Desenvolvimento regional e gestão descentralizada: Resultados da consulta popular nos COREDEs Nordeste e Norte do Rio Grande do Sul


Zenicleia Angelita Deggerone
Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Professora em Administração e Desenvolvimento na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - Unidade em Erechim

Marcia Regina Maboni Hoppen Porsch
Doutora em Modelagem Matemática pela UNIJUI, Professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, atuação na graduação de Gestão Ambiental, Administração e Agronomia

Xandriéli Maria Sbruzzi
Graduanda em Administração pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Unidade Universitária de Erechim

Natalia Perondi
Graduanda em Administração pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Unidade Universitária de Erechim

Referências 

ALLEBRANDT, S. L. Escopo Teórico. In: ALLEBRANDT, S. L.; TENÓRIO F.G. (Orgs). Controle Social de Territórios: Teoria e práticas. Ijuí: Unijuí. 2018. p. 17-28.

AZEVEDO, E. M. Gestão Pública Participativa: A dinâmica democrática dos conselhos gestores. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 2007. 

BOISIER, S. ¿ Hay espacio para el desarrollo local en la globalización ? Revista de la CEPAL, Santiago do Chile, n. 86, p. 47-62, 2005. 

BUGS, J. C.; SIEDENBERG, D. R. Abordagem estratégica dos processos de desenvolvimento socioeconômico regional: o caso do COREDE VRP. DRd - Desenvolvimento Regional em debate, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 114–134, 2013. DOI: 10.24302/drd.v3i2.435. Disponível em: http://www.periodicos.unc.br/index-.php/drd/article/view/435. Acesso em: 4 nov. 2022

CORRÊA, J. C. S. O processo de planejamento para o desenvolvimento regional e suas interfaces com a consulta popular no COREDE Alto Jacuí: uma reflexão para o período de 2009 a 2012. Ágora, v. 17, n. 2, p. 110-124, 2015.

DALLABRIDA, V. R. Governança Territorial e Desenvolvimento: as experiências de descentralização político-administrativa no Brasil como exemplos de institucionalização de novas escalas territoriais de governança. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos, Brasília: IPEA, 2011.                 

DIAS, R. Gestão pública: aspectos atuais e perspectivas para atualização. São Paulo: Atlas, 2017. 

FERNÁNDEZ, V. R.; AMIN, A.; VIGIL, J. I. Repensando el desarrollo regional: contribuiciones globales para una estratégia latino-americana. Buenos Aires: Editorial Miño y Dávila, 2008.

FONSECA, I. F da. Resiliência, escala e participação em governos de direita: uma análise da Consulta Popular, no Rio Grande do Sul (1998-2018) . Opin Publica, v. 25, n. 3, p. 694–725, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-01912019253694 Acesso em: 20 set. 2023.

GEVEHR, D. L.; GRINGS, J. A.; FETTER, S. A. Participação da Comunidade na Consulta Popular na Região do Coredepes: Uma Análise das Demandas na Região do Paranhana e Encosta da Serra (RS, Brasil). Desenvolvimento em Questão[S. l.], v. 16, n. 42, p. 157–179, 2017. DOI: 10.21527/2237-6453.2018.42.157-179. Disponível em: https://revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimentoemquestao-/article/view/6254. Acesso em: 4 nov. 2022.

GEVEHR, D. L.; GRINGS, J. A.; FETTER, S. A. Participação da Comunidade na Consulta Popular na Região do Coredepes: Uma Análise das Demandas na Região do Paranhana e Encosta da Serra (RS, Brasil). Desenvolvimento em Questão, [S. l.], v. 16, n. 42, p. 157–179, 2017. DOI: 10.21527/2237-6453.2018.42.157-179. Disponível em: https://revistas.unijui.edu.br/index.php/desenvolvimento-emquestao/article/view/6254. Acesso em: 4 nov. 2022.

HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic developmentNew Haven: Yale University Press, 1958.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. AGÊNCIA IBGE de Notícias. PNAD Contínua TIC 2018: Internet chega a 79,1% dos domicílios do país. 2020. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27515-pnad-continua-tic-2018-internet-chega-a-79-1-dos-domicilios-do-pais. Acesso em: 20 mai. 2023.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. AGÊNCIA IBGE de Notícias. PNAD Contínua TIC 2019: internet chega a 82,7% dos domicílios do país. 2021. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30521-pnad-continua-tic-2019-internet-chega-a-82-7-dos-domicilios-do-pais. Acesso em: 20 mai. 2023.

KNECHTEL, M. R. Metodologia da pesquisa em educação: uma abordagem teórico-prática dialogada. Curitiba, PR: Intersaberes, 2014.

LISBINSKI, F, C.; BENDER FILHO, R. Uma análise da consulta popular no COREDE Medio Alto Uruguai (CODEMAU). RDE-Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 2, n. 49, 2021. http://dx.doi.org/10.36810/rde.v2i49.7128

MIGUEL, A. E. et al. Un maravilloso recorrido con la ciencia regional. Instituto Tecnológico de Oaxaca, México. Eumed-Net. 2013. Disponível em: http://www.eumed.net/libros-gratis/2013/ 1285/1285.pdf

PÉREZ, J. E. Desarrollo Regional. In: LÓPEZ TRIGAL, L. Diccionario de geografía aplicada y profesional: terminología de análisis, planificación y gestión del território. León: Universidad de León, 2015, p. 168-170.

RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 11.179, de 25 de junho de 1998Dispõe sobre a consulta direta à população quanto à destinação de parcela do Orçamento do Estado do Rio Grande do Sul voltada a investimentos de interesse regional. Disponível em:  http://www.al.rs.gov.br/FileRepository/repLegisComp/Lei%20n%C2%BA%2011.179.pdf Acesso em: 01 set. 2022.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Memória da Consulta. 2015-2021. Disponível em: https://planeja-mento.rs.gov.br/memoria-da-consulta.Acesso em: 20 mai. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Departamento de Economia e Estatística. PIB Municipal. 2020. Disponível em: https://dee.rs.gov.br/pib-municipal. Acesso em: 20 mai. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Departamento de Economia e Estatística. População. 2021a. Disponível em: https://dee.rs.gov.br/populacao. Acesso em: 20 mai. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Departamento de Economia e Estatística. Idese. 2021b. Disponível em:https://visualiza.dee.rs.gov.br/idese/. Acesso em: 20 mai. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul6. Ed, Porto Alegre: Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental, 2022. Disponível em: https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/inicial. Acesso em: 20 mai. 2023.

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Departamento de Planejamento Governamental. Consulta Popular. 2023. Disponível em: https://planejamento.rs.gov.br/consulta-popular. Acesso em: 20 mai. 2023.

SBRUZZI, X. M.; DEGGERONE, Z. A. Localização dos COREDEs Nordeste e Norte e dos municípios integrantes. Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - Uergs, Erechim, 2023. 

SILVEIRA, R. L. L. da. Território, rede e desenvolvimento regional – Notas para discussão. In: Território, Redes e Desenvolvimento Regional: Perspectivas e Desafios. (Org.) SILVEIRA, R. L. L.; FELIPPI, A. C. T. Florianópolis: Ed. Insular, 2018. p.231-252.

TAVARES, P. de T. S. Os modelos de participação popular no Estado do Rio Grande do Sul : as experiências do orçamento participativo (OP) e do processo de participação popular (PPP). 2006. 88 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE. Estatísticas do eleitorado – Evolução do eleitorado. 2023. Disponível em: https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-de-eleitorado/evolucao-do-eleitorado. Acesso em: 20 mai. 2023.

ZAMBAM, N. J.; KUJAWA, H. A. As políticas públicas em Amartya Sen: condição de agente e liberdade social. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 13, n. 1, p. 60- 85, mar. 2017. Disponível em: https://seer.imed. edu.br/index.php/revistadedireito/-article/view/1486/1112.

 

1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 abriu espaço para a reivindicação da partilha de poder nas mais diferentes áreas da esfera pública. Esse processo de gestão participativa foi construído por meio de um intenso processo de mobilização e organização social que tem atuado na elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas. E nesse caso, tal como enfatiza Azevedo (2007), a gestão participativa no setor público consiste na atuação dos cidadãos em audiências públicas, fóruns, consultas populares, orçamentos participativos e conselhos de gestores com o objetivo de intervir nas decisões político-administrativas.

De acordo com Dias (2017), a participação popular é uma forma de envolvimento social que busca a equidade em situações em que os participantes possuem acesso desigual aos recursos ou existem obstáculos que inibem a sua participação. Para isso, vários são os instrumentos de participação popular na Administração pública como a iniciativa popular legislativa, o referendo, o plebiscito, a atuação em conselhos, a Consulta Popular e outros. 

No estado do Rio Grande do Sul, desde 1998 a população tem colaborado na descentralização dos investimentos públicos, e isso se dá por meio da Consulta Popular. Essa forma de participação social foi instituída pela Lei nº 11.179/1998, que busca destinar parte do orçamento governamental para atender às demandas escolhidas pela população (RIO GRANDE DO SUL, 1998), e é organizada por intermédio dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), que têm por objetivo identificar as necessidades e as potencialidades regionais, necessárias para formular e implementar políticas públicas de desenvolvimento regional.

Nesse contexto, o desenvolvimento regional é entendido como um processo endógeno de mudança estrutural e que procura destacar a capacidade dos atores sociais locais em transformar o sistema socioeconômico, a habilidade para responder aos desafios externos, a capacidade de promover a aprendizagem social e a capacidade para introduzir formas específicas de regulação social em nível local (BOISIER, 2005). E essa proximidade entre o estado e a população permite a promoção de ações de promoção do bem-estar social que atendam às demandas dos cidadãos de forma articulada com o desenvolvimento regional. 

Essa perspectiva de promoção do desenvolvimento regional e de participação social já vem sendo estudada por diferentes pesquisadores, que se dedicaram à análise de projetos aprovados pela participação popular em diferentes COREDEs do Rio Grande do Sul. Dentre estes, o COREDE Médio Alto Uruguai, pesquisado por Lisbinski e Bender Filho (2021); a região do Paranhana e Encosta da Serra, pauta de estudos de Gevehr, Grings e Fetter (2017); oCOREDE Alto Jacuí, tema de pesquisa de Corrêa (2015); e o COREDE do Vale do Rio Pardo, estudado por Bugs e Siedenberg (2013).

            Os COREDEs Nordeste e Norte, no entanto, ainda não foram pauta de estudos que analisem a Consulta Popular enquanto um espaço de discussão e decisão sobre as ações e políticas que visam ao desenvolvimento regional. Desse modo, este artigo tem por objetivo identificar quais foram as ações implementadas por meio da política de gestão compartilhada nos COREDEs Nordeste e Norte no estado do Rio Grande do Sul, entre 2015 e 2021, buscando verificar as prioridades eleitas pela população para fomentar o desenvolvimento regional.

 Com o propósito de atender a tal proposta, este estudo está organizado em cinco seções. Na parte inicial, foram apresentadas a introdução e a contextualização do estudo. Na segunda seção, foi elaborada uma revisão bibliográfica sobre o desenvolvimento regional, a participação e a consulta popular. Em seguida, a terceira seção expõe os procedimentos metodológicos utilizados. Na sequência, são apresentados e analisados os resultados. Por fim, a última seção destina-se às conclusões.

2. Desenvolvimento regional e participação popular: A experiência do Rio Grande do Sul 

A construção de políticas públicas que busquem contribuir com o desenvolvimento regional tem constituído a agenda de diferentes governos. E dentre as distintas abordagens que discutem o desenvolvimento regional, nos anos 1980, ganham destaque as concepções que passam a compreender o desenvolvimento como um processo botton-up, entendendo as regiões como promotoras do seu desenvolvimento (FERNANDEZ; AMIN; VIGIL, 2008).

De acordo com essa concepção, o desenvolvimento regional pode ser entendido como um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos (genéricos e específicos, materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população (DALLABRIDA, 2011, p. 19).

Na visão de Silveira (2018), o desenvolvimento regional envolve a promoção de um conjunto de ações e politicas publicas que visam à mudança estrutural, à melhoria das condições socioeconômicas da população e à ampliação dos níveis de qualidade de vida. Tal processo visa também à sustentabilidade econômica, social e ambiental por meio de um sistema de planejamento e de governança que valorize a participação social e a descentralização da decisão política, e que esteja articulado com os demais níveis de governo, tanto na escala municipal quanto na estadual e na nacional (SILVEIRA, 2018).   

Nesse cenário, Allebrandt (2018) entende que as discussões sobre o desenvolvimento iniciam a partir dos próprios atores locais, quando, por meio deles, são definidas ações de desenvolvimento com base nas demandas/prioridades e no apelo da comunidade local. O “desenvolvimento local é determinado ou condicionado por um conjunto de dimensões: econômica, social, cultural, ambiental e físico territorial, político-institucional e científico-tecnológica, dimensões que mantêm relativa autonomia umas em relação às outras" (ALLEBRANT, 2018, p. 22).

Essa dimensão político-institucional do desenvolvimento regional tem sido reforçada com a necessária participação dos atores da região/território em questão, principalmente para a legitimação das políticas de desenvolvimento regional (MIGUEL et al., 2013; PÉREZ, 2015). Logo, a participação dos atores na implementação e na avaliação das políticas públicas permite o exercício da condição de agente ativo. 

A análise das estratégias e dos projetos elencados como prioritários pela população para a promoção do desenvolvimento regional relaciona-se “com a sua capacidade de interferir nas situações concretas em que as pessoas vivem ou para solucionar aqueles problemas que mais ameaçam no período imediato” (ZAMBAM; KUJAWA, 2017, p. 68).

Desse modo, a sociedade é a parte fundamental dos processos de desenvolvimento, e a Constituição Federal, ao abrir espaço para a reivindicação da partilha de poder nas mais diferentes áreas da esfera pública, possibilitou que a população pudesse participar dos processos de desenvolvimento, sejam estes locais, regionais ou territoriais.   

No estado do Rio Grande do Sul, a população tem atuado nesse processo de desenvolvimento, a partir da institucionalização dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs), os quais constituem espaços deliberativos que buscam promover: a) o desenvolvimento regional harmônico e sustentável; b) a integração dos recursos e das ações do Governo e da região; c) a melhoria da qualidade de vida da população; d) a distribuição equitativa da riqueza produzida; e) o estímulo à permanência do homem em sua região; e f) Aa preservação e recuperação do meio ambiente.

Entre as competências atribuídas aos COREDEs, destacam-se a articulação da sociedade em âmbito regional, para identificar as necessidades e as potencialidades regionais, necessárias para formular e implementar políticas públicas de desenvolvimento regional. Isso, na visão de Hirschman (1958), se justifica em razão de que o desenvolvimento econômico não ocorre simultaneamente em todas as regiões geográficas, mesmo estas pertencendo a uma mesma unidade econômica. Desse modo, os COREDEs possibilitam desenvolver projetos que sejam mais apropriados às dinâmicas regionais, além de criar e manter espaços de participação democrática, resgatando a cidadania, por meio da valorização de ações políticas (RIO GRANDE DO SUL, 2022). 

Nesse caso, o estado do Rio Grande do Sul busca implementar o que Hirschman  (1958) apresenta sobre a utilização de mecanismos de indução ao desenvolvimento através de investimentos governamentais. Na visão do autor, o estado pode induzir o processo de desenvolvimento ao investir em setores chave, que além de permitirem a superação de pontos de estrangulamento da economia contribuem para a criação de oportunidades de investimento e de “encadeamentos para frente e para trás[1]” no setor privado (HIRSCHMAN,1958).

O estado do Rio Grande do Sul possui diversos setores produtivos, instalados em diferentes regiões, e, neste caso, a Consulta Popular serve como um mecanismo para impulsionar a capacidade produtiva previamente existente nos COREDEs. De acordo de  Hirschman (1958), o planejamento do desenvolvimento deve consistir no estabelecimento de estratégias sequenciais, o que deve se dar por meio de uma série de projetos que produzam efeitos favoráveis sobre o fluxo de renda e em uma variedade de áreas cuja realização é limitada pela capacidade de investimento local.

Por isso, uma das principais funções dos COREDEs é identificar esses projetos e garantir a participação da população na escolha das prioridades regionais através da Consulta Popular. Esse mecanismo foi criado através da Lei nº 11.179/1998 que destina parte do orçamento governamental para atender às demandas escolhidas pela população (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1998). Por isso, a operacionalização dessa ação é realizada por intermédio dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) e dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDEs) (Quadro 1). Para isso, o governo do estado, de acordo com a proposta orçamentária, submete à deliberação da população os investimentos prioritários nas regiões. O valor que é pauta da Consulta Popular é distribuído entre as 28 Regiões (COREDEs) do estado e atende a critérios relacionados ao quantitativo da população de cada região e do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE).

O processo de discussão é organizado pelos COREDEs organizam em assembleias públicas regionais, assembleias públicas municipais e assembleias regionais ampliadas. Essas etapas buscam propiciar a participação da sociedade civil e dos atores institucionais (vide Quadro 1 na página seguinte). 

A segunda etapa consiste na realização de assembleias públicas municipais que são organizadas pelos Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDES). Essas assembleias são abertas à participação direta e universal dos cidadãos residentes nos municípios, quando são sugeridas prioridades e escolhidos os representantes de cada município que participarão das assembleias regionais (RIO GRANDE DO SUL, 2023).

Na terceira etapa, os COREDEs devem organizar as assembleias regionais ampliadas, nas quais serão elencadas as demandas sugeridas pelos COMUDEs e definidas as demandas que serão votadas pela população regional. Após essa etapa, é aberto o processo de votação universal, por meio da qual cada eleitor escolhe as demandas prioritárias para a sua região.

Quadro 1 – Etapas do processo de participação institucionalizada através da Consulta Popular

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas informações presentes no site da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do estado do Rio Grande do Sul (2023).

Por fim, os COREDEs fazem a sistematização dos resultados da votação e encaminham essas informações para o Governo do estado, que fará a previsão orçamentária do ano subsequente (RIO GRANDE DO SUL, 2023).

A Consulta Popular tem se mostrado como uma das ferramentas que possibilita a participação social e a descentralização das decisões políticas, permitindo que as regiões sejam co-promotoras do seu desenvolvimento. A adoção desse processo enquanto estratégia para a democratização dos espaços públicos decorre da influência da implementação do Orçamento Participativo (OP) no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 em Porto Alegre (TAVARES, 2006). 

Para Fonseca (2019), a Consulta Popular consegue combinar processos participativos, deliberativos e eleitorais em um desenho institucional composto por etapas intermediárias marcadas pela interação face a face, seguidas por votações universais regulares anuais em que são definidas políticas públicas de interesse regional. Ainda de acordo com o autor, essa experiência revela a resiliência desse mecanismo de participação social, uma vez que que a Consulta Popular tem sobrevivido a mudanças governamentais, sempre alternando entre governos de centro-direita e centro-esquerda, ao longo de uma trajetória que supera décadas (FONSECA, 2019). Essa resiliência, segundo Fonseca (2019), é tributária do círculo virtuoso estabelecido entre os COREDEs e as leis que institucionalizam a Consulta.

3. Os COREDEs Nordeste e Norte. Suas características socioeconômicas e a consulta popular

A presente pesquisa buscou identificar as ações implementadas por meio da política de gestão compartilhada no COREDE Nordeste e Norte.

3.1 Procedimentos metodológicos

Utilizando uma abordagem exploratória e descritiva (KNECHTEL, 2014), o estudo coletou uma série de informações que foram transformadas em indicadores, os quais, por sua vez, revelam como a população de duas regiões tem definido prioridades orçamentárias. 

Dessa forma, a pesquisa se classifica como quantitativa, a qual, segundo Knechtel (2014), constitui-se de variáveis predeterminadas que são mensuradas e expressas numericamente. Os procedimentos e instrumentos utilizados na coleta de dados foram provenientes de fontes secundárias oriundas de pesquisa bibliográfica e de consultas documentais. 

A consulta documental foi realizada no banco de dados da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão e no Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, e buscou apurar a participação da população dos COREDEs Nordeste e Norte na Consulta Popular entre 2015 a 2021, além apurar outras informações junto ao Departamento de Economia e Estatística (DEE) do estado do Rio Grande do Sul. 

Os dados coletados por ocasião da aplicação da pesquisa documental e bibliográfica foram apurados por meio da estatística descritiva. Esta forma de análise de dados possibilita a organização e a apresentação dos resultados a partir de quadros, tabelas, mapas e gráficos (KNECHTEL, 2014). A adoção desses recursos permite visualizar e compreender melhor as informações apresentadas.  

3.2 Características socioeconômicas

Os COREDEs Nordeste, formado por 19 municípios, e Norte, composto por 32 municípios, foram criados em 1991 e integram a Região Funcional 9, conforme apresentado na Figura 1.

Em termos populacionais, o COREDE Norte conta com uma população estimada de 234.953 habitantes, com uma densidade demográfica de 36,6 hab/km². Já o COREDE Nordeste tem 137.027 habitantes e uma quantidade populacional de 21,8 hab/km² (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2021a). O Quadro 2 apresenta uma estimativa populacional dos municípios que compõem os COREDEs. 

O Quadro 2, por sua vez, mostra que, no COREDE Norte, o município de Erechim concentra 109.459 habitantes (46,5% da população total), seguido por Getúlio Vargas, com 17.647 pessoas. Os demais municípios possuem uma população abaixo de 10 mil habitantes. 

 

 

Figura 1 - Localização dos COREDEs Nordeste e Norte e dos municípios integrantes 

Fonte: Sbruzzi e Deggerone (2023).

 

Já no COREDE Nordeste o principal centro urbano é Lagoa Vermelha, com uma população de 27.970 habitantes. Em segundo plano, aparecem Tapejara, com 25.473 habitantes, e Sananduva, com 16.984 habitantes.

Os demais municípios são de pequeno porte, com populações abaixo de 10 mil habitantes. Em termos comparativos, o COREDE Norte possui maior número de municípios e de concentração de pessoas que o COREDE Nordeste, mas em ambas as regiões a base econômica é muito similar e está atrelada à produção agropecuária e à indústria alimentícia e metalmecânica.

Quadro 2 - Estimativa populacional dos municípios que compõem os COREDEs Nordeste e Norte

População

COREDE Nordeste

COREDE Norte

 

 

 

Até 4.999 habitantes

Água Santa, Capão Bonito do Sul, Caseiros , Ibiaçá, Maximiliano de Almeida, Paim Filho, Santa Cecília do Sul, Santo Expedito do Sul, São João da Urtiga, Tupanci do Sul,  Vila Lângaro

Áurea, Barra do Rio Azul, Benjamin Constant do Sul, Carlos Gomes Centenário, Charrua, Cruzaltense, Entre Rios do Sul, Erebango, Faxinalzinho, Floriano Peixoto,   Ipiranga do Sul, Itatiba do Sul, Jacutinga, Marcelino Ramos, Mariano Moro, Paulo Bento, Ponte Preta, Quatro Irmãos, São Valentim, Severiano de Almeida, Três Arroios

Entre 5.000 a 

9.999 habitantes

Barracão, Cacique Doble, Ibiraiaras, Machadinho, São José do Ouro

Aratiba, Barão de Cotegipe, Campinas do Sul, Erval Grande, Estação, Gaurama, Sertão, Viadutos

Entre 10.000 a 19.999 habitantes

Sananduva     

Getúlio Vargas

Acima de 20.000 habitantes

Lagoa Vermelha, Tapejara

Erechim 

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas informações disponíveis no site do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do estado do Rio Grande do Sul (2021a).

 

A Tabela 1 apresenta a média do Valor Adicionado Bruto (VAB) dos dois COREDEs no ano de 2019. Esse indicador refere-se ao resultado final da atividade produtiva (agropecuária, indústria e serviços) no decurso de um período que é resultado da diferença entre o valor da produção e o valor do consumo intermédio.

Tabela 1 - Média do valor adicionado bruto dos COREDEs Nordeste e Norte

COREDE

Agropecuária

Indústria

Serviços

Nordeste

R$ 74.092.798,00

R$ 47.528.196,00

R$ 148.645.851,00

Norte

R$ 46.007.774,00

R$ 86.883.243,00

R$ 165.646.891,00

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas informações disponíveis no site do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do estado do Rio Grande do Sul (2020).

Como pode ser observado, a produção agropecuária no COREDE Nordeste apresentou uma média de R$ 74.092.798,00, a qual é superior à do COREDE Norte. Logo, a média do valor adicionado bruto da indústria e do setor de prestação de serviços foi maior em 2019 no COREDE Norte. 

Em relação a esses valores, os COREDEs possuem a produção agropecuária voltada ao cultivo de grãos – como a soja, o milho e o trigo –, à criação de aves, bovinos e suínos, e à produção leiteira. Ainda na produção primária, também é possível identificar a produção de frutas, olerícolas e o processamento de alimentos através das agroindústrias familiares. A estrutura industrial dos COREDEs está vinculada ao setor primário, destacando-se o abate e a fabricação de produtos de carne e os laticínios. 

O setor industrial possui destaque, associado especialmente à fabricação de produtos alimentícios e o setor metalmecânico, com destaque para as cidades de Erechim, Aratiba e Getúlio Vargas no COREDE Norte, e os centros urbanos de Lagoa Vermelha, Tapejara e Sananduva no COREDE Nordeste. Ademais, é importante destacar que as agroindústrias e as indústrias metalmecânicas, juntamente com o setor de prestação de serviços, contribuem significativamente na ocupação da mão de obra da população dos COREDEs.

Essa configuração socioeconômica vai incidir no Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE), o qual mede o grau de desenvolvimento dos municípios do Rio Grande do Sul a partir da agregação de três blocos de indicadores: renda, educação e saúde. O COREDE Norte encontrava-se na terceira posição dentre o conjunto dos demais conselhos do estado no ano de 2019, conforme exposto na Tabela 2. O IDESE desse COREDE é considerado alto, pois alcançou um índice de 0.812. De acordo com essa classificação, o índice é considerado alto quando está acima de 0,800, médio quando está entre 0,500 e 0,799, e baixo quando tem resultados abaixo de 0,499 no nível de desenvolvimento.

Tabela 2 - IDESE dos COREDEs Nordeste e Norte

COREDE

Indicadores/ IDESE

Ranking no Estado

 Educação

Renda

 Saúde

IDESE Médio 

Nordeste

0.749

0.737

0.892

0.793

8

Norte

0.796

0.771

0.868

0.812

3

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas informações disponíveis no site do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do estado do Rio Grande do Sul (2021b).

 

O COREDE Nordeste ocupava a oitava posição em 2019 e apresentou um IDESE médio de 0.793. O IDESE é um dos critérios, juntamente com o número populacional, utilizados para distribuição dos valores para a consulta popular dentre os COREDEs. Diante disso, observa-se que, no desempenho geral, os COREDEs Nordeste e Norte apresentam um alto desempenho no bloco saúde, já nos blocos renda e educação são os índices que merecem atenção para melhorar os índices de desenvolvimento desses dois COREDEs. 

3.3 A participação popular nos COREDEs Nordeste e Norte

A Consulta Popular pressupõe que haja participação da sociedade organizada na tomada de decisões e no norteamento de investimentos a serem realizados nas regiões do estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, essa forma de gestão compartilhada tem evidenciado o reduzido número de cidadãos que efetivamente participaram da votação para escolherem as áreas ou os setores que receberão investimentos públicos, nessas regiões. 

Sobre esse cenário, a Tabela 3 apresenta o número total de eleitores, o número de votos computados e o percentual de participação da população nas consultas populares realizadas no período de 2015 a 2021. 

Tabela 3 – Número de votantes, eleitores e percentual de participação no período 2015 – 2021.

Anos

Participação

Nordeste

Norte

2015

Votantes

8.698

19.276

Eleitores

104.250

180.626

Percentual de participação

8,34 %

10,67 %

2016

Votantes

11.162

22.767

Eleitores

105.684

182.683

Percentual de participação

10,56 %

12,46 %

2017

Votantes

11.696

20.700

Eleitores

105.684

182.683

Percentual de participação

11,07 %

11,33 %

2018

Votantes

11.941

30.550

Eleitores

103.009

182.827

Percentual de participação

11,59 %

16,71 %

2019

Votantes

4.760

5.096

Eleitores

103.009

182.827

Percentual de participação

4,62 %

2,79 %

2020

Votantes

1.224

3.112

Eleitores

104.983

185.166

Percentual de participação

1,17 %

1,68 %

2021

Votantes

2.697

1.676

Eleitores

104.983

185.166

Percentual de participação

2,57 %

0,91 %

 

Fonte: Elaborado pelas autoras com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e em resultados da Consulta Popular (2015-2021).

 

Os dados evidenciados na Tabela 3 revelam que o número de pessoas aptas a participar da Consulta Popular, em comparação com a efetiva adesão ao programa de participação da sociedade, é caracterizado por uma grande discrepância, dada a baixa participação dos eleitores no processo. No COREDE Nordeste, existem em média 104.515 eleitores, e apenas 7,1% (percentual médio) dos votantes participaram das consultas entre 2015 e 2019. E no COREDE Norte a situação identificada não é diferente, de modo que dos 183.140 eleitores somente 8% (percentual médio) participaram da votação. 

Na Figura 2, é possível observar a evolução da participação da população dos COREDEs Nordeste e Norte entre os anos de 2015 e 2021. 

Figura 2 – Evolução do percentual de participação no período 2015 – 2021

Fonte: Elaborado pelas autoras com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e em resultados da Consulta Popular (2015-2021).

As informações apresentadas na Figura 2 apontam para uma redução da participação da população registrada ao longo dos anos na escolha das prioridades regionais. Embora entre 2015 e 2018 se tenha visto um crescimento nos índices de participação, de modo que o COREDE Nordeste chegou a registrar um percentual de 11,59% e o COREDE Norte um percentual de 16,71% de comparecimento na Consulta de 2018.em 2019, registrou-se um declínio nesses índices, uma vez que, no COREDE Norte, a presença dos eleitores não chegou a 1%, e, no COREDE Nordeste, os índices foram de  2,5%. 

Esses resultados revelam uma baixa participação da população dos COREDEs Nordeste e Norte na escolha das demandas regionais. Tal situação pode estar atrelada à ineficiência da divulgação para as pessoas sobre o processo, fator que pode estar aliado também à falta de interesse em participar da Consulta Popular e à dificuldade dos eleitores em acessar e manusear as tecnologias da informação e comunicação para procederem à escolha das demandas. Tal dificuldade pode ter sido asseverada em razão de que, em 2016, a Consulta Popular passou a ser realizada exclusivamente por computadores e dispositivos móveis com acesso à internet. 

Entretanto, entre os elementos que podem explicar a queda da participação da população na consulta popular, enfatiza-se que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE apurou que no estado do Rio Grande do Sul, em 2018, a internet estava disponível em 80% dos domicílios, e em 2019, o sinal estava disponível em 84,3% das residências gaúchas (IBGE, 2020; 2021). Com a pandemia de Covid-19, o acesso à internet no Brasil teve um incremento maior, pois, no que refere ao número de acessos, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o Rio Grande do Sul ocupava, em junho de 2022, o 6º lugar entre os estados brasileiros, com 13.525.558 acessos à telefonia móvel. Logo, no que concerne ao acesso à internet banda larga, em junho de 2022, o Rio Grande do Sul ocupava o 4º lugar entre os estados brasileiros, com densidade de 26,9 acessos por 100 habitantes (RIO GRANDE DO SUL, 2022).

Apesar de as fontes estatísticas oficiais revelarem que a população possui acesso à internet e tecnicamente esse não ser um dos fatores impeditivos para a queda da participação da população, é importante considerar outras duas razões apontadas anteriormente e que estão associadas à falta de divulgação da consulta popular e ao desinteresse da população pelo processo de governança participativa. Gevehr, Grings e Fetter (2018) enfatizam que a ineficiência da comunicação na divulgação da Consulta Popular e as recorrentes crises econômicas pela quais o estado tem passado também explicam a baixa participação dos eleitores na votação. 

4. As demandas apoiadas pela consulta popular nos COREDEs Nordeste e Norte

As demandas eleitas pela população dos COREDEs Nordeste e Norte são apresentadas na Figura 3. Percebe-se que as mesmas demandas foram escolhidas pela população de ambos os COREDEs e que os principais investimentos realizados entre 2015 e 2021 foram na área da saúde, num montante de R$ 3.484.093,39 aplicados no COREDE Norte e de R$ 3.341.387,08 no COREDE Nordeste.

Num aspecto global, as principais demandas eleitas pelos COREDEs estão associadas aos investimentos realizados nas áreas da saúde, agricultura, segurança pública e educação. Na área da saúde, os recursos foram investidos na aquisição de mobiliário e equipamentos de saúde para os hospitais e unidades básicas de saúde; bem como para construção, reforma e ampliação da infraestrutura física dos hospitais e unidades básicas de saúde, além da compra de veículos leves para as Secretarias Municipais de Saúde. O setor agrícola buscou adquirir equipamentos para agroindústrias familiares, insumos para a correção de solo agrícola; insumos e equipamentos para aprimorar a cadeia produtiva do leite e equipamentos para a patrulha agrícola. Além disso, investiu no melhoramento de estradas vicinais, no incentivo à produção agrossilvopastoril e na ampliação da infraestrutura de redes de água no meio rural.

Figura 3 - Principais demandas indicadas pela população para realizarem investimentos no CORDE Nordeste

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos resultados da Consulta Popular (2015-2021).

 

Ainda de acordo com as Figuras 3 e 4, evidencia-se que, no âmbito da segurança pública, os recursos foram investidos para equipar as brigadas militares com viaturas; para a aquisição de equipamentos de informática; de instrumentos de comunicação, proteção e armamento para os soldados; além da aquisição de ambulância de resgate para o corpo de bombeiros. E o setor educacional, por sua vez, recebeu investimentos para compor o acervo bibliográfico das escolas estaduais de ensino; para a aquisição de equipamentos e mobiliários para as escolas; para a composição de laboratórios de ciências e de informática; e para a construção de salas de estudos para professores e salas multifuncionais nas instituições públicas de ensino. 

Entretanto, ao longo da série histórica analisada, há, em ambos os COREDEs, uma diferença entre os valores de dotação inicial e os valores liquidados. A dotação inicial é a etapa que realiza o empenho, ou seja, é quando o órgão público reserva os recursos financeiros para realizar o pagamento. Já a liquidação é a etapa do efetivo pagamento, em outras palavras é o nome que se dá ao momento em que o órgão adquire os bens ou contrata os serviços. Dessa forma, mesmo que os valores tenham sido destinados às demandas eleitas pela consulta popular, não significa que as verbas foram efetivamente repassadas pelo estado.

Figura 4 - Principais demandas indicadas pela população para realizarem investimentos no COREDE Norte

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos resultados da Consulta Popular (2015-2021).

            Esses resultados revelam que em ambos os COREDEs o estado não aplicou a totalidade dos recursos financeiros que haviam sido previamente elencados pela Consulta Popular. No COREDE Nordeste (Figura 3), identificou-se uma diferença de R$ 7.505.608,88, e no COREDE Norte (Figura 4) o valor foi de  R$ 9.524.109,61 no período analisado.

            Adicionalmente, os investimentos realizados pela Consulta Popular têm privilegiado atender às áreas que já deveriam ser amparadas pelo estado, como saúde, educação e segurança pública. A Constituição Federal já determina, em seu Art. 6º, que são direitos sociais de toda população o acesso “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988). 

As prioridades elencadas pela população dos COREDEs Nordeste e Norte são similares às encontradas em outros estudos, tais como o realizado por Lisbinski e Bender Filho (2021), Gevehr, Grings e Fetter (2017), Corrêa (2015), Oliveira e Karnopp (2014) e Bugs e Siedenberg (2013). Esses estudos constataram que demandas consideradas prioritárias pela população são aquelas que, primordialmente, já são obrigação legal dos estados. Tal constatação já havia sido apontada em 2008 pelo estudo realizado por Siedenberg et al. (2008), para quem a iniciativa governamental em promover a participação popular na escolha de uma parcela dos investimentos para induzir o desenvolvimento regional acaba sendo canalizada para programas que apresentam caráter obrigatório de governo, como a saúde, a segurança pública e a educação.

Nessa situação, o estado deve buscar por meio da melhoria da eficiência de suas políticas públicas ou a partir da criação de novas iniciativas atender a essas necessidades básicas da população, para não comprometer esse mecanismo voltado ao desenvolvimento regional para a satisfação de tais necessidades. Pondera-se, assim, que o desinteresse da população em participar desse processo pode estar justamente associado à falta de estímulo à discussão e à não adoção de estratégias ligadas à própria realidade dos COREDEs e que não sejam atreladas à imposição legal de investimentos. 

Por outro lado, nos COREDEs Nordeste e Norte, o setor agrícola foi o segundo setor que mais recebeu recursos oriundos da Consulta Popular. Cerca de R$ 5.664.309,71 foram investidos para promover o desenvolvimento rural de 19 municípios localizados no COREDE Nordeste e 32 municípios do COREDE Norte. Entretanto, parte desses recursos foi novamente aplicada em serviços básicos, como a construção de rede de água e melhoria em estradas vicinais. Por outro lado, as ações voltadas ao incentivo à produção agrossilvopastoril, a estruturação de agroindústrias familiares, a correção de solo agrícola e a aquisição de insumos e equipamentos para aprimorar a cadeia produtiva do leite são projetos que buscam contribuir com o crescimento do setor agroalimentar do estado do Rio Grande do Sul e que refletirá no PIB dessas regiões. 

Nesse cenário, pertinente refletir que, para além de investimentos no setor agrícola, a área da ciência e tecnologia e o setor industrial poderiam ser contemplados com projetos que sirvam de “mecanismos para a indução” do desenvolvimento, segundo Hirschman (1958). A composição do valor adicionado bruto desses dois COREDEs revelou que a produção primária possui extrema importância na manutenção da econômica regional, entretanto, essas regiões ainda não desenvolveram a capacidade de criar e agregar valor ao setor primário que gere novos movimentos para promoção do crescimento econômico, geração de empregos/renda e preservação ambiental.  

Por isso, os projetos que deveriam ser discutidos e votados pela Consulta Popular deveriam observar a dinâmica local e induzir a criação de valor. Os mecanismos presentes nesse contexto são denominados por Alberto Hirschman como mecanismos de encadeamento. Para o autor, as políticas públicas devem ser efetuadas em setores com ampla possibilidade de desencadear um processo propulsor de crescimento de produto e de renda. Esse processo seria responsável por possibilitar a propagação e a criação de novos investimentos produtivos, via efeitos complementares (efeitos em cadeia “para trás” e “para frente” como indutores do crescimento), que pudessem consolidar as cadeias produtivas setoriais existentes nas regiões (HIRSCHMAN, 1958).

Ainda de acordo com Hirschman, são alguns os setores que propiciam a maioria dos encadeamentos – tais como indústria, agricultura, etc... – e é neles que devem ser feitos investimentos (HIRSCHMAN, 1958). As políticas públicas não devem ser guiadas apenas pelo produto esperado, mas também pelo grau que os projetos iniciais levarão a novos investimentos adicionais. Nesse contexto, a transformação das regiões Nordeste e Norte deve contemplar a geração de trabalho e renda, assim como o aproveitamento dos insumos disponíveis da própria região, gerando novos encadeamentos da montante à jusante e vice-versa. 

Por fim, os resultados apresentados neste estudo demonstraram que os COREDEs Nordeste e Norte estão perdendo a capacidade de mobilizar a sociedade para participar de espaços de decisão e de articulação de ações voltadas ao desenvolvimento regional. O estado tem privilegiado apresentar projetos em áreas prioritárias (saúde, educação, segurança) e os COREDEs estão homologando essas decisões pré-concebidas e estão deixando de ser protagonistas na busca de ações voltadas para reduzir as desigualdades e induzir o crescimento das regiões. 

5. Considerações finais 

A realização deste estudo identificou que as prioridades eleitas pela população dos COREDEs Nordeste e Norte através da consulta popular para fomentar desenvolvimento regional estão voltadas para apoiar ações associadas à saúde, à agricultura, à segurança pública e à saúde. Entre essas prioridades, evidencia-se que o investimento em agricultura é essencial para os COREDEs, pois nessas regiões predominam a produção primária alimentar e o processamento industrial.

Ressalta-se, contudo, que embora as demandas relacionadas à saúde, à educação e à segurança pública sejam necessidades da população, os projetos relacionados a elas já são de responsabilidade do Governo do estado. Desse modo, esses projetos possuem um caráter emergencial e não apresentam uma ação planejada voltada a promover a inclusão social e o crescimento socioeconômico nos COREDEs Nordeste e Norte. 

No que se refere à participação da sociedade civil no exercício de cidadania, constatou-se a redução da participação da população na escolha das prioridades regionais. Por isso, é preciso resgatar o protagonismo da sociedade para articular, escolher e votar em projetos estratégicos que induzam e criem valor para os COREDEs analisados. Adicionalmente, também é preciso evidenciar que as ações que subsidiam o desenvolvimento regional envolvem, entre outros aspectos, perspectivas de longo prazo, priorização de uma abordagem sistêmica, tratamento multidisciplinar e participação social.

Por fim, destaca-se que este estudo possui limitações devido à indisponibilidade de algumas informações nos bancos de dados oficiais. Além disso, ressalta-se a importância desse tema para a produção de novas pesquisas que venham a analisar os projetos implementados nos COREDEs Nordeste e Norte e a correlação com os indicadores de desenvolvimento (IDESE) do estado Rio Grande do Sul.

 

[1] De acordo com Hirschman (1958), os efeitos de encadeamento de produção referem-se: a) aos efeitos retrospectivos (para trás), que são aqueles que induzem a novos investimentos produtivos nos setores fornecedores de insumos; e b) aos efeitos de cadeia prospectivos (ou para frente), que são aqueles gerados por qualquer atividade produtiva (que não abastece exclusivamente as demandas finais) capaz de direcionar sua produção como insumo em alguma atividade nova.

Download PDF

Voltar