O PRONAF "Mais Alimentos" na região celeiro do Rio Grande do Sul: Uma análise institucional da tomada de decisão


Patrícia Eveline dos Santos Roncato
Doutora Em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria (2018). Professora na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS).

João Garibaldi Almeida Viana
Doutorado em Agronegócios pela UFRGS; Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA/UNIPAMPA) da Universidade Federal do Pampa, Campus Santana do Livramento

Marco Antônio Verardi Fialho
Doutorado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2005). Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria.

Referências

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1. Introdução

Desde o surgimento, em 1996, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) promoveu diversos efeitos no desenvolvimento rural brasileiro. A política setorial trouxe contribuições como a melhoria das condições de produção e a permanência dos agricultores no campo, aumento da oferta de alimentos, aumento da produtividade de alguns produtos, ocupação e empregos, dentre outros. Resultados esses que corroboram com o objetivo do programa e refletem positivamente em alguns indicadores econômicos e sociais de estabelecimentos rurais.

Com o propósito de uma política de crédito agrícola direcionada para o investimento da agricultura familiar, o governo criou o “PRONAF Mais Alimentos” com objetivo de fomentar a produção de alimentos e incrementar a produtividade da agricultura familiar, além de garantir produção, tecnologia e assistência técnica para os produtores. As ações desse programa se dão por meio da linha de crédito direcionada à modernização da infraestrutura das unidades produtivas e da realização de parceria com a indústria nacional, visando ofertar produtos de qualidade a preços mais acessíveis (SAF/MDA, 2017).

Referindo-se a adesão a uma política de crédito agrícola, estudos como os de Zezza e Llambí (2002), Mundo Neto e Souza Filho (2005), Agne (2014), têm buscado explicações sobre as restrições institucionais, ou ainda, como essas políticas alteram a conduta dos indivíduos. Essas análises identificaram que existe um conjunto de elementos que não permitem a transmissão plena dos incentivos das políticas públicas aos atores interessados, comprometendo também o alcance dos benefícios a agricultores potenciais.

Essas abordagens, a nível de tomada de decisão dos agricultores, observaram que a adesão depende do comportamento dos atores que pertencem ao universo do público-alvo da política. As restrições estariam relacionadas à formação educacional dos atores e seus valores culturais como tradições, costumes e crenças, entre outros elementos. Com isso, uma identificação de restrições institucionais relacionadas à política de crédito rural auxiliaria a compreensão do desempenho dessa política e subsidiaria os formuladores no sentido de torná-la mais abrangente e eficaz. 

Por conseguinte, ao se observar o acesso ao PRONAF, as restrições institucionais formais podem ser identificadas na exigência de enquadramento na Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) conforme a Lei da Agricultura Familiar, adicionado a um projeto técnico de investimento que demonstre características da propriedade, faturamento e capacidade de pagamento. Além disso, as organizações financeiras avaliam os níveis de endividamento, viabilidade do empréstimo e as garantias necessárias para liberação dos recursos. 

No entanto, outros critérios informais podem estar influenciando a decisão dos agricultores, uma vez que, conforme Machado e Miguel (2010), a maioria dos agricultores familiares não realizam formalmente um controle de custos ou um cálculo de viabilidade econômica, e dificilmente utilizam como principal critério a racionalidade econômica antes de realizar investimentos. Nessa realidade da dinâmica da agricultura familiar, os pressupostos da economia neoclássica parecem insuficientes para explicar a tomada de decisão desses agentes.

Nesse sentido, identifica-se que os componentes institucionais podem apresentar papel determinante na decisão de investir no estabelecimento, elementos analisados por Wives (2013) e Panno (2016), tal como, a história dos agricultores, costumes, padrões de comportamento, processos de aprendizagem e orientações de valores. Essa análise se aproxima de autores que afirmam que a decisão não se dá por irracionalidade ou racionalidade maximizadora, mas por uma racionalidade limitada (SIMON, 1959), ou ainda, por diversos componentes institucionais que influenciam os indivíduos como as experiências cumulativas, suas normas de comportamento, suas ambições e suas tradições.

Assim, ao observar a complexidade da agricultura familiar e suas relações com as instituições, o objetivo do presente artigo é analisar a influência dos componentes institucionais formais e informais na tomada de decisão de quem aderiu, ou não, ao investimento agrícola da política “PRONAF Mais Alimentos” na agricultura familiar da região Celeiro do Rio Grande do Sul.

Os elementos teóricos para compreender as decisões dos agentes parte de uma abordagem da tomada de decisão, conforme Simon (1959), relacionando com a teoria institucional do Antigo Institucionalismo de Veblen (1898; 1899) e a abordagem de Hodgson (1998), e a Nova Economia Institucional, com evidência para os estudos de North (1991; 1994). 

A relevância do presente estudo apresenta-se pela construção de uma convergência entre a abordagem institucionalista e da tomada de decisão, a fim de identificar as variáveis que influenciam os agricultores a aderirem (ou não) a política “PRONAF Mais Alimentos”.  Entende-se que a decisão do agricultor é complexa e que esses agentes possuem limitações cognitivas, por isso possivelmente se apoiam em regras postas pelo sistema social para servirem de apoio a suas escolhas e ações, num contexto de incerteza. Com isso, entende-se que a teoria econômica ortodoxa, com seus pressupostos de equilíbrio, otimização e racionalidade substantiva, não permite explicar a complexidade das relações entre os agentes econômicos do setor agrícola em questão, em especial ao compreender o acesso a políticas públicas como o PRONAF. 

2. Economia institucional e a tomada de decisão

O termo “Economia Institucional” foi apresentado pela primeira vez por Walton Hamilton (1919) em um documento da Conferência da Associação Econômica Americana. Os “fundadores” do Institucionalismo podem ser considerados Thorstein Veblen, Wesley Mitchell e John R. Commons. Observa-se que Thorstein Veblen forneceu grande parte da inspiração intelectual para o Institucionalismo, embora outras influências também fossem importantes.

Apesar de alguns pontos consensuais, existem divergências entre os autores da Economia Institucional. Entretanto, utilizando-se dos elementos centrais de análise o movimento pode ser dividido em três grupos principais: o Antigo Institucionalismo Norte-Americano de Veblen, Commons e Mitchell; a Nova Economia Institucional (NEI) de Coase, de Williamson e North; e o Neoinstitucionalismo de Hodgson, Samuels e Rutherford (CONCEIÇÃO, 2008).

A semelhança entre essas três correntes se dá pelo entendimento de crescimento econômico como “processo”, o que implica incorporar seu ambiente histórico e suas especificidades locais. Acrescenta-se também que, por conta dessas especificidades, o desdobramento institucional para o crescimento é necessariamente marcado pela “incerteza” e pela especificidade histórica. As instituições têm uma referência na ação individual dos agentes, que revela necessária e fundamentalmente a importância das firmas, organizações, e, portanto, do ambiente microeconômico na definição das diferentes trajetórias (CONCEIÇÃO, 2008).

É importante indicar que a definição de instituições é complexa e apresenta vários enfoques. O ideário conceitual e metodológico do pensamento Institucional aproxima-se da análise heterodoxa muito mais do que do mainstream neoclássico, visto que os princípios institucionalistas criticam os fundamentos de equilíbrio, otimalidade e racionalidade substantiva. Deve-se incluir nas análises institucionalistas o conceito de path dependence, e reconhecer que o ambiente econômico envolve disputas, antagonismos, conflitos e incertezas (CONCEIÇÃO, 2002).

Hodgson (2006) descreve que as instituições são consideradas tipos de estruturas que mais importam no âmbito social, ou seja, constituem o material da vida social. O crescente reconhecimento do papel das instituições na vida social envolve considerar que grande parte da interação e das atividades humanas estão estruturadas em termos de regras explícitas ou implícitas. Possivelmente, a definição é de que instituições são como sistemas de prevalência estabelecida e regras que estruturam as interações sociais. Nesse sentido, a língua, o dinheiro, a lei, os sistemas de pesos e medidas, e as empresas (e outras organizações) são, portanto, instituições.

2.1 Douglass North e Instituições

A abordagem teórica da Nova Economia Institucional (NEI) possui distintas linhas de pensamento, cada uma enfatizando a importância das instituições no entendimento do comportamento e dos resultados econômicos. Conforme Conceição (2002), a NEI preocupa-se, fundamentalmente, com aspectos microeconômicos, com ênfase na teoria da firma em uma abordagem não convencional, mesclada com história econômica, economia dos direitos de propriedade, sistemas comparativos, economia do trabalho e organização industrial. Em linhas gerais, estes estudos pretendem superar a abordagem convencional, centrando sua análise nos custos de transação da teoria da firma.

Diante disso, e acrescentando a necessidade de compreender a influência das instituições na tomada de decisão dos agricultores, no presente estudo optou-se por uma abordagem teórica-metodológica com uma análise dos estudos realizados principalmente por North. As contribuições de Douglass North tornam a teoria neoclássica uma abordagem inapropriada para analisar e prescrever políticas de indução ao desenvolvimento, já que ela não incorpora uma teoria das instituições e desconsidera a importância da história. A análise de North (1994) é complexa e prioriza as instituições, salientando que elas formam a estrutura de incentivos de uma sociedade, sejam políticos ou econômicos, e determinam o desempenho econômico. Considera-se o tempo em relação à economia e o processo de aprendizagem da sociedade na forma como as instituições evoluem. Ou seja, as crenças dos indivíduos, grupos e sociedades determinam as escolhas e são consequências da mudança institucional, do avanço da humanidade e das trajetórias de desenvolvimento.

O conceito de instituições, para North, possui a seguinte definição:

As instituições são as restrições humanamente concebidas que estruturam a interação humana. Elas são constituídas por restrições formais (por exemplo, regras, leis, constituições), restrições informais (por exemplo, normas de comportamento, convenções, códigos de conduta autoimpostos) e suas características de execução. Juntos, eles definem a estrutura de incentivo das sociedades e, especificamente, as economias (NORTH, 1994, p. 360, tradução nossa).

 

Igualmente, além de incentivos, as instituições são restrições que moldam as escolhas individuais, mas, ao mesmo tempo, criações dos seres humanos que objetivam reduzir a incerteza em relação ao futuro e garantir um ambiente estável aos investimentos e à lucratividade do capital. Nas atividades diárias, os indivíduos se deparam com um conjunto de restrições que normalmente estão apresentadas na forma de leis ou de regras informais. Elas provêm de informações transmitidas socialmente e são parte da nossa cultura e interferem na forma como interpretamos o ambiente. Por isso, influenciam na conduta dos indivíduos e das organizações (NORTH, 2003). Entretanto, o autor salienta que podemos apenas reduzir a incerteza, não eliminá-la, porque o entendimento sobre o ambiente que nos cerca é imperfeito e, portanto, imperfeitas são as regras e mecanismos informais que criamos para lidar com a incerteza.

Apesar das regras formais poderem mudar rapidamente como resultado de políticas ou decisões judiciais, as restrições informais incorporadas em costumes, tradições e códigos de conduta são muito mais impermeáveis às políticas deliberadas. Estas restrições culturais não só ligam o passado ao presente e ao futuro, mas fornecem uma chave para explicar o caminho da mudança histórica (NORTH, 1990).

O conceito de racionalidade que North utiliza, relaciona-se com a construção de sua dinâmica institucional. Ao analisar a noção de incerteza, tem o intuito de mostrar a sua rejeição pela escolha racional.

Para explorar as deficiências da abordagem de escolha racional com relação às instituições, devemos investigar dois aspectos específicos do comportamento humano: (I) motivação e (2) decifração do ambiente. O comportamento humano parece ser mais complexo do que o que é expresso na função de utilidade individual de modelos de economistas. Muitos casos não são simplesmente de comportamento de maximização da riqueza, mas de altruísmo e de restrições autoimpostas, que alteram radicalmente os resultados em relação às escolhas que as pessoas realmente fazem. Da mesma forma, achamos que as pessoas decifram o ambiente processando informações por meio de construções mentais preexistentes, através das quais eles entendem o ambiente e resolvem os problemas que enfrentam (NORTH, 1990, p. 20, tradução nossa).

 

North salienta também sobre a impossibilidade de conhecer toda informação necessária para a tomada de decisões ótimas e destaca a abordagem de Herbert Simon como base para sua teoria de evolução institucional.

A afirmação de Simon capta a essência do porquê, na minha opinião, o processamento subjetivo e incompleto de informações desempenha um papel fundamental na tomada de decisão. Ele é responsável pela ideologia, com base em percepções subjetivas da realidade, desempenhando um papel importante nas escolhas dos seres humanos. Põe em jogo a complexidade e incompletude de nossas informações e os esforços desajeitados que fazemos para decifrá-las. Concentra-se na necessidade de desenvolver padrões regulares da interação humana em face a tais complexidades, e sugere que essas interações regularizadas, que chamamos de instituições, podem ser muito inadequadas ou estejam longe do ideal em qualquer sentido do termo (NORTH, 1990, p. 23, tradução nossa).

 

Em outras palavras, a partir do momento em que os agentes não conhecem o mundo sobre o qual devem decidir, passam a construir “realidades subjetivas” do mundo e atuam sobre elas. Assim, em função da pobreza informacional, agem da maneira mais razoável possível na busca de determinados fins e, na melhor das hipóteses, aproximam sua visão de mundo da própria realidade objetiva. North argumenta inclusive que a maximização simplista da escolha racional não consegue tratar de uma série de pressupostos comportamentais, como dogmas, ideias e ideologias, nas decisões dos atores. Outro ponto importante para a tomada de decisão é o processamento incompleto de informações (NORTH, 1990). Cabe aqui, baseado nas ideias apresentadas, o interesse por observar a realidade de um setor como o agrícola, que demonstra ter assimetrias de informações e uma construção de diversos elementos antes da tomada de decisão.

North (1990) complementa sobre as restrições informais, destacando que estas restrições surgem de informações socialmente transmitidas e são parte da herança que conhecemos como cultura. O modo pelo qual a mente processa informações depende da capacidade do cérebro aprender e codificar informações atitudinais, comportamentais e factuais. Por cultura, ele entende a transmissão de uma geração para a seguinte, pelo ensino ou imitação, o saber, valores e outros fatores que influenciam o comportamento.

Contudo, compreende-se a importância da criação de sistemas legais para lidar com disputas mais complexas, pois as regras formais podem complementar e aumentar a eficácia das restrições informais. As regras formais também podem ser promulgadas para modificar, revisar, ou substituir restrições informais. Uma mudança no poder de barganha das partes pode levar a uma demanda efetiva por um quadro institucional diferente para intercâmbio, mas as restrições informais impedem a realização. 

Em síntese, os estudos das ciências sociais têm avançado em concepções do comportamento humano. Entretanto, há ainda necessidade de buscar mais relações empíricas a respeito. Inclusive, nesse caso, busca-se verificar como essas “realidades subjetivas”, ou ainda, de que maneira os aspectos gerais das instituições têm influenciado os agricultores familiares na tomada de decisão.

2.2 Elementos Integrados entre instituições, tomada de decisão e agricultura familiar

Ao analisar a composição das instituições é mais comum encontrar na literatura o uso do termo “características institucionais”, que remete a qualidades, particularidades, traços e propriedades. Entretanto, optou-se por utilizar o termo componentes, que corresponde a partes, elementos, associados, membros, integrantes ou constituintes. Nessa interpretação é importante salientar que o termo instituições possui uma complexidade e dificuldade de ser avaliado empiricamente, e que mesmo optando por componentes, compreende-se que instituição como um todo é superior que a soma de todas as partes.

Nesse sentido, destaca-se a importância de discutir uma integração entre os temas instituições, tomada de decisão e agricultura familiar. Para isso, buscou-se construir um modelo teórico para testar a hipótese da influência dos componentes institucionais formais e informais na tomada de decisão dos agricultores da região estudada. 

Em termos de componentes formais, considera-se primeiramente que a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) representa a legitimação, por parte do Estado brasileiro, da nova categoria social conhecida como agricultores familiares. O marco legal ocorreu em 24/07/2006, quando o governo promulgou a Lei nº 11.326, conhecida como Lei da Agricultura Familiar (MATTEI, 2014). 

Dentre várias linhas, o PRONAF Mais Alimentos é uma linha de crédito que financia investimentos em infraestrutura produtiva da propriedade familiar.  No entanto, observa-se que apesar da elevada adesão de agricultores ao PRONAF para custeio e comercialização agrícola, muitos optam por não acessar o PRONAF Investimento, mesmo apresentando DAP, potencial de produção e necessidade de investimentos na infraestrutura geral das propriedades. Esses elementos formais que compõem a aptidão ao PRONAF, o projeto técnico e as exigências das organizações financeiras, já formam um conjunto de componentes que limitam o acesso a novos investimentos por muitos agricultores.

Para compreensão das demais variáveis que influenciam na tomada de decisão dos agricultores, buscaram-se estudos que incluem abordagens analíticas sobre questões culturais, tecnológicas, educacionais, acesso à informação, entre outros. Assim, percebe-se que a literatura nacional e internacional vem reconhecendo nos estudos que o comportamento dos agricultores não é conduzido apenas pelo lucro e otimização de recurso, existindo uma variedade de elementos comportamentais influenciadores.

Em pesquisa sobre a tomada de decisão dos agricultores, Jones (2007) identificou pelo menos cinco conjuntos de variáveis não financeiras que afetam a decisão de adoção por novos produtos, políticas e tecnologias. São elas: características do agricultor, características do conjunto familiar, estrutura da fazenda, meio social mais amplo e características da inovação a ser adotada.  Similarmente, Llambí e Zezza (2003) se concentraram nos papéis de fatores institucionais para avaliar uma política de crédito rural, e classificaram as restrições as políticas em três filtros institucionais. O filtro de primeiro nível, também denominado nível macroanalítico, relacionado ao desenho e concepção do programa. O filtro de segundo nível, ou nível mesoanalítico, vinculados ao comportamento e às regras criadas pelos agentes que participam do ambiente de operacionalização da política. O terceiro tipo de filtro institucional atua no nível microanalítico, ou nível de “tomada de decisão” e está relacionados à formação educacional dos atores e a seus valores culturais como tradições, costumes, crenças, etc. 

Na agricultura, as restrições informais estão presentes das mais variadas formas e, para estudar estímulos e/ou restrições às decisões individuais e coletivas baseados na economia institucional, reuniu-se um conjunto de variáveis já observadas em outras pesquisas. Como exemplo, Capellesso (2016) caracterizou como “Três Is” as variáveis de ideias, interesses e instituições. Mobilizadas na análise de políticas públicas, as instituições (formais e informais) representam a mediação entre ideias e interesses. Nessa interface de ideias e interesses com as instituições, encontra-se um conjunto mais amplo de elementos explicativos sobre as dinâmicas das políticas públicas. O trabalho de Capellesso (2016), também teve contribuições importantes referentes aos padrões de comportamento de terceirização de serviços, utilizados de forma crescente por muitos agricultores para otimizar seus resultados econômicos.

Já Panno (2016) analisou as decisões dos agricultores familiares com relação à sucessão geracional nas suas propriedades, sob a ótica da teoria da decisão e orientações de valor, elencando os diferentes fatores que influenciam sucessores e sucedidos nesse processo. Além de delinear e analisar fatores influenciadores das decisões dos atores, o estudo de Panno classificou potenciais sucessores e sucedidos dentro das orientações de valor de Gasson (1973). Esses elementos são compatíveis com a proposição de Hodgson (2006), que identifica o hábito com um importante papel de reforçar padrões de comportamento cristalizados em instituições.

De maneira geral, no Brasil, os estudos têm avançado na discussão institucional em relação ao desenvolvimento rural. São estudos crescentes que comprovam a importância das instituições e reconhecem a relevância de elementos informais nas decisões tomadas pelos agricultores. Corroboram com trabalhos mais recentes de North (2005), entendendo as instituições como complementos cognitivos para indivíduos incapazes de processar todas as informações necessárias à escolha ótima. 

Consequentemente, os conceitos, exemplos e argumentações elencados ao longo dessa fundamentação teórica formam o Quadro Analítico da Teoria Institucional e de Tomada de Decisão para o investimento agrícola (Figura 1). Baseado nesses elementos construiu-se o Modelo teórico de decisão institucional para a agricultura familiar, de modo a analisar como os componentes formais e informais contribuem para a adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos. O conjunto da análise desses componentes permite avançar na compreensão de como se estruturam o comportamento dos indivíduos e as interações sociais, além de como eles têm mantido as instituições.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1 – Quadro Analítico Fundamentado na Teoria Institucional e de Tomada de Decisão para o Investimento Agrícola

 

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de reflexão teórica e modelo de Viana (2012).

3. Variáveis de componentes institucionais para tomada de decisão de Investimento: a pesquisa na região Celeiro do Rio Grande do Sul

A pesquisa apresentou um caráter descritivo e explicativo, por meio de uma abordagem quantitativa, tendo como unidade de análise uma amostra estratificada de agricultores familiares que atuam em atividades agropecuárias na Região Celeiro do Rio Grande do Sul. Os grupos que foram comparados correspondem aos agricultores familiares que se utilizaram do PRONAF Investimento Mais Alimentos e financiaram algum item por meio do crédito de investimento de longo prazo, e os agricultores familiares que possuem potencial para investimento pelo programa, com Carta de Aptidão ao PRONAF (DAP) ativa, mas que optaram por não aderir ao programa.

O instrumento utilizado foi um questionário baseado na construção teórica adjacente a figura 1. O Quadro 1 apresenta as variáveis do questionário, dividas em componentes institucionais formais e informais, bem como suas referências de construção.

Quadro 1 – Componentes Institucionais para Tomada de Decisão de Investimento: variáveis da pesquisa. 

TOMADA DE DECISÃO DE INVESTIMENTO NA AGRICULTURA FAMILIAR

COMPONENTES INSTITUCIONAIS

FORMAIS

Regras da agricultura familiar para Aptidão ao PRONAF (DAP)

Direitos de propriedade, contratos e mercados

Área (ha) (AREA)

Renda agropecuária (RENDA)

Renda não agrícola (RENDAN)

Nº membros propriedade (MPROPR)

Nº empregados temporários (TEMPOR)

Nº empregados permanentes (PERMAN)

Atividade principa (ATIV)

DAP (2017).

Nº do rebanho (REBAN)

Nº de máquinas (MAQ)

Nº de benfeitorias (BENF)

Nível de tecnologia (TECNO)

Controle Financeiro (CONTRF)

Burocracia (BUROC)

Contratos Futuros (CONTFU)

Variação Preços (VARIAP)

Projeto técnico (2017).

Viana; Waquil (2014).

Winck (2012).

INFORMAIS

História, costumes, rotinas e padrões de comportamento

Aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras

Idade (IDADE)

Anos na atividade (ANOSA)

Terceirização serviços plantio (TERPA)

Terceirização serviços silagem (TERSI)

Presta serviços para terceiros (PREST)

Tempo para lazer (LAZER)

Satisfação pessoal (SATISF)

Perfil de investidor (INVEST)

Reichter (2012)

Viana (2012).

Dalcin (2013)

Wives (2013).

Agne (2014)

Capellesso (2016)

Panno (2016).

Escolaridade (ESCOL)

Particip. dias de campo (PARTC)

Particip. em feiras (PARTCF)

Pesquisas em internet(PINTER)

Expansão da produção (EXPRO)

Reconhecimento (RECON)

Crescimento pessoal (CRESC)

Qualidade de vida  (QUAL)

Gasson (1973).

Reichter (2012).

Viana (2012).

Dalcin (2013).

Wives (2013).

Agne (2014).

Panno (2016).

Fonte: Elaborado pelos autores. 

Os municípios de Santo Augusto, São Martinho e São Valério do Sul se localizam na região Celeiro do Rio Grande do Sul, e foram selecionados por apresentarem uma participação no PRONAF Mais Alimentos, em média, de cerca de 17% em relação ao número de DAPs ativas. Na Tabela 1 apresenta-se a estratificação por município e modalidade.

Tabela 1 – Estratificação da amostra dos três municípios e do nº de contratos do PRONAF

Municípios

Nº de DAPs (ativas)

Nº de contratos PRONAF Mais Alimentos

Amostra proporcional ao nº de DAPs (ativas)

Amostra de agricultores que aderiram

Amostra de agricultores que não aderiram

Santo Augusto

551

98

33

17

16

São Martinho

685

147

40

20

20

São Valério do Sul

360

41

21

10

11

Total

1.596

286

94

47

47

Fonte: DAPWEB (2017), SAF/MDA (2017).

Assim, o questionário e as entrevistas foram aplicados em 94 produtores, segmentados nos grupos de adesão e não adesão ao PRONAF. As técnicas de análise de dados, da parte quantitativa, foram baseadas na estatística descritiva, e Regressão Logística. Elaboraram-se quatro modelos buscando relacionar a teoria com as evidências empíricas por meio da técnica de regressão logística, ou modelo logit que é uma estimação de regressão múltipla com uma variável dependente categórica ou dicotômica. Nesse caso, a variável dependente foram os grupos de agricultores, de adesão (1) ou não adesão (0) ao PRONAF Mais Alimentos.

As hipóteses do modelo, testadas pelo teste do Qui-Quadrado (X²), a um nível de significância de 5%, foram: a) Hipótese nula (H0): não há influência das variáveis independentes que compõem os componentes institucionais (formais e informais) sobre a variável dependente (adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos); b) Hipótese alternativa (H1): há influência de pelo menos uma variável que compõem os componentes institucionais (formais e informais) sobre a variável dependente (adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos).

Foram estimados quatro modelos logísticos, com base nas variáveis do Quadro 1. No que tange aos Componentes Formais, foram estimados um modelo com variáveis independentes de “Regras de Aptidão ao PRONAF (DAP)” e um modelo com variáveis independentes de “Direitos de Propriedade, Contratos e Mercados”. No que tange aos Componentes Informais, foram estimados um modelo com variáveis independentes “História, Costumes, Rotinas e Padrões de Comportamento” e um modelo com variáveis independentes “Aprendizagem, Informações, Valores e Perspectivas futuras” A estimação dos modelos seguiram o Método de Máxima Verossimilhança, como apresentado na equação 1

                                                                (1)

Onde:  = variável dependente – PRONAF Mais Alimentos (1 = Aderiu; 0 =Não Aderiu);  = intercepto;  = coeficientes angulares; Xi= variáveis independentes dos modelos de componentes institucionais formais e informais (Quadro 1);   = resíduo.

Em seguida, para verificar e estimar a probabilidade de adesão (ou não) ao PRONAF Investimento Mais Alimentos, em função das variáveis dos Componentes Formais e Informais significativas pela estatística Wald, realizou-se a transformação logit. A função logit possibilitou construir cenários ou simulações para diferentes variáveis, ou seja, verificar como instituições formais e informais afetam a chance de um agricultor aderir ou não ao PRONAF Mais Alimentos.  

4. A influência dos componentes institucionais na tomada de decisão dos agricultores e a estimação da probabilidade de adesão ao PRONAF Mais Alimentos

Como resultado, apresenta-se nesta seção a influência dos componentes institucionais na tomada de decisão dos agricultores e a estimação da probabilidade de adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos. A análise da influência dos componentes institucionais formais na tomada de decisão pode ser observada pela Tabela 2. Verifica-se que a estatística Qui-Quadrado (X²) é significativa para os dois modelos dos componentes formais, tanto para os componentes da DAP (P<0,01), como para os componentes de direitos de propriedade, contratos e mercados (P<0,01), a um nível estabelecido de significância de 5%. Essa relação indica a aceitação da hipótese alternativa, de que há influência de variáveis independentes formais sobre a variável binária de adesão ou não ao PRONAF Investimento.

Tabela 2 – Modelos de Regressão Logística dos Componentes Formais de Adesão ao PRONAF Mais Alimentos

Variável[1]

Regras da agricultura familiar para Aptidão ao PRONAF (DAP)

Variável

Direitos de propriedade, contratos e mercados

Coef.

Wald

Valor p

Expo (β)

Coef.

Wald

Valor p

Expo (β)

AREA

0,043

2,796

0,095

1,044

REBAN

0,027

3,153

0,076

1,027

RENDAN

0,000

0,008

0,930

1,000

MAQ

0,130

2,260

0,133

1,138

MPROPR

0,668

2,525

0,112

1,950

BENFEIT

-0,222

0,321

0,571

0,801

TEMPOR

1,325

1,682

0,195

3,764

CONFUT

0,950

1,651

0,199

2,587

PERMAN

0,127

0,009

0,925

1,136

VARIAP

0,443

0,321

0,571

0,642

ATIV Dummy 1

-0,536

0,563

0,453

0,585

TECNO

0,980

5,065

0,024

2,664

ATIV Dummy 2

-0,023

0,000

0,987

0,978

BUROC

0,193

0,101

0,750

1,213

 

 

 

 

 

CONTRF

0,527

0,720

0,396

1,695

Β

-2,840

2,378

0,123

0,058

Β

-4,688

10,344

0,001

0,009

23,31

 

0,002

 

46,73

 

0,000

 

R² Nagelkerke

0,406

 

 

 

R² Nagelkerke

0,522

 

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores a partir das estimações logísticas.

Como resultado, acrescenta-se que o R² de Nalgekerke, de 40,6% para os componentes da DAP e de 52,2% para os componentes dos Direitos de propriedade, contratos e mercados, demonstra um bom poder explicativo para os modelos formais. Isso indica que a adesão dos agricultores ao PRONAF Mais Alimentos é influenciada pelos componentes formais. 

Paralelamente, observando as variáveis individualmente, constata-se que apenas o componente “nível de tecnologia” demonstrou significância por meio do Teste de Wald, a um nível máximo de 5%. Ao flexibilizar o nível máximo de significância para 10%, as variáveis área (hectares) e número do rebanho também apresentam significância estatística. Com isso, os resultados indicam que os dois modelos em conjunto apresentam significância, mas as variáveis individualmente possuem pouca diferença estatística para os componentes formais de adesão ao PRONAF. O expoente (β) do nível de tecnologia indica as razões de chance (odds ratio), ou seja, o agricultor que possui médio ou alto nível de tecnologia apresenta 2,66 vezes mais chances de aderir ao programa do que produtores com muito baixo ou baixo nível tecnológico. Ainda, quanto maior a área do estabelecimento e seu rebanho bovino, maior será a probabilidade de aderir ao investimento.

A Tabela 3 demonstra os resultados da estimação logística de adesão ao PRONAF Investimento em função de componentes institucionais considerados informais. Ambos os modelos, dos componentes da história, costumes, rotinas e padrões de comportamento e dos componentes aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras, apresentaram significância estatística (P<0,01). Essa relação indica a aceitação da hipótese alternativa, de que há influência de variáveis independentes informais sobre a variável binária de adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos.

Com efeito, os quatro modelos de estimação logística dos componentes institucionais apresentaram relevância, ambos a um nível de significância de 1%, demonstrando que as variáveis identificadas apresentam importância na tomada de decisão de um novo investimento agrícola.

Tabela 3 – Modelos Ajustados de Regressão Logística dos Componentes Informais de Adesão ao PRONAF Investimento

Variável

História, costumes, rotinas e padrões de comportamento

Variável

Aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras

Coef.

Wald

Valor p

Expo (β)

Coef.

Wald

Valor p

Expo (β)

IDADE

-0,104

4,369

0,037

0,902

ESCPL

1,106

3,710

0,054

3,023

ANOSA

0,080

3,868

0,049

1,084

PARTC

0,483

0,588

0,443

1,620

TERPA

-2,627

16,181

0,000

0,072

PARTF

1,282

3,685

0,055

3,603

TERSI

1,531

6,103

0,013

4,621

PINTER

-0,103

0,028

0,867

0,902

PREST

1,157

2,011

0,156

3,180

EXPRO

0,959

8,747

0,003

2,609

LAZER

-0,630

3,468

0,063

0,533

RECON

0,379

2,469

0,116

0,968

SATISF

-0,631

2,445

0,118

0,532

CRESC

-0,033

0,008

0,929

0,968

INVEST

0,278

1,075

0,300

1,320

QUAL

-0,718

2,887

0,089

0,488

Β

6,696

5,375

0,020

809,022

Β

-3,209

2,943

0,086

0,040

49,839

 

0,000

 

37,379

 

0,000

 

R² Nagelkerke

0,549

 

 

 

R² Nagelkerke

0,437

 

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores a partir das estimações logísticas.

Em virtude disso, observa-se o poder de explicação da estimação referente ao modelo de história, costumes, rotinas e padrões de comportamento, com R² de Nagelkerke de 54,9%, e da estimação do modelo de aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras, R² de Nagelkerke de 43,7%. Esses percentuais demonstram que além da importância dos componentes formais, cabe observar a relevância dos componentes informais na tomada de decisão desses agricultores.

Analisando de forma individual as variáveis independentes, constata-se quatro coeficientes angulares, significativos para o modelo de história, costumes, rotinas e padrões de comportamento, verificados pelo teste de Wald a um nível máximo de 5% de significância. Destaca-se as variáveis idade (p=0,037), anos de atividade (p=0,049), terceirização/contratação de plantio (p=0,001) e terceirização/contratação de silagem (p=0,013).

Conforme os resultados dos componentes individuais, a variável idade demonstrou um coeficiente angular negativo, ou seja, quanto maior a idade, menor a probabilidade de adesão ao programa. Por outro lado, em termos de anos de atividade, mais tempo de atuação no setor pode proporcionar mais segurança para busca de investimentos de longo prazo e por isso, maior será a probabilidade de adesão ao PRONAF Investimento.

Observa-se que, no caso do agricultor realizar a terceirização/contratação de silagem, sua probabilidade de aderir ao programa é 4,62 vezes maior do que quem não terceiriza. No caso da variável terceirização/contratação serviços de plantio a influência é negativa, pois quanto mais os agricultores adotam a rotina de terceirização/contratação, menores são as chances de aderir ao PRONAF Investimento Mais Alimentos.

Ao se analisar as variáveis independentes do modelo de aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras, observa-se quatro variáveis com coeficientes angulares significativos a um nível de 5% e 10% de significância: as variáveis escolaridade (p=0,054), participação de feiras e exposições (p=0,055) e os valores de expansão da produção e dos lucros (p=0,003) e qualidade de vida no campo (p=0,089).

Em vista disso, quanto maior o grau de aprendizagem, maior a probabilidade de aderir, demonstrado também pelo expoente (β) que indica as razões de chance de 3,02 vezes mais chances de aderir quem tem Ensino Médio incompleto ou mais, do que quem tem Ensino Fundamental incompleto ou completo. Da mesma maneira, quem participa de feiras, treinamentos e exposições agropecuárias, tem 3,60 vezes mais chances de aderir ao PRONAF Investimento Mais Alimentos do que quem não participa.

Por sua vez, a cada nível adicional de importância atribuída a necessidade de expansão da produção e dos lucros, aumenta-se 2,60 vezes a chance do agricultor aderir ao programa. Por outro lado, os agricultores que apresentam uma percepção do campo relacionado a qualidade de vida, a influência é negativa, ou seja, quanto maior o grau de importância da qualidade de vida para viver no campo, menor é a probabilidade do agricultor aderir ao programa.

Contudo, é possível perceber a contribuição dos componentes institucionais, tanto formais como os informais, na decisão de aderir ou não ao PRONAF Investimento. Tanto o modelo de história, costumes, rotinas e padrões de comportamento, quanto o de aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras estão inter-relacionados e contribuem para a elaboração de modelos mentais dos agricultores familiares em questão, assim como os auxiliam em diferentes situações, inclusive na tomada de decisões em investimentos de longo prazo.

Mesmo que esses agricultores estejam inseridos no mercado, organizados para atender as exigências legais das organizações financeiras e seguir requisitos de aptidão ao PRONAF, outros elementos caracterizados como informais demonstram possuir influência determinante na sua decisão. Essa influência pode ser igual, ou até mesmo superior, devido a significância das variáveis individuais na decisão desses agentes em investir na propriedade pelo PRONAF Mais Alimentos.

Complementa-se essas análises com as ideias de Denzau e North (1994), que relatam a importância dos modelos mentais compartilhados. As pessoas são influenciadas por seus mitos, dogmas, teorias, costumes, tradições, aprendizagem e compartilhamento de informações, principalmente em decisões tomadas em condições de incerteza. Assim, agentes com formas de aprendizagem heterogêneas apresentam modelos mentais diferentes para interpretar as informações e tomar decisões. Isso foi demonstrado quando avaliado as diferenças de nível de aprendizagem e busca de informações entre quem aderiu e quem não aderiu ao PRONAF Mais Alimentos.

Hodgson (2006) afirma também que os hábitos compartilhados, aqui observados, por exemplo, pela terceirização/contratação da produção, funcionam como regras incorporadas aos hábitos predominantes de pensamento e de comportamento. Os hábitos são as matérias que constituem as instituições, proporcionando-lhes maior durabilidade, poder e autoridade normativa. Ao se reproduzir, hábitos de pensamento compartilhados criam instituições, como determinado no caso da agricultura familiar e o PRONAF Mais Alimentos. 

Os componentes institucionais informais que tem organizado esses agricultores familiares, construindo modelos mentais, auxiliando nas rotinas e compondo as regras de decisões, podem ser observados como: terceirização/contratação de plantio; nível de aprendizagem; busca de informações e participação em treinamentos e feiras e orientações de valores de boas perspectivas futuras de vida no campo. Esse conjunto de elementos resulta de modelos mentais constituídos pela capacidade cognitiva e reflexiva desses agricultores, resultantes também das alterações em função de inserções de tecnologias, concentração de capital, e do contexto dessas propriedades estudadas.

Ainda, de acordo com Hodgson (2010), a evolução institucional e a decisão dos agentes devem ser observadas a partir da interação entre instintos, hábitos, crenças e ações humanas. Esse conjunto de hábitos e padrões de comportamento, identificados nessa pesquisa, são componentes importantes para a tomada de decisão desses agentes e fundamentais para ações de extensão rural mais abrangentes. Contudo, os extensionistas rurais devem reconhecer essa diversidade entre quem aderiu ou não ao programa, e promover estímulos conforme as necessidade e particularidades.

Observando a relação conjunta das variáveis formais e informais e as variáveis identificadas como influenciadoras na tomada de decisão, pode-se perceber que as evidências empíricas da pesquisa corroboram com os elementos teóricos da Economia Institucional, apresentados tanto por North, quanto por abordagens de Hodgson.

Por fim,  foi estimado um modelo com as variáveis significativas dos quatro modelos anteriores a fim de realizar a transformação logit. Essa função logit possibilita construir simulações para diferentes variáveis, nesse caso, os cenários foram construídos com as variáveis para os componentes formais e informais significativos.

Tabela 4 – Modelo dos Componentes Formais e Informais Significativos na Decisão de Aderir (ou Não) ao PRONAF Investimento Mais Alimentos

Componentes formais e informais

Variável

Coef.

Wald

Valor p

Expo (β)

TECNO

0,877

4,089

0,043

2,403

IDADE

-0,063

1,912

0,167

0,939

ANOSA

0,061

2,319

0,128

1,063

CONTPA

-1,760

7,546

0,006

0,172

CONTSI

1,081

3,266

0,071

2,947

EXPPRO

0,597

3,237

0,072

1,817

Β

-3,035

1,275

0,259

0,048

52,002

 

0,000

 

R² Nagelkerke

0,567

 

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores a partir das estimações logísticas.

O resultado do modelo ajustado dos componentes formais e informais possui um poder explicativo, com valor do R² de Nagelkerke, de 56,7%. O modelo apresentou um Qui-Quadrado (X²) com significância estatística (P<0,01). As variáveis independentes que destacam-se com coeficientes angulares significativos a um nível máximo de 10% de significância estatística são: nível de tecnologia (p=0,043); terceirização/contratação de serviços de plantio (p=0,006); terceirização/contratação de silagem (p=0,071); e necessidade de expansão da produção e dos lucros (p=0,072).

A avaliação da variável terceirização/contratação de silagem ocorre de maneira diferenciada, porque nesse caso a atividade faz diferença apenas para quem trabalha com a bovinocultura leiteira de forma mais intensiva.  Nesse caso, seria preciso detalhar mais sobre a atividade específica para incluir nessa análise e por isso, não será considerada na estimação de adesão do PRONAF Mais Alimentos realizada nesse estudo.

Assim, a partir das variáveis independentes com coeficientes significativos, e de suas relações com a teoria, cabe a verificação de probabilidade de adesão ao PRONAF Investimento Mais Alimentos numa perspectiva de cenários. Foram construídos seis cenários com as variáveis nível de tecnologia, terceirização/contratação de serviços de plantio e os valores de importância da expansão da produção e dos lucros, conforme o quadro 2.

Quadro 2 – Probabilidade de Adesão ao PRONAF Investimento em Diferentes Cenários com Componentes Institucionais Significativos - 

Cenário

Nível de tecnologia

Terceirização/contratação de Plantio

Expansão da produção e dos lucros

Probabilidade de aderir ao PRONAF Investimento

1

Muito Baixo

Sim

Sem importância

3,49%

2

Baixo

Sim

Pouco Importante

13,62%

3

Intermediário

Sim

Indiferente

40,78%

4

Intermediário

Não

Indiferente

80,01%

5

Alto

Não

Importante

94,59%

6

Muito Alto

Não

Muito Importante

98,71%

Fonte: Elaborado pelos autores a partir das estimações logísticas.

Analisando os cenários de probabilidade de adesão percebe-se que quanto maior o nível de tecnologia, aumenta-se a possibilidade de aderir. Na comparação do cenário 1, 2 e 3, mantendo-se a rotina de terceirização e contratação de plantio, ao ocorrer a alteração do nível de tecnologia e também das percepções e valores de expansão da produção e dos lucros, aumenta-se a probabilidade de aderir ao PRONAF Investimento.

Quando o agricultor se considera com um nível intermediário de tecnologia e indiferente a expansão da produção e dos lucros, e também opta por não terceirizar ou contratar alguém para plantar, a probabilidade de aderir ao PRONAF Investimento aumentou para 80%. Essa probabilidade de adesão aumenta ainda mais, conforme ocorre um avanço no nível de tecnologia e perspectiva da vida no campo com possibilidades de expansão da produção e dos lucros. Esses componentes identificados representam restrições institucionais para a agricultura familiar.

Relacionando esses resultados com evidências empíricas, é relevante destacar que alguns agricultores que continuam investindo se observam dentro de uma espiral de tecnologia, em outras palavras, se o agricultor já investiu, deverá continuar a investir para acompanhar a evolução da atividade e para alcançar uma boa rentabilidade. Do contrário, se não investir e não se atualizar às novas necessidades tecnológicas da atividade, com o tempo terá menor retorno financeiro e consequentemente aumentará a possibilidade de desistência de tal atividade.

5. Conclusões

O presente estudo buscou relacionar os componentes institucionais com os efeitos na tomada de decisão dos que acessaram e não acessaram a linha de investimento PRONAF Mais Alimentos na Região Celeiro do Rio Grande do Sul. Ao relacionar os componentes formais de DAP e dos Direitos de propriedade, pode-se afirmar que a adesão ao PRONAF Mais Alimentos apresenta importante influência desses componentes na decisão de investir. Quando observados individualmente, a relação de significância se deu para o nível de tecnologia dos agricultores, área e número de rebanho. 

Por outro lado, ao se analisar os componentes informais, o poder de explicação da estimação referente ao modelo de história, costumes, rotinas e padrões de comportamento e ao modelo de aprendizagem, informações, valores e perspectivas futuras, apresentaram o valor percentual do R² de Nagelkerke de 54,9% e de 43,7% respectivamente. Nesse caso, cerca de sete variáveis apresentaram importância estatística significativa: idade; anos de atividade; padrão de comportamento da terceirização/contratação de serviços para plantio e silagem; escolaridade; participação em feiras e percepção de valores de vida no campo de expansão da produção e dos lucros.

Assim, componentes institucionais como área e nível de tecnologia, em conjunto com rotinas e padrões de comportamento formam uma base fundamental para organizar as regras de decisões dos agricultores. Esse conjunto de elementos resultam de modelos mentais constituídos pela capacidade cognitiva e reflexiva desses agricultores, consequentes também das alterações tecnológicas, concentração de capital, e de realidades individuais dessas propriedades estudadas.

Os cenários de probabilidade de adesão permitem perceber que quanto maior o nível de tecnologia, maior a possibilidade de aderir. Outra influência relevante é sobre a terceirização de plantio e colheita, sendo que para quem terceiriza, a probabilidade de adesão a um novo investimento é baixa, porque este dificilmente alteraria sua rotina de trabalho adotada já a algum tempo. Essa probabilidade de adesão aumenta conforme ocorre um avanço no nível de tecnologia e perspectiva da vida no campo com possibilidades de expansão da produção e dos lucros. 

Contudo, é possível perceber que a mecanização e a inserção da tecnologia geraram, ao longo dos anos, uma mudança institucional nessas propriedades. Pois, quem aderiu a novos investimentos vem modificando suas propriedades e apresentam características distintas de quem tem optado por não investir. Nesse sentido, é possível relacionar a mudança institucional, em função da tecnologia, com a adesão do crédito rural nessas propriedades.

Mesmo que os agricultores estejam organizados para atender as exigências legais e os requisitos de aptidão ao PRONAF, outros elementos, caracterizados por informais, demonstraram possuir um poder influenciador significativo na decisão desses agentes de investir. Isto é, um conjunto de normas informais, regulamentos e características da imposição de cumprimento, simultaneamente, definem o conjunto de escolhas e contribui para os resultados. A implicação de longo prazo do processamento cultural de informações que compõem as restrições informais cumpre um papel importante no modo incremental pelo qual as instituições evoluem, de maneira que constitui uma fonte de dependência de trajetória.

Por fim, os resultados do presente estudo determinam que os componentes institucionais informais são tão ou mais importantes que os componentes formais na tomada de decisão de quem aderiu ao PRONAF Mais Alimentos na agricultura familiar. Essas observações corroboram com o desenvolvimento das abordagens teóricas apresentadas.

 

[1]A variável Renda Agropecuária Bruta Anual (RENDA) foi retirada do modelo devido a detecção de multicolinearidade com a variável ÁREA.

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