Editorial da Edição
RPPR Rio de Janeiro, Vol. 10, No. 3, Setembro a Dezembro de 2023 - publicado em setembro de 2023
O primeiro artigo do nº 3 das autoras Paola Beatriz May Rebollar, Stephany Lopes e Gabriela Vieira Imhof com o título “O acesso às políticas públicas para agricultura familiar e seu não-recurso (non-take-up)” discute o acesso às políticas públicas para agricultura familiar em Santa Catarina. O método empregado foi a observação participante em diferentes eventos coletivos de agricultores familiares. Pesquisas acadêmicas adotam um referencial teórico denominado Não-Recurso para analisar a efetividade das políticas públicas conforme o acesso por parte dos beneficiários. Por que parte do público-alvo de políticas públicas para a agricultura familiar não acessam seus direitos conforme previsto na legislação? O objetivo foi identificar quais as políticas públicas mais acessadas pelos agricultores familiares da área de pesquisa, indicando possíveis explicações para este acesso. Os agricultores locais são favorecidos por políticas diversas, mas desconhecem parte significativa destas. Observamos que a política de ATER - Assistência Técnica e Extensão Rural - é acessada por praticamente todos os agricultores e tem papel relevante no acesso às demais. Propõe-se que a existência de um projeto de desenvolvimento construído coletivamente permite maior efetividade na implementação das políticas para agricultura familiar.
O segundo artigo do autor Paulo Roberto Armanini Tagliani com o título “A Avaliação Ambiental Estratégica na transição para a sustentabilidade: o caso da bacia hidrográfica do Rio Camaquã – Bioma Pampa” elegeu como referência empírica a bacia hidrográfica do Rio Camaquã que está situada na metade sul do Rio Grande do Sul. Como nova fronteira do desenvolvimento do estado carece de uma visão sistêmica e integrada para lidar com projetos setoriais que constituem uma ameaça à sua biodiversidade, sua paisagem e sua cultura. Tem sido uma fonte de conflitos sociais entre setores governamentais, setor privado, pesquisadores, ambientalistas, povos e comunidades tradicionais. Tal situação denota a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica, de forma a construir uma visão de futuro sustentável, capaz de mediar entre objetivos sociais, ambientais, institucionais, políticos e econômicos. Esse artigo tem o propósito de contribuir nesse sentido.
O artigo “Desenvolvimento regional e gestão descentralizada: Resultados da consulta popular nos COREDEs Nordeste e Norte do Rio Grande do Sul” dos autores Zenicleia A. Deggerone, Marcia R. M. H. Porsch, Xandriéli M. Sbruzzi e Natalia Perondi tem por objetivo identificar, apos verificar as prioridades eleitas pela população para fomentar o desenvolvimento regional, quais foram as ações implementadas por meio da política de gestão compartilhada nos COREDEs Nordeste e Norte no estado do Rio Grande do Sul, entre 2015 e 2021. Foram realizadas, referente a esta região, uma pesquisa bibliográfica e documental e uma coleta de informações junto aos bancos de dados da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão e do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul entre 2015 e 2021. Como resultado de sua análise, foram identificadas as demandas consideradas prioritárias e uma redução da participação da população na escolha das prioridades regionais. Conclui-se que os projetos apoiados possuem um caráter emergencial e não apresentam uma ação planejada voltada a promover o desenvolvimento regional dos COREDEs Nordeste e Norte.
O artigo de Carlos Stavizki Junior e Virginia Elisabeta Etges com o título “Estratégias de prevenção ao suicídio e a racionalidade hegemônica: reflexões a partir do campo do Desenvolvimento Regional” identifica e caracteriza a racionalidade das políticas de prevenção ao suicídio, a partir do Rio Grande do Sul, e as relaciona aos conceitos teóricos do campo do Desenvolvimento Regional. Ao considerar diferentes perspectivas da problemática, discute as políticas públicas de saúde mental e o tratamento de fatores de risco para o suicídio. Caracteriza o fenômeno a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/DataSUS), segundo um estudo ecológico dos principais eventos ligados ao tema. Nota que a racionalidade própria ao tema ligada à uma lógica clínica e de tratamento de uma abordagem individualizante, reduz o debate interdisciplinar e a participação de outros campos da ciência sobre prevenção ao suicídio o trabalho. Conclui, ao incluir o território como agente na promoção de soluções ao fenômeno, a capacidade de o campo do Desenvolvimento Regional ser capaz de inovar ações de prevenção ao suicídio no âmbito das políticas públicas.
O artigo de Thais F. Torres, Daniela B. B. Oliveira e Vicente P. S. Oliveira com o título “Expansão urbana e transformações hídricas: análise numa perspectiva histórica da paisagem urbana de Campos dos Goytacazes/RJ” apresenta uma ampla caracterização da situação da cidade que tem passado por notáveis transformações territoriais nos últimos anos, com alterações em sua paisagem urbana que impactam diretamente os recursos hídricos. Numa perspectiva histórica, pretende caracterizar as transformações hídricas na mancha urbana do município e identificar de que forma o crescimento urbano e as ocupações em áreas de vulnerabilidade ambiental impactam os mesmos. Na base de revisões bibliográficas e documentais, além de visitas de campo e levantamento fotográfico, foram elaborados mapas temáticos. Desta forma, identificou-se nos elementos hídricos do município um grande potencial paisagístico para o desenvolvimento urbano, que, contrariamente, foram vistos como empecilhos por muito tempo. Avalia-se que, no contexto atual, esses elementos podem significar importantes elementos do Sistema de Espaços Livres e fundamentais para a drenagem urbana.
O artigo “Práticas de planejamento e gestão territorial diante da formação de assentimentos precários e áreas de riscos enquanto simultaneidades urbanas” de Caroline Barros de Sales tem como objetivo discutir a relação existente entre a formação de assentamentos precários e de áreas de riscos nas cidades brasileiras. Pretende, também, identificar os avanços e limitações para seu enfrentamento, bem como as convergências referentes às práticas de planejamento e gestão territorial refletindo as implicações no desenvolvimento de uma nova práxis. Defende-se a hipótese de que essas problemáticas podem ser consideradas simultaneidades urbanas nas cidades brasileiras e que, apesar dos reconhecidos avanços nos âmbitos jurídico, institucional e científico do planejamento urbano e ambiental, limitações ainda persistem e se destacam de maneira que tornam necessárias uma nova práxis ainda não desenvolvida efetivamente. Para o desenvolvimento do artigo, tomamos como base parte da literatura existente sobre o tema no Brasil, que foi desenvolvida e publicada, principalmente nas últimas duas décadas, e estudos que avaliaram as experiências realizadas em metrópoles brasileiras.
O artigo com o título “Mulheres na luta por moradia: Insurgência e empoderamento na ocupação Marielle Franco em Florianópolis (SC)” dos autores Julia Perin Pellizzaro e Francisco Canella pretende oferecer as lutas urbanas brasileiras por uma visão de tipologia etnográfica pontual e em recorte local. Ao entrevistar-se lideranças mulheres de uma ocupação da capital catarinense, logrou-se compreender uma parte das vivências que direcionaram suas trajetórias ao atual contexto e entender as várias camadas sociais que as atravessam. Foi escolhido o uso da história oral de vida para que justamente fosse possível adentrar na perspectiva das lutas urbanas – especificamente da moradia – desde adentro. A análise da prática insurgente – de âmbito mais coletivo – e o empoderamento – mais individual – garantem um entendimento de suas ações em diferentes escalas.
Como última contribuição deste número, o trabalho de Maria Julia Batista De Oliveira Reis com o título “´Coca, água, latão´: O trabalho por conta própria nos trens cariocas” visa mostrar elementos de uma particular expressão do “mundo do trabalho” do capitalismo na sua faceta da informalização e precarização de relações de trabalho em ambiente urbano. Com a redução de direitos trabalhistas, no Brasil, agravou-se o fenômeno da informalidade no trabalho; em especial, houve um aumento dos trabalhadores por conta própria ao longo dos anos. Dentro deste contexto, foi realizada uma pesquisa exploratória a respeito da experiência laboral de dez jovens ambulantes na ferrovia da cidade do Rio de Janeiro cujo gerenciamento está a cargo da SuperVia. A partir dos resultados obtidos por questionários e entrevistas, buscou-se identificar elementos do trabalho e das dinâmicas dos trabalhadores ambulantes e de conta própria que possam evidenciar precarização e informalização na cidade.