Propostas de dinamização da rede de transportes no estado do Amazonas
Thiago Oliveira Neto
Doutorando em Geografia Humana pela USP, Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas UFAM,
Referências
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Introdução
Os objetos técnicos, como as infraestruturas físicas e os meios de transporte, propiciam deslocamentos diversos nos territórios e permitem que lugares sejam articulados às dinâmicas sociais, econômicas e políticas na escala local, regional, nacional e internacional de um país, sendo possível, nas duas primeiras, identificar a existência de elementos que dão fluidez maior ou menor viscosidade[1] aos fluxos.
A fluidez territorial, enquanto um atributo dos territórios, pode ser alterada com a inserção de novos objetos técnicos, seja composta por infraestruturas fixas, como aeroportos, rodovias e portos, ou ainda por objetos móveis, como os veículos automotores, embarcações e aeronaves, todos esses repletos de conteúdos técnicos e informacionais para a realização dos deslocamentos sobre a terra, ar ou água. Partindo do pressuposto que as infraestruturas fixas são os elementos estruturantes da circulação e da fluidez territorial, buscou-se delinear proposições voltadas para os transportes no estado do Amazonas, tendo em vista que o que torna o território mais fluido é um ato de planejar, que também pode ser encarado como um ato (geo)político de desenhar as novas estruturas e redes de circulação para fins de estabelecer um melhor controle territorial ou para possibilitar fluidez de pessoas, cargas e informações da dinâmica local e regional.
Levando este contexto em consideração, vamos abordar nesse texto três proposições[2] de infraestruturas e de redes de transportes no estado do Amazonas, tomando como base as infraestruturas já existentes, a possibilidade de concluir aquelas que se encontram inacabadas e de propor outras para fins de reforçar a circulação local e regional interna no estado, com objetivo de atender as demandas econômicas locais, que também exigem por um território mais fluido, principalmente no período atual.
Para abordar as diferentes proposições, o texto foi organizado em quatro partes: i) são apresentadas as diferentes proposições voltadas para o transporte fluvial; ii) consiste em proposições voltadas para a conclusão das rodovias ainda não asfaltadas e construir ligações de 10 até 100 km em alguns municípios e entre municípios; iii) proposição de uma malha aérea regional para o transporte de passageiros e encomendas entre as cidades; e, por fim, iv) apresenta-se uma síntese em representação cartográfica das propostas pontuadas.
Para a realização desse estudo de caráter propositivo, foi levado em consideração os levantamentos bibliográficos referentes aos transportes, geografia e planejamento, além da realização de análise dos fluxos e infraestruturas de transportes existentes dentro do estado do Amazonas. As proposições realizadas partiram da análise da rede urbana e das principais ligações existentes como aponta o IBGE (2018), nos estudos da hierarquização da rede urbana, pois essa hierarquização já denota uma organização dos fluxos e a proposta consiste em instituir outras centralidades com nós e conexões rodoviárias, fluviais e principalmente aérea.
A proposição que será apresentada a seguir almeja novos percursos para fins de propiciar mais fluidez territorial com a redução do tempo de circulação para acessar os diferentes serviços públicos e privados nas cidades.
1. Navegação fluvial e pequenos portos
Os deslocamentos de pessoas, cargas e informações ocorrem na Amazônia, especialmente no estado do Amazonas, pelos rios, que já eram usados desde o período de formação territorial do país para os transportes e para estabelecer o controle territorial por meio da instalação de fortes e de cidades.
O transporte fluvial no estado do Amazonas possui elementos singulares, como destacou Nogueira (1994), com a existência de uma população de baixa renda, dispersão aos longos rios e embarcações regionais que atendem os deslocamentos com operações pautadas em uma rentabilidade estabelecida com o transporte de cargas e de pessoas na mesma embarcação, possibilitando a complementação da renda dos donos das embarcações, ao mesmo tempo que proporciona que cargas com os bens mais diversos circulem juntamente com os passageiros entre as cidades.
Se por um lado temos uma rede de circulação e de transporte fluvial que foi sendo estabelecida e potencializada ao longo dos últimos 200 anos, por outro, as diversas inserções técnicas oriundas das evoluções logísticas em nível global e local passaram a compor as diferentes embarcações regionais que agora apresentam maior capacidade de transporte de carga e de passageiros, motores com maior potência, maior velocidade de deslocamento e novas variantes voltadas a realizar percursos em menor tempo que os tradicionais barcos regionais.
A história, as dimensões espaciais, organizações e os avanços técnicos no transporte fluvial foram explorados nos estudos de Nogueira (1994; 1999; 2011), David (2010; 2019) e Queiroz (2019a; 2019b). Apesar de Ferreira (2016) destacar a ausência de uma regulação da atividade e de demais problemas, enquanto Pereira (2015) explora os elementos históricos e a lógica simbólica do uso do rio no transporte fluvial e Huertas (2007; 2013) analisa o transporte de carga na Amazônia e as diferentes organizações e eixos articulados, nenhum desses autores destacaram proposições referentes a inserção de sistemas de engenharia como portos e nem a possibilidade de estabelecer novas rotas com base numa articulação intermodal.
No CGEE (2009), destaca-se a importância da intermodalidade e da capilaridade para a conectividade em escala regional da Amazônia, visando a necessidade de se garantir os fluxos de pessoas, mercadorias dos produtores locais e a comunicação. A “logística do pequeno”, pontuada no CGEE (2009, p. 21), constitui-se em uma proposta de transporte para a Amazônia com redes capilares que possibilitam conectar as populações ribeirinhas as demais cidades da rede urbana com malhas que “cubram o território, atendendo à massa de população que nele reside e propiciando uma integração interna de modo a favorecer o desenvolvimento regional”. Nesse contexto, abordaremos logo a seguir algumas proposições que almejam inserir sistema de engenharia diversos e estabelecer e consolidar rotas fluviais dentro do estado do Amazonas.
Primeiramente, retoma-se a proposição de Oliveira Neto (2020) de inserir duas estruturas portuárias de pequeno porte do modelo IP4, para propiciar o transbordo de cargas e as atividades de embarque e de desembarque com segurança e estimular uma maior intermodalidade entre o transporte fluvial e o rodoviário, ao longo do eixo de influência rodoviário da BR-319.
Os dois pequenos portos, como foi destacado pelo autor anteriormente, visam complementar o eixo de circulação da rodovia BR-319 e da BR-174B (trecho entre as localidades de Hevealândia e Democracia). A rigor, diversos fluxos passaram a ser estabelecidos após a reabertura do tráfego das duas ligações após o mês de setembro de 2015. O primeiro porto proposto seria no município de Manicoré, no distrito de Democracia, situado na margem esquerda do rio Madeira e que poderia possibilitar embarques e desembarques de forma segura entre as embarcações e o distrito, tendo em vista que com a reabertura da rodovia, um conjunto de fluxos de automóveis passou a ser realizado e que poderá ser potencializado com as melhorias nas condições de tráfego da BR-319 e BR-174B.
A segunda proposição de porto fluvial seria no distrito de Realidade, no município de Humaitá, onde ocorre a intersecção da rodovia BR-319 com o rio Realidade e Ipixuna, sendo que este último desagua no rio Purus nas proximidades da cidade de Tapauá. A construção do porto e pequenas adequações no rio Ipixuna poderia corroborar na potencialização da navegação fluvial e do uso da rodovia BR-319 nos deslocamentos entre as cidades de Manaus e Tapauá, de forma intermodal.
A proposta de construção do porto e de tornar navegável para pequenas embarcações regionais, o rio Ipixuna entre o distrito de Realidade até o rio Purus possibilitaria uma alteração das redes de circulação entre as cidades de Tapauá e Manaus, que atualmente apresenta apenas os fluxos fluviais e raramente deslocamentos aéreos em pequenas aeronaves, assim, a proposta intermodal entre a navegação e o transporte rodoviário via BR-319 instituiria um segundo percurso entre as cidades citadas (fig. 1).
Figura 1. Proposta de pequenos portos e da rota intermodal entre as cidades de Manaus e Tapauá.
Essa proposta de circulação resulta, conforme pontuou Oliveira Neto (2020), na redução do tempo de circulação, como se apresenta o quadro 1.
Quadro 1. Tempo de circulação Manaus-Tapauá e Lábrea-Tapauá.
Trecho |
Modal |
Tempo de deslocamento |
Percurso em km |
Total em km |
Manaus-Tapauá |
Fluvial** |
72h |
1200 |
1200 |
Manaus-Tapauá |
Rodovia*+Fluvial** |
10/36h+11h |
580+250 |
830 |
Lábrea-Tapauá |
Fluvial** |
30-42h |
700 |
700 |
Lábrea-Tapauá |
Rodovia*+Fluvial** |
4/8h+11h |
254+250 |
504 |
*Levando em consideração a rodovia no período de julho até novembro; ** Levando em conta o deslocamento em um barco regional. Informações obtidas em trabalho em campo, barco Purus.
A terceira proposição consiste na construção, reconstrução e consolidação dos demais pequenos portos em todas as cidades amazonenses (fig. 2) e a construção de uma estação hidroviária na cidade de Manaus, a fim de inserir um objeto geográfico para aumentar a segurança nos transbordos de cargas e embarque e desembarque de pessoas.
Figura 2. Pequenos portos na Amazônia.
Mostra-se, portanto, a necessidade de reorganizar e ampliar a hidroviária do município de Manaus, que apresenta um porto privatizado e outros locais precários onde é realizado o embarque, desembarque e comercialização de passagens (fig. 3).
Figura 3. Locais de embarque/desembarque: a) cais do porto privatizado; b) balsa verde; c) balsa amarela; d) balsa onde ocorre o atracamento dos barcos expressos/a jato. Imagens do autor, 14/07/2022.
Essas propostas de pequenos portos e de ligações fluviais se articulam com outras redes, como o transporte aéreo e o transporte rodoviário, já que, a rigor, as redes são um conjunto diverso de ligações e de conexões entre os lugares.
2. Rodovias de ligações locais e regionais
Além das vias fluviais existentes e com uma densa rede de circulação fluvial na Amazônia e no estado do Amazonas, devemos pontuar que outras infraestruturas, como as rodovias, foram capazes de alterar e de instituir uma outra rede de circulação que tornou mais complexa a rede urbana. Apesar disso, devemos pontuar que a política rodoviária nacional e estadual não resultou na construção de rodovias em todo o estado do Amazonas, apesar de existir projetos elaborados desde as décadas de 1970 e 1980.
Apesar das propostas, vários projetos (fig. 4) foram sendo implantados, como as grandes ligações Manaus-Porto Velho com 885 km, Manaus-Boa Vista-Pacaraima com 972 km e a Transamazônica com 4220 km. Ainda, tem-se as ligações estaduais centradas em sua maior parte próxima a cidade de Manaus, além de alguns projetos federais não concluídos como a Grande Perimetral Norte, com as rodovias BR-210 e BR-307, e o prolongamento da Transamazônica, entre Lábrea e Benjamim Constant, não executado.
Figura 4. Mapa rodoviário com as propostas de ligações federais e estaduais das décadas de 1960, 1970 e 1980 do DNER e DER-Am.
Outras ligações como as rodovias estaduais foram sendo planejadas e construídas, apesar disso, algumas conexões não foram elaboradas e outras se encontram abandonadas, dificultando a fluidez cotidiana da população e dos circuitos econômicos locais e regionais, que apesar da existência de centenas de quilômetros de rios, nem todos são plenamente navegáveis no decorrer do ano, surgindo, assim, uma possibilidade de estabelecer infraestruturas rodoviárias de curto percurso para complementar e possibilitar mais um caminho de circulação.
A proposição de consolidação das rodovias existentes e a proposição de novas são compreendidas como principais meios para a expansão de relações capitalistas que tem como consequência a redução da cobertura florestal pelo avanço das frentes pioneiras. Essa discussão, que ainda é atual, não leva em consideração que os projetos do passado estavam vinculados com as políticas de expansão das atividades econômicas (muitas exógenas) na Amazônia e a inserção de diversos projetos de colonização. Já a proposição que se buscou tecer nesse estudo, não leva em consideração a consolidação ou a construção de novas rodovias com a inserção de projetos econômicos como ocorreu no passado, além disso, as propostas consistem em sua maioria de ligações locais e regionais de até 100 km, com objetivo de dinamizar a circulação local e reduzir tempo de viagens das pessoas que moram no interior do estado do Amazonas.
Com base nisso e em uma observação das infraestruturas de transporte no estado do Amazonas, notou-se que aproximadamente 23 ligações[3] poderiam ser concluídas para viabilizar melhor acesso e maior fluidez territorial na escala local. Essas ligações[4] (quadro 2) identificadas totalizam 1.407,57 km de rodovias, que podem ser caracterizadas como percursos construídas e não asfaltadas, rodovias propostas e ligações não asfaltadas.
Quadro 2. Rodovias implantadas, projetadas e as propostas.
Nº |
Ligações |
Tamanho |
Localização |
Situação |
1 |
Itapiranga – São Sebastião do Uatumã |
25,6 km |
Lat. 2°35'19.80"S Long. 57°52'58.47"O Lat. 2°44'11.37"S Long. 58° 1'57.20"O |
Implantada |
2 |
AM-342 - Caapiranga |
58,6 km |
Lat. 2°57'38.92"S Long. 60°57'21.41"O Lat. 3°14'19.31"S Long. 61°14'10.15"O |
Implantada parcialmente |
3 |
Autazes – Borba |
106 km |
Lat. 4°21'52.92"S Long. 59°37'25.13"O Lat. 3°39'25.14"S Long. 59° 6'40.37"O |
Planejado |
4 |
Anori – Anamã - Caapiranga |
82,2 km |
Lat. 3°39'29.19"S Long. 61°39'50.49"O Lat. 3°16'33.50"S Long. 61°14'32.84"O |
Proposta |
5 |
Novo Aripuanã – Apuí (AM-174) |
278 km |
Lat. 5° 7'45.12"S Long. 60°22'4.10"O Lat. 7°11'34.16"S Long. 59°52'59.19"O |
Implantada |
6 |
Anori – Codajás |
68 km |
Lat. 3°50'8.48"S Long. 62° 3'34.93"O Lat. 3°44'28.22"S Long. 61°39'38.05"O |
Implantada |
7 |
(BR-319) Hevealândia – Democracia |
84 km |
Lat. 5°12'1.01"S Long. 61°50'8.91"O Lat. 5°47'51.15"S Long. 61°26'6.48"O |
Implantada |
8 |
Guajará – Ipixuna (AM-280) |
131 km |
Lat. 7°32'20.90"S Long. 72°34'16.60"O Lat. 7° 2'18.74"S Long. 71°41'21.08"O |
Planejado |
9 |
Envira – Feijó (AM-329/Ramal Joaquim Sousa) |
106 km |
Lat. 8°10'17.40"S Long. 70°20'5.75"O Lat. 7°26'30.97"S Long. 70° 0'48.31"O |
Em implantação |
10 |
Vila Amazônia – Colônia Boa Esperança |
43,2 km |
Lat. 2°36'44.65"S Long. 56°39'12.34"O Lat. 2°40'41.74"S Long. 56°37'27.12"O |
Implantada |
11 |
Distrito de Realidade – Rio Madeira |
27,3 km |
Lat. 7° 1'1.77"S Long. 62°51'30.05"O Lat. 6°56'41.16"S Long. 63° 5'5.40"O |
Implantada parcialmente |
12 |
Nova Olinda do Norte - Autazes |
33,8 km |
Lat. 3°53'36.19"S Long. 59° 4'53.17"O Lat. 3°40'51.44"S Long. 59° 4'44.08"O |
Proposta |
13 |
Estrada entre AM-010 – BR-174 (Comunidade Nova Canaã) |
32 km |
Lat. 2°36'59.41"S Long. 60° 2'21.75"O Lat. 2°44'4.66"S Long. 59°52'51.94"O |
Implantada |
14 |
Carauari – Vila Nova (E. do Gavião) |
7,47 km |
Lat. 4°50'12.81"S Long. 66°51'3.62"O Lat. 4°51'47.04"S Long. 66°53'18.73"O |
Implantada |
15 |
Beruri – Bela Vista - Caviana |
42,8 km |
Lat. 3°54'31.79"S Long. 61°21'56.57"O Lat. 3°45'37.76"S Long. 61° 9'25.00"O |
Proposta |
16 |
Tabatinga – Belém do Solimões |
57,2 km |
Lat. 4° 2'33.17"S Long. 69°31'57.85"O Lat. 4°13'21.36"S Long. 69°55'12.91"O |
Proposta |
17 |
Pauini – Rio Pauini |
15,3 km |
Lat. 7°43'23.08"S Long. 67° 6'27.72"O Lat. 7°42'36.70"S Long. 67° 0'12.14"O |
Implantada |
18 |
Juruá – Forte da Graça |
20,8 km |
Lat. 3°38'9.34"S Long. 66° 5'49.06"O Lat. 3°28'57.52"S Long. 66° 3'21.60"O |
Implantada |
19 |
Alvarães – Praia do Nogueira |
11,9 km |
Lat. 3°18'5.39"S Long. 64°46'53.10"O Lat. 3°13'8.46"S Long. 64°49'13.42"O |
Implantada |
20 |
Tefé - Emade |
33,5 km |
Lat. 3°24'15.97"S Long. 64°34'36.88"O Lat. 3°21'49.16"S Long. 64°43'5.44"O |
Implantada |
21 |
Coari – Lagoa Mamiá (AM-343) |
49,3 km |
lat. 4°16'7.75"S Long. 63° 4'19.98"O lat. 4° 3'36.77"S Long. 63° 1'43.10"O |
Implantada |
22 |
São Sebastião do Uatumã – Urucará – Vila São José |
69,6 km |
Lat. 2°33'41.45"S Long. 57°52'24.69"O Lat. 2°27'25.34"S Long. 57°39'33.70"O |
Implantada Proposta de 11,5 km |
23 |
Itamarati - Comunidade do Quiriru |
24km |
Lat. 6°26'4.06"S Long. 68°14'55.21"O Lat. 6°17'33.22"S Long. 68°11'51.72"O |
Implantada |
Org. autor. Traçados realizados no Google Earth.
No quadro 2, mencionamos diferentes tipos de rodovias: i) implantação corresponde às rodovias e estradas construídas e que foram apenas terraplanadas, sem pavimentação asfáltica ou com concreto; ii) em implantaçãoconsiste na via que se encontra em obra de construção com a realização ainda do desmatamento e da terraplanagem; iii) consiste nas rodovias propostas para esse estudo e que engloba ligações não existentes, ligações planejadas e não construídas, percursos que foram abertos parcialmente ou que se encontram abandonados sem trafegabilidade.
Para o caso particular das vias em questão, devemos pontuar que não basta realizar apenas a implantação sem a pavimentação asfáltica, pois em decorrência dos períodos de maior percepção pluviométrica – entre dezembro e maio – as rodovias podem ficar intrafegáveis, ou seja, a proposta que deveria ser de dinamizar e de possibilitar uma fluidez territorial acaba resultando em uma fluidez sazonal, com a formação de atoleiros, pistas escorregadias e erosões. Para que se assegure uma fluidez contínua ao longo dos 12 meses do ano, indica-se que as rodovias sejam pavimentadas para evitar a interrupção dos fluxos e evitar fluxos em caráter sazonal.
A distribuição espacial desses projetos (fig. 5) não abarca todos os municípios e cidades do estado do Amazonas, mas ainda assim buscou apontar ligações de cidades, distritos e vilas com percursos que podem reduzir substancialmente o tempo de deslocamento em caso de vias asfaltadas, em comparação com as vias não pavimentadas ou pelo transporte fluvial.
As rodovias de ligações locais e regionais complementam o transporte fluvial já existente, podendo ainda ter uma dinamicidade dos fluxos locais com a expansão e inserção de novos aeródromos e de ligações aéreas entre as cidades amazonenses
Figura 5. Mapa rodoviário com as proposições.
3. Malha aérea local e regional
As propostas de rodovias e de portos no estado do Amazonas se inserem em uma parte das dinâmicas da rede urbana e local, mas outra rede e serviço que ainda pode contribuir é o transporte aéreo. Nesse contexto, vamos pontuar alguns caminhos que podem ser a chave para potencializar a aviação civil regional e local no estado do Amazonas, com algumas ligações com os estados lindeiros.
O transporte aéreo no Brasil, na Amazônia e no Amazonas iniciaram com a atuação do Estado com voos do Correio Aéreo Nacional-CAN e das empresas privadas como Panair, Cruzeiro do Sul, Taba e outras que atuaram nos deslocamentos de pessoas e de cargas. A gênese do transporte aéreo com voos para a Amazônia sinaliza para uma ideia de integração territorial entre as décadas de 1930 e 1960, pois ocorreram antes da abertura das grandes rodovias de integração nacional e pioneiras, e naquele período já desempenham um papel fundamental, este sendo o de ligar diferentes cidades, distritos e vilas pelos voos regionais e nacionais.
De acordo com IPEA (2010, p. 1), o transporte aéreo é “o meio de integração nacional por excelência em países com dimensões continentais”, visto que a velocidade dos deslocamentos “propicia a ligação de extremos de países continentais em um mesmo dia. Uma vantagem adicional é da escolha das aeronaves, que pode adaptar-se facilmente às condições da demanda”. Entre 1975 e 1999, esteve em vigor em nível nacional o Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional-SITAR, que tinha como proposito estimular aviação em rotas aéreas na escala regional, tomando como base subsídios[5]. A liberalização das atividades e serviços na década de 1990, sob influência do Consenso de Washington, resultou em transformações profundas na aviação nacional com a inserção de serviços low cost e a redução do papel do Estado na atividade com cortes de subsídios e o fim de monopólios de ligações regionais, resultando por um lado, na falência das empresas tradicionais como Cruzeiro, Vasp, Varig etc. O fim do SITAR resultou na redução dos deslocamentos internos na Amazônia, mas, para além dessas mudanças em escala marco e econômica, devemos pontuar que a expansão das ações do Estado na Amazônia com grandes projetos e os diversos garimpos tinham sido reduzidos e as migrações inter-regionais foram sendo reduzidas a partir da década de 1990, o que também nos ajuda a explicar a extinção de determinados voos existentes anteriormente.
A relevância dos serviços do transporte aéreo regional para o estado do Amazonas está fundamentada em: “carecer de outras modais de integração” (PAEAM, 2011, p. 1) como eixos ferroviários, rodoviários e com o transporte fluvial que possui deslocamentos contabilizados em dias e até semanas de viagem. O PAEAM (2011, p. 1) destaca que o transporte aéreo “se constitui em uma atividade fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do Estado do Amazonas [e] representam condições indispensáveis para viabilizar um crescimento justo e coerente”; além disso, o transporte aéreo acaba sendo uma alternativa, tendo em vista a existência de problemas de acesso viário (SILVA, 2008), podendo ser visto como complementador aos sistemas já existentes.
O transporte aéreo regional possui atualmente 8 rotas áreas regionais operadas pelas seguintes empresas: Azul e Voepass (quadro 3).
Quadro 3. Voos operantes no estado do Amazonas em outubro de 2021.
Percurso |
Tempo |
Empresa |
Valor R$ |
Frequência por semana |
Manaus-Coari Coari-Manaus |
1h5min |
Voepass |
659,00 – 299,99 |
2 2 |
Coari-Manaus Manaus-Lábrea-Coari |
1h35min 4h15min |
Azul Conecta |
703-86 – 228,80 |
5 5 |
Manaus-São Gabriel da Cachoeira São Gabriel da Cachoeira-Manaus |
1h40min |
Azul |
319,86 – 289,82 |
3 3 |
Manaus-Tefé-Eirunepé Eirunepé-Tefé-Manaus |
2h35min |
Voepass |
1.299,99 – 899,99 |
3 3 |
Manaus-Tefé Tefé-Manaus |
1h25min |
Voepass |
499,99 – 289,99 |
3 3 |
Manaus-Coari-Lábrea Lábrea-Coari-Manaus |
2h30min |
Voepass |
699,99 |
1 1 |
Manaus-Lábrea Lábrea-Coari-Manaus |
2h 3h55min |
Azul Conecta |
606,80 – 415,86 |
3 3 |
Manaus-Parintins Parintins-Manaus |
1h |
Azul |
280,86 – 212,80 |
3 3 |
Manaus-Tabatinga Tabatinga-Manaus |
1h50min |
Azul |
649,86 – 312,13 |
6 6 |
Manaus-Maués Maués-Manaus |
1h15 1h10 |
Azul Conecta |
956,86 – 320,80 |
5 3 |
Fonte: Azul; Voepass. Informações dos valores obtidos nos sites no dia 21/10/2021.
Estas rotas, destacadas no quadro 3, não articulam nem a metade das cidades do estado (fig. 6), ou seja, diversas cidades são articuladas somente pelos rios e em alguns poucos casos pelas rodovias.
Figura 6. Articulação atual do transporte aéreo no estado do Amazonas.
Diante dessa constatação de uma rede aérea incipiente no estado do Amazonas, com poucas articulações locais e regionais, propomos um conjunto de novas rotas e de novos nós regionais e locais, tomando como base a necessidade de complementação e de articulação com os outros modais[6].
O IPEA (2010, p. 50) aponta, pelo menos, três gargalos que afetam o transporte aéreo regional, destacando: i) institucional, com a “ausência de planejamento de longo prazo, políticas públicas consistentes e regulação econômica adequada”; ii) legislativa, com a “inadequação do arcabouço legal e insuficiência dos mecanismos de segurança jurídica”; iii) financeira, com a pouca destinação de recursos às infraestruturas e aos mecanismos de financiamento; iv) física, com a “degradação das infraestruturas e descontinuidades nos investimentos, com consequentes distorções nas malhas aéreas”; v) operacional, com a ausência de integração e de conflitos para a operacionalização das instalações e equipamentos.
Na esfera estadual, identifica-se a existência de dois planos aeroviários, o primeiro deles de 1991 e outro de 2011. O Plano Aeroviário do Estado do Amazonas-PAEAM, de 1991, consiste em “um instrumento macrodiretor do desenvolvimento do Sistema Estadual de Aeroportos, que determina as diretrizes e metas fundamentais” para serem seguidas do ponto de vista de planejamento com objetivo central de “promover o desenvolvimento eficiente e harmônico da infraestrutura aeronáutica, localizada no interior do estado, visando suprir as necessidades de transporte aéreo nos próximos vinte anos” (PAEAM, 1991, p. 3).
Já o PAEAM, de 2011, consta uma diversidade de voos projetados e diversas ligações da capital amazonense com as sedes municipais das demais cidades do estado, e isso reforça, de um lado, a centralidade de Manaus; por outro, a capital, além de ser um hub do transporte aéreo regional, apresenta uma diversidade de serviços que são inexistentes ou precários nos municípios.
As rotas aéreas propostas pelo PAEAM apresentam 27 ligações regionais, sendo 19 ligações com a cidade de Manaus, o que reforça ainda mais a centralidade da capital, sendo necessário criar hubs locais e instituir serviços e equipamentos públicos nestes, intuindo reduzir o percurso para se obter acesso a um determinado serviço.
Com esse contexto, podemos tecer três tipos de proposições: i) uma baseada em novas ligações aéreas entre as cidades; ii) reformas e melhorias nas infraestruturas aeroportuária de aeródromos para fins de potencializar e manter os serviços aeroportuários; iii) uma política regional de estímulo à aviação regional e local, com uma ação combinada entre infraestruturas fixas e estímulo para a expansão dos serviços com as empresas com operações pautadas em aeronaves de porte pequeno como o modelo Cessna Grand Caravan e de porte médio como os ART 42 e 72, Embraer 190 e 195.
A proposição elaborada toma como base a rede área existente e um conjunto de novas rotas com operações entre cidades, tendo pelo menos uma delas como nó da rede, pois alguns percursos locais entre os municípios foram traçados sem interligar a capital estadual, porém uma das cidades do percurso local possui um voo direto e/ou semidireto para a cidade de Manaus, o que já denota a existência de uma hierarquia urbana para as operações aeroportuárias.
Buscou-se elaborar e propor 12 rotas aéreas (quadro 4) com ligações que variam de 258 km até 1103 km. Destaca-se, ainda, os tipos de aeronaves que poderiam ser utilizadas nos deslocamentos, tomando como base a baixa densidade demográfica, renda e tamanho máximo das pistas de pouso dos aeródromos.
Quadro 4. Tipos de aeronaves e rotas no estado do Amazonas.
Nº |
Rotas |
Modelo de aeronave |
Situação |
Distância em linha reta |
1 |
Manaus-Humaitá-Lábrea |
Cessna Caravan |
Projetado |
790 km |
2 |
Coari-Tapauá-Canutama-Lábrea |
Cessna Caravan |
Projetado |
428 km |
3 |
Boca do Acre – Paulini - Lábrea |
Cessna Caravan |
Projetado |
379 km |
4 |
Carauari - Itamarati – Eirunepé – Envira - Ipixuna |
Cessna Caravan |
Projetado |
689 km |
5 |
Carauari - Manaus |
ART 72 / E190/195 |
Operando |
788 km |
6 |
Carauari – Juruá - Fonte Boa – Japurá - Maraã – Tefé |
Cessna Caravan |
Projetado |
765 km |
7 |
Tabatinga – São Paulo de Olivença – Amaturá – Santo Antonio do Içá – Tonantins – Jutaí – Uarini – Tefé |
Cessna Caravan |
Projetado |
657 km |
8 |
Tefé – Coari - Manaus |
ART 72 / E190/195 |
Operando |
558 km |
9 |
Tabatinga-Manaus |
ART 72 / E190/195 A319 / A320 |
Operando |
1106 km |
10 |
Cucuí - São Gabriel da Cachoeira – Vila Betencourt – Ipiranga – Tabatinga – Palmeiras do Javari – Estirão do Equador |
Cessna Caravan H130 |
Projetado |
1103 km |
11 |
Tabatinga-Ipixuna-Cruzeiro do Sul (AC) |
Cessna Caravan ART 42 |
Projetado |
458 km |
12 |
Manaus – Barcelos – Santa Izabel do Rio Negro – São Gabriel da Cachoeira |
ART 42 / ART 72 / E190 / E195 |
Projetado |
856 km |
13 |
Manaus – Codajás - Beruri |
Cessna Caravan |
Projetado |
321 km |
14 |
Manaus – Autazes – Borba – Maués – Boa Vista do Ramos – Barreirinha - Parintins |
Cessna Caravan |
Projetado |
602 km |
15 |
Apuí – Manicoré – Novo Aripuanã - Manaus |
Cessna Caravan |
Projetado |
578 km |
Elaboração própria. Cidades em negrito consistem em nó da rede estadual/local.
Essas rotas e nós propostos para a rede de transporte aéreo possui uma dimensão espacial (fig. 7), que inclui diversas cidades importantes da rede urbana e pequenas cidades desconectadas das operações do transporte aéreo regular e de fretamento. O IPEA (2010, p. 25) pontua a existência de “concepções operacionais inovadoras, como a hub and spoke” e esses constituem em um “sistema de distribuição de voos baseado em aeroportos concentradores (hubs) que centralizam as operações e conexões e outros que recebem apenas ligações secundárias (spokes)”.
Figura 7. Rotas e nós propostos para o transporte aéreo.
A rede foi organizada tomando como fundamento o nível hierárquico da rede urbana, dos aeroportos e voos regulares, estabelecendo-se a seguinte classificação: 1. corresponde à capital do estado; 2. corresponde as cidades que possuem aeródromos com voos regulares e com operações de aviões dos modelos B737, EMB 190 ou 195, ATR 72 ou 42; 3. consiste nos aeródromos das cidades com infraestrutura precária e pista curta (800 – 1.199 m) interligados pelos voos locais com aviões pequenos (Cessna Caravan); 4. consiste em aeródromos de uso militar dos Pelotões Especiais de Fronteira e que permitem ligações regionais e locais com as bases militares e as vilas existentes. A hierarquização foi construída com base no arranjo proposto e sistematizado no quadro 4, não levando em consideração as condições estruturais dos aeródromos, mas sim, as redes que podem ser estabelecidas.
O quadro 5 apresenta a hierarquia e as informações dos aeroportos e a população do município, acordando-se que a quantidade de pessoas se torna um indicativo para identificar a existência de mercado cativo.
Quadro 5. Informações dos aeródromos da rede proposta.
Cidade |
Aeródromo |
Código IATA e ICAO |
Tamanho da pista em metros |
População |
Nível hierárquico da rede |
Manaus |
Aeroporto Internacional Eduardo Gomes |
MAO - SBEG |
2.700 |
2.219.580 |
1 - capital |
Parintins |
Aeroporto Júlio Belém |
PIN - SWPI |
1.800 |
115.363 |
2 - nó regional |
Tabatinga |
Aeroporto Internacional de Tabatinga |
TBT - SBTT |
2.150 |
71.317 |
2 - nó regional |
São Gabriel da Cachoeira |
Aeroporto de Uaupés |
SJL - SBUA |
2.600 |
46.303 |
2 - nó regional |
Carauari |
Aeroporto de Carauari |
CAF - SWCA |
1.665 |
28.508 |
2 - nó regional |
Tefé |
Aeroporto de Tefé |
TFF - SBTF |
2.200 |
59.250 |
2 - nó regional |
Coari |
Aeroporto Municipal Danilson Cirino Aires da Silva |
CIZ - SWKO |
1.600 |
85.910 |
2 - nó regional |
Lábrea |
Aeroporto de Lábrea |
LBR - SWLB |
1.000 |
46.882 |
2 - nó regional |
Humaitá |
Aeroporto de Humaitá |
HUW-SWHT |
1.200 |
56.144 |
3 - local |
Canutama |
Aeroporto de Canutama |
SDKH |
1.000 |
15.807 |
3 - local |
Apuí |
Aeroporto de Apuí |
SWYN |
1.600 |
22.739 |
3 - local |
Manicoré |
Aeroporto de Manicoré |
MNX - SBMY |
1.265 |
57.405 |
3 – local |
Tapauá |
Aeroporto Luiz Ribeiro Maia |
SDLR |
1.200 |
17.015 |
3 - local |
Boca do Acre |
Aeroporto Campo Novo |
BCR - SWNK |
1.600 |
34.958 |
3 - local |
Beruri |
- |
- |
- |
20.093 |
3 - local |
Anori |
- |
- |
1.200 |
21.937 |
3 - local |
Maraã |
- |
- |
- |
18.261 |
3 - local |
Santa Izabel do Rio Negro |
Aeroporto de Tapuruquara |
IRZ - SWTP |
|
25.865 |
3 - local |
Eirunepé |
Aeroporto de Eirunepé |
ERN - SWEI |
2.300 |
36.121 |
3 - local |
Envira |
Aeroporto João Fonseca |
SNRH |
1.200 |
20.748 |
3 - local |
Fonte Boa |
Aeroporto de Fonte Boa |
FBA - SWOB |
1.270 |
17.005 |
3 - local |
Maués |
Aeroporto de Maués |
MBZ-SWMW |
1.200 |
66.159 |
3 - local |
Barcelos |
Aeroporto de Barcelos |
BAZ - SWBC |
1.200 |
27.638 |
3 - local |
Itamarati |
- |
- |
1.200 |
7.777 |
3 - local |
Ipixuna |
Governador José B. Lindoso |
- |
1.200 |
31.172 |
3 - local |
Juruá |
- |
- |
1.200 |
15.106 |
3 - local |
Japurá |
- |
- |
1.200 |
2.251 |
3 - local |
São Paulo de Olivença |
Aeroporto Senadora Eunice Michiles |
OLC - SDCG |
1.200 |
40.073 |
3 - local |
Amaturá |
- |
- |
- |
11.736 |
3 - local |
Santo Antonio do Içá |
Aeroporto Santo Antonio do Içá |
IPG - SWII. |
1.500 |
21.243 |
3 - local |
Tonantins |
- |
- |
- |
18.897 |
3 - local |
Jutaí |
- |
- |
- |
13.886 |
3 - local |
Uarini |
- |
- |
- |
13.690 |
3 - local |
Palmeiras do Javari |
Aeroporto Palmeiras do Javali |
SWJV |
1.200 |
- |
4 - PEF |
Ipiranga |
Aeroporto Ipiranga |
IPG - SWII |
1.200 |
- |
4 - PEF |
Cucuí |
|
SWKU |
1.200 |
2.468 |
4 - PEF |
Vila Bittencourt |
Aeroporto Bittencourt |
SWJP |
1.500 |
360 |
4 - PEF |
Estirão do Equador |
Aeroporto Estirão do Equador |
SWEE |
1.500 |
- |
4 - PEF |
Organização: autor. PEF – Pelotão Especial de Fronteira.
Fonte: Infraero, Emsampa, Freight, Flightmarket, IBGE, PAEAM, 2011.
Com base no quando anterior, pode-se identificar que existem pelo menos três[7] tipos distintos de aeroportos/aeródromos: i) corresponde a cidade de Manaus e de Tabatinga, com a presença de um aeroporto Internacional que recebe vários tipos de aeronaves e possibilita ligações nacionais e internacionais; ii) as cidades de nó regional correspondem a necessidade de uma estrutura aeroportuária capaz de atender a demanda regional, esta centrada na aviação de médio e de pequeno porte, atendendo as demandas de mais de um município e de uma ou mais microrregiões; iii) as hierarquias 3 e 4 correspondem aos aeroportos de influência local com voos de aeronaves de pequeno porto que atendem as demandas de município, cidade, distrito ou vila. Essas diferentes hierarquizações[8] apontam para a existência de uma área de influência e de polarização.
No PAEAM de 1991, era considerado três níveis de aeródromos, de acordo com os setores da avião e as infraestruturas que poderiam atender: “a) Nível 1: são os aeroporto onde esteja prevista, num período de até vinte anos, somente a operação da aviação de pequeno porte não regular – aeronaves equipadas com motores turboélice ou pistão, com peso máximo de decolagem inferior a 9.000 kg; b) Nível II: são os aeroportos onde esteja prevista, num período de até vinte anos, a operação de aviação de pequeno porte, em caráter regular; e/ou da aviação regular de médio porte – aeronaves equipadas com motores turboélice ou pistão com peso máximo de decolagem inferior a 40.000 kg; c) Nível III: são os aeroportos onde esteja prevista, num período de até vinte anos, a operação de aeronaves de aviação regular de grande porte – aeronaves equipadas com motores “turbofan”, turbojato ou turboélice, está última com peso máximo de decolagem igual ou superior a 40.000kg” (PAEAM, 1991, p. 133).
Para fins desse estudo, considerou-se os deslocamentos aéreos entre as cidades com base no uso de diferentes modelos de aeronaves para operações domésticas, pois existem limitações de ordem técnica como o tamanho das pistas e baixa densidade demográfica. Ainda, nesse estudo, menciona-se o uso de aviões de diferentes tamanhos. O menor modelo sugerido é o Cessna Grand Caravan, já operado pelas companhias aéreas nacionais e regionais. Esse tipo de aeronave possibilita operações em aeródromos de poucos recursos técnicos e com pistas com comprimento mínimo para decolagem de 700 metros, o que possibilitaria criar uma rede de transporte aéreo com pequenos aviões entre as diversas cidades ao longo das calhas dos rios amazônicos. Os demais modelos de aeronaves foram indicados para os voos entre as cidades de maior nível hierárquico, tendo em vista que a existência de pista de pouso com mais de 1.200 m e o nó de rede são elementos fundamentais para as operações de aviões como ATR 42, ATR 72, EMB 170, 175, 190 ou 195 (quadro 6).
Quadro 6. Tipos de aviões para o transporte local e regional no estado do Amazonas.
Aeronave |
Passageiros |
Carga útil |
Autonomia em km |
Comprimento Básico de Pista |
Faixa* |
Cessna Grand Caravan |
10-14 |
3.995 kg |
1.982 |
700 m |
1 |
ATR – 42 |
46-50 |
5.700 kg |
1.500 |
1.090 m |
3 |
ATR – 72 |
68-72 |
8.200 kg |
1.500 |
1.410 m |
4 |
EMB - 170 |
66-78 |
9.743 kg |
3.982 |
1.151 m |
4 |
EMB - 175 |
76-88 |
10.094 kg |
4.074 |
1.266 m |
4 |
EMB - 190 |
96-114 |
13.047 kg |
4.537 |
1.267 m |
4 |
EMB - 195 |
100-124 |
13.917 kg |
4.260 |
1.432 m |
4 |
H – 130 / KC 390 |
Carga |
22.670 kg |
- |
|
- |
Fonte: Embraer; Aircharter; Tam Viação Executiva; FlyFlapper; ITA. *Faixas: 1 – 15 assentos (entre 8 a 18); 2 – 25 assentos (entre 19 a 30); 3 – 45 assentos (entre 31 a 60); 4 – 100 assentos (entre 61 a 130) (PAEAM, 2011, pp 3-10).
O transporte aéreo regional, segundo o IPEA (2010, p. 51), pode ser contemplado com uma política pública abrangente que estimule as operações e a inserção de novas rotas aéreas: i) aviação regional é “guiada pelo mercado e pelas oportunidades abertas com o deslocamento da fronteira econômica e com os novos polos e clustersde especializações produtivas”; ii) aviação regional com “apoio ou estímulo, principalmente em termos de infraestruturas”; iii) “aviação regional amazônica [...] que precisa [...] de grau bem maior de apoio e, mesmo, de subsídio” para a continuidade das operações em decorrências das especificadas da formação socioespacial.
Essa proposta elaborada com diversas articulações pelos fluxos aéreos só tem viabilidade caso exista mecanismos estatais que atribuam subsídios e demais incentivos de ordem fiscal e de infraestrutura para possibilitar as operações, tendo em vista que, no caso das cidades ribeirinhas, temos baixa densidade demográfica e de renda, grandes percursos a serem realizados e precárias infraestruturas nos aeródromos. Com isso em mente, a “logística de Estado”[9] deve se fazer presente com os mecanismos normativos e de incentivos, além de ações para adequar e reformar os aeródromos para permitir pouso e decolagens com segurança. As operações com a “logística das corporações” devem ocorrer com as companhias aéreas e devem estabelecer infraestruturas pontuais complementando as existentes.
3.1. Mecanismos existentes para o incentivo para o transporte aéreo regional
No Brasil, em 2012, foi criado o Plano de Desenvolvimento da Aviação Regional (PDAR), que tinha como objetivo construir e/ou reformar um total de 270 aeródromos no país, visando “elevar o número de frequências das rotas regionais operadas regularmente e aumentar o número de cidades e rotas atendidas por transporte aéreo regular de passageiros, com prioridade aos residentes nas regiões menos desenvolvidas do País”, com previsão de subsídio (BRASIL, 2018).
O Plano Aeroviário Nacional para o período de 2018 até 2038, destaca que, no caso dos aeroportos de baixa demanda de ligações regionais, “necessitam de pouco investimento para que sejam certificados com condições de operação para aeronaves de menor porte” (BRASIL, 2018, p. 27) e que o estabelecimento de rotas diretas é sinônimo de eficiência de gestão. Em nível estadual, foram identificados a existência de dois planos aeroportuários do ano de 1991 e de 2011, no qual ambos traçam as características das infraestruturas e as possíveis rotas que podem ser exploradas pelas empresas.
Em 2012, o governo estadual destacou a possibilidade de se obter a homologação de 13 operações aeroportuárias das 54 existentes, com um total de 24 homologados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e viabilizando “orientar o desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária da região, capacitando-a de modo a torná-la apta para atender as atuais e futuras necessidades do transporte aéreo na Amazônia”, com a proposta de construção de novos aeródromos, como foram mencionados no caso de Jutaí e Maraã (AMAZONAS, 2012).
No ano de 2021, o governo estadual assinou o Protocolo de Intenções do Projeto Aero Amazonas com a proposta de modernização de 13 aeródromos, tendo convênios firmados para os aeroportos de Manaus, Carauari, Fonte Boa, Lábrea, Maués, Nova Olinda do Norte, Barcelos, Eirunepé e Manicoré, e em processo de convênio de delegação: Itacoatiara, Anori, Santo Antônio do Içá e Borba. Em elaboração, os projetos de Fonte Boa, Itacoatiara e Maués (A CRÍTICA, 2021).
Ainda no ano de 2021, o governo estadual “firmou acordo com a empresa Azul, para o biênio 2021/2022, que prevê a manutenção de voos e a possibilidade de criação de novas rotas para o Amazonas” e tal acordo, via resolução (006/2021), permite a “renovação da concessão do benefício de redução da carga tributária, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), sobre o combustível de aviação”. Como parte do acordo, a empresa Azul deve “manter suas atuais operações no Estado do Amazonas com atuação nas cidades de Manaus, Tefé e Tabatinga, conectar Manaus em voos diretos aos municípios de Santarém (PA), Belém (PA), Recife (PE), Boa Vista (RR), Porto Velho (RO) e Viracopos (SP)”, visando a possibilidade de criação de novos voos para os municípios de Parintins, São Gabriel da Cachoeira, Coari, Maués, Eirunepé, Lábrea, Barcelos, Apuí, Itacoatiara, Humaitá, Borba e Novo Aripuanã, predispondo o uso de aeronaves de 9 a até 300 assentos, em 27 voos atendendo 20 destinos (AMAZONAS, 2021).
Por fim, outro mecanismo existente está centrado no processo de desestatização dos aeroportos regionais por meio das Parcerias Público Privada (PPP), que tem como proposta a concessão de 8 aeroportos: Parintins, Carauari, Coari, Eirunepé, São Gabriel da Cachoeira, Barcelos, Lábrea e Maués (BRASIL, 2021).
Diante dessas diferentes estruturas existentes, nota-se ausência de propostas voltadas para uma articulação local com mecanismos eficazes de promoção dos voos locais e de criação de hubs para além da cidade de Manaus. Um outro aspecto é o estabelecimento de mecanismos de incentivos apenas com a participação majoritária de uma única empresa de aviação nos deslocamentos regionais.
4. Síntese das propostas
Com base nas três propostas elencadas anteriormente, podemos destacar as diferentes articulações que podem ser potencializadas e dinamizadas no estado do Amazonas, com conexões intermodais e rotas de conectividade local com as cidades situadas ao longo dos rios e conectividade entre as cidades com a capital amazonense e cidades de outros estados, como Tabatinga (AM) com Cruzeiro do Sul (AC) e Envira (AM) com Feijó (AC).
A proposta desenhada e sobreposta (fig. 8), apresenta uma mudança espacial em diversas escalas, com maior destaque para as diversas e novas redes aéreas que poderiam articular 40 sedes municipais (das 62 existentes no Amazonas) e 4 vilas com Pelotões Espaciais de Fronteira. A síntese da figura 8 consiste em uma sobreposição das diversas proposições elaboradas nesse texto.
Figura 8. Mapa da síntese geral das intervenções nos transportes.
Considerações necessárias
As propostas elaboradas nesse estudo não resultam de um trabalho acabado, mas sim de um amplo conjunto de apontamentos que fazem parte de um exercício do ponto de vista de planejar os transportes e a fluidez territorial no estado do Amazonas. Assim, partindo-se da rede urbana prévia com as diversas interações espaciais existentes ao longo dos rios, das estradas e pelo ar com os aviões, podemos identificar os locais que poderiam possuir infraestruturas a fim de trazer maior fluidez ao território para atender a logística do pequeno, que consiste nos fluxos da economia local dos municípios amazonenses.
As propostas de circulação fluvial apresentadas visam apenas complementar a circulação já existente e estabelecer intermodalidades com eixos rodoviários que estão em processo de consolidação, não sendo feito nenhuma proposição de ordem técnica ou de rotas, pois já se denota a existência de uma ampla e capilar rede de circulação com diferentes embarcações e com níveis técnicos variados, e que no período atual, permitem viagens em menor tempo entre duas ou mais cidades se comparado com o tradicional barco regional.
Evitou-se, portanto, propor todos os voos diretos e em direção a cidade de Manaus, apesar de ir na contramão da tendência de mercado atual do transporte aéreo nacional e mundial, que privilegia cada vez mais voos diretos entre dois aeroportos. Por outro lado, a proposição buscou articular internamente outras cidades amazonenses entre si e não somente com a capital estadual, criando novos nós locais nas cidades de Lábrea e Carauari. Em compensação, isso vai demandar que essas cidades e outras, como Tabatinga e Parintins, tenham serviços e infraestruturas diversas para atender a população que for se deslocar das outras cidades para tais destinos, evitando-se várias escalas – pinga-pinga – até a cidade de Manaus.
Em conclusão, destacamos que este estudo, com diversas proposições, necessita de complementariedades, tendo em vista que é necessário incluir ainda os levantamentos de campo, projetos técnicos e estudos de viabilidade social, econômica e ambiental, voltados para propiciar acessibilidade, conectividade e eficiência.
[1] Sobre viscosidades e transportes, ver Souza (2011).
[2] Ver em Santos (1988).
[3] Não se incluiu a rodovia BR-319, pois a mesma encontra-se em fase de licenciamento ambiental para o asfaltamento. Também, não se incluiu a rodovia BR-307, entre São Gabriel da Cachoeira e Cucuí.
[4] Localizações e traçados de cada percurso encontram-se em anexo no final deste texto.
[5] Ver sobre o SITAR em IPEA (2010, p. 16).
[6] Esse contexto já era apontado no PAEAM (1991, p. 13).
[7] O PAEAM (2011, p. 4) destaca vários tipos de aeroportos e, no caso do estado do Amazonas, podemos pontuar que existem três modalidades: i) aeroporto Internacional; ii) aeroporto regional; iii) aeroporto complementar.
[8] De acordo com o IPEA (2010, p. 52), a “linha aérea regional continua sendo aquela que interliga o aeroporto de uma cidade de pequeno e médio porte com outro de onde partem voos domésticos nacionais, que por sua vez interligam cidades de grande porte. Ou seja, trata-se de uma hierarquização inevitável do transporte aéreo regular, em função, de um lado, da própria hierarquia do sistema de cidades e da rede de aeroportos e, de outro, da evolução tecnológica e concepção das aeronaves, em termos de capacidade, velocidade e necessidades de apoio das infraestruturas aeroportuária e aeronáutica”.
[9] Ver Silveira (2013).