A Avaliação Ambiental Estratégica na transição para a sustentabilidade: o caso da bacia hidrográfica do Rio Camaquã – Bioma Pampa.


Paulo Roberto Armanini Tagliani
Doutor em Ecologia e Recursos Naturais, Professor da FURG, vinculado ao Instituto de Oceanografia.

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1. Introdução

Assentado em comportamentos insustentáveis passados e atuais, o agravamento da crise ambiental em escala global sinaliza claramente que os esforços conduzidos para conter o seu avanço até então não têm sido suficientes. A transição para a sustentabilidade requer mudanças estruturais transformadoras, de caráter estratégico, sistêmico, disruptivo, não lineares. Romper a dependência da trajetória insustentável do atual modelo de desenvolvimento implica interações dinâmicas entre objetivos sociais, ambientais, institucionais, políticos e econômicos. (LOORBACH, ROTMANS 2006; HAAN, ROTMANS 2018, PARTIDÁRIO 2020), tarefa que tem sido atribuída à Avaliação Ambiental Estratégica (doravante AAE).

Foram Gallardo et al. (2021) que desenvolveram uma recente análise sobre a pesquisa acadêmica a respeito da AAE no Brasil, onde identificaram que no período de 2000 a 2020, foram produzidas 75 dissertações e teses em 20 universidades e, no período de 2005 a 2020, 61 artigos de 114 autores, publicados em 30 periódicos. No entanto, a AAE ainda se encontra em estágio muito inicial de desenvolvimento no Brasil sendo mais conhecidas apenas no âmbito das discussões acadêmicas. As primeiras iniciativas nesse sentido ocorreram na década de 1990 como requisitos para a concessão de financiamento externo e desvinculadas de qualquer estruturação de um sistema institucionalizado de AAE (ALMEIDAS et al., 2015).

Em São Paulo, há orientações para o uso da AAE em decretos que dispõem sobre a Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) o Programa Paulista de Petróleo e Gás Natural e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Em Minas Gerais, há decretos que determinam o uso do instrumento no desenvolvimento de políticas públicas setoriais (NADRUZ, 2018; SÁNCHEZ, 2019; GALLARDO et al., 2021).

 Com o propósito de motivar o Estado para a adoção e desenvolvimento da AAE nos processos de planejamento dos diferentes setores de governo, e promover a sua adoção gradual, o Ministério do Meio Ambiente publicou em 2002 um Manual contendo informação internacional sobre o tema até então (SOUSA, 2017).  Após uma série de seminários internos, foi publicado em 2010, o documento: “Diretrizes para a avaliação ambiental estratégica (AAE) nas decisões do governo federal”, (BRASIL, 2002no entanto até o momento esse documento não foi formalizado e a AAE ainda não está institucionalizada em nível federal.  Ao analisar tais diretrizes, Almeida et al. (2015) apontaram como aspectos positivos da proposta a definição do objetivo da AAE e a previsão de participação da sociedade no processo e, como fragilidades, a falta de definição de responsabilidades e dos procedimentos a serem seguidos

Constata-se, portanto, que embora os estados de São Paulo e Minas Gerais tenham desenvolvido algumas diretrizes institucionalizadas para o uso de AAE, e o MMA tenha tentado a sua institucionalização em nível federal, a AAE   segue ainda sendo um tema que vem sendo desenvolvido apenas conceitualmente no âmbito de pesquisas restritas aos círculos acadêmicos no Brasil.

De acordo com MIMAM (2021) 

o pensamento estratégico é uma atitude, um modo de pensar, que olha para longe e busca o que não é visível. Ele coloca uma visão como um fim, com objetivos de longo prazo, e requer grande intuição, lógica, argumentação e muita flexibilidade para trabalhar com sistemas complexos (compreensão de sistemas, links e dependências, e a aceitação da incerteza). Também, requer capacidade de se adaptar a mudanças contextuais, mantendo um forte foco no que é realmente importante em um contexto maior (tempo, espaço e perspectivas). Com um pensamento estratégico, um processo de reflexão começa a partir um futuro desejado e então as ações são buscadas, ou iniciativas estratégicas que facilitam alcançá-lo da melhor maneira possível a partir da situação atual, em um quadro de incerteza e complexidade.

            Nesse sentido, busca-se com esse artigo promover uma discussão para a   implementação da AAE para a bacia hidrográfica do rio Camaquã, que seja capaz de considerar tais fatores e que, eventualmente, possa ser replicada no planejamento de outras bacias hidrográficas do país com os necessários ajustes locais.

            Tais objetivos coadunam-se aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, (BRASIL, 2022) notadamente para os ODS 1, 2, 7, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, assim definidos: Erradicação da pobreza; Fome zero e agricultura sustentável; Saúde e bem-estar; Trabalho decente e crescimento econômico; Cidades e comunidades sustentáveis; Ação contra a mudança global do clima; Vida na água; Vida terrestre; Paz, justiça e instituições eficazes e Parcerias e meios de implementação.

2. Conceito da Avaliação Ambiental Estratégica e sua trajetória

O conceito da Avaliação Ambiental Estratégica não é recente. A celebre Política Nacional Americana (NEPA, 1979) que inspirou e fundamentou as políticas nacionais de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) em todo o mundo (SÁNCHEZ, 2006) já mencionava esse instrumento no final da década de 1970. No entanto, enquanto a AIA foi quase que imediatamente difundida a ponto de atualmente ser adotada em mais de 160 países, a AAE começar a ser mais amplamente discutida somente a partir da década de 1990. Segundo Lee e Walsh (1992), esse aumento no interesse no uso de AAE nos estágios iniciais do processo de planejamento tem suas raízes na maior conscientização das limitações das avaliações ambientais limitadas ao licenciamento de projetos individuais, e ao crescente apoio a medidas de promoção do desenvolvimento sustentável, o que requer a integração das considerações ambientais no planejamento do desenvolvimento.

A prática de AAE passou a ser exigida na União Europeia a partir de 2001,  quando foi publicada uma diretiva com o propósito de  assegurar que os Estados-membros adotem um procedimento padrão para políticas e planos integrado aos procedimentos específicos de projetos, aplicável para os setores de agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos (CE, 2001).  Essa diretiva entrou em vigor em julho de 2004 e deixou a cargo dos Estados-membros o estabelecimento de especificidades processuais próprias de cada país, o que estimulou o surgimento de diversos guias, decretos e outros dispositivos legais por todos os países da União Europeia (THERIVEL, 2004).

Desde então, a União Europeia passou a ser uma importante referência na aplicabilidade da AAE, exercendo grande influência na disseminação e implementação desse instrumento, sendo adotada atualmente em mais de 60 países (NOBLE, NWANEKEZIE, 2017). No entanto, Rega et al. (2022), ao analisar o potencial da AAE na promoção do desenvolvimento rural e da agricultura na Europa, observa que tais diretrizes da União Européia conduzem a AAE para atuar como um instrumento do tipo regulatório, baseado em projetos para controlar os efeitos ambientais das ações propostas, na maioria dos casos para propor a mitigação dos efeitos das projetos previstos como ações concretas, o que parecem estar afetando o desempenho da AAE de duas formas: (a) uma escala detalhada de análise é usada, o que força os planos e programas a formulações detalhadas, como projetos pretendidos, para atingir a necessidade de tangibilidade para uma avaliação tipo   EIA e, (b) consequentemente, a dimensão estratégica da AAE é perdida ou mal utilizada, enquanto  os planos e programas também perdem a dimensão estratégica.

  A AAE analisa uma série de alternativas possíveis de uma forma sistemática e garante a plena integração de questões relevantes no ambiente total, incluindo considerações biofísicas, econômicas, sociais e políticas (PARTIDÁRIO, 1996). A AAE é aplicada nos estágios bem iniciais das tomadas de decisões contribuindo para auxiliar a formulação de Políticas, Planos e Programas – PPP – e avaliar a sua potencial eficácia na promoção da sustentabilidade (DAC, 2006). De acordo com a Associação Internacional de Avaliação de Impacto Ambiental (IAIA, 2022), um processo de Avaliação Ambiental Estratégica de qualidade informa os planejadores, tomadores de decisão e o público afetado sobre a sustentabilidade das decisões estratégicas, facilita a busca da melhor alternativa e garante um processo decisório democrático. Isso aumenta a credibilidade das decisões e leva a um Estudo de Impacto Ambiental no nível de projeto. Essa mesma organização, que congrega mais de 1.100 especialistas em avaliação ambiental de mais de 100 países, apresenta uma série de características de um bom processo de AAE.

Também a Organização para o Desenvolvimento Econômico (OECD), organização econômica com 38 países membros, estabelece um conjunto de princípios para que a AAE possa ser influente e ajudar a melhorar a formulação de políticas, planejamento e tomada de decisões (DAC, 2006)  Segundo esse documento, uma AAE deve estabelecer metas claras, estar integrado com as estruturas de políticas e planejamento existentes, ser adaptado ao contexto local, analisar os potenciais efeitos e riscos da PPP proposta, e suas alternativas, contra uma estrutura de objetivos, princípios e critérios de sustentabilidade e abordar as ligações e trade-offs entre aspectos ambientais, sociais e econômicos entre outros princípios apontados no documento. Destaca ainda que as questões estratégicas não podem ser abordadas por uma análise pontual; eles precisam de uma adaptação e abordagem sustentada à medida que as estratégias e a formulação de políticas tomam forma e são implementadas e que seu sucesso depende muito da capacidade interna das autoridades responsáveis para manter o processo e agir sobre os resultados.

A AAE requer grande adaptabilidade e flexibilidade no seu contexto de decisão, pois lida com uma gama de forças políticas, econômicas e sociais, atuando em muitas frentes, diferenças de valores e altos níveis de incerteza em termos de resultados esperados. Enquanto a existência de fatores de incerteza está inexoravelmente ligada à natureza de uma decisão estratégica, há toda uma gama de incertezas associadas ao desenvolvimento de projetos particulares que não carregam a ampla visão e não incluem a natureza como acontece na AAE. Portanto, a AAE deve ter a capacidade de se afastar de uma lógica de avaliação ponto a ponto e controle de efeitos como nos estudos de impacto ambiental tradicionais. Precisa articular diferentes e múltiplas escalas espacial e temporal, e pluralidade de atores, o que exige lógicas de pensamento estratégico, sistêmico e ajustado à complexidade criados por esses múltiplos níveis de decisão e ação, e essas perspectivas plurais de atores. (PARTIDÁRIO, 1996; 2021).

  As discussões acadêmicas sobre AAE evoluíram significativamente nas últimas décadas. Até o ano de 2012, foram reportadas mais de 500 publicações na língua inglesa sobre o tema, o que resultou no desenvolvimento de múltiplas metodologias e aplicações e interpretações do papel da AAE e expectativas, e essa diversidade de entendimento e compreensão sobre a AAE tem sido a maior barreira ao seu avanço  (NOBLE, NWANEKEZIE, 2017). Esses autores conceitualizaram a AAE como um processo multifacetado e multidimensional. 

3. O Bioma Pampa – uma referência para uma aplicação da AAE 

Em que pesem alguns esforços iniciais realizados em nível federal, ainda persiste uma carência de documentos técnicos oficiais, normas e diretrizes (PELLIN et all, 2011) para a AAE, à semelhança do instrumento Estudo de Impacto Ambiental - EIA/RIMA, cuja aplicação é orientada para projetos específicos, e cujo arcabouço metodológico encontra-se, no Brasil, regulamentado desde 1986 e amplamente difundido.  

Vários autores descreveram os princípios, técnicas e aplicação, de tal forma que existe uma gama de abordagens que visam integrar a variável ambiental em políticas, planos e programas e avaliar as interligações com considerações econômicas e sociais (DALAL-CLAYTON, SADLER, 2005; STOEGLEHNER, et.al, 2009, PARTIDÁRIO, 2012). Entre as várias abordagens propostas na literatura  destaca-se a do  Ministério do Meio Ambiente do Peru (MIMAM, 2022), que propugna  um processo de três etapas: 1) Discussão do contexto estratégico e focoque visa assegurar que o processo se concentre apenas no que é importante e se adapte às condições ambientais, culturais, políticas e econômicas do processo de desenvolvimento; 2) Avaliação das opções estratégicase caminhos alternativos para atingir os objetivos de sustentabilidade, considerando as oportunidades e riscos dessas opções, e estabelecendo diretrizes e recomendações que os apoiam e, 3) Estabelecimento de diálogos sistemáticos com a comunidade e atorese envolve o monitoramento para controle, execução, gerenciamento de incertezas e adaptação a situações emergentes. Esta etapa se conecta com a etapa 1 de um novo ciclo de decisão.

Tal abordagem constitui-se em um processo político aberto, dinâmico e participativo, e é bastante apropriada para aplicação em diferentes contextos locais,  e  coaduna-se com os princípios declarados pela Associação Internacional de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA,2002).

O Pampa é um bioma transnacional estendendo-se entre Uruguai, parte da Argentina, sul do Paraguai e Brasil.

Figura 1. Localização do Bioma Pampa. Fonte: Bertê (2021)

Se constitui no único bioma brasileiro que só ocorre em um estado, estando restrito ao sul do Rio Grande do Sul entre as latitudes de 28 a 34 graus de latitude sul e 49º30’  e 58º00’  de latitude oeste ( Roesch, 2009).  É o menor bioma brasileiro em extensão (176.496 km²) e corresponde em a 2,07% do território nacional no entanto, abriga  a maior parte do aquífero Guarani que é uma das maiores reservas subterrâneas de água potável do mundo(Brasil,2022).

       A atual configuração desse bioma é constituída por um mosaico de paisagens heterogêneas, estruturadas por processos físicos/geológicos que atuaram na sua gêneses e que resultaram nas províncias geológicas do Escudo Sul-Riograndense, Depressão Central, Formação Serra Geral (Cuesta de Haedo)  e Planície Costeira (Figura 2),  formando diferentes tipos de solos e paisagens. 

Figura 2. Unidades geomorfológicas e Hipsometria do Rio Grande do Sul. Fonte: Bertê (2021).

      A matriz da paisagem pampeana é dominada pela vegetação campestre, mas o mosaico ambiental desse bioma é constituído também por matas ciliares, matas de encosta, matas de pau-ferro, formações arbustivas, butiazais, banhados, e afloramentos rochosos, que se distribuem espacialmente nas diferentes ecoprovíncias.

       O Pampa constitui o limite sul de distribuição de muitas espécies vegetais tropicais, cujo centro de diversidade localiza-se no Brasil central, e outras de origem temperada, que se distribuem ao sul do continente e encontram seu limite mais setentrional neste paralelo. Por esta ser uma região de encontro de diferentes contingentes de floras, a riqueza específica é muito alta, em torno de 2.150 espécies das quais 260 são endêmicas, tendo sido registrados estruturas químicas inéditas isoladas em plantas deste bioma, como os Benzopiranos HP1 (1), HP2 (2) e HP3 (3), isolados de Hypericum polyanthemum e o O-demethyllycosinin B, isolada de Hippeastrum breviflorum (BOLDRINI et.al., 2022).   

       O Pampa tem sofrido uma redução drástica na sua área original a partir da década de 1970 e tem se acentuado nos últimos anos pela mudança do uso da terra para o cultivo de grãos, com ênfase para a soja, e para o cultivo de florestas, em substituição à pecuária extensiva (BOLDRINI et. al. 2022) . De acordo com os dados do projeto MapBiomas (2022), no período de quinze anos entre os anos de 1985 e 2000, a produção de soja quadruplicou, passando de pouco mais de 800 mil hectares para 3,5 milhões de hectares, enquanto que os florestamentos triplicaram passando de 133 mil hectares para 413 mil hectares aproximadamente.  Atualmente, 42,75% do bioma é ocupado por atividades agropastoris, 11,8% por florestamentos, 34,3% por formações florestais naturais, 9,3% por corpos d´água e 1,9 por áreas não vegetadas. (Mapbioma, 2022).

       O Ministério do Meio Ambiente reconhece que a progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens com espécies exóticas têm levado a uma rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais do Pampa e ameaçam a biodiversidade e o potencial de desenvolvimento sustentável da região, seja pela perda de espécies de valor forrageiro, alimentar, ornamental e medicinal, seja pelo comprometimento dos serviços ambientais proporcionados pela vegetação campestre, como o controle da erosão do solo e o sequestro de carbono que atenua as mudanças climáticas, por exemplo (Brasil, 2022). Segundo ainda o Ministério do Meio Ambiente, o Pampa é o bioma que menor tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, em suas metas para 2020, prevê a proteção de pelo menos 17% de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada bioma. 

      As “Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira”, atualizadas em 2007, resultaram na identificação de 105 áreas do bioma Pampa, destas, 41 (um total de 34.292 km2) foram consideradas de importância biológica extremamente alta. Tais números contrastam com apenas 3,3% de proteção em unidades de conservação (2,4% de uso sustentável e 0,9% de proteção integral), com grande lacuna de representação das principais fisionomias de vegetação nativa e de espécies ameaçadas de extinção da fauna e da flora. 

      O gado bovino, inserido por espanhóis no século XVII, adaptou-se ao bioma do Pampa gaúcho e tornou-se a principal base econômica da região ao longo de quatro séculos de existência no Cone Sul, incorporando gradativamente novas tecnologias e melhoramentos.

      O Comitê de Povos e Comunidades  Tradicionais dos Pampas (MAZURANA et. al.2016) identificam várias comunidades tradicionais, como pecuaristas familiares, pescadores artesanais, quilombolas, povo indígena, povo pomerano e povo do terreiro; Esses,  mantém uma relação com os elementos da natureza e da biodiversidade presentes no território tradicionalmente ocupado, e apresentam  diversas características intrínsecas aos Povos e Comunidades Tradicionais tal como definidas na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007)[1]

são guardiãs e guardiões das águas, do solo e do patrimônio genético, mantêm práticas culturais e espirituais próprias, mantêm sistemas de produção agrodiversos e culinária própria, visando a soberania e segurança alimentar, manejam de forma sustentável os ecossistemas, praticam uma medicina tradicional própria, possuem habilidade para utilizar elementos da biodiversidade na construção de suas moradias e na confecção de objetos e utensílios artesanais, possuem sistema próprio e tradicional de transmissão de conhecimentos e saberes e geram renda a partir do uso da biodiversidade.

      Tais comunidades, culturalmente diferenciadas e que se reconhecem como tais, possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e, visando a soberania e segurança alimentar, manejam de forma sustentável os ecossistemas, praticam uma medicina tradicional própria, possuem habilidade para utilizar elementos da biodiversidade na construção de suas moradias e na confecção de objetos e utensílios artesanais, possuem sistema próprio e tradicional de transmissão de conhecimentos e saberes e geram renda a partir do uso da biodiversidade. 

       No entanto, esse Comitê alerta que parte de seus territórios tradicionais, está ameaçada pelo modelo de desenvolvimento que tem degradado e transformado de forma drástica o bioma Pampa, suas paisagens e sua biodiversidade. Esta degradação ocorre, principalmente através da conversão dos campos nativos em pastagens cultivadas, da silvicultura e de monocultivos – em especial, de soja e milho transgênicos –, além da irrigação do arroz, com impacto das bombas de irrigação, do uso de agrotóxicos, da introdução de espécies exóticas de flora e fauna como o capim-annoni e o javali, do manejo inadequado do solo, com ampliação da erosão e de focos de arenização, da drenagem de áreas úmidas, da mineração, do barramento de rios, da expansão imobiliária e grandes obras. O documento preparado pelo mesmo comitê,  intitulado “Manifesto sobre políticas, planos e projetos de mineração no Rio Grande do Sul e sobre o projeto de mineração "Caçapava do Sul) " (Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e  Fundação Luterana de Diaconia 2018), alerta que no Plano Energético 2016-2025 – RS elaborado pelo Governo do Estado do RS,  assim como no Plano Estadual de Mineração, os quais estabelecem as metas de longo prazo para esses setores,  não houve um esforço para envolver de forma  democrática os Povos e Comunidades Tradicionais e o conjunto de organizações da sociedade civil no processo de elaboração. Também não tem havido esforço para a participação da sociedade civil no que se refere à divulgação do Plano, seu desdobramento e elaboração de políticas específicas.

4. A bacia hidrográfica do Rio Camaquã

Situada no Bioma Pampa, a bacia hidrográfica do rio Camaquã pertence à Região Hidrográfica das Bacias Litorâneas e localiza-se na porção central do Estado do Rio Grande do Sul. Abrange uma área de cerca de 21.657 km² , o que representa 12% da área deste bioma.  Sua população total estimada é de 356 mil habitantes. distribuída em 28 municípios (figura3).

Suas nascentes estão situadas próximas às localidades de Torquato Severo, no município de Dom Pedrito, divisa com o município de Bagé, e Tabuleiro, no município de Lavras do Sul. O rio principal tem uma extensão aproximada de 430 km, desembocando na Laguna dos Patos, entre os municípios de São Lourenço do Sul e Camaquã.

Figura 3. Bacia hidrográfica do rio Camaquã (Fonte: Rio Grande do Sul, 2022)

De acordo com o diagnóstico realizado pelo Plano de Bacia Hidrográfica do rio Camaquã (Rio Grande do Sul, 2016) o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico – IDESE nesta bacia está abaixo da média do estado do Rio Grande do Sul.  A bacia possui 55.072 propriedades rurais, das quais, 44.908 são de agricultura familiar, sendo que a maioria com área inferior ou igual a 20 hectares, abaixo do valor médio do Estado. As lavouras temporárias e a pecuária predominam na região. Embora as propriedades familiares representem 81,54% do total das propriedades, ocupam apenas 22,41% da área, indicando a concentração fundiária na região. A produção de arroz nessa bacia corresponde a aproximadamente 20% da produção do estado, com destaque para a região do Alto Camaquã, principalmente o município de Dom Pedrito, responsável por 20% da produção da bacia hidrográfica.  Outras culturas importantes são o fumo, que representa 28% da produção do estado, e a melancia com 38% da produção estadual.O rebanho bovino é de aproximadamente 3 milhões de cabeças, correspondendo a 20,56% do total do estado.

 Projetos para exploração Chumbo, Ouro, Zinco e Fosfatos na região do Alto Camaquã tem sido objeto de conflitos e intensos debates promovidos principalmente por movimentos sociais e universidades. Recentemente  o Projeto minerário “Caçapava do Sul”  (Projeto Caçapava do Sul, 2016) que visava  a exploração anual  de 36 mil toneladas de chumbo contido, 16 mil toneladas de zinco e cinco mil toneladas de cobre contido, foi cancelado por conta das pressões do movimentos sociais da região que lembram os efeitos do vazamento de mercúrio nas instalações da antiga Companhia Riograndense do Cobre, nas Minas do Camaquã, que ocorreu em 1981, provocando grande mortandade de peixes e a quase extinção do peixe Dourado, Salminus  orbignyanus.

4.1 A biodiversidade da bacia hidrográfica do Rio Camaquã

      Há um consenso entre pesquisadores e gestores que a bacia hidrográfica do rio Camaquã é a que apresenta a melhor qualidade ambiental no estado, contribuindo para isso uma ocupação demográfica muito baixa, com intervenções de baixo impacto como o pastoreio em pastos nativos. Apresenta uma mata ciliar ainda bastante conservada na maior parte de sua extensão, e o próprio rio não recebe aportes de efluentes industriais nem domésticos ao longo de sua extensão, à exceção do arroio duro no baixo Camaquã que recebe os efluentes da cidade de Camaquã. Com o fim da atividade de mineração na década de 1980 o rio se recuperou e apresenta atualmente uma expressiva diversidade de peixes, sendo um dos raros rios no estado que ainda se encontra o Dourado, espécie ameaçada de extinção e outros peixes de piracema como o Prochilodus lineatus (Grumatã), Leporinus obtusidens (Piava).  É reportado ainda para esse rio uma nova espécie de peixe anual, Austrolebias bagual, que já se enquadra como “Criticamente em Perigo”. O Baixo Camaquã compreende uma região de águas mais profundas e ricas em nutrientes. No local existem inúmeros canais e meandros abandonados, “sacos” (áreas onde o rio alarga seu leito) margeados por banhados e grandes áreas inundáveis formano habitats variados e propícios para a reprodução de peixes, como o Citharichthys spilopterus (Linguado), Micropogonias furnieri (Corvina) e Mugil platanus (Tainha) Rio Grande do Sul, 2016). 

      O rio desemboca na Lagoa dos Patos, formando um delta com grande extensão de banhados e mata ripária, com presença de espécies raras ou ameaçadas de extinção como jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris), lontras (Lutra longicauda),  e concentrações invernais de Anatidae e de Rallidae (Fulica spp. e Gallinula chloropus). 

      Nesse delta encontra-se a ilha de Santo Antônio  que conta com espécies da flora ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, como Rollinia maritima, Ephedra tweediana, Butia capitata, Cattleya intermedia, Sideroxylon obtusifolium, Mikania variifolia e Tillandsia geminiflora.  A região do delta do rio Camaquã e banhados adjacentes foi decretada como U.C. estadual, mas até o presente não foi implementada, e sofre frequentes agressões, como desmatamento, drenagem, disposição de resíduos sólidos por turistas, além da caça (Rio Grande do Sul, 2016).

4.2 O Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã.

      O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Camaquã surgiu devido a pressão popular manifestada em 1989, quando ocorreu uma grande mortandade de peixes ocorrida  no Rio Camaquã,  devido a contaminação por  mercúrio utilizado na mineração  ouro em Lavras do Sul, e cobre em Caçapava do Sul. Tal mobilização resultou na criação do Consórcio Intermunicipal de Defesa do rio Camaquã – CIDERCA, em 1991, que deu origem ao atual Comitê da Bacia Hidrográfica,  criado em 28 de julho de 1999. No ano de 2014, o governo do estado do Rio Grande do Sul contratou uma empresa privada para a elaboração do Plano de Bacia do rio Camaquã, o qual foi concluído em 2016 (Rio Grande do Sul, 2016).

            Os objetivos assumidos no plano encontram-se assim definidos: 

  • Propor as intervenções necessárias para a promoção do desenvolvimento sustentável, tendo por base o uso, controle e proteção das águas;
  • Propor um Modelo de Gestão dos Recursos Hídricos;
  • Desenvolver uma Estrutura Organizacional para implementar o Plano de Ações;
  • Criar a capacitação técnica e da sociedade necessária para que o Sistema Estadual de Recursos Hídricos possa funcionar de acordo com a estrutura e o modelo de gestão

      No processo de planejamento foram realizadas apenas três oficinas nos municípios de Camaquã, Encruzilhada do Sul e Caçapava do Sul, com participação de  33,  5 e 10 representantes da sociedade civil respectivamente, denotando um nível muito baixo de envolvimento da comunidade.  A metodologia adotada pela empresa consultora  iniciou com “a apresentação de um resumo do diagnóstico da bacia e dos principais problemas a serem resolvidos, apresentou-se também as ações propostas pela equipe consultora para a solução destes problemas. Na sequência, os participantes foram convidados a contribuir com ideias para a resolução dos problemas, através da inserção de fichas em um painel”. Nota-se, portanto que o nível de participação social na preparação do plano foi muito incipiente, e que a mesma foi orientada à propor soluções para problemas previamente definidos. Os temas tratados do plano foram: escassez de água, erosão e assoreamento, poluição das águas, enchentes e dificuldades no gerenciamento.

5. Conclusão

Na análise do Plano de Bacia Hidrográfica Rio Camaquã  resta evidente o caráter eminentemente técnico  e reativo do  mesmo, o qual trata de identificar tecnicamente os problemas hídricos pela equipe da empresa consultora e através de uma abordagem “top-down” soluções para os problemas identificados, carecendo de um enfoque realmente participativo, dentro de uma abordagem “bottom-up” e  prospectiva,  integrada e sistêmica,  que busque identificar as múltiplas territorialidades, povos e comunidades  presentes na bacia. Além de projetar, sob uma perspectiva de longo prazo, os impactos dos planos, programas e projetos de desenvolvimento existentes, as ameaças de degradação e transformação do bioma Pampa, de suas paisagens, de sua biodiversidade e de sua rica cultura. E, sem contemplar o envolvimento das comunidades no diagnóstico socioambiental e no desenho de um cenário futuro sustentável para essa bacia hidrográfica. Esse artigo pretendeu promover uma discussão nesse sentido.

 

[1] A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais define povos e comunidades tradicionais como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”

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