram especificadas diversas outras formas de estímulo para a expansão das condições de plantio: via crédito, capacidade de armazenagem e oferta de energia elétrica (MINAS GERAIS, 2011). A partir da pesquisa de Produção Agrícola Municipal (PAM) do IBGE pode-se constatar que a produtividade média da soja nesta mesorregião aumentou entre uma década (2560 kg/ha) para outra (3155 kg/ha), tornando-se a mais produtiva do estado.
Na Figura 1 há a distribuição espacial dos principais municípios[10] exportadores de soja dos últimos 20 anos. Com a exceção de Pirapora, Três Marias, Alfenas e Varginha, os demais municípios estão entre os principais produtores de soja do estado. Desta forma, enquanto os dois primeiros polarizam o envio dos municípios produtores do Noroeste e Alto Paranaíba (e.g. Paracatu, Guarda-Mor, Coromandel), os dois últimos polarizam o envio das cidades do Sul/Sudoeste de Minas (esta mesorregião aumentou a quantidade produzida de 2 mil toneladas, em 2000, para 413 mil, em 2019).
Dentre as três principais mesorregiões, as principais empresas exportadoras de soja são: Multigran S/A[11](Uberlândia e Unaí), Sementes Selecta S/A (Araguari), Cargil Agrícola S/A (Uberlândia), Bunge Alimentos S/A (Araguari, Buritis, Uberaba e Varginha), ADM do Brasil Ltds (Araguari, Pirapora, Patrocínio, Paracatu e Uberlândia[12]) e Louis Dreyfus Commodities Brasil S/A (Varginha e Unaí) (MINAS GERAIS, 2013, 2014).
No que se refere à presença produtiva e de controle da China, destaca-se principalmente o segmento de sementes, uma vez que a ChemChina controla a Sygenta, desde 2016, e a Nideira Semente[13], desde 2018 (COLLIER, 2018), reforçando, nacionalmente e internacionalmente, o controle sobre um segmento considerado estratégico (VIEIRA et al, 2016).
Outro produto que foi relevante na relação sino-mineira é o açúcar, especialmente o derivado da cana-de-açúcar. Pelo Gráfico 2, é possível observar um aumento da participação chinesa na demanda por esse produto entre 2009 e 2016, que se eleva novamente até 2020. A participação chinesa no total exportado foi de 13% na década, alcançando o máximo de 22% (2013) ou U$ 248 milhões. Em valores, passou de U$ 843 mil, em 2009, para U$ 213 milhões, em 2020 (COMEXSTAT, 2021).
Desta forma, quando a demanda chinesa aumenta, geralmente ela se torna o principal destino de exportação deste produto. Mas, diferentemente dos outros produtos agropecuários analisados, o leque de compradores é bem maior, implicando, teoricamente, em menor dependência do produto junto ao mercado chinês (MINAS GERAIS, 2018). Os principais municípios exportadores[14] se concentram no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Noroeste de Minas (Figura 1). Ademais, esta região, na década de 2010, tornou-se a segunda principal produtora, ultrapassando o Sul/Sudoeste mineiro.
Outro aspecto é que, em contraste com a soja, os municípios exportadores geralmente são também os principais produtores – com a exceção de Carneirinho, onde se localiza uma usina da empresa Coruripe. Convém destacar as usinas desta empresa em Iturama e Campo Florido, sendo que, na primeira, há perspectiva de que, até 2022, seja concluído um terminal de entroncamento rodoferroviário por parte da empresa. Outra empresa chave é a Usina Delta S/A, que atua a partir de Delta e Conceição das Alagoas (Minas Gerais, 2014). Salienta-se que, como um todo, a expansão do complexo sucroalcooleiro pode ser constatada desde finais dos anos 1990 e se acelerou nos anos 2000 (GILIO et al, 2016; LACERDA, 2019). Ademais, ressalta-se que a produtividade média da mesorregião do Noroeste se elevou entre uma década (73 ton/ha) e outra (85 ton/ha), enquanto, por exemplo, a do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba permaneceu estagnada (81 ton/ha). Por fim, não há registro de atividades diretas de capitais chineses na produção de açúcar (CARIELLO, 2018).
Já o segmento de exportação de carne bovina congelada, conforme o Gráfico 2, sofreu uma grande expansão, a partir de 2016, após a retomada da possibilidade de embarque e liberação de plantas de abate para exportação. Deste então, a participação chinesa como destino de exportações aumentou de 31% para 72%, em 2020. As empresas e municípios exportadores (Figura 1) são: JBS S/A, em Ituiutaba e Iturama; Mataboi, em Araguari; e Frisa, em Nanuque. Em valores, as exportações se elevaram de U$ 86 milhões (2016) para U$ 496 milhões (2020), tornando-se, no acumulado, o quarto principal produto de exportação para a China desde então. Nos últimos dez anos, as plantas produtivas, especialmente exportadoras, receberam diversos aportes para expansão da sua capacidade produtiva (LACERDA, 2019). Ademais, neste segmento, para Minas Gerais, não há registro de inversões diretas de capitais chineses (CARIELLO, 2018; COMEXSTAT, 2021).
O interessante, conforme a Figura 1, é que os principais municípios exportadores de carne bovina congelada e, em menor grau, de açúcar, foram capazes de exportar outros produtos agropecuários, especialmente os municípios localizados na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Ou seja, existe, por um lado, maior capacidade de transbordamento ao nível local/regional das atividades agropecuárias em função da maior complementariedade com a China. Por outro lado, choques adversos de demanda ou oferta podem impactar mais profundamente o dinamismo econômico destes espaços.
Um último segmento relevante da relação sino-mineira é a pasta de celulose, cujos insumos são provenientes da silvicultura. O único munícipio exportador é Belo Oriente, localizado no Vale do Rio Doce (Figura 1), onde se encontra a fábrica da Cenibra. A participação da China no total exportado se elevou de 9%, em 2001, para 35%, em 2020 (Gráfico 2). Em valores, de U$ 29 milhões para U$ 170 milhões, sendo a China o principal destino desde 2014 (COMEXSTAT, 2021). Esse segmento, para Minas Gerais, não apresenta inversões diretas chinesas.
Em resumo do tópico, o impacto da demanda chinesa nas atividades agropecuárias ampliou as áreas de plantio e da quantidade produzida por porções específicas no espaço mineiro (Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Noroeste); estimulou a diversificação de exportações das áreas especializadas na produção mercadorias agropecuárias; e, por último, tem sido acelerada, especialmente no caso da soja, por inversões em infraestrutura para armazenamento e escoamento.
4. Conclusão
O objetivo deste artigo foi conferir uma espacialidade à ‘demanda chinesa’ ou à ‘complementariedade produtiva’ entre Minas Gerais e China. A partir da espacialização dos principais municípios exportadores foi possível discutir quais espaços mineiros foram acionados na atual quadra de divisão internacional de trabalho. Para tanto, foi feito uma análise dos investimentos em infraestrutura e expansão de produção, ressaltado por quais meios os diferentes espaços regionais foram acionados e como se deu articulação entre centros exportadores e produtores. Ademais, na medida do possível, salientou-se os principais atores (empresas) que efetivam esta complementariedade e em quais circunstâncias os capitais chineses buscam entrar diretamente nos diferentes segmentos produtivos aqui analisados. Foram relevantes, por um lado, os municípios especializados no segmento agropecuário do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e, principalmente, do Noroeste de Minas, conforme se observa pelas áreas, quantidade e produtividade dos setores exportadores. Por outro, nota-se o reforço da área central do estado, em função de suas reservas minerárias, acompanhadas, sobretudo, por maior intensidade de exploração.
Não obstante o sucesso exportador, deve-se ponderar as possibilidades de esgotamento, seja por choques adversos de oferta (e.g. exaustão do solo, mudanças climáticas, surgimento de concorrência de novas áreas de produção/extração), seja de demanda (especificamente as mudanças das preferências/necessidades chinesas). A capacidade de internalizar os benefícios das exportações – via adensamento e/ou encadeamentos produtivos – deve permanecer no horizonte municipal e estadual, sendo central a atuação estatal, em especial do Governo Estadual, sobretudo devido aos impactos nas finanças públicas, logo, na capacidade de prestação de diversos serviços públicos, especialmente nas cidades minerárias. Além disso, constatou-se o fato estilizado – inclusive reforçado pela infraestrutura – da cisão do espaço estadual entre áreas de mineração e áreas da agropecuária. Assim, recoloca-se e reforça-se a fragmentação dos espaços regionais voltados para fora, recolocando as problemáticas típicas do processo histórico e geoeconômico desarticulado do desenvolvimento de Minas Gerais.
Portanto, chega-se a conclusão do crescente peso do modelo produtivo pautado em commodities em Minas Gerais – sobretudo pelas inversões de expansão e escoamento, estes incentivados pela demanda externa chinesa –, que tem tomado proporções, inclusive espaciais, cada vez maiores. Assim, é necessário avançar nos impactos/transbordamentos sociais e ambientais da análise, principalmente partindo do exposto que, em meio a crise e recessão econômica brasileira, a extensão e intensidade deste “modelo” se agudizou nos anos recentes. Cuja consequência, muitas vezes, tem sido a convivência de regiões de oásis de riqueza cercadas de regiões de atrasadas/pobres/estagnadas, consequentemente, potencializando as fraturais espaciais nas suas múltiplas escalas.
[1] Outro exemplo é expansão do Complexo de Mariana – ou Sistema Sul da Vale –, especialmente a mina Fábrica Nova (Mariana) e mina do Brucutu (São Gonçalo do Rio Abaixo).
[2] A saber: Nova Lima, Ouro Preto, Itabira, Itabirito, Brumadinho, São Gonçalo do Rio Abaixo, Mariana, Conceição do Mato Dentro, Congonhas, Rio Piracicaba, Itatiaiuçu. Barão de Cocais e Catas Altas.
[3] Deste do crime ambiental do rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o mineroduto esteve interditado, mas, desde maio de 2020, a empresa recebeu licença para retoma gradual do uso.
[4] Hachurado de marrom na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (Figura 3)
[5] Salienta-se que o meio de exportação do nióbio, desde 2015, após ser transportado de caminhão de Araxá, se dá pela MRS Logística S/A, a partir de um terminal em Contagem para Sepetiba (RJ). Este processo facilitou e reduziu o tempo de escoamento do produto no mercado mundial.
[6] Primeiro ultrapassou o Japão (2005) e, posteriormente, os Países Baixos (2018).
[7] São elas: Taiyuan Iron and Steel, CITIC Group e Baoshan Iron and Steel (Baosteel).
[8] Basta apontar, por exemplo, o salto na capacidade física de exportação de 56 milhões (2000) para o ápice: 189 milhões de toneladas (2016).
[9] O café, por exemplo, tem sido o segundo produto mais importante da pauta de exportação mineira, embora não tenha relevância na relação Minas Gerais-China.
[10] Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: Uberlândia, Araguari, Patrocínio, Santa Juliana, Uberaba; Noroeste: Unaí e Buritis; Sul/Sudoeste: Alfenas e Varginha; Central Mineira: Três Marias; Norte: Pirapora.
[11] Encerrou as atividades em 2018.
[12] Via aquisição, em 2018, da Algar Agro que detinha a ABC Indústria e Comércio S/A
[13] Possuía um grande complexo de beneficiamento e armazenamento em Patos de Minas, mas que foi encerrado em 2019.
[14] Na mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba: Campo Florido, Pirajuba, Delta, Carneirinho, Ituiutaba, Uberaba e Iturama. No Noroeste: João Pinheiro.