Leitura geográfica e sócio-demográfica de um litoral em crise urbana: os casos das cidades de Benguela e Lobito em Angola


Waldemar Sérgio Tavares
Doutorando na Universidade Trás-Os-Montes e Alto Douro - Portugal; Professor Universitário e Investigador

Referências

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1. Introdução

Cidades ou municípios são elementos complexos do território por suas características socioeconómicas, naturais e culturais, de modos que constituem lugares fundamentais para a vida das comunidades que nele residem e desenvolvem suas actividades. Quer sejam as construções colectivas, as cidades, metrópoles entre outras, deveriam contar com um projecto substancialmente diferente de outros de interesse público, cuja elaboração e gestão tenha um conceito muito mais além que um espaço de estabelecimento de infraestruturas e equipamentos assim como a regulação das construções. A cidade é um projecto de longo prazo que interrelaciona o passado com o presente e o futuro, sendo também a herança do respeito à história desta mesma cidade ao faze-la evoluir legitimando em si permanentemente a sustentabilidade. Por sua notável importância social e económica deveria observar rigorosamente o quadro normativo sobre as atuações urbanísticas, integrando as múltiplas implicações que tem a cidade com os seus instrumentos e recursos disponíveis (Bucalem, 2019). 

O planeamento urbanístico, o uso e a gestão dos solos urbanos, a promoção e a orientação à sustentabilidade das cidades deveriam sempre ser um elemento reitor para o garante ao direito à cidade da parte de seus munícipes. Nisto, os estados por via do poder político-administrativo e os instrumentos legais disponíveis deveriam responder à atribuição e responsabilidades de Controle aos normativos legais, a articulação e aplicação dos instrumentos de planeamento urbanísticos, uso e gestão do solo. Promover a descentralização municipal e metropolitana, faze-las funcionar no rigor da administração da lei; avaliar o estado das infraestruturas urbanas e melhora-las à luz das necessidades das sociedades modernas e sustentáveis. 

A discussão científica sobre a crise urbana das cidades de Benguela e Lobito, pretende constituir um contributo teórico para a tomada de decisão sobre a planificação sustentável do território. É o objetivo que, do ponto de vista político, os pressupostos evocados ao longo da pesquisa permitirão gizar estratégias sobre o olhar ao problema urbano do contexto em estudo e encontrar novas formas de intervenção sobre o território de modos a melhor organizá-lo/estrutura-lo para que possa atender às necessidades da pressão demográfica, a preservação da paisagem natural e com isso, poderem adicionar valor ao ambiente económico local (Huang, 2013). 

2. Estado da arte: A crise no crescimento urbano

O surgimento da agenda global à urbanização a partir dos processos multilaterais é o reconhecimento do quão em estado crítico estão as cidades para o desenvolvimento sustentável. Os países da Ásia e da África reconhecem a importância de investir em suas cidades, mas nessas regiões a rápida taxa de urbanização tem sido associada a externalidades negativas que precisam ser abordadas. Mais de 90 por cento dos países relataram desafios relativos à habitação e a necessidade de estabelecer programas de habitação social para conter a proliferação de assentamentos informais. A importância de investir em transporte seguro e sustentável que apoie mobilidade interurbana, O uso de sistemas de transporte não motorizados em busca de serviços de transporte e cidades verdes e amigáveis para os pedestres (UN-Habitat, 2020). 

De acordo à agenda das Nações Unidas, para o Desenvolvimento Sustentável (2021), é imperioso a inclusão, a urbanização sustentável e a capacidade para o planeamento e gestão dos assentamentos humanos de maneira integrada e sustentável em todos os países. O suporte económico positivo, social e ambiental que possam estabelecer a ligação entre áreas urbanas, periurbanas e rural por meio do fortalecimento do planeamento do desenvolvimento regional e nacional.

As áreas urbanas não estão propensas à vulnerabilidades ou crises por natureza. Existem processos estruturais socioeconômicos que aceleram a rápida urbanização, tais como: o movimento/concentração populacional e seu vertiginoso empobrecimento (vulnerabilidade económica), por influência de factores como o desemprego acentuado, o baixo rendimento das famílias, escassas possibilidades das práticas da economia da sobrevivência através das diversas atividades informais, ineficácia territorial à produção e desenvolvimento (ex. a industrialização), têm enfraquecido a resiliência dos espaços territoriais urbanos, aumentando os desastres, as vulnerabilidades e a reprodução das periferias têm descaracterizado a paisagem urbana de seus fundamentos para o garante do bem-estar social e econômico da colectividade (Ribeiro & Rodrigues, 2021; United Nations Environment Programme, 2007).

Para Westman, et al. (2022), as componentes sociais e geográficas do espaço territorial constituem elementos de considerável importância para o estudo das vulnerabilidades sistemáticas, desigualdades ou crises que os espaços urbanos atravessam, crise esta que, segundo Quarantelli, et al. (2018) está associada às incertezas e ameaças aos valores fundamentais da estrutura social, sendo fenómenos socialmente causados por múltiplos factores endógenos e exógenos, ocorrendo raramente de forma isolada, onde sequencialmente nela actuam uma complexa rede de variáveis. 

Africa, é o continente menos urbanizado, com uma suburbanização bastante intensa, as cidades crescem de forma espontânea, caótica, sem planeamento, sem infraestruturas adequadas, concorrendo para a sua expansão, o saldo natural da população, as migrações de vários tipos, entre outras ocorrências sociais.  O direito à habitação condigna e à cidade para países como Angola ainda estão longe de constituírem-se em realidade (Ramos et al, 2004, p. 207). Pode-se hoje dizer que, os problemas urbanos de Angola nas suas dimensões provinciais resultam de um conjunto de causalidades internas estruturais, desde o vazio de investimentos conducentes à evolução da condição socio territorial e económica nacional, factores conjunturais consequentes do adensamento dos problemas da paisagem natural e social, tornando-se muito difícil actualmente a sua resolução. Outrossim, cabe referenciar as influências externas relacionadas às instabilidades político-sociais e económicas decorrentes da globalização.

Diante desta problemática nacional e do espaço territorial provincial em particular nas cidades de Benguela e Lobito, derivam neste trabalho questões importantes sobre a qualidade do espaço urbano e suas periferias constituídas, o seu ordenamento, suas capacidades naturais e sociais, bem como os mecanismos político-administrativos para a sustentabilidade destes espaços, sendo elas as seguintes:

  • Que paisagem urbana o litoral da província de Benguela apresenta hodiernamente?
  • Como as características geográficas e sociodemográficas influenciam no cenário de crise urbana no litoral?
  • Quais os mecanismos políticos existentes para a atenuação da crise urbana existente e gestão sustentável dos territórios de Benguela e Lobito?

3. Vagueando o interior da gênese das cidades de Benguela e Lobito para entende-la hoje melhor. 

O nascimento do espaço urbano de Benguela remonta da chegada dos exploradores portugueses e a consequente fundação da capitania de Benguela em 1617, lançando assim o projecto de implantação urbana colonial. Nesta altura era um pouco confuso e incipiente a aplicação do termo cidade em nosso território, uma vez que era aplicado aos espaços urbanos de pouca vitalidade, independentemente de sua dimensão, servindo acima de tudo para diferenciar o espaço urbano do meio rural (Santos, 2017, p. 21). 

A ocupação geográfica e o considerado surto urbano colonial, na faixa costeira de Benguela deu-se nos meados do século XVIII, nesta altura, tornava-se necessária a criação de núcleos urbanos que apoiassem o controlo direto das rotas e o abastecimento das caravanas africanas que desciam até ao litoral. Normalmente situados em baías abrigadas dos ventos e das “calemas”, oferecendo bom porto para a navegação à vela. Os núcleos costeiros tinham por função estratégica primordial, proteger as operações comerciais associadas ao tráfico negreiro, afastando outros concorrentes europeus (Santos, 2017, p. 23).

Para a manutenção desta dinâmica comercial, afirma Freudenthal (2001, p. 150):

Em uma argumentação mais global, era ainda requerida a urgente construção da ferrovia, em nome do próprio sucesso da colonização: transportar os colonos do litoral para o planalto; promover as explorações mineira e pecuária; escoar os produtos agrícolas e do comércio sertanejo; e efetuar a ocupação militar, constituíam ações das quais o transporte ferroviário parecia indissociável (AHU Angola, 2ªS.2ªR. p.14, Ofício de 4/9/1890; Jornal de Mossâmedes, nº 164, 4/8/1891).

A predominância absoluta do comércio sobre outras atividades determinou não só a localização dos núcleos, bem como o traçado da rede urbana da colónia. Lobito e Benguela são duas cidades vizinhas, unidas pela história comum do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB). Constituem-se em cidades costeiras e portuárias, tendo a sua localização sido por três princípios: respeitar as condições geográficas, económicas e políticas, para a transformar num ponto estratégico para a conquista do Sul (Amaral, 2018, p. 54)

Foi sobretudo a partir da transição dos séculos XIX e XX que se deu a estruturação da rede urbana e a nova arquitetura que marcadamente define as cidades de Angola, como a realização política e económica do imperialismo colonial em África (Santos, 2017). Assim nasce a cidade e município do Lobito, que nos seus 3.648 kmde superfície alberga um total de 324 050 habitantes[1]. “A designação de Lobito provém do Umbundo Olupito Vava, significando “passagem de água” (com o sentido de saída de porta para o mar), depois simplificado em Lupita, e finalmente aportuguesado para Lobito” (Amaral, 2018). 

A partir do perfil topográfico, pode-se observar algumas linhas de escoamento de água que parecem vales formados a partir dos 100 metros de altura dirigindo-se para as regiões de planícies costeiras, cortando a cidade de Sul à Norte ora acumulando-se em lagos no interior do perímetro urbano, ora comunicando com o mar formando os mangais[2] como os que existem no bairro da Caponte actualmente. 

De acordo à Amaral (2018, p. 55), justamente partir da década de 1950, o Lobito começa a registar um notável crescimento na sua qualidade de cidade costeira, decorrente de sua estratégica localização geográfica sul e por albergar um porto e o caminho-de-ferro, infraestruturas importantes na região. Para além destes elementos, cabe destacar os benefícios de sua estrutura arquitetônica conformando-se em uma das cidades mais modernas naquela altura.

 

Figura: perfil topográfico da cidade do Lobito, extraído a partir de (topographic-map.com, 2021)

Actualmente, as cidades do Lobito e Benguela, possuem uma importância incontornável no cenário geoestratégico de Angola pelas razões políticas e económicas já mencionadas, sendo que aliada a influencia portuária, é também um ponto fundamental de actividade da indústria petrolífera e de promoção ao turismo nacional pela diversidade de paisagens geográficas e condições climatéricas propícias para o fomento de actividades económicas. Os fracos estudos sobre os conhecimentos da gestão e planificação do território, partindo sobretudo das valências geográficas, geológicas e socioeconómicas tem levado a degradação do espaço urbano e a depreciação do progresso local e consequentemente africano.  

4. Plano de desenvolvimento das cidades de Benguela e Lobito: um olhar jurídico-legal sobre a realidade do planeamento urbano em Angola.

De acordo ao relatório emanado pelo World Bank, (2017, p.8), mais de 60% da população nas cidades africanas (grandes, médias e pequenas) se encontra urbanizada. Segundo as conclusões deste relatório, as cidades estão crescendo sob uma teia de restrições – mercados fundiários ineficientes, regimes de direitos de propriedade que se sobrepõem, regulamentação de urbanização e ordenamento do território ineficientes e inadequados – que impedem a tendência para uma maior integração de projetos. Além disso, os bairros dispersos resultantes não têm conexões planejadas de transporte e infraestrutura. Sem uma densidade física elevada nem uma rede de infraestrutura adequada, uma área urbana fica aquém de realizar o seu potencial.

A definição dos termos de propriedade do território é uma importante ferramenta do estado para a planificação, ordenamento e organização dos elementos que devem necessariamente estar refletidos na paisagem urbana. Angola, define os parâmetros de gestão territorial partindo da lei magna (Constituição da República 2010) nos seus artigos 5º, 16º, 39º, 95º que estabelece os fundamentos dos direitos fundiários, transferindo para o estado, o direito supremo de domínio e de gestão atendendo a interesses da colectividade nacional. De realçar que o art. 39º evidencia o direito de viver e conviver em um ambiente sadio e não poluído, bem como o dever de preserva-los, o que contrasta com a realidade concedida e materializada pelo estado.

Por seu turno, a Lei 3/04 de 25 de Junho – “Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo (LOTU)”, vem reforçar os esforços para a organização do território plasmados na constituição da república de 2010, na medida em que, traz consigo um conjunto de disposições jurídico-administrativas pertinentes, em plena harmonia com a legislação constitucional e com a ideia da necessidade de reorganização e evolução das estruturas que administram o território. 

Reconhecidamente, o Plano Director municipal é uma ferramenta essencial para a promoção da inclusão dos actores sociais na participação efectiva e construção de um modo de vida de maior controlo às mudanças sociais. E é fundamental que o poder público intervenha na organização das cidades e melhore as condições de sua reprodução (Santos, 2012, p.104). Nisto, o art. 31º da Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo, trata dos planos municipais, classificando entre estes o «Plano Director Municipal», que:

Representa o tipo central e fundamental de planos globais municipais que, contendo directrizes de natureza estratégica e carácter genérico, representam o quadro global de referência, podendo estabelecer a classificação dos terrenos rurais e dos terrenos urbanos de um município, bem como elementos fundamentais da estrutura geral do território e que sirvam designadamente de combate das assimetrias intramunicipais, entre a cidade e o campo, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência no território municipal. (Lei 3/04 de 25 de Junho – “Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo).

Os planos urbanísticos territoriais existem dentro do ordenamento jurídico angolano como um instrumento cujo objectivo visa regular o sistema de planeamento territorial buscando sempre a integração e coordenação de outras dimensões do território. O decreto nº 2/06 de 23 de Janeiro que aprova o Aprova o Regulamento Geral dos Planos Territoriais, Urbanísticos e Rurais, enuncia que do ponto de vista de sua materialização enquanto projecto de controle, organização, manutenção e prevenção, deve sempre conter como menção obrigatória:

Diagrama nº 1- elaborado, a partir de: Decreto nº 2/06 de 23 de Janeiro (Regulamento Geral dos Planos Territoriais, Urbanísticos e Rurais, p. 123-124)

Conforme se pode verificar no diagrama apresentado, o PDM, é um instrumento bastante exigente e fundamental no funcionamento da gestão fundiária a ser executado pelas autarquias. A integridade do território e o exercício saudável da soberania de qualquer nação depende em relevante grau da sua capacidade de planeamento e gestão dos recursos de dispõe, atribuindo desta forma o benefício da coordenação e preparação dos seus aparelhos institucionais na resposta aos desafios nas distintas dimensões da vida social.  

Para os casos dos municípios de Benguela e Lobito, ao longo das observações às instituições afectas à planificação territorial não se notaram planos diretores integrados, sendo que, nos PDMs existentes, se atestam a existência de projectos parciais de ordenamento às urbanizações emergentes como formas de minimizar a crescente desestruturação urbana consequente da expansão das cidades e a crescente multiplicação demográfica. Os pontos elencados na definição de um plano director integrado não são processados em rigor, de tal forma que, não se concatenam em sua plena realização devido às fragilidades e debilidades institucionais. Um dos casos paradigmáticos dos planos urbanísticos parciais inseridos no PDM ao nível da província, destaca-se o mecanismo de cedência e gestão ao nível da administração municipal do espaço orientado à futura urbanização das “salinas” que deverá resultar de um projecto de autoconstrução dirigida (perímetro em azul, nº 9, em proposta) à sudoeste do município.

Figura 1: Extrato de uma planta do Plano Municipal de Benguela (Fonte: Governo da Província de Benguela)

5. Ao investigar a realidade geográfica e sociodemográfica das duas cidades do litoral de Angola 

Este trabalho de natureza qualitativa tem como propósito a elaboração de um estudo de carácter exploratório em torno da realidade geográfica e sociodemográfica das cidades do litoral de Angola (Lobito e Benguela), com incidência à análise dos factores que concorrem para o agravamento da crise urbana nos municípios em estudo (Gil, 2008). Para a sua efetivação, realizaram-se entrevistas de carácter semiestruturado com pendor mais aberto, o que permitiu absorver as perceções e experiências pormenorizadas dos especialistas sobre as características estruturais, naturais e geográficas dos municípios em observância (Marconi & Lakatos, 2003). Elementos como a avaliação da qualidade urbana dos municípios, os factores que determinam o estado actual urbano, as possibilidades de evolução, a existência ou não e a execução dos Planos de desenvolvimento dos municípios (PDM`s) entre outros aspetos como a compreensão da sua própria história permitiram explorar a realidade material e a visão dos munícipes sobre a mesma. 

A amostra constituída fundamentalmente por especialistas afectos à Administração Municipal de Benguela (A.M.B), Instituto Nacional do Ordenamento do Território e Urbanismo (I.N.O.T.U) e o Gabinete de Provincial das Obras públicas e Infraestruturas públicas (G.P.O.P.I.), sendo os indivíduos da amostra especialistas nas seguintes áreas: Engenharia geográfica, Arquitetura voltada ao planeamento urbano e Arquitetura de projectos.

Figura 2: Diagrama esquemático do desenvolvimento da pesquisa. Fonte: Elaboração própria.

6. Vulnerabilidade, sustentabilidade e risco

Para uma melhor compreensão acerca da influência geográfica e social sobre as vulnerabilidades das cidades do Lobito e Benguela, buscamos perceber a partir dos entrevistados sobre o potencial risco existente na altura da edificação destas cidades, ou seja, se as cidades do Lobito e Benguela foram construídas em zonas de risco?

 Pelo que, os entrevistados em certa medida convergiam em seus argumentos: Se calhar sim, razão pela qual Benguela tem uma metodologia de construção, as casas nunca estão se calhar a menos do que 60 cm abaixo do solo, porquê? Porque foi construída por cima da areia e água, o lençol freático aqui é muito alto […]. O Lobito também é a mesma semelhança, porque toda a zona baixa do Lobito foi aterrada, já a zona alta não tem muitos problemas ao nível do solo. (Entrevistado, A). 

“A cidade de Benguela não foi planeada para integrar-se às posteriores construções nas zonas altas, por isso é que quando chove, acontecem inundações, o que não se verifica no Huambo, porque o Huambo é uma cidade que foi construída por meio de um PDM, em Angola só existem 3 a 4 cidades que tiveram na sua base um PDM (Lobito, Luanda, Huambo e em menor grau o Lubango), são cidades planificadas e Benguela não foi planeada. Quanto ao Lobito, A cidade alta foi construída albergando edifícios altos com fim residencial e de oferta de serviços e nisto com o aumento demográfico, os funcionários deste espaço residencial e industrial nas proximidades foram construindo nos espaços próximos autonomamente sem acompanhamento”. (Entrevistado B). De acordo com os argumentos pronunciados pelo entrevistado B, a edificação das cidades deve sempre obedecer a um estudo aprofundado das características topográficas da área (perímetro) e as orientações de vazão do fluxo pluviométrico nas vertentes das colinas ao sopé e com isso dimensionar as infraestruturas de escoamento. Um outro elemento tem a ver com a constituição geológica de natureza sedimentar de uma extensa superfície por onde se expandiu a cidade, do qual o entrevistado afirma o seguinte: “Talvez, constitua risco pelo solo argiloso que não é aconselhável para a construção, pois ele é expansivo”. (Entrevistado B).

De acordo à Marandola et al (2013, p.40), a localização geográfica, a geomorfologia local, as características geológicas, o clima e a vegetação predominantes são fatores que compõem a vulnerabilidade do lugar, expondo a população a determinados riscos. A ideia de o litoral de Benguela constituir por si só uma zona de risco e de vulnerabilidade natural decorre também da influência do mar que naturalmente provoca o efeito da subida do lençol freático e o aumento da salinidade o que do ponto de vista físico e químico actua na corrosão das estruturas urbanas, estando potencialmente relacionado à corrosão das estruturas urbanas. Nisto, o reconhecimento desta vulnerabilidade é visto favoravelmente da parte do entrevistado A que afirma: 

 “O Lobito foi a correção de Benguela, porque primeiro nasceu Benguela e depois o Lobito, se reparar a nível de arquitetura, o Lobito tem a arquitetura mais moderna do que Benguela. Depois temos algumas questões sobre o surgimento da cidade, pois, para se conseguir fazer isso foi preciso desviar o rio Cavaco que passava aqui nesta estrada da discoteca Tchirinawa e desembocava mais a sul da praia morena, então, para se conseguir ter uma malha uniforme foi necessário cortar o rio e mandou-se pra lá onde ele agora vai desaguar”. (Entrevistado, A).

Existe um reconhecimento tácito às debilidades de construção urbana do município de Benguela enquanto cidade, acentuando desta feita a vulnerabilidade na voz de dois indivíduos presentes na amostra.

Que tipo de cidade[3] possuímos? Qual o estado de acção das Instituições ligadas ao urbanismo e obras públicas e os projectos urbanísticos municipais nas cidades do Lobito e Benguela.  

De acordo com Santos (2012, p.104), “Desde sua emergência, o planejamento urbano é identificado como uma política pública, tendo o Estado como ator principal, senão único”. Os municípios de Benguela e Lobito nasceram com o propósito de responder a uma necessidade política e social e comercial colonial de exploração das vantagens naturais da parte das autoridades da época. Após a transição para uma Angola independente era necessário pensar-se e realizar-se um planejamento urbano que respondesse à necessidade dos movimentos sociais, expandindo e evoluindo as suas estruturas mediante Planos de Desenvolvimento dos Municípios, que na voz do Entrevistado A: “Benguela e Lobito têm um plano Director municipal que são os PDM e nesses planos estão propostas as zonas de expansão urbana, mas não só urbanas como industriais e estão catalogadas também as zonas ou cartas de risco e atenção, que nós temos um conceito de zonas de risco, e nos parece que ela nunca deixa de ser zonas de risco. As zonas de riscos elas podem ser trabalhadas e melhoradas para deixarem de ser zonas de riscos, agora isto cá em Benguela ainda não vi nenhum trabalho para se transformar as zonas de riscos para um espaço acessível e adequado. Nunca vi nenhum trabalho de requalificação actual naquelas zonas contidas lá. Houve sim alguns trabalhos de alguns planos de requalificação que são os bairros Benfica e bairros da luz em 2017”. 

Nota-se, porém, uma contradição face a legitimação efectiva da existência de um PDM, na voz de um terceiro entrevistado que afirma o oposto quando diz que: “Não existe nenhum plano, razão pela qual hoje os bairros estão conforme estão, nem sequer as vezes uma ambulância ou um bombeiro consegue entrar. Porque hoje as pessoas que supostamente invadem são “tudo” são urbanistas, arquitetos, engenheiros, são tudo, quando você (estado) vai lá e diz que “não podes fazer isto, ou vais sair e vamos partir” é o alarido que se cria, depois vira problema político, lá vem os direitos humanos e outras organizações, mas quando foi lá ninguém fez nada, quando há iniciativa de o melhorar tem-se estes constrangimentos e fica complicado” (Entrevistado C).

Sobre a base da argumentação da inexistência dos planos de desenvolvimento integrados dos municípios permanece o reconhecimento da existência somente de planos mais restritos, como os planos parciais de requalificação de algumas zonas e que também não se fazem sentir na prática. Quanto ao papel das instituições na planificação da evolução e melhoria das cidades afirma o entrevistado B: “a população destas localidades cresce de forma galopante e as estruturas do estado afins ao território não têm capacidade técnica, recursos humanos e financeira para acompanhar este fenómeno”. 

As cidades africanas estão superpovoadas porque não possuem um plano urbano formal que esteja ligado aos empregos e serviços. Sem um desenvolvimento formal suficiente, assentamentos informais que são relativamente centrais e, portanto, perto dos postos de trabalho – como é o caso de Kibera em Nairobi e Tandale em Dar es Salaam – veem a sua população aumentar constantemente (WORLD BANK, 2017, p.11).

A falta de actividade económica formal, infraestruturas que aproveitem as potencialidades do capital humano, a necessidade de habitações condignas com ligação à serviços e áreas de lazer e entretenimento influenciam as taxas de superpovoamento nos espaços africanos (World Bank, 2017, p.11). 

7. A pressão demográfica e a crise na paisagem urbana nos municípios de Benguela e Lobito

De acordo a um estudo efectuado por Sachilombo & Rocha (2017, p. 63), após a realização de uma simulação por detecção remota, revela-nos que, para o período temporal de 2004 a 2014, Benguela registou um crescimento populacional acelerado, prevendo-se até 2040 o gráfico verticalizar-se.

Figura: Gráfico da evolução da população da província de Benguela. Fonte: I.N.E. (2016)

Reconhece-se a exponencialidade neste crescimento na medida em que, os programas ligados ao planeamento regional e urbano não foram revistos e atualizados, as condicionantes, quer sejam legais ou físicas têm sido ignoradas, os espaços verdes, algumas áreas de cultivo têm sido substituídas por áreas densamente construídas. 

O crescimento urbano da cidade de Benguela, pode ter sido influenciado principalmente pelo êxodo rural e, o que pode estar na base do crescimento desordenado das cidades parece-nos que, são as políticas do ordenamento que provavelmente não são consistentes. Existe uma forte correlação entre o crescimento urbano e o populacional e esta lógica do crescimento urbano associado à forte influência da expansão demográfica e a consequente pressão social tenderá a comprometer as políticas públicas de desenvolvimento dos municípios. (SACHILOMBO, ROCHA, 2017, p. 63)

Os factores incidentes especificamente ao município do Lobito são semelhantes aos demais municípios de maior densidade populacional na província. Conforme os autores mencionados acima, referem-se aos factores que promoveram a dinâmica actual dos municípios em estudo, o entrevistado Engenheiro B reconhece que: “Não surpreende, era previsível este crescimento, pela importância socioeconômica e geográfica destas localidades. As cidades não crescem dentro de si mesmas, crescem na periferia, era previsível pela importância que tem e pela proximidade das 3 cidades Benguela, Catumbela e Lobito, nalgum dia estas 3 unidades irão se aglutinar e tornar-se numa megalópole ou metrópole, deixando de ser apenas cidade”.

Segundo as projeções demográficas efectuadas pelo INE (Angola) em 2016, Benguela contava com uma população de 623.777 hab., uma área total de 2100 km2, sendo o município mais populoso da província. De acordo a taxa de crescimento absoluto no período 2014-2018, o município de Benguela, estabelecida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2016) a população neste período cresceu cerca de 9% ao longo dos 4 anos. Já a projecção para 2023-2024, as estatísticas do INE anunciam valores em cerca de 710. 041 hab. para este município e 496. 835 para o Lobito. 

Outrossim, o município (cidade) do Lobito também vive as mesmas preocupações, porém com maior vulnerabilidade à desastres naturais devido à sua geomorfologia de forte elevação e declive acentuado próximo ao litoral, a existência da restinga e o fenómeno das maresias e consequente erosão costeira. A tendencia de crescimento demográfico também é mais acentuado, por ser a cidade portuária, e de elevado apetite comercial e econômico, com isso, os dados do crescimento populacional do período 2014-2018, revelam-nos um crescimento na ordem dos 10%, facto corroborado pelo Entrevistado arquiteto quando assinala que: “O Lobito está densamente povoado, tem muito aglomerado, razão pela qual hoje as nossas manilhas ou valas já não suportam as cargas que recebem, porque elas não recebem só as cargas pluviométricas, nós temos problemas de saneamento básico e isso tudo vai obstruindo os canais de escoamento, não obstante, deve-se fazer um estudo para o reperfilamento desses perfis todos, porque depois isto cria um fluxo que não se consegue escoar devidamente”. 

Considera-se, pois, que, a partir de 2010, foi-se massificando a expansão das periferias (Lobito e Benguela) alterando com isso o status quo das populações angolanas, que foram cada vez mais perdendo o sentido urbano no seu modo de vida, tornando-se mais refém de uma situação construída isoladamente sem auxílio do estado. Esta degradação da vida social incrementou os desníveis sociais, alargando o fosso na estratificação de classes, desde as mais bem posicionadas às menos favorecidas, dificultando concomitantemente a transição ou mobilidade social para status intermédios mais favoráveis. Este fenômeno urbano-social trouxe consigo problemas múltiplos, dentre os quais o da falta de salubridade, um “gap” na valorização do patrimônio urbano historicamente existente, a desestruturação do espaço periurbano pela saturação do uso do solo para a construção na maioria das vezes anárquicas. 

A desvalorização dos espaços turísticos, ecológicos e até mesmo históricos também constitui problemática nesta erosão da vida e sustentabilidade de uma cultura de urbanidade, pois, entendemos que, a expressão urbana enquanto organização física de um território deve carregar em si simbolismos histórico-culturais de transcendente valor para o ser humano. 

8. Conclusão

Da pesquisa realizada aferiu-se que do ponto de vista geográfico, geológico e geomorfológico, as cidades de Benguela e Lobito possuem estruturas e formas naturais a considerarem-se seriamente para realização de um projecto urbanístico de valor acrescentado, que possa acompanhar o crescimento populacional, que seja integrado e sustentável. 

Notou-se que existem variados problemas ao nível da implementação das medidas e acções de planificação urbanística, justificadas pela parca robustez das instituições da administração do território. Ouvindo por meio das entrevistas aos especialistas em matéria de ordenamento e arquitetura, foi possível colher algumas sugestões que permitirão a melhoria do cenário urbano nos municípios de Benguela e Lobito. É assim que, sugerem efetuar-se um trabalho antropológico, sociológico e urbanístico para que o cidadão possa estar consciente de sua acção sobre a organização do território, aproveitar a educação de base para disseminar estes valores.

Do ponto de vista da organização urbana dos municípios de Benguela e Lobito, o território apresenta um grau de vulnerabilidade natural considerável, devido a inexistência da criação de infraestruturas técnicas básicas para poder suportar as necessidades e o bem-estar das populações, sendo este um dos factores inerentes do contexto em estudo.   

Como medida a atenuar os factores de vulnerabilidade ou crise urbana, é necessário requalificar as cidades com planos urbanos parciais na base de projectos sustentáveis. As cidades devem ser reformuladas, reordenadas e fazer planos urbanísticos parciais. Deve-se fazer investimentos no homem para garantir eficácia e eficiência às instituições afectas à administração do território, proteger as áreas naturais e ambientais, promover e consolidar uma cultura de planeamento e gestão territorial que tenha suporte nos interesses da colectividade local e nacional. 

 

[1] Censo 2014

[2] Os mangais são ecossistemas constituídos por vegetais típicos de ambientes pantanosos, resistentes a alta salinidade da água e do solo e de reduzida percentagem de oxigénio. Os mangais do Lobito albergam grande quantidade de espécies marinhas desde os crustáceos (caranguejos) às tilápias. Também são espaços de reprodução providencia alimentar de aves como os flamingos, as garças e outras espécies (Tavares, 2020).

[3] Giddens (2013) apud Soma (2018, p. 66) define cidade como sendo a forma de povoamento relativamente grande onde se desenrolam várias atividades, o que lhe permite tornar-se centro de poder em relação às áreas circundantes e a povoados mais pequenos. A este conceito adicionamos a consideração espacial de cerca de 50 km da costa ao interior representando assim uma cidade litoral. O território (município) de Benguela, possui uma área de superfície territorial (continental) de cerca de  2100 km2 e uma costa marítima do Lobito à Benguela com aproximadamente 30 km.

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