Governança Ambiental e Gestão de Riscos e de Desastres (GRD): avanços e desafios da agenda de adaptação em nível local no Brasil


Caroline Barros de Sales
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território, da Universidade Federal do ABC (PPGPGT/UFABC)

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1. Introdução

As problemáticas e conflitos refletidos nas chamadas áreas de riscos de desastres, sobretudo no âmbito urbano, são consideradas uma das diversas demandas sociais e territoriais para a gestão pública, em concomitância às mudanças climáticas. A cada ano, especialmente nas últimas décadas, estudos técnico-científicos vêm identificando as tendências e os impactos das mudanças do clima sobre as cidades brasileiras e, em especial, sobre as grandes concentrações urbanas. (SULAIMAN et al., 2019). 

O aumento da temperatura média global, uma das pautas das discussões sobre mudanças climáticas, não eleva apenas a temperatura nas localidades das cidades, mas pode tornar os eventos climáticos e suas consequências mais extremos, isto é, verões mais quentes, invernos mais frios, períodos de seca e chuvas mais concentrados e intensos (MILZ; CAMPOS, 2019). As ocorrências de alagamentos, inundações, enchentes, movimentos de massa e secas prolongadas, associadas a chuvas torrenciais e por vezes concentradas, estão entre os grandes desafios das populações e dos gestores públicos nos centros urbanos do Brasil. Esses eventos extremos, como afirmam Jacobi e Sulaiman (2016), ameaçam cada vez mais a parcela precária da infraestrutura das cidades e a sua população vulnerável.

Trata-se do que as discussões teóricas chamam de Riscos que, não sendo adequadamente compreendidos e geridos, podem se tornar desastres deflagrados. Entende-se por risco a probabilidade de um resultado ter um efeito negativo sobre pessoas, sistemas ou ativos, sendo uma função dos efeitos combinados dos perigos, dos ativos ou pessoas expostas ao perigo e da vulnerabilidade desses elementos expostos (UNDRR, 2016). 

Ou seja, está relacionado à probabilidade da ocorrência de um determinado fenômeno que venha a afetar os indivíduos de maneira danosa, podendo ocasionar prejuízos das mais diversas ordens: danos à saúde, à vida, à propriedade, à economia, ao ambiente, entre outros; o que já define desastres como graves interrupções do cotidiano de uma comunidade ou de uma sociedade, em qualquer escala, devido a eventos perigosos que interagem com condições de exposição, vulnerabilidade e capacidade, envolvendo perdas e impactos humanos, materiais, econômicos ou ambientais, que excedem a capacidade da comunidade em restabelecer suas funções básicas com seus próprios recursos (UNDRR, 2016).

Compreender a base, a composição e o que pode ser feito para mudar o risco é a Prioridade 1 da Estrutura de Sendai para Redução de Risco de Desastres. Por vezes chamados de catástrofes naturais, os desastres configuram-se verdadeiras “tragédias anunciadas”, por serem consequências do descaso do poder público com os planos diretores, as leis de uso e ocupação do solo urbano, os códigos de construção, a política habitacional e, sobretudo, com o planejamento territorial urbano (SULAIMAN et al., 2019). 

O planejamento de uso e ocupação do solo marcado pela segregação socioespacial e injustiça ambiental têm “(re)produzido” áreas de riscos socioambientais urbanos, como exemplifica Souza (2019). Portanto, problemas e impactos ambientais e sociais que poderiam ser evitados, neutralizados ou reduzidos, diante dos efeitos locais das mudanças climáticas, findam sendo potencializados em desastres (CANIL et al., 2021).

Segundo Young (2019), a ideia de probabilidade que o risco imprime é aplicável em dois sentidos complementares: I) probabilidade de que um evento prejudicial ocorra, como por exemplo, uma inundação; II) probabilidade de que um determinado indivíduo (ou grupo de indivíduos) seja afetado pelo evento prejudicial adverso. Logo, está se referindo à vulnerabilidade, elemento que transformaria um fenômeno potencialmente perigoso em um desastre. Com relação às mudanças climáticas, a definição de vulnerabilidade mais utilizada é a do IPCC que, segundo consta no relatório de 2007, é a suscetibilidade e incapacidade de um sistema de lidar com os efeitos adversos da mudança climática (ALVES, 2019). Ou seja, não se trata apenas da exposição aos riscos e desastres ambientais, mas principalmente da capacidade dos indivíduos de lidar com eles e de se adaptar às novas circunstâncias, o que aponta para a relevante inseparabilidade das dimensões ambiental e social da problemática em questão. Autores como Blaikie et al. (1996) defendem que a mitigação dos riscos de desastre necessita, no mínimo, tratar vulnerabilidade e ameaça, com o mesmo nível de importância.

Na construção social dos riscos ocorre a proliferação de situações de exclusão de grupos vulneráveis, os quais podem ser considerados vítimas da segregação socioespacial que leva à ocupação inadequadas de ambientes como fundos de vale, várzeas alagáveis e encostas com declividades acentuadas. Destaca-se que os grupos vulneráveis podem ter em sua composição indivíduos considerados ainda mais vulneráveis (ex: crianças e idosos) e, consequentemente, mais expostos aos riscos, sendo em muitos casos os primeiros afetados pelas adversidades (TRAVASSOS et al., 2019).

Ainda sobre as desigualdades sociais e segregação, Barton (2012), em seu trabalho sobre adaptação e instrumentos de planejamento em áreas metropolitanas no Chile, argumenta que elas definem a paisagem da vulnerabilidade. Estaria essa abordagem de vulnerabilidade relacionada com a justiça ambiental, que será discutida mais à frente neste artigo. 

De maneira geral, os problemas associados às mudanças climáticas, como as áreas de riscos de desastres, se tornam mais evidentes nas cidades, com a radicalização das tensões entre população e ambiente (OJIMA; MARANDOLA, 2013). As cidades estão particularmente ameaçadas pelas mudanças climáticas devido a fatores que incluem: alta densidade populacional, grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade social e ambiental, grandes concentrações de bens materiais, estruturas de governança precárias, projetos urbanos inadequados, incapacidade institucional. Tais fatores podem exacerbar os riscos das mudanças climáticas nas áreas urbanas (CARTER et al., 2015). 

No que se refere às escalas, os conflitos transcendem-as, do local ao regional, do regional ao nacional. No contexto urbano metropolitano brasileiro, por exemplo, a insustentabilidade do padrão de urbanização caracteriza-se pelo “processo de expansão e ocupação dos espaços intraurbanos que, na maior parte dos casos, configura baixa qualidade de vida para parcelas significativas da população” (CANIL et al., 2021, p.2). Sathler, Paiva e Baptista (2019) apontam ainda a diversidade geográfica do território brasileiro e a localização das cidades (com maiores contingentes populacionais) como aspectos que favorecem a exposição de boa parte da população urbana do país a diferentes riscos ambientais, somados aos desafios oriundos das mudanças climáticas globais, a exemplo da elevação do nível do mar, escassez hídrica e ampliação da frequência de tempestades severas. 

Aspectos ambientais, socioeconômicos, institucionais e de governança até então tratados afirmam que a vulnerabilidade está posta, compondo cenários críticos de riscos de desastres. Uma vez que grande parte dos desastres recorrentes no território brasileiro tem alcance local ou regional, são os municípios o lócus onde a implementação efetiva das políticas de gestão de riscos e desastres e de mudanças climáticas precisam se materializar. Porém, são eles os entes federados mais frágeis, tanto em termos de capacidade econômica quanto técnico-administrativa, se constituindo enquanto um dos grandes desafios para a efetivação da política e sua consolidação em nível local (NOGUEIRA et al., 2014).

Nota-se então que os eventos extremos e os cenários de risco de desastre nas cidades e regiões metropolitanas apontam a urgência de estratégias de adaptação às mudanças climáticas e que, apesar dos governos locais serem considerados internacionalmente indispensáveis na proposição de tais estratégias e de avanços terem ocorridos na governança ambiental a nível local, na prática existem muitas barreiras que precisam ser superadas e questões-chave a serem enfrentadas (DI GIULIO, 2019). 

Frente à dificuldade existente em relação as agendas internacional e nacional de adaptação às mudanças climáticas serem traduzidas em ações a nível local e regional, e considerando a problemática das áreas de riscos de desastres, o presente artigo tem como objetivo: apresentar os avanços e desafios da agenda de adaptação em nível local, face às mudanças climáticas no Brasil. 

Por meio de uma metodologia pautada em revisão bibliográfica e documental - tendo como referência principal as mais presentes discussões a nível nacional, disponíveis na obra “Governança e Planejamento Ambiental: adaptação e políticas públicas na Macrometrópole Paulista”, organizado por Torres et al. (2019) - o artigo, que tem três seções, inicialmente discutirá: I) a relação entre gestão de riscos e desastres e governança ambiental, voltando o olhar para a justiça ambiental; II) o enfoque da adaptação às mudanças climáticas, destacando o importante papel do planejamento colaborativo; III) a partir dessa contextualização, a discussão irá focar na escala local da agenda de adaptação, revisando, por fim, os avanços e desafios que vêm sendo identificados pelos pesquisadores nas últimas décadas.

2. Gestão de Riscos e Desastres e Governança Ambiental

Considerando que eventos extremos e cenários de riscos de desastres nas cidades e regiões metropolitanas apontam a urgência de estratégias de adaptação às mudanças climáticas a nível local, a gestão de riscos e desastres se insere como elemento que ganha destaque nas discussões sobre as alternativas para lidar com a complexidade da então problemática. Segundo Lavell (2003), gestão de riscos e desastres pode ser denominada como um processo social complexo cujo fim é reduzir, prevenir e controlar permanentemente os riscos de desastres que expõem a sociedade, de forma integrada para alcançar o desenvolvimento humano, econômico, ambiental e territorial. Isso quer dizer que o foco dos esforços está voltado para as condições de risco e não a partir dos desastres.

Canil et al. (2021) destacam em sua discussão que os fenômenos naturais sempre foram considerados os “vilões” das situações de riscos e desastres. Durante quatro décadas, mais precisamente de 1950 ao ano de 1990, o foco das discussões internacionais estava exatamente em torno do desastre e no que se poderia fazer em termos de ações de respostas, ou seja, era a partir da deflagração de um desastre que decisões eram tomadas. Isso veio a mudar a partir da década de 1990, quando o foco das discussões voltou-se para o risco, ou seja, passando a considerar as situações existentes antes da ocorrência do desastre, dando destaque para as análises de vulnerabilidade, e para as práticas de Redução de Risco de Desastres – RRD (SALES, 2020).

A última década do século XX, portanto, marca a evolução para uma abordagem mais integrada dos eixos que consideram o conhecimento dos riscos, as ações prospectivas e corretivas para redução dos riscos e a preparação para manejo dos desastres, denominada por Grande (2011) como uma “governança preventiva” e por Medd e Marvin (2005) como “governance of preparedness”, intrínseca a governança ambiental. 

Lemos e Agrawal (2006, p. 298) referem-se à governança ambiental como “o conjunto de processos regulatórios, mecanismos e organizações através dos quais os atores políticos influenciam as ações e resultados ambientais”. A governança ambiental está associada à implantação de políticas públicas que abrangem a relação sociedade, estado, mercados, direitos, instituições, ações governamentais, visando a qualidade de vida e bem estar relacionados à saúde ambiental e segurança (JACOBI; SINISGALLI, 2012). 

No que se refere à gestão de riscos e desastres, a governança ambiental do espaço urbano é considerada chave no alcance da condição de sustentabilidade e redução de vulnerabilidades aos desastres (JACOBI, 2018). Sendo assim, discutir gestão de riscos e desastres, significa discutir planejamento. Em linhas gerais, salienta-se que o planejamento deve considerar os efeitos extremos das mudanças climáticas, visto que amplificam os problemas existentes e criam (acompanhadas dos outros aspectos contribuintes à geração da problemática) novos riscos para os sistemas naturais e humanos, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2014).

Para Fainstein e Defilippis (2016) os planejadores devem lidar com a incerteza, de maneira que o planejamento deve ser orientado para o futuro. Eles destacam ainda que prever os impactos das intervenções de planejamento requer compreensão teórica dos processos que moldam a construção de espaços e lugares, assim como se faz necessário na gestão de riscos e desastres. Ao ser integrada ao planejamento territorial, a gestão de riscos e desastres passa a ser fundamental para reduzir os riscos e também as consequências de desastres deflagrados, ou seja, passa a reduzir as consequências da segregação socioespacial, melhorando a qualidade do ambiente urbano na exaustiva tentativa de democratizar as cidades, de efetivar justiça ambiental (NOGUEIRA, 2002). 

Discutir a temática da justiça ambiental se faz relevante, enquanto uma abordagem que desperta a necessidade de avanços no que tange políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas, cujo foco seja tornar as cidades mais preparadas para os diversos tipos de desastres, mais resiliente e, principalmente, em vistas de reorientar a maneira como as cidades vêm sendo (re)produzidas (CANIL et al.,2021). A autora coloca que abordar o conceito de injustiça ambiental associado à questão das mudanças climáticas, remete diretamente ao fato de que, em meio aos cenários de eventos climáticos mais extremos, a população que vive em assentamentos precários fica mais exposta e vulnerável, sujeita a suportar os impactos do perigo, como inundações e movimentos de massa. 

Em síntese, o quadro discutido até então - envolvendo gestão de riscos e desastres, governança e justiça ambiental - implica na urgência de avanços que possibilitem o desenvolvimento das capacidades adaptativas das sociedades contemporâneas, frente aos efeitos das mudanças climáticas, sobretudo em nível local. Tratam-se de avanços que permeiam o planejamento colaborativo, a cooperação intersetorial, interinstitucional e intergovernamental, e a característica multinível da agenda de adaptação às mudanças climáticas.

3. Enfoque da adaptação às mudanças climáticas

As medidas de respostas às mudanças climáticas estão enquadradas em dois enfoques: I) mitigação - controle das emissões de gases do efeito estufa; II) adaptação – promoção da resiliência dos sistemas socioecológicos para prevenir, responder e se recuperar de possíveis impactos, como os riscos e desastres. 

O segundo enfoque - adaptação às mudanças climáticas - foi proposto pela primeira vez, em nível internacional, no Segundo Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 1995, mas somente mais tarde, em 2001, por meio do Terceiro Relatório do mesmo painel, é que impactos aos sistemas físicos (como os recursos hídricos), biológicos (a exemplo de ecossistemas) e humanos foram associados aos efeitos das mudanças climáticas (NICOLLETTI, 2019). A partir de então, a adaptação configurou-se agenda política organizada em torno de iniciativas e medidas para promover ajustes nos sistemas naturais e humanos, frente aos impactos atuais e, principalmente, aos impactos esperados dos eventos climáticos, de modo a reduzir os danos e explorar oportunidades (IPCC, 2001). 

Como já discutido na seção anterior, áreas de riscos de desastres se formam nas cidades de países em desenvolvimento à medida que historicamente vem se efetivando um processo de produção territorial desigual, excludente, apresentando ambientes e populações vulneráveis, aos quais as ações de adaptação às mudanças climáticas devem estar relacionadas, como defendem Travassos, Momm e Torres (2019). Trata-se de reconhecer, planejar e governar as incertezas e complexidades das situações de riscos, visando garantir a segurança ambiental, social e a vida humana, o que é possível por meio da capacidade adaptativa.

Entende-se por capacidade de adaptação a habilidade de sistemas, instituições, pessoas e outros organismos para ajustar o potencial de dano, alavancar oportunidades ou responder às consequências das mudanças climáticas (IPCC, 2014), o que demanda o desenvolvimento de capacitações. Por exemplo, a capacitação de gestores públicos é um aspecto indispensável dos processos adaptativos, por esses agentes atuarem na ponta do processo decisório, nas mais diversas escalas (TORRES et al.,2019). O entendimento dos gestores públicos quanto às ações de adaptação às mudanças climáticas a nível local, requer que os mesmos reconheçam e compreendam as vantagens de um processo de atuação integrada entre os mais diversos setores. 

Porém, Sathler, Paiva e Baptista (2019) destacam que na maioria dos casos não há a devida coordenação entre as políticas e o intercâmbio com setores da própria gestão pública e com a sociedade em geral, visto que as ações de adaptação das administrações locais se encontram difusas nas diversas secretarias municipais, por exemplo. A adaptação depende da ação e envolvimento não apenas dos departamentos de obras públicas, meio ambiente e planejamento, mas de setores relacionados à saúde pública e serviços, bem como os que lidam com gestão de desastres (BARBI, 2019). Sendo assim, as estratégias de adaptação devem ser integradas às políticas setoriais em todos os níveis e, dependendo da escala, às políticas metropolitanas e estaduais (GONÇALVES et al., 2019).

O desenvolvimento da capacidade adaptativa, seja de gestores, instituições, comunidade e outros organismos, demanda construir e oportunizar processos comunicativos multidialogados (JACOBI; SULAIMAN, 2016). De certa forma, mesmo que a passos lentos, tal demanda vem sendo acatada:

“A necessidade de adaptação à mudança climática tem estimulado uma aproximação às esferas de decisão, assumindo-se que o esforço dessa adaptação requer uma colaboração mais estreita entre decisores políticos – nas diversas escalas, global, nacional e local –, cientistas e cidadãos, entendidos como stakeholders que partilham o risco comum da mudança climática, embora com diferentes necessidades, percepções e interesses.” (SCHMIDTet al., 2019, p.19).

A agenda de adaptação às mudanças climáticas é, portanto, complexa, multinível - ou seja, os três níveis da federação estão envolvidos - e ainda multiescala - vários setores e atores sociais e econômicos estão envolvidos (CASH et al., 2006). Vale colocar que, diante disso, abordagens top-down (do nível nacional para o local) ou bottom-up (do local para o nacional) não são consideradas adequadas para pensar as políticas públicas nessa agenda; Margulis (2017) e Nicolletti (2019) defendem que é preciso que os dois sentidos sejam combinados e que haja a transversalização da adaptação aos diversos processos e instrumentos de políticas públicas.

Nota-se até o momento da discussão que o enfoque de adaptação às mudanças climáticas dialoga com os princípios do planejamento colaborativo que Healey (2003) defende: planejamento como um processo interativo; planejamento como uma atividade de governança que ocorre em ambientes institucionais complexos e dinâmicos, moldados por forças econômicas, sociais e ambientais mais amplas que estruturam, mas não determinam, interações específicas; e compromisso com a justiça social. 

A governança ambiental, por meio do planejamento colaborativo, é uma das dimensões importantes para o desenvolvimento da capacidade adaptativa às mudanças climáticas: envolve arranjos institucionais que potencializam o engajamento comunitário, estende a participação pública na tomada de decisão e implementação das ações, possibilita interação entre indivíduos (representantes de diferentes setores e organizações), permite troca de conhecimentos, cooperação e trabalho em rede, processo de aprendizagem constante, alianças estratégicas e outras formas de colaboração (JACOBI; SULAIMAN, 2016; DI GIULIO, 2019). Autores como Nogueira, Oliveira e Canil (2014) e Barbi (2019) apontam ainda, o que pode ser agregado a esse quadro, o envolvimento do setor privado, universidades e instituições de pesquisa, para que haja o êxito efetivo da gestão de riscos e desastres, integrada à agenda de adaptação às mudanças climáticas.

No Brasil, embora ainda consideradas incipientes quando comparadas às desenvolvidas no exterior, as pesquisas voltadas ao estudo do enfoque de adaptação às mudanças climáticas e gestão de riscos e desastres, sobretudo considerando a escala local e regional, seguem evoluindo de maneira significativa, costumando apresentar iniciativas e experiências de cidades e regiões metropolitanas que se destacam (SATHLER et al., 2019).

 

4. Agenda de adaptação em escala local

Apesar das mudanças climáticas terem alcance global, já constatou-se na discussão deste artigo que a distribuição dos seus efeitos e impactos ocorre de forma desigual e se manifesta ainda em escala local. Por isso, as medidas adaptativas que estejam diretamente relacionadas à gestão de riscos e desastres também devem se dar principalmente na escala local. Sobre adaptar-se nas cidades profundamente desiguais dos países em desenvolvimento, Travassos et al. (2019) abordam que: 

“significa relacionar com passivos históricos de produção do espaço e de atendimento às diferentes demandas de grupos populacionais específicos, na direção da justiça ambiental. E também significa estabelecer, tanto em ação, quanto em regulação, políticas que visem à redução do risco, considerado como o encontro entre vulnerabilidade e exposição aos efeitos das mudanças climáticas” (TRAVASSOS et al., 2019, p.122).

Os governos locais, portanto, concentram as principais responsabilidades de planejamento, implementação e gestão de grande parte das medidas que podem diminuir os riscos e as vulnerabilidades dos impactos diretos e indiretos das mudanças climáticas, através do fornecimento de infraestrutura e serviços e da estrutura de planejamento e regulação, por exemplo (BARBI, 2019). O autor enfatiza que os governos locais tornaram-se agentes-chave na política climática nos últimos 20 anos, mas coloca-se aqui que uma abordagem mais profunda e com maior alcance é recente: em 2018, pela primeira vez foi realizado, pelo IPCC, o Cities and Climate Change Science Conference, endossando a importância da discussão das cidades como centro dos debates climáticos, como já recomendava a 43ª sessão do IPCC em Nairobi - 2016 (TORRES et al., 2019).

Marengo (2019, p.220) contribui ao enfatizar que há um reconhecimento crescente da importância das medidas de adaptação na escala local, já que nela se organizam arranjos institucionais como “aumento e melhoria de mecanismos fiscais voltados a esse combate, e criação e/ou melhoria de estruturas que permitam uma gestão coletiva e articulada em prol de um objetivo comum: cidades mais resilientes com desenvolvimento sustentável.” 

Além das cidades, as regiões metropolitanas também têm sido mencionadas como componentes do problema e das soluções aos efeitos das mudanças climáticas (TORRES et al., 2019). Como a seguinte seção apresenta, alguns avanços da atuação de governos locais já foram registrados no Brasil, mas ainda há de se considerar que são necessários avanços nessa mesma escala, mas também em nível regional, de maneira a enfrentar os diversos desafios que persistem e que também serão pontuados a seguir.

4.1 Avanços da Agenda de Adaptação

Desde a última década do século XX, avanços no que tange a agenda de adaptação e a gestão de riscos e desastres, frente às mudanças climáticas, vêm sendo registrados tanto a nível nacional, quanto regional e local, no âmbito da academia, planejamento urbano e gestão pública. 

Sathler et al. (2019) destacam inicialmente: financiamento de grandes instituições internacionais de estudos sobre cidades e mudanças climáticas, a exemplo do Banco Mundial, das Organizações das Nações Unidas, do International Institute for Environment and Development e do Urban Climate Change Research Network; a incorporação definitiva do tema pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no quinto relatório de avaliação; o surgimento de novos arranjos institucionais voltados à governança ambiental, a exemplo dos comitês locais sobre mudanças climáticas; a formulação de legislações municipais que levam em consideração metas de adaptação; e o fortalecimento de redes de conhecimento e colaboração intermunicipais.

Sulaiman et al. (2019, p.153), por sua vez, destaca que “são inegáveis os avanços políticos em nível nacional como a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), Lei 12.608/2012; o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNAMC), 2015; e o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015)”. Inclui-se ainda a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), o Projeto “BRASIL 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, e a Plataforma AdaptaClima, a saber:

●      Lei Federal 12608/2012: institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC, autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres e dá outras providências (BRASIL, 2012);

●      Lei 12187/2009: institui a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), estabelece princípios, objetivos e diretrizes para adaptação; entre os seus instrumentos encontra-se o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que é composto por planos de mitigação e adaptação (BRASIL, 2009);

●      Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (MMA, 2016): estabelece alguns pontos estratégicos para as cidades, tendo como premissa o protagonismo do município para a implementação das ações de adaptação, com apoio dos governos estaduais e federal nas situações de maior complexidade; enfatiza a necessidade de integração dos planos diretores, planos de bacia, plano de habitação, mobilidade, entre outros.” (TRAVASSOS; MOMM; TORRES, 2019);

●      Lei 13.089/2015: institui o Estatuto da Metrópole, estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano (BRASIL, 2015);

●      Projeto “BRASIL 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima” (BRASIL, 2016): teve como objetivo estimar como as mudanças climáticas afetariam os setores econômicos em diferentes horizontes e sugerir estratégias de prevenção e adaptação dos diferentes sistemas que poderiam ser afetados (MARENGO, 2019);

●      Plataforma AdaptaClima: lançada em 2017 sob coordenação e gestão do Ministério do Meio Ambiente, contribui para o alcance da: ampliação e disseminação do conhecimento científico, técnico e tradicional; produção, gestão e disseminação de informação sobre o risco climático e para melhorar a capacidade adaptativa do Brasil face à mudança do clima (MARENGO, 2019);

Sathler, Paiva e Baptista (2019) apontam algumas outras iniciativas que geraram resultados interessantes e que merecem destaque: a criação da Rede Clima, rede de pesquisa e de cooperação nacional; a publicação do livro intitulado “Mudanças climáticas e as cidades: novos e antigos debates na busca da sustentabilidade urbana” de autoria de Ojima e Marandola (2013); as I e II Jornadas sobre Cidades e Mudanças Climáticas, organizadas pelo Local Governments for Sustainability - ICLEI em Belo Horizonte (2014) e em Fortaleza (2016); a criação de arranjos institucionais e leis específicas em algumas das maiores cidades do país. 

Tratando-se das cidades do Brasil, Barbi (2019, p.77) em sua pesquisa afirma que “O Brasil tem 5.570 municípios, mas apenas oito deles possuem políticas de mudanças climáticas aprovadas. São eles: Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Sorocaba (SP).” A autora coloca que a maioria das estratégias de adaptação nas cidades brasileiras com políticas climáticas inclui o desenvolvimento de um plano de adaptação, envolvendo estudos de vulnerabilidade e a colaboração de diferentes setores governamentais.

Os municípios que, até 2019, possuíam plano de adaptação ou estudos que apresentassem medidas de adaptação, são: Belo Horizonte, Florianópolis, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória (SATHLER et al., 2019). Em relação à existência de comitê local sobre as mudanças climáticas - estrutura municipal responsável por congregar representantes de várias esferas do poder público e da sociedade civil - os autores apontam: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e São Paulo. 

Em relação aos planos diretores, Sathler et al. (2019, p.273) discutem o fato dos planos diretores das sedes de regiões metropolitanas não trazerem levantamentos e diretrizes para as questões climáticas locais, porém eles citam cidades consideradas exceções: “Campinas, Curitiba, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo trabalham com perspectivas locais em relação às mudanças climáticas globais, embora não tragam políticas e diretrizes contundentes nesta área”. 

Dentre as cidades citadas até então, Nicolletti (2019) trata de evidenciar as experiências de três que, segundo ela, ilustram possibilidades de caminhos na direção do avanço da agenda de adaptação em nível municipal: Porto Alegre, com o “Porto Alegre Resiliente”, exemplo de estratégia de ampla participação no planejamento, criando a base social necessária para a implementação; Santos, exemplo no que tange à configuração da ponte entre conhecimentos científico e empírico, à criação da Comissão Municipal de Adaptação à Mudança do Clima (CMMC) em 2015 e a elaboração do Plano Municipal de Mudança do Clima de Santos; Recife, cuja lente climática vem sendo aplicada aos instrumentos de planejamento e em políticas de outros setores.

Se referindo às escassas experiências de gestão regional de riscos de desastres, Nogueira, Oliveira e Canil (2014) apontam: a região do Grande ABC paulista, com seus sete municípios (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra); e a região metropolitana de Recife, com seus quinze municípios (Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Goiana, Igarassu, Ipojuca, Ilha de Itamaracá, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata). 

A região do Grande ABC conseguiu superar as dificuldades de cooperação impostas pelo federalismo no Brasil e, dada uma série de características regionais, firmou e consolidou uma experiência exitosa de cooperação intermunicipal, por meio da criação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC em 2010. “O Consórcio vem atuando [...] no planejamento e gestão de uma série de políticas públicas regionalizadas voltadas para o desenvolvimento econômico, mobilidade regional e, recentemente, para a gestão de riscos e desastres, nas quais o interesse ultrapassa os limites territoriais de um único município” (NOGUEIRA et al., 2014, p.184).

As experiências da Região Metropolitana de Recife são consideradas emblemáticas, no que tange às relações discutidas desde o início do presente artigo entre governança ambiental, gestão de riscos e desastres e agenda de adaptação às mudanças climáticas a nível local. Diferente de muitas outras regiões metropolitanas e de outras cidades brasileiras, a partir de 1988 a temática dos riscos, mais precisamente o tema Morros e Encostas, foi incluído na pauta de discussão da Câmara Metropolitana de Meio Ambiente e Saneamento, instância de apoio técnico do então Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana – CONDERM, vinculado à Secretaria Estadual de Planejamento de Pernambuco (NOGUEIRA et al., 2014). 

Contando com uma ampla participação e colaboração de técnicos das Prefeituras Municipais, Órgãos Públicos Estaduais e Federais, e representantes da sociedade civil mais diretamente envolvidos com a questão, as reuniões realizadas na Câmara resultaram principalmente na busca de uma solução articulada, através de uma mobilização sistemática integrada com os órgãos públicos e os moradores numa visão preventiva e de estruturação desses espaços, em vista de se contrapor à prática das ações emergenciais e pontuais, movimento que tomou o nome de Programa Viva o Morro (CONDERM, 2004). Esse programa, além das parcerias citadas, firmou parceria técnica com a Universidade Federal de Pernambuco que deu origem a produção de uma importante publicação para agregar a bibliografia da gestão de riscos e desastres no país: o Manual de Ocupação dos Morros da Região Metropolitana do Recife (ALHEIROS et al., 2002) que foi e segue sendo considerado modelo de referência.

Por fim, vale apontar os diversos instrumentos de planejamento já existentes e que podem abordar a adaptação à mudanças climáticas integrada à gestão de riscos e desastres, como: Zoneamento Ecológico-Econômico, Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado, Plano de Bacia Hidrográfica, Plano Diretor, Mapeamentos de áreas de risco, Planos Preventivos de Defesa Civil, Planos de Contingência e Planos Municipais de Redução de Risco (BARBI, 2019).

Percebe-se um crescente número de iniciativas e experiências, o que reflete a internalização por parte dos governos locais, mesmo que de maneira gradativa e, em alguns casos, incipientes; por outro lado, algumas experiências sendo consideradas referências. Contrapondo aos avanços citados até então, desafios no âmbito do planejamento e da governança seguem permeando a realidade de inúmeras cidades e regiões metropolitanas do Brasil, diante da necessidade de adequação à agenda de adaptação às mudanças climáticas em nível local.

4.2 Desafios da Agenda de Adaptação

Os impactos gerados à população e ao espaço urbano, após a ocorrência de eventos extremos e a deflagração de desastres, expõem a ausência ou fragilidade da gestão de riscos e desastres, do planejamento adequado de uso e ocupação do solo, o despreparo dos gestores e das instituições, ausência da cultura de prevenção na sociedade. Isto é, expõem a frágil ou inexistente capacidade de adaptação à nível local. 

Marengo (2019) alega que a agenda de adaptação não é considerada prioridade dos gestores no governo federal, estadual ou municipal. Partindo disso, são muitos os desafios enfrentados pelos municípios, eles envolvem: insuficiência de infraestrutura básica de provisão; arranjos de governança; capacidades institucionais e dos gestores; disponibilidade de recursos; gestão de riscos corretiva; integração intersetorial, interinstitucional, intermunicipal e intergovernamental; e planejamento colaborativo; (BULKELEY, 2013; BARBI, 2019; JACOBI; SULAIMAN, 2016; MARENGO, 2019; NICOLLETTI, 2019).

Bulkeley (2013) considera que a insuficiência de infraestrutura básica de provisão contribui diretamente para a criticidade da capacidade de adaptação. Dialogando, Travassos, Momm e Torres (2019) colocam que sistemas de infraestrutura como água, esgoto, moradia, energia e transporte são essenciais na redução da vulnerabilidade e da condição de risco. 

Há problemas nos arranjos de governança, no que envolve a definição de papéis e responsabilidades de cada nível de governo. Segundo Nicolletti (2019), instâncias municipais precisam ser criadas para a avaliação de informações, planejamento, proposta de medidas adaptativas e monitoramento da implementação. A autora indica a integração intergovernamental e o planejamento colaborativo aos destacar que “o mais desafiador é que tais instâncias, como comitês de mudança do clima, estejam conectadas verticalmente aos demais níveis de governo, horizontalmente às outras agendas de políticas públicas e contem com a participação dos demais setores e grupos sociais” (NICOLLETTI, 2019, p.229).

Porém, tal estruturação dos arranjos de governança não é suficiente para elevar a capacidade de adaptação, quando se depara com incapacidades institucionais elevadas para implementação de políticas e para os indivíduos desempenharem as funções propostas e necessárias. Sobre isso, Jacobi e Sulaiman (2016) indicam o aperfeiçoamento da gestão municipal, com gestores qualificados por meio de capacitações, voltadas especialmente para os processos adaptativos a curto e longo prazo. Há uma relação entre capacidades institucionais e recursos: as oportunidades de acesso a recursos, sejam eles financeiros ou humanos e, ainda, às informações básicas no nível local sobre as mudanças do clima, podem ser frustradas caso capacidades institucionais não sejam desenvolvidas” (NICOLLETTI, 2019).

Outro desafio reside na gestão de riscos e desastres corretiva. A adaptação é vista pelos gestores municipais mais como gerenciamento de desastres do que como gestão de riscos, diante das mudanças climáticas a nível local, tanto é que existem planos de adaptação que não consideram as projeções futuras de mudanças climáticas e considerá-las é uma condição fundamental. Associa-se tal limitação à incapacidade dos gestores públicos em considerar uma avaliação sistemática dos aspectos operacionais e em formular políticas de futuro (BUCKLE, 1990; JACOBI; SULAIMAN, 2016; BARBI, 2019). 

De acordo com Barbi (2019) a análise das experiências das cidades brasileiras que possuem políticas climáticas mostra que as barreiras enfrentadas estão mais relacionadas à dificuldade de envolver outros agentes e, sobretudo, às dificuldades de relações de integração, sejam elas intersetorial, interinstitucional, intermunicipal ou intergovernamental. Há necessidade de maior diálogo e atuação integrada entre diferentes órgãos municipais e maior articulação entre produtores e usuários da informação técnico-científica, a exemplo dos comitês que devem envolver outros setores do governo e outros agentes, como o nível estadual de governo, institutos de pesquisa e universidades, organizações não governamentais, setor privado e também o setor Legislativo (BARBI, 2019; DI GIULIO, 2019). Marengo (2019) contribui ao citar a necessidade de integração também no campo da legislação, mais precisamente da política climática às demais setoriais.

A ausência de integração intermunicipal também é considerada pelos autores um entrave para a agenda de adaptação às mudanças climáticas e efetiva gestão de riscos e desastres, afetando principalmente as regiões metropolitanas, apontando assim a necessidade de articulação entre os municípios que as compõem (SATHLER et al., 2019). 

No entanto, o maior desafio, segundo Jacobi e Sulaiman (2016), está na integração intergovernamental, na falta de interação e sintonia entre os entes federativos. Barbi (2019) dialoga ao afirmar que apesar de aprovada a política nacional climática e de muitos estados brasileiros também terem elaborado e aprovado a nível estadual, muitas medidas são desconexas. A autora ressalta que “as mudanças climáticas exigem formas inovadoras de governança multinível, em que os governos locais atuem como agentes-chave, articulados com os níveis estadual e nacional para elaborar e implementar ações de adaptação” (BARBI, 2019, p.78).

Por fim, cabe apontar mais um desafio que está relacionado ao planejamento colaborativo. O engajamento e participação pública nos processos de tomada de decisão em direção às medidas de adaptação são necessários, de maneira que os atores interessados devem se apropriar da problemática e cooperar, à medida que se garante acesso às informações e conhecimentos, e à transparência (SULAIMAN et al.,2019). 

Para os municípios que apresentam áreas e setores cujas vulnerabilidades sociais e exposição aos riscos de desastres são elevadas, e que não contam com gestão de riscos e desastres estruturada e nem mesmo considera a temática de adaptação às mudanças climáticas, um dos primeiros e fundamentais passos está na “adoção de uma nova estratégia de gestão integrada e participativa, que considere a sociedade como protagonista tanto na tomada de decisão como no controle social das decisões que serão implementadas. Isso demanda um modelo de governança que permita a cooperação” (SULAIMAN et al., 2019, p.158).

5. Conclusão

Considerando os avanços citados e o quadro de desafios exposto, nota-se que há necessidade de pesquisas que busquem conhecer as estruturas de governança nos municípios e nas regiões metropolitanas brasileiras, no que tange ao enfrentamento das mudanças climáticas e da problemática dos risco, além dos aspectos institucionais que se relacionam com as políticas (planning system) e seu contexto local (planning culture) (BARRETO et al., 2019). Pesquisas que busquem contribuições às discussões sobre a atuação e o nível de organização das cidades, em concomitância à crescente mobilização internacional e nacional na direção das ações de adaptação às mudanças climáticas. 

Destaca-se que, diante das realidades (avanços e desafios) da agenda de adaptação às mudanças climáticas em escala local, a organização regional ou metropolitana da gestão de riscos e desastres é uma estrutura a ser incentivada no Brasil, visto que: permite o avanço dos municípios menos estruturados a partir da articulação com aqueles mais capacitados e equipados da região; e a otimização do conjunto dos recursos materiais, técnicos, humanos e logísticos disponíveis na região, sem que haja necessidade de que todos os municípios os adquiram ou os incorporem à estrutura local Nogueira et al. (2014). 

Vale refletir, portanto, sobre a superação dos desafios, tomando como ponto de partida mecanismos e instrumentos de cooperação intergovernamental, integrados à gestão de riscos e desastres, cabendo pensar ainda em planejamento participativo e colaborativo, baseado na perspectiva de governança ambiental, de maneira que planos e ações considerem o componente da justiça ambiental.

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