Indicadores de sustentabilidade para aferir impactos ambientais e urbanos em Macapá e Santana, cidades médias da Amazônia
José Alberto Tostes
Professor Associado I da Universidade Federal do Amapá. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em História da Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento urbano regional, Desenvolvimento Regional, planejamento, Amapá e Urbanismo.
José Francisco de Carvalho Ferreira
Doutor em Geografia e Planeamento Territorial pela Faculdade de Ciências sociais e humanas e pós doutorado em Desenvolvimento Regional pela UNIFAP - Universidade Federal do Amapá. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, em pesquisa, avaliação da sustentabilidade, planejamento urbano e regional sustentável, planejamento do turismo e ordenamento do território.
1 Introdução
Macapá e Santana são, segundo dados do IBGE, as duas maiores cidades do Estado do Amapá – em 2010, a primeira estava com 398.204 habitantes e a segunda, com 101.261 habitantes. Ambas tiverem o seu crescimento populacional intensificado a partir dos anos 1980, decorrente de novas procuras pelo urbano, sendo que o acesso a determinados bens e serviços, como saúde, educação e emprego, determinou o rápido crescimento da população urbana nessas duas cidades. Esse crescimento continua a manifestar-se com intensidade nos últimos anos. Entre 2010 e 2013, a população estimada para Macapá era de 437 mil habitantes, o que revela um aumento na população de 9,8% em apenas três anos, situação que também se constata em Santana, com crescimento, para o mesmo período, de 7,5%. Como vários autores assinalam, isso tem provocado desarranjos territoriais visíveis na paisagem e na qualidade de vida das populações locais, como a ocupação das áreas de ressaca, a baixa qualidade da habitação, o surgimento de esgotamento não tratado, de lixões a céu aberto e a dispersão da cidade, assim como desarranjos institucionais e infraestruturais (TOSTES, 2007; CASTRO, 2012; SOUZA, 2014).
Este artigo desenvolve-se a partir desse contexto. Nele, procura-se perceber até que ponto é possível aferir, por meio de indicadores de sustentabilidade, os impactos mais significativos sofridos e/ou visíveis no território supracitado e, a partir disso, contribuir para uma reflexão que promova o planejamento, qualificado como incipiente por vários autores (TOSTES, 2007a; SOUZA, 2014). Refletindo sobre essa realidade, Tostes (2007a, 2013) indica, inclusive, a ausência do planejamento em função do improviso, isto é, da prática intervencionista do “fazejamento”, cuja característica fundamental é a preferência por ações imediatistas e de curto prazo.
É inegável a necessidade de se pensar um modelo de desenvolvimento que caminhe na contramão do que foi imposto à região desde a concepção do Amapá como território federal, modelo que, a partir de 1943, passando pela formação do Estado em 1989 e seguindo até os dias de hoje, incidiu sobre a reprodução do capital, com vistas ao crescimento econômico. Por essa via, foram favorecidos exclusivamente o capital e as grandes firmas e monopólios. Como sugere Santos (2010), esse paradigma, por gerar concentração em vez de difusão geográfica e social do desenvolvimento econômico, difundiu a pobreza e o aglutinamento nos pontos/cidades com maior índice de crescimento, como em Macapá, se se considera apenas o caso do Amapá.
2 Contexto
2.1 Contexto territorial
O Amapá situa-se no extremo norte do Brasil, na faixa de fronteira internacional da Amazônia Oriental (isto é, na fronteira com a Guiana Francesa). Sua economia assenta-se, essencialmente, no extrativismo mineral e nos serviços; seu desenvolvimento está intimamente ligado às estratégias econômicas e políticas dirigidas para a Amazônia, dependendo, portanto, da incidência dos grandes projetos nas áreas de infraestrutura, transporte e comunicação, cujo modelo de ação é pensado a partir da expansão das forças produtivas capitalistas (BECKER, 2001; NASCIMENTO; COUTO; FERREIRA, 2010; SANTOS, 2010; PORTO et al., 2011; SUPERTI; PORTO; MARTINS, 2011).
Macapá e Santana são as duas mais importantes e maiores cidades do Estado, em termos de dinâmica populacional e econômica, oferta de serviços e geração de emprego e renda – elementos que têm exercido um poder atrativo nas populações das regiões próximas (TOSTES, 2007b; PORTO, 2010). Tostes (2013) afirma que, por esses motivos, elas se constituem como áreas de influência para as demais cidades do Amapá.
O contingente populacional (que continua aumentando em ambas as cidades) apresenta numerosos desafios às entidades públicas, sobretudo o da gestão de um território complexo em que as infraestruturas urbanas não acompanham esse crescimento. Tostes (2011), observando a situação das cidades do Amapá, salienta que elas constituem espaços urbanos altamente desestruturados, sem políticas eficazes e planejamento fragmentado. Esse tipo de planejamento ocorre somente por que há pressão social e política; no entanto, um de seus resultados é o surgimento de espaços urbanos informais, com assentamentos em condições desastrosas e incipientes condições de serviços e equipamentos urbanos, como é o caso das ocupações das áreas de ressaca1.
Para Souza (2014), a grande concentração de população em áreas urbanas amplia os problemas sociais, traduzidos, normalmente, em poucas oportunidades de emprego e de renda, habitação insuficiente e inadequada, transporte público e saneamento deficientes, serviços educacionais e de saúde incipientes. A isso, pode-se acrescentar a ineficácia do Estado (políticas estatais e estaduais), a qual contribui, sobremaneira, para que tais problemas ocorram ou que sejam exacerbados. Do mesmo modo, não parece afastar-se desse contexto e/ou situação a falta de vontade política e os escândalos ligados a essa classe, como o caso da operação “mãos limpas”2.
2.2 Contexto conceitual
A partir dos elementos acima referenciados e da complexidade deles, há duas questões cruciais a se equacionar, embora este artigo se refira somente à segunda.
A primeira delas diz respeito ao modelo de desenvolvimento que se quer para o Amapá e, em consequência, para as suas cidades – assinale-se que esse equacionamento pode ser pertinente, igualmente, para o caso mais amplo do modelo de desenvolvimento da Amazônia (SERRA; FERNÁNDEZ, 2004), do qual o Estado é parte constituinte.
Diante do cenário atual, vale a pena insistir num modelo intervencionista, sem ligação com a identidade e cultura locais, e que favorece o capital e os monopólios, cuja origem remonta à época em que o Amapá foi definido como território federal o que tem favorecido, até hoje, a complexa situação em que se encontra3 (PORTO; SILVA, 2009; PORTO et al., 2011; SILVA; TRINDADE JUNIOR, 2013)? Ou, de outro modo, despontar, como assinala Castro (2012), para a possibilidade de o Amapá alavancar o seu desenvolvimento numa economia verde, a partir de uma estratégia inovadora no campo da ecossocioeconomia? Isto é, como sugere Sachs (2004), ir em direção a um modelo endógeno, participativo e dialógico, baseado em um planejamento que parta das forças locais e da mobilização dos seus recursos internos4, buscando novas alternativas econômicas que possibilitem trabalhar adequadamente o ecoturismo (PORTO, 2010)? Ou, ainda, optar pelo “[...] uso não predatório das fabulosas riquezas naturais que a Amazônia contém [...] e do saber das suas populações tradicionais, que possuem um secular conhecimento acumulado para lidar com o trópico úmido” (BECKER, 2005, p. 72).
A segunda questão tem a ver com o papel que os indicadores de sustentabilidade podem ter na definição/concepção desse (novo) modelo de desenvolvimento, sobretudo na leitura sistêmica da realidade, já que o desenvolvimento sustentável se entende como um processo de transformações que incorpora várias dimensões e aspectos (econômica, social, ambiental, cultural, institucional, espiritual, planetária, territorial) (SACHS, 2004; SILVA, 2006; GIBSON et al., 2008; FERREIRA, 2013; BOFF, 2013).
A sustentabilidade e seus indicadores – tema de fundo deste artigo – sugerem três indicações pertinentes. Primeiramente, embora não seja feita aqui uma reflexão direta sobre a sustentabilidade5, foi considerado o que as instituições internacionais e a literatura especializada dizem a seu respeito. Recorde-se que a definição mais conhecida de desenvolvimento sustentável foi apresentada no Relatório Brundtland e consagrada, internacionalmente, na RIO-92 (BELL; MORSE, 1999; SIENA, 2002; OLIVEIRA, 2007), a saber: o desenvolvimento sustentável “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (NAÇÕES UNIDAS, 1987).
A segunda indicação, decerto decorrente da primeira, tem a ver com o fato de esta pesquisa não partir do nada. Ela atende a uma vasta bibliografia sobre indicadores e metodologias para avaliar a sustentabilidade nos níveis local, regional, nacional e internacional6.
A terceira indicação diz respeito a dois aspectos que nos parecem nucleares no processo de implementação do desenvolvimento sustentável e, em consequência, da consideração e organização de seus indicadores: a visão local para a sustentabilidade e a participação. O primeiro deles é manifestado, claramente, em um dos princípios do projeto Bellagio7, isto é, a visão global para o desenvolvimento sustentável e metas, ao qual acrescentamos o “local”, por se tratar de um território específico e por supor uma dinâmica endógena, centrada nas pessoas e na mobilização dos recursos internos, de baixo para cima. Trata-se, pois, de estabelecer uma visão orientadora e metas que reflitam a sustentabilidade (HARDI; ZDAN, 1997; SACHS, 2004; MOTA, 2004; ALMEIDA, 2007; HITCHCOCK; WILLARD, 2008).
As dificuldades existentes no Amapá indicam que o Estado tem andado, ao longo do tempo, a reboque das políticas públicas federais, como se tem feito desde a estadualização do território federal, sem que se tenha sido capaz de definir (e muito menos executar) qualquer aproximação que partisse de uma perspectiva coletiva e integrada para a procura e para o interesse do bem-comum (BARCELLOS; BARCELLOS, 2004; BOFF, 2013), ou seja, a partir do entendimento do que as diversas instituições e a sociedade civil queriam (e querem) para o Amapá.
Atrelado a isso, está o segundo aspecto: a participação. Para Bell e Morse (2003), a participação é a alma do desenvolvimento sustentável; sua implementação e avaliação devem basear-se em um intenso e inclusivo processo participativo, tendo em conta a visão da população, os indicadores e também o monitoramento de todo o processo, já que transparência e responsabilização são elementos fundamentais para esse desenvolvimento, como salienta Sachs (2004). Ressalte-se que, no entanto, esse tipo de ação precisa de uma vontade política determinada, ousada, dinâmica e flexível, o que nem sempre acontece.
Esta pesquisa partiu do pressuposto de que não existe, efetivamente, um processo participativo de implementação do desenvolvimento sustentável no Amapá, conquanto haja alguns documentos de referência que ajudam a ter uma melhor percepção da importância do desenvolvimento sustentável no e para o Estado, quais sejam: o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amapá, que caiu no esquecimento; o Fórum de Governantes da Amazônia (2012), que não tem qualquer aplicação prática; Castro (2012), que faz um exaustivo estudo sobre a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável no Estado do Amapá; e o Índice de Sustentabilidade dos Municípios da Amazônia (ISMA) (no prelo), desenvolvido por várias universidades da Amazônia, a partir do qual se espera contribuir para um melhor equacionamento das políticas públicas de promoção do desenvolvimento sustentável para os diversos Estados da Amazônia. Considerando isso, esta pesquisa pode ser compreendida também como uma outra contribuição para se refletir acerca do desenvolvimento sustentável no Estado do Amapá.
A vasta bibliografia favorece um melhor entendimento de questões centrais a serem consideradas na escolha de indicadores. Referimo-nos, aqui, a questões relacionadas à saúde, à educação, ao emprego, à habitação, ao saneamento, aos resíduos sólidos urbanos, ao ambiente urbano, à infraestrutura, dentre outros, que acabam por ser objetos de indicadores. Tal percepção, em certo sentido, compensa a inexistência do referido planejamento participativo para a sustentabilidade, muito embora este seja, indubitavelmente, melhor, porquanto é mais democrático, inclusivo e parte das forças locais. Na sua ausência, foram observadas, então, as referências especializadas, tanto aquelas relativas ao conceito de desenvolvimento sustentável e seus indicadores quanto as que fazem alusão à região.
A referência ao modelo de desenvolvimento é importante para analisar o contexto do Estado pelo fato de que os indicadores são, dentre outras coisas, uma forma de mostrar como esse mesmo modelo pode estar desajustado em relação à realidade vivenciada pelas pessoas e, por essa razão, compromete a qualidade de vida delas. Os indicadores podem, igualmente, apontar onde residem os gargalos a serem superados a fim de constituir uma sociedade mais justa, livre, responsável e saudável, na qual cada ser humano, em busca da autorrealização e felicidade, como indica Sachs (2004), possa manifestar suas potencialidades, talentos e imaginação.
Concernente aos indicadores, ainda que se discuta o número e tipo a serem utilizados, é comumente aprovada a necessidade de fazer medições para aferir o progresso em direção ao desenvolvimento sustentável (BOSSEL, 1999; BEL; MORSE, 1999; MORAN, 2008; RAMOS, 2009). O intuito é providenciar uma ferramenta de orientação para as políticas públicas de sustentabilidade, incluindo a monitoração de medidas, resultados ou impactos e a comunicação com o público (NADER et al., 2008, SIENA, 2002; TAVARES, 2005). Ao operar com indicadores, pretende-se, desse modo, encorajar e orientar indivíduos, grupos, empresas, instituições públicas etc. a reconhecerem que o comportamento e as escolhas de cada um produzem efeitos sobre o estado da sustentabilidade (SIENA, 2002).
Este artigo parte de uma seleção possível de indicadores (ainda embrionária)8, a partir de uma dada metodologia (FERREIRA, 2013), descrita a seguir, tendo como objetivos: (1) avaliar a sustentabilidade dos municípios de Macapá e Santana, mediante o uso de indicadores; (2) identificar as disfunções desses territórios municipais, predominantemente urbanos; e (3) contribuir para o desenho de políticas públicas ajustadas ao desenvolvimento sustentável, sobretudo as que vão ao encontro da necessidade de equacionar/mudar o modelo de desenvolvimento.
3 Metodologia
Toma-se como base metodológica o trabalho de Ferreira (2012, 2013). Do mesmo modo, são consideradas, dentre outras possíveis, a metodologia desenvolvida por universidades da Amazônia, por meio da qual se elaborou o Índice de Sustentabilidade dos Municípios da Amazônia (ISMA), a de Ribeiro (2002), que produziu o “Modelo de Indicadores para mensuração do desenvolvimento sustentável da Amazônia”, a de Kerk e Manuel (2008) e, por fim, a que foi utilizada por Silva, Souza e Leal (2012)9.
Na avaliação da sustentabilidade, diversas questões de cunho metodológico são equacionadas, com o intuito de se alcançar um valor final que incorpore os pontos mais relevantes do progresso de um dado território em direção ao desenvolvimento sustentável. Destacamos as três mais relevantes para este artigo: padronização dos indicadores; metas e referências nacionais e internacionais; atribuição ou não de pesos aos indicadores.
Já que os valores dos indicadores e suas variáveis têm, normalmente, natureza e medida próprias (SIENA, 2002), é necessário realizar uma padronização que possibilite constituir uma mesma unidade de medida. O procedimento utilizado pode ser visto na Figura 1; ele permite confrontar os valores de cada indicador nos dois municípios com valores nacionais, metas locais, nacionais e internacionais (PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2012).
Esse procedimento contempla duas escalas: a do indicador e a escala padrão. Combinadas, elas permitem padronizar os indicadores, mediante as fórmulas de cálculo apresentadas no Quadro 1, seguindo uma junção do cálculo do IDH e do Barômetro da Sustentabilidade. À escala padrão, que serve como referência, faz-se equivaler a escala do indicador, tendo em conta ou as metas encontradas para cada indicador, ou seus valores médios nacionais ou, ainda, seus valores máximo e mínimo, encontrados para o país ou a nível internacional. Para haver maior coesão e uniformidade nos critérios, o valor meta ou, na ausência dele, o valor médio do país, corresponde ao valor 80 da escala padrão. A melhor situação é pontuada com 0 ou 100 (ou vice-versa, dependendo da natureza do indicador).
Para os valores locais, nacionais ou internacionais de referência, assinale-se que o ISMA, utilizando o método do mínimo e máximo para normalizar os indicadores, vale-se dos valores máximo e mínimo de cada indicador para o universo de análise (no caso, dos 16 municípios do Amapá). Os indicadores desse ponto dizem respeito apenas ao conjunto dos municípios, não tendo qualquer referência nacional ou internacional ou a valores meta.
Ao valermo-nos dos valores médios nacionais, dos valores mínimo e máximo dos indicadores da escala nacional e dos padrões locais, nacionais e internacionais, o resultado tende a ser mais perspicaz, pois permite observar o desempenho de Macapá e Santana num contexto mais amplo, e não somente o do Amapá ou dos Estados da Amazônia. Para tal tipo de análise, foi considerado o documento “Metas de Sustentabilidade para os Municípios Brasileiros: Indicadores e Referências” (PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2012).
O terceiro ponto relaciona-se à atribuição ou não de pesos aos indicadores ou, dependendo da opção, às dimensões em análise. No ISMA e em outras metodologias, os autores optam pela atribuição de pesos de acordo com a compreensão que têm da importância de cada indicador, procedimento que é comum em vários índices (SIENA, 2002). Neste artigo, todos os indicadores têm o mesmo peso, já que se parte do entendimento de que, dentro de uma visão sistêmica, tudo está inter-relacionado e é interdependente.
O procedimento é simples e pretende ser de fácil compreensão e uso prático10. Seguindo a apresentação do Quadro 3, o valor final obtido para cada dimensão resulta da média das subdimensões, sendo estas o resultado da média simples dos indicadores que a constituem, os quais resultam da média simples das variáveis pelas quais são compostos. O resultado final pode ser discriminado por dimensão, subdimensão e indicador para os dois municípios, permitindo que sejam feitas várias leituras/comparações. O valor dos indicadores é obtido por uma ou mais variáveis (ver Quadro 3).
Sublinhe-se, por último, que, conforme a literatura sobre o tema, os indicadores devem obedecer a alguns critérios: ser relevantes e perceptíveis; transparentes; mensuráveis; representativos do consenso internacional; estar disponíveis; não se sobreporem uns aos outros; ser confiáveis; recentes e regularmente atualizados; permitir fazer comparações; e ser limitados em número (BOSSEL, 1999; SPANGENBERG et al., 2002; DEPONTI; ALMEIDA, 2002; ROLDÁN; VALDÉS, 2002; SIENA, 2002; BRAGA et al., 2004; ROBERTS, 2006; RAULI, ARAÚJO; WIENS, 2006; KERK; MAMUEL, 2008; MASCARENHAS et al., 2010).
Com base em tais critérios, foram selecionadas 40 variáveis, agrupadas em 23 indicadores, 10 subdimensões e 4 dimensões (ver Quadro 3)11.
4 Resultados
Os resultados obtidos podem ser observados no quadro 2 e nas figuras 2 e 3.
Considerando-se as classes da escala padrão (Figura 1), a primeira constatação refere-se à pontuação média (Quadro 2) dos dois municípios, 54,69 pontos, para Macapá, e 53,05, para Santana, valores que se situam na classe “intermédia” (entre 40 e 60). Conquanto sejam detalhadamente analisados no item seguinte, desde já, o Quadro 2 e as Figuras 2 e 3 permitem aferir, por um lado, que é a dimensão político institucional aquela que obteve a pior pontuação em Macapá e em Santana e, por outro, que é na dimensão sociocultural que os valores são mais elevados. A dimensão econômica obteve pontuação muito próxima nos dois municípios e a ambiental alcançou uma pontuação maior em Santana do que em Macapá.
5 Discussão
Como demarcado, a menor pontuação coube à dimensão político-institucional. Todos seus indicadores obtiveram pontuação baixa. Quando se observa, por exemplo, o indicador “Capital Social”, a pontuação da variável que o compõe é, em Macapá, inferior a 30 pontos e, no caso de Santana, inferior a 20 pontos, estando situadas nas classes “Mau” (20-40) e “Péssimo” (0-20), respectivamente.
Já para o indicador “Qualidade do Quadro Funcional”, é visível a baixa pontuação da variável “Percentual de servidores com curso superior”. No entanto, é na subdimensão “Gestão Financeira” que os indicadores obtiveram as menores pontuações. Note-se que os indicadores “Capacidade de Arrecadação”, “Capacidade de Investimento” e “Saúde Financeira”, com pontuações extremamente baixas, revelam as dificuldades dos municípios para alcançar receitas próprias, fazer investimentos, ter um ativo que supere o passivo (Suficiência de Caixa) e de manter o comprometimento orçamentário com despesas de pessoal.
A subdimensão “Gestão Urbana” merece aqui um destaque, isto porque o indicador “Características Urbanas”, embora apenas com uma variável (Quadro 3), é composto, na verdade, por diversas variáveis que foram agregadas na variável “Características do Entorno”12, seguindo o mesmo procedimento para a pontuação de todas as outras.
A dimensão econômica assume, nos dois municípios, uma diferença de 10 pontos, com Macapá próximo do topo da classe “intermédia”, aproximando-se da classe “aceitável” (60 pontos). Não é uma posição confortável, porém, em meio às dificuldades, revela um caminho positivo percorrido pelos dois municípios.
Com exceção das variáveis “Média de Crescimento do PIB no último triênio” e “Evolução dos Empregos formais”, ambas do indicador “Dinamismo Econômico”, em todas as outras Macapá tem pontuação mais elevada do que Santana, o que justifica a diferença dos 10 pontos entre os dois municípios e mostra que o dinamismo econômico de Macapá é maior que o de Santana.
Uma aproximação mais detalhada nas variáveis dessa dimensão permite observar a elevada percentagem de vulnerabilidade à pobreza13 em ambos os municípios, situação que pode gerar outros desequilíbrios, traduzidos, por exemplo, na impossibilidade de acesso a bens e serviços e mesmo na diminuição da qualidade de vida.
Na dimensão Ambiental, o comportamento dos indicadores inverte-se, dando vantagem à Santana, que tem, nessa dimensão, 59,77 pontos, 16 pontos a mais do que Macapá (43,75). Essa é a segunda melhor pontuação de Santana. A maior contribuição para essa dimensão coube ao indicador “Preservação Ambiental”, em particular na variável “Percentual de domicílios atendidos por rede pública de água”14, o indicador “Preservação Ambiental”, com a variável “Área desmatada nos últimos 10 anos em relação à área total desmatada no estado no mesmo período”, e no indicador “Gestão ambiental”, a variável “Efetividade da Estrutura de Gestão Ambiental”.
A dimensão “Sociocultural” é a que assume a dianteira, com a maior pontuação em ambos os municípios. Ora, o conhecimento dos fatos, as referências sobre o assunto e os resultados obtidos pelos dois municípios, alocados na classe “aceitável” (60-80), indicam que pode haver alguma defasagem entre os resultados alcançados e a realidade. Na verdade, o valor alto tem uma explicação. Apreciando mais detalhadamente o Quadro 3, percebe-se que, na subdimensão “Habitação”, o indicador “Estrutura de Gestão para as políticas habitacionais”, com suas 4 variáveis, tem um procedimento diferente das outras, já que, em vez de uma escala com diferentes classes, como foi feito para todas as outras variáveis, se produziu uma equivalência da resposta “não” a zero e da “sim”, a um. Como em ambos os municípios existem os denominados Plano Municipal de Habitação, Conselho Municipal de Habitação, Fundo Municipal de Habitação e Cadastro ou Levantamento de famílias interessadas em programas de Habitação, a pontuação é igual a 100. Assim, há, neles, estruturas de gestão da habitação, todavia essas variáveis não dizem nada sobre a qualidade da habitação ou mesmo do acesso à habitação digna.
Ressalte-se que, procedendo desse modo, é possível desvirtuar o cálculo da pontuação das variáveis e indicadores, sobretudo o da “Habitação”, e, com isso, aumentar a pontuação da dimensão “Sociocultural”. Há uma razão para tal procedimento: entre, por um lado, ter disponível a informação e dar-lhe uso e, por outro, não a ter, consideramos que é melhor tê-la, mesmo que tenha sido notado que, no final, ela poderia ter ganhado outro tratamento. Em boa parte, procedimento semelhante foi seguido no cálculo do indicador “Cultura”. Reconhece-se que, em ambos os casos, as variáveis devem ser substituídas por outras, de modo a ter resultados mais próximos da realidade.
A subdimensão “Educação” surpreendeu positivamente, com valores próximos dos 70 pontos (71,03, para Macapá, e 69,04, para Santana). Isso ocorreu, em grande medida, pelo aporte advindo das variáveis “População alfabetizada” e “Percentual de pessoas com 25 ou mais anos com curso superior completo”: as duas cidades possuem, em todos os níveis, a maior oferta educativa da região, atraindo tanto pessoas do local quanto de estados vizinhos. Embora seja inegável a relevância desse aporte, fica ainda em aberto a questão da qualidade do ensino superior.
Se a pontuação é otimista para a subdimensão “Educação”, o mesmo não se pode dizer da subdimensão “Saúde”. Efetivamente, a pontuação média dos três indicadores que constituem essa subdimensão (“Longevidade”, “Mortalidade Infantil” e “Equipamentos”) é, respectivamente, 57,03 e 47,96 para Macapá e Santana. Não são valores depreciáveis, mas mostram que há muito mais a fazer nesse quesito, que, sem dúvida, é crucial para a qualidade de vida.
Tecidas essas considerações, cumpre frisar que essa avaliação constitui um passo inicial no sentido da utilização de indicadores de sustentabilidade para identificar algumas das principais disfunções dos municípios de Macapá e Santana, com vistas a reformulações e melhorias.
É fundamental pontuar que um tipo de melhoria é a inclusão de indicadores que possam identificar ou aprofundar as disfunções dos dois territórios, polos dinâmicos do Amapá. Sem a pretensão de apontar todos os indicadores (temas ou questões) que poderiam ser utilizados para uma avaliação mais acurada, devem ser mencionados: a questão energética; o turismo, importante aspecto para a diversificação da economia, especialmente se se considera a elevada qualidade ecológica do Estado; o tema do gênero e da raça, fundamentais para o conceito de desenvolvimento sustentável e para os direitos humanos; a saúde, contemplando o pessoal da saúde, médicos e enfermeiros, os gastos orçamentais em saúde e a mortalidade por diferentes tipos de doenças; a qualidade do ar e da água; a segurança; o problema dos resíduos sólidos, sobretudo relacionado ao destino final deles e à coleta seletiva.
6 Considerações finais
Com este artigo, comprovou-se que os indicadores de sustentabilidade podem ter um papel relevante na aferição de impactos ambientais e urbanos e também em outras dimensões (social, espacial, cultural e econômica), como é mister do conceito de desenvolvimento sustentável. Contudo, a base deste exercício analítico mostrou-se ainda incipiente, na medida em que poderia contemplar mais indicadores, igualmente importantes para alcançar os objetivos aqui propostos. Apesar disso, tivemos a possibilidade de iniciar um caminho que pode tornar-se promissor, qual seja: aquele de assinalar às entidades públicas algumas das vantagens de assumir a sustentabilidade nas posteriores políticas públicas de desenvolvimento, indicando, ao mesmo tempo, os impactos negativos das atuais.
A metodologia acionada indica alguns dos aspectos mais relevantes para se tomar consciência do que pode ser melhorado ou para constituir mais um recurso a ser usado por decisores a fim de promover a qualidade de vida dos amapaenses, principal meta a ser alcançada.
Este é um exercício teórico que se apoiou em várias metodologias e indicadores. Ele partiu da academia, entretanto outras possibilidades analíticas poderiam ter sido ser abertas, se o ponto de partida fosse a iniciativa de entidades públicas na implementação de um processo participativo de desenvolvimento sustentável, isto é, a partir de uma sinergia entre entidades públicas e privadas, sociedade civil organizada e a academia.
A utilização desses indicadores e respectivas variáveis, com o aprimoramento da metodologia, pode induzir a um raciocínio interessante, que deve ser objeto de uma verificação ulterior. Quando se olha para os dois municípios, nota-se que estão cheios de problemas complexos e de difícil resolução (haja vista o parco planejamento, como se assinalou), mas, simultaneamente, eles são os locais onde há mais oportunidades de emprego, saúde, educação, dinamismo econômico, e, por isso, são as cidades do Amapá em que existe maior probabilidade de se conseguir uma melhor qualidade de vida – daí a atratividade de ambos.
A análise dá a conhecer uma notável contradição: em ambos os municípios, encontram-se os maiores problemas, todavia, ao mesmo tempo, podem ser aqueles que garantirão a sustentabilidade regional, já que esta não diz respeito somente a questões ambientais. Ademais, ela revela que as cidades do Amapá devem ser objeto de maior atenção, porquanto são tanto locais problemáticos quanto lugares que apresentam possíveis soluções para os atuais dilemas sociais, políticos e culturais do Estado.
Notas
1 Este trabalho é financiado por Bolsa de Pós-Doutorado do PNPD/CAPES e está ligado ao Programa de Pós Graduação/Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Amapá, Brasil.
2 Macapá atingiu, em 2010, 60% de moradias em áreas irregulares, de acordo com dados do IBGE.
3 Segundo o website http://g1.globo.com, a operação “mãos limpas” ocorreu no Amapá em setembro de 2010, quando a Polícia Federal prendeu políticos, empresários e servidores públicos, dentre eles, o ex-governador do Estado Walter Góes, Pedro Paulo – o então governador –, Marília Góes, a ex-primeira dama, e Júlio Miranda, o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado.
4 Cabe aqui, ainda que brevemente, uma referência às políticas de descentralização, por meio da estadualização e municipalização, em decorrência da Constituição Federal de 1988 e, em 1991, com o Estatuto da Cidade.
5 A este respeito, o mesmo autor refere que o planejamento moderno é participativo e dialógico, e exige uma negociação quadripartite entre os atores envolvidos no processo de desenvolvimento: autoridades públicas, empresas, organizações de trabalhadores e a sociedade civil organizada (Sachs, 2004).
6 Para uma síntese sobre o tema da sustentabilidade, ver: Ferreira (2012; 2013) e Boff (2013).
7 SELMAN, 1996; SIENA, 2002; DEPONTI e ALMEIDA, 2002; ROLDÁN e VALDÊS, 2002; RIBEIRO, 2002; SPANGENBERG et al., 2002; BRAGA et al, 2004; ROBERTS, 2006; SILVA, 2006; NADER et al, 2008; KERK e MANUEL, 2008; RAMOS, 2009; KONDYLI, 2009; HEINK e KOWARIK, 2010; MASCARENHAS et al, 2010; SILVA, SOUZA e LEAL, 2012; PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS, 2012; FERREIRA, 2012; BOFF, 2013.
8 O projeto Bellagio surgiu por iniciativa do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (International Instute for Sustainable Development – www.iisd.org), em 1996, com o objetivo de rever e sintetizar os progressos práticos na avaliação da sustentabilidade (HARDI e ZDAN, 1997).
9 Embrionária, pelo fato de que faz parte de uma pesquisa maior, que inclui cinco municípios do Amapá (Oiapoque, Tartarugalzinho, Calçoene, Macapá e Santana) e dois da Guiana Francesa (Saint George e Cayenne). Nela, almeja-se uma comparação entre eles com o objetivo de perceber suas diferenças essenciais, sobretudo em referência ao progresso em direção ao desenvolvimento sustentável em regiões de fronteira.
10 Ver também: Siena (2002); Bellen (2004); Braga et al. (2004).
11 Optou-se, desde o início, por um procedimento simples para que a metodologia possa ser facilmente reproduzida.
12 Tendo como referência o Índice de Sustentabilidade dos Municípios da Amazônia (ISMA), foram utilizados as mesmas dimensões, subdimensões e a maioria dos indicadores, sendo alteradas apenas algumas variáveis, embora o método de cálculo seja totalmente diferente.
13 Identificação do logradouro, iluminação pública, pavimentação, calçada, meio fio/guia, bueiro/boca de lobo, rampa para cadeirante, arborização, esgoto a céu aberto e lixo acumulado.
14 Proporção dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00 mensais, em agosto de 2010, equivalente, nesse período, a 1/2 salário mínimo. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.
15 Em boa parte, o valor dessa variável é mais alto pelo fato de contemplar a “Vila Amazonas”, empreendimento urbanístico da ICOMI, onde, desde o início, houve abastecimento de água e esgoto.
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